NÃO SAIBA A VOSSA MÃO ESQUERDA O QUE DÊ A VOSSA MÃO
DIREITA
Fazer o bem sem ostentação
1. Tende cuidado em não praticar as boas obras diante dos homens, para
serem vistas, pois, do contrário, não recebereis recompensa de vosso Pai que
está nos céus. Assim, quando derdes esmola, não trombeteeis, como fazem os
hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens.
Digo-vos, em verdade, que eles já receberam sua recompensa. Quando derdes
esmola, não saiba a vossa mão esquerda o que faz a vossa mão direita; a fim
de que a esmola fique em segredo, e vosso Pai, que vê o que se passa em
segredo, vos recompensará. (S. Mateus, 6:1 a 4.)
2. Tendo Jesus descido do monte, grande multidão o seguiu. Ao mesmo
tempo, um leproso veio ao seu encontro e o adorou, dizendo: Senhor, se
quiseres, poderás curar-me. Jesus, estendendo a mão, o tocou e disse:
Quero-o, fica curado; no mesmo instante desapareceu a lepra. Disse-lhe então
Jesus: abstém-te de falar disto a quem quer que seja; mas, vai mostrar-te aos
sacerdotes e oferece o dom prescrito por Moisés, a fim de que lhes sirva de
prova. (S. Mateus, 8:1 a 4.)
3. Em fazer o bem sem
ostentação há grande mérito; ainda mais meritório é ocultar a mão que dá;
constitui marca incontestável de grande superioridade moral, porquanto, para
encarar as coisas de mais alto do que o faz o vulgo, mister se torna abstrair
da vida presente e identificar-se com a vida futura; numa palavra, colocar-se
acima da humanidade, para renunciar à satisfação que advém do testemunho dos
homens e esperar a aprovação de Deus. Aquele que prefere ao de Deus o sufrágio
dos homens prova que mais fé deposita nestes do que na Divindade e que mais
valor dá à vida presente do que à futura. Se diz o contrário, procede como se
não cresse no que diz.
Quantos há que só dão na esperança de que o que recebe irá bradar por toda a parte o benefício recebido! Quantos os que, de público, dão grandes somas e que, entretanto, às ocultas, não dariam uma só moeda! Foi por isso que Jesus declarou: “Os que fazem o bem ostentosamente já receberam sua recompensa.” Com efeito, aquele que procura a sua própria glorificação na Terra, pelo bem que pratica, já se pagou a si mesmo; Deus nada mais lhe deve; só lhe resta receber a punição do seu orgulho.
Não saber a mão esquerda o que
dá a mão direita é uma imagem que caracteriza admiravelmente a beneficência
modesta. Mas, se há a modéstia real, também há a falsa modéstia, o simulacro da
modéstia. Há pessoas que ocultam a mão que dá, tendo, porém, o cuidado de
deixar aparecer um pedacinho, olhando em volta para verificar se alguém não o
terá visto ocultá-la. Indigna paródia das máximas do Cristo! Se os benfeitores
orgulhosos são depreciados entre os homens, que não será perante Deus? Também
esses já receberam na Terra sua recompensa. Foram vistos; estão satisfeitos por
terem sido vistos. É tudo o que terão.
E qual poderá ser a recompensa
do que faz pesar os seus benefícios sobre aquele que os recebe, que lhe impõe,
de certo modo, testemunhos de reconhecimento, que lhe faz sentir a sua posição,
exaltando o preço dos sacrifícios a que se vota para beneficiá-lo? Oh! para
esse, nem mesmo a recompensa terrestre existe, porquanto ele se vê privado da
grata satisfação de ouvir bendizer-lhe do nome e é esse o primeiro castigo do
seu orgulho. As lágrimas que seca por vaidade, em vez de subirem ao Céu, recaíram
sobre o coração do aflito e o ulceraram. Do bem que praticou nenhum proveito
lhe resulta, pois que ele o deplora, e todo benefício deplorado é moeda falsa e
sem valor.
A beneficência praticada sem
ostentação tem duplo mérito. Além de ser caridade material, é caridade moral,
visto que resguarda a suscetibilidade do beneficiado, faz-lhe aceitar o
benefício, sem que seu amor-próprio se ressinta e salvaguardando-lhe a
dignidade de homem, porquanto aceitar um serviço é coisa bem diversa de receber
uma esmola. Ora, converter em esmola o serviço, pela maneira de prestá-lo, é
humilhar o que o recebe, e, em humilhar a outrem, há sempre orgulho e maldade.
A verdadeira caridade, ao contrário, é delicada e engenhosa no dissimular o
benefício, no evitar até as simples aparências capazes de melindrar, dado que
todo atrito moral aumenta o sofrimento que se origina da necessidade. Ela sabe
encontrar palavras brandas e afáveis que colocam o beneficiado à vontade em
presença do benfeitor, ao passo que a caridade orgulhosa o esmaga. A verdadeira
generosidade adquire toda a sublimidade, quando o benfeitor, invertendo os
papéis, acha meios de figurar como beneficiado diante daquele a quem presta
serviço. Eis o que significam estas palavras: “Não saiba a mão esquerda o que dá
a direita.”
Os infortúnios ocultos
4. Nas grandes calamidades, a
caridade se emociona e observam-se impulsos generosos, no sentido de reparar os
desastres. Mas, a par desses desastres gerais, há milhares de desastres
particulares, que passam despercebidos: os dos que jazem sobre um grabato sem
se queixarem. Esses infortúnios discretos e ocultos são os que a verdadeira
generosidade sabe descobrir, sem esperar que peçam assistência.
Quem é esta mulher de ar
distinto, de traje tão simples, embora bem cuidado, e que traz em sua companhia
uma mocinha tão modestamente vestida? Entra numa casa de sórdida aparência,
onde sem dúvida é conhecida, pois que à entrada a saúdam respeitosamente. Aonde
vai ela? Sobe até a mansarda, onde jaz uma mãe de família cercada de crianças.
À sua chegada, refulge a alegria naqueles rostos emagrecidos. É que ela vai
acalmar ali todas as dores. Traz o de que necessitam, condimentado de meigas e
consoladoras palavras, que fazem que os seus protegidos, que não são
profissionais da mendicância, aceitem o benefício, sem corar. O pai está no
hospital e, enquanto lá permanece, a mãe não consegue com o seu trabalho prover
as necessidades da família. Graças à boa senhora, aquelas pobres crianças não
mais sentirão frio, nem fome; irão à escola agasalhadas e, para as menorzinhas,
o leite não secará no seio que as amamenta. Se entre elas alguma adoece, não
lhe repugnarão a ela, à boa dama, os cuidados materiais de que essa necessite.
Dali vai ao hospital levar ao pai algum reconforto e tranquilizá-lo sobre a
sorte da família. No canto da rua, uma carruagem a espera, verdadeiro armazém
de tudo o que destina aos seus protegidos, que todos lhe recebem sucessivamente
a visita. Não lhes pergunta qual a crença que professam, nem quais suas
opiniões, pois considera como seus irmãos e filhos de Deus todos os homens.
Terminado o seu giro, diz de si para consigo: Comecei bem o meu dia. Qual o seu
nome? Onde mora? Ninguém o sabe. Para os infelizes, é um nome que nada indica;
mas é o anjo da consolação. À noite, um concerto de bênçãos se eleva em seu
favor ao Pai celestial: católicos, judeus, protestantes, todos a bendizem.
Por que tão singelo traje? Para
não insultar a miséria com o seu luxo. Por que se faz acompanhar da filha? Para
que aprenda como se deve praticar a beneficência. A mocinha também quer fazer a
caridade. A mãe, porém, lhe diz: “Que podes dar, minha filha, quando nada tens
de teu? Se eu te passar às mãos alguma coisa para que dês a outrem, qual será o
teu mérito? Nesse caso, em realidade, serei eu quem faz a caridade; que merecimento
terias nisso? Não é justo. Quando visitamos os doentes, tu me ajudas a
tratá-los. Ora, dispensar cuidados é dar alguma coisa. Não te parece bastante
isso? Nada mais simples. Aprende a fazer obras úteis e confeccionarás roupas
para essas criancinhas. Desse modo, darás alguma coisa que vem de ti.” É assim
que aquela mãe verdadeiramente cristã prepara a filha para a prática das
virtudes que o Cristo ensinou. É espírita ela? Que importa!
Em casa, é a mulher do mundo,
porque a sua posição o exige. Ignoram, porém, o que faz, porque ela não deseja
outra aprovação, além da de Deus e da sua consciência. Certo dia, no entanto,
imprevista circunstância leva-lhe a casa uma de suas protegidas, que andava a
vender trabalhos executados por suas mãos. Esta última, ao vê-la, reconheceu
nela a sua benfeitora. “Silêncio! ordena-lhe a senhora. Não o digas a ninguém.”
Falava assim Jesus.
O óbolo da viúva
5. Estando Jesus sentado
defronte do gazofilácio, a observar de que modo o povo lançava ali o dinheiro,
viu que muitas pessoas ricas o deitavam em abundância. — Nisso, veio também uma
pobre viúva que apenas deitou duas pequenas moedas do valor de dez centavos
cada uma. — Chamando então seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que
esta pobre viúva deu muito mais do que todos os que antes puseram suas dádivas
no gazofilácio; — por isso que todos os outros deram do que lhes abunda, ao
passo que ela deu do que lhe faz falta, deu mesmo tudo o que tinha para seu
sustento. (S. Marcos, 12:41 a 44; S. Lucas, 21:1 a 4.)
6. Muita gente deplora não
poder fazer todo o bem que desejara, por falta de recursos suficientes, e, se
desejam possuir riquezas, é, dizem, para lhes dar boa aplicação. É sem dúvida
louvável a intenção e pode até nalguns ser sincera. Dar-se-á, contudo, seja completamente
desinteressada em todos? Não haverá quem, desejando fazer bem aos outros, muito
estimaria poder começar por fazê-lo a si próprio, por proporcionar a si mesmo
alguns gozos mais, por usufruir de um pouco do supérfluo que lhe falta, pronto
a dar aos pobres o resto? Esta segunda intenção, que esses tais porventura
dissimulam aos seus próprios olhos, mas que se lhes depararia no fundo dos seus
corações, se eles os perscrutassem, anula o mérito do intento, visto que, com a
verdadeira caridade, o homem pensa nos outros antes de pensar em si. O ponto
sublimado da caridade, nesse caso, estaria em procurar ele no seu trabalho,
pelo emprego de suas forças, de sua inteligência, de seus talentos, os recursos
de que carece para realizar seus generosos propósitos.
Haveria nisso o sacrifício que
mais agrada ao Senhor. Infelizmente, a maioria vive a sonhar com os meios de
mais facilmente se enriquecer de súbito e sem esforço, correndo atrás de
quimeras, quais a descoberta de tesouros, de uma favorável ensancha aleatória,
do recebimento de inesperadas heranças, etc. Que dizer dos que esperam
encontrar nos Espíritos auxiliares que os secundem na consecução de tais
objetivos? Certamente não conhecem, nem compreendem a sagrada finalidade do
Espiritismo e, ainda menos, a missão dos Espíritos a quem Deus permite se
comuniquem com os homens. Daí vem o serem punidos pelas decepções, ( O Livro
dos Médiuns, 2ª Parte, nºs 294 e 295.)
Aqueles cuja intenção está
isenta de qualquer ideia pessoal, devem consolar-se da impossibilidade em que
se veem de fazer todo o bem que desejariam, lembrando-se de que o óbolo do
pobre, do que dá privando-se do necessário, pesa mais na balança de Deus do que
o ouro do rico que dá sem se privar de coisa alguma, Grande seria realmente a
satisfação do primeiro, se pudesse socorrer, em larga escala, a indigência;
mas, se essa satisfação lhe é negada, submeta-se e se limite a fazer o que
possa. Aliás, será só com o dinheiro que se podem secar lágrimas e dever-se-á
ficar inativo, desde que se não tenha dinheiro? Todo aquele que sinceramente
deseja ser útil a seus irmãos, mil ocasiões encontrará de realizar o seu
desejo. Procure-as e elas se lhe depararão; se não for de um modo, será de
outro, porque ninguém há que, no pleno gozo de suas faculdades, não possa
prestar um serviço qualquer, prodigalizar um consolo, minorar um sofrimento
físico ou moral, fazer um esforço útil. Não dispõem todos, à falta de dinheiro,
do seu trabalho, do seu tempo, do seu repouso, para de tudo isso dar uma parte
ao próximo? Também aí está a dádiva do pobre, o óbolo da viúva.
Convidar os pobres e os estropiados
7. Disse também àquele que o convidara: Quando derdes um jantar ou uma
ceia, não convideis nem os vossos amigos, nem os vossos irmãos, nem os vossos
parentes, nem os vossos vizinhos que forem ricos, para que em seguida não vos
convidem a seu turno e assim retribuam o que de vós receberam. — Quando derdes
um festim, convidai para ele os pobres, os estropiados, os coxos e os cegos. —
E sereis ditosos por não terem eles meios de vo-lo retribuir, pois isso será
retribuído na ressurreição dos justos.
Um dos que se achavam à mesa, ouvindo essas palavras, disse-lhe: Feliz do
que comer do pão no reino de Deus! (S. Lucas, 14:12 a 15.)
8. “Quando derdes um festim,
disse Jesus, não convideis para ele os vossos amigos, mas os pobres e os
estropiados.” Estas palavras, absurdas se tomadas ao pé da letra, são sublimes,
se lhes buscarmos o espírito. Não é possível que Jesus haja pretendido que, em
vez de seus amigos, alguém reúna à sua mesa os mendigos da rua. Sua linguagem
era quase sempre figurada e, para os homens incapazes de apanhar os delicados
matizes do pensamento, precisava servir-se de imagens fortes, que produzissem o
efeito de um colorido vivo. O âmago do seu pensamento se revela nesta
proposição: “E sereis ditosos por não terem eles meios de vo-lo retribuir.”
Quer dizer que não se deve fazer o bem tendo em vista uma retribuição, mas
tão-só pelo prazer de o praticar. Usando de uma comparação vibrante, disse:
Convidai para os vossos festins os pobres, pois sabeis que eles nada vos podem
retribuir. Por festins deveis entender, não os repastos propriamente ditos, mas
a participação na abundância de que desfrutais.
Todavia, aquela advertência
também pode ser aplicada em sentido mais literal. Quantos não convidam para
suas mesas apenas os que podem, como eles dizem, fazer-lhes honra, ou, a seu
turno, convidá-los! Outros, ao contrário, encontram satisfação em receber os
parentes e amigos menos felizes. Ora, quem não os conta entre os seus? Dessa
forma, grande serviço, às vezes, se lhes presta, sem que o pareça. Aqueles, sem
irem recrutar os cegos e os estropiados, praticam a máxima de Jesus, se o fazem
por benevolência, sem ostentação, e sabem dissimular o benefício, por meio de
uma sincera cordialidade.
Instruções dos Espíritos
A caridade material e a caridade moral
9. “Amemo-nos uns aos outros e
façamos aos outros o que quereríamos nos fizessem eles.” Toda a religião, toda
a moral se acham encerradas nestes dois preceitos. Se fossem observados nesse
mundo, todos seríeis felizes: não mais aí ódios, nem ressentimentos. Direi
ainda: não mais pobreza, porquanto, do supérfluo da mesa de cada rico, muitos
pobres se alimentariam e não mais veríeis, nos quarteirões sombrios onde
habitei durante a minha última encarnação, pobres mulheres arrastando consigo
miseráveis crianças a quem tudo faltava.
Ricos! pensai nisto um pouco.
Auxiliai os infelizes o melhor que puderdes. Dai, para que Deus, um dia, vos
retribua o bem que houverdes feito, para que tenhais, ao sairdes do vosso
invólucro terreno, um cortejo de Espíritos agradecidos, a receber-vos no limiar
de um mundo mais ditoso.
Se pudésseis saber da alegria
que experimentei ao encontrar no Além aqueles a quem, na minha última existência,
me fora dado servir!...
Amai, portanto, o vosso
próximo; amai-o como a vós mesmos, pois já sabeis, agora, que, repelindo um
desgraçado, estareis, quiçá, afastando de vós um irmão, um pai, um amigo vosso
de outrora. Se assim for, de que desespero não vos sentireis presa, ao
reconhecê-lo no mundo dos Espíritos!
Desejo compreendais bem o que
seja a caridade moral, que todos podem praticar, que nada custa, materialmente
falando, porém, que é a mais difícil de exercer-se.
A caridade moral consiste em se
suportarem umas às outras as criaturas e é o que menos fazeis nesse mundo
inferior, onde vos achais, por agora, encarnados. Grande mérito há, crede-me,
em um homem saber calar-se, deixando fale outro mais tolo do que ele. É um
gênero de caridade isso. Saber ser surdo quando uma palavra zombeteira se
escapa de uma boca habituada a escarnecer; não ver o sorriso de desdém com que
vos recebem pessoas que, muitas vezes erradamente, se supõem acima de vós,
quando na vida espírita, a única real, estão, não raro, muito abaixo, constitui
merecimento, não do ponto de vista da humildade, mas do da caridade, porquanto
não dar atenção ao mau proceder de outrem é caridade moral.
Essa caridade, no entanto, não
deve obstar à outra. Tende, porém, cuidado, principalmente em não tratar com
desprezo o vosso semelhante. Lembrai-vos de tudo o que já vos tenho dito: Tende
presente sempre que, repelindo um pobre, talvez repilais um Espírito que vos
foi caro e que, no momento, se encontra em posição inferior à vossa. Encontrei
aqui um dos pobres da Terra, a quem, por felicidade, eu pudera auxiliar algumas
vezes, e ao qual, a meu turno, tenho agora de implorar auxílio.
Lembrai-vos de que Jesus disse
que todos somos irmãos e pensai sempre nisso, antes de repelirdes o leproso ou
o mendigo. Adeus: pensai nos que sofrem e orai. (Irmã Rosália. Paris, 1860).
10. Meus amigos, a muitos
dentre vós tenho ouvido dizer: Como hei de fazer caridade, se amiúde nem mesmo
do necessário disponho?
Amigos, de mil maneiras se faz
a caridade. Podeis fazê-la por pensamentos, por palavras e por ações. Por
pensamentos, orando pelos pobres abandonados, que morreram sem se acharem
sequer em condições de ver a luz. Uma prece feita de coração os alivia. Por
palavras, dando aos vossos companheiros de todos os dias alguns bons conselhos,
dizendo aos que o desespero, as privações azedaram o ânimo e levaram a
blasfemar do nome do Altíssimo: “Eu era como sois; sofria, sentia-me
desgraçado, mas acreditei no Espiritismo e, vede, agora, sou feliz.” Aos velhos
que vos disserem: “É inútil; estou no fim da minha jornada; morrerei como
vivi”, dizei: “Deus usa de justiça igual para com todos nós; lembrai-vos dos
obreiros da última hora.” Às crianças já viciadas pelas companhias de que se
cercaram e que vão pelo mundo, prestes a sucumbir às más tentações, dizei:
“Deus vos vê, meus caros pequenos”, e não vos canseis de lhes repetir essas
brandas palavras. Elas acabarão por lhes germinar nas inteligências infantis e,
em vez de vagabundos, fareis deles homens. Também isso é caridade.
Dizem, outros dentre vós: “Ora!
somos tão numerosos na Terra, que Deus não nos pode ver a todos.” Escutai bem
isto, meus amigos: Quando estais no cume da montanha, não abrangeis com o olhar
os bilhões de grãos de areia que a cobrem? Pois bem: do mesmo modo vos vê Deus.
Ele vos deixa usar do vosso livre-arbítrio, como vós deixais que esses grãos de
areia se movam ao sabor do vento que os dispersa. Apenas, Deus, em sua
misericórdia infinita, vos pôs no fundo do coração uma sentinela vigilante, que
se chama consciência. Escutai-a, que somente bons conselhos ela vos dará. Às
vezes, conseguis entorpecê-la, opondo-lhe o espírito do mal. Ela, então, se
cala. Mas, ficai certos de que a pobre escorraçada se fará ouvir, logo que lhe
deixardes aperceber-se da sombra do remorso. Ouvi-a, interrogai-a e com
frequência vos achareis consolados com o conselho que dela houverdes recebido.
Meus amigos, a cada regimento
novo o general entrega um estandarte. Eu vos dou por divisa esta máxima do
Cristo: “Amai-vos uns aos outros.” Observai esse preceito, reuni-vos todos em
torno dessa bandeira e tereis ventura e consolação. (Um Espírito protetor.
Lião, 1860).
A beneficência
11. A beneficência, meus
amigos, dar-vos-á nesse mundo os mais puros e suaves deleites, as alegrias do
coração, que nem o remorso, nem a indiferença perturbam. Oh! Pudésseis
compreender tudo o que de grande e de agradável encerra a generosidade das
almas belas, sentimento que faz olhe a criatura as outras como olha a si mesma,
e se dispa, jubilosa, para vestir o seu irmão! Pudésseis, meus amigos, ter por
única ocupação tornar felizes os outros! Quais as festas mundanas que podereis
comparar às que celebrais quando, como representantes da Divindade, levais a
alegria a essas famílias que da vida apenas conhecem as vicissitudes e as
amarguras, quando vedes nelas os semblantes macerados refulgirem subitamente de
esperança, porque, faltos de pão, os desgraçados ouviam seus filhinhos,
ignorantes de que viver é sofrer, gritando repetidamente, a chorar, estas
palavras, que, como agudo punhal, se lhes enterravam nos corações maternos:
“Estou com fome!. . .” Oh! compreendei quão deliciosas são as impressões que
recebe aquele que vê renascer a alegria onde, um momento antes, só havia
desespero! Compreendei as obrigações que tendes para com os vossos irmãos! Ide,
ide ao encontro do infortúnio; ide em socorro, sobretudo, das misérias ocultas,
por serem as mais dolorosas! Ide, meus bem-amados, e tende em mente estas
palavras do Salvador: “Quando vestirdes a um destes pequeninos, lembrai-vos de
que é a mim que o fazeis!”
Caridade! Sublime palavra que
sintetiza todas as virtudes, és tu que hás de conduzir os povos à felicidade.
Praticando-te, criarão eles para si infinitos gozos no futuro e, enquanto se
acharem exilados na Terra, tu lhes serás a consolação, o prelibar das alegrias
de que fruirão mais tarde, quando se encontrarem reunidos no seio do Deus de
amor. Foste tu, virtude divina, que me proporcionaste os únicos momentos de
satisfação de que gozei na Terra. Que os meus irmãos encarnados creiam na
palavra do amigo que lhes fala, dizendo-lhes: É na caridade que deveis procurar
a paz do coração, o contentamento da alma, o remédio para as aflições da vida.
Oh! quando estiverdes a ponto de acusar a Deus, lançai um olhar para baixo de
vós; vede que de misérias a aliviar, que de pobres crianças sem família, que de
velhos sem qualquer mão amiga que os ampare e lhes feche os olhos quando a
morte os reclame! Quanto bem a fazer! Oh! não vos queixeis; ao contrário,
agradecei a Deus e prodigalizai a mancheias a vossa simpatia, o vosso amor, o
vosso dinheiro por todos os que, deserdados dos bens desse mundo, enlanguescem
na dor e no insulamento! Colhereis nesse mundo bem doces alegrias e, mais tarde...
só Deus o sabe!... (Adolfo, bispo de Argel, Bordéus, 1861).
12. Sede bons e caridosos: essa
a chave dos céus, chave que tendes em vossas mãos. Toda a eterna felicidade se
contém neste preceito: “Amai-vos uns aos outros.” Não pode a alma elevar-se às
altas regiões espirituais, senão pelo devotamento ao próximo; somente nos
arroubos da caridade encontra ela ventura e consolação. Sede bons, amparai os
vossos irmãos, deixai de lado a horrenda chaga do egoísmo. Cumprido esse dever,
abrir-se-vos-á o caminho da felicidade eterna. Ao demais, qual dentre vós ainda
não sentiu o coração pulsar de júbilo, de íntima alegria, à narrativa de um ato
de bela dedicação, de uma obra verdadeiramente caridosa? Se unicamente
buscásseis a volúpia que uma ação boa proporciona, conservar-vos-íeis sempre na
senda do progresso espiritual. Não vos faltam os exemplos; rara é apenas a boa
vontade. Notai que a vossa história guarda piedosa lembrança de uma multidão de
homens de bem.
Não vos disse Jesus tudo o que
concerne às virtudes da caridade e do amor? Por que desprezar os seus
ensinamentos divinos? Por que fechar o ouvido às suas divinas palavras, o
coração a todos os seus bondosos preceitos? Quisera eu que dispensassem mais
interesse, mais fé às leituras evangélicas. Desprezam, porém, esse livro,
consideram-no repositório de palavras ocas, uma carta fechada; deixam no
esquecimento esse código admirável. Vossos males provêm todos do abandono
voluntário a que votais esse resumo das leis divinas. Lede-lhe as páginas
cintilantes do devotamento de Jesus, e meditai-as.
Homens fortes, armai-vos;
homens fracos, fazei da vossa brandura, da vossa fé, as vossas armas. Sede mais
persuasivos, mais constantes na propagação da vossa nova doutrina. Apenas
encorajamento é o que vos vimos dar; apenas para vos estimularmos o zelo e as
virtudes é que Deus permite nos manifestemos a vós outros. Mas, se cada um o
quisesse, bastaria a sua própria vontade e a ajuda de Deus; as manifestações
espíritas unicamente se produzem para os de olhos fechados e corações indóceis.
A caridade é a virtude
fundamental sobre que há de repousar todo o edifício das virtudes terrenas. Sem
ela não existem as outras. Sem a caridade não há esperar melhor sorte, não há
interesse moral que nos guie; sem a caridade não há fé, pois a fé não é mais do
que pura luminosidade que torna brilhante uma alma caridosa.
A caridade é, em todos os
mundos, a eterna âncora de salvação; é a mais pura emanação do próprio Criador;
é a sua própria virtude, dada por ele à criatura. Como desprezar essa bondade
suprema? Qual o coração, disso ciente, bastante perverso para recalcar em si e
expulsar esse sentimento todo divino? Qual o filho bastante mau para se rebelar
contra essa doce carícia: a caridade?
Não ouso falar do que fiz,
porque também os Espíritos têm o pudor de suas obras; considero, porém, a que
iniciei como uma das que mais hão de contribuir para o alívio dos vossos
semelhantes. Vejo com frequência os Espíritos a pedirem lhes seja dado, por
missão, continuar a minha tarefa. Vejo-os, minhas bondosas e queridas irmãs, no
piedoso e divino ministério; vejo-os praticando a virtude que vos recomendo,
com todo o júbilo que deriva de uma existência de dedicação e sacrifícios.
Imensa dita é a minha, por ver quanto lhes honra o caráter, quão estimada e
protegida é a missão que desempenham. Homens de bem, de boa e firme vontade,
uni-vos para continuar amplamente a obra de propagação da caridade; no exercício
mesmo dessa virtude, encontrareis a vossa recompensa; não há alegria espiritual
que ela não proporcione já na vida presente. Sede unidos, amai-vos uns aos
outros, segundo os preceitos do Cristo. Assim seja. (S. Vicente de Paulo. Paris,
1858).
13. Chamo-me Caridade; sigo o
caminho principal que conduz a Deus. Acompanhai-me, pois conheço a meta a que
deveis todos visar.
Dei esta manhã o meu giro
habitual e, com o coração amargurado, venho dizer-vos: Oh! meus amigos, que de
misérias, que de lágrimas, quanto tendes de fazer para secá-las todas! Em vão,
procurei consolar algumas pobres mães, dizendo-lhes ao ouvido: Coragem! há
corações bons que velam por vós; não sereis abandonadas; paciência! Deus lá
está; sois dele amadas, sois suas eleitas. Elas pareciam ouvir-me e volviam
para o meu lado os olhos arregalados de espanto; eu lhes lia no semblante que
seus corpos, tiranos do Espírito, tinham fome e que, se é certo que minhas
palavras lhes serenavam um pouco os corações, não lhes reconfortavam os estômagos.
Repetia-lhes: Coragem! Coragem! Então, uma pobre mãe, ainda muito moça, que
amamentava uma criancinha, tomou-a nos braços e a estendeu no espaço vazio,
como a pedir-me que protegesse aquele entezinho que só encontrava, num seio
estéril, insuficiente alimentação.
Alhures vi, meus amigos, pobres
velhos sem trabalho e, em consequência, sem abrigo, presas de todos os
sofrimentos da penúria e, envergonhados de sua miséria, sem ousarem, eles que
nunca mendigaram, implorar a piedade dos transeuntes. Com o coração túmido de
compaixão, eu, que nada tenho, me fiz mendiga para eles e vou, por toda a
parte, estimular a beneficência, inspirar bons pensamentos aos corações
generosos e compassivos. Por isso é que aqui venho, meus amigos, e vos digo: Há
por aí desgraçados, em cujas choupanas falta o pão, os fogões se acham sem lume
e os leitos sem cobertas. Não vos digo o que deveis fazer; deixo aos vossos
bons corações a iniciativa. Se eu vos ditasse o proceder, nenhum mérito vos
traria a vossa boa ação. Digo-vos apenas: Sou a caridade e vos estendo as mãos
pelos vossos irmãos que sofrem.
Mas, se peço, também dou e dou
muito. Convido-vos para um grande banquete e forneço a árvore onde todos vos
saciareis! Vede quanto é bela, como está carregada de flores e de frutos! Ide,
ide, colhei, apanhai todos os frutos dessa magnificente árvore que se chama a
beneficência. No lugar dos ramos que lhe tirardes, atarei todas as boas ações
que praticardes e levarei a árvore a Deus, que a carregará de novo, porquanto a
beneficência é inexaurível. Acompanhai-me, pois, meus amigos, a fim de que eu
vos conte entre os que se arrolam sob a minha bandeira. Nada temais; eu vos
conduzirei pelo caminho da salvação, porque sou — a Caridade.
(CáritaS, martirizada em Roma. Lião,
1861).
14. Várias maneiras há de
fazer-se a caridade, que muitos dentre vós confundem com a esmola. Diferença
grande vai, no entanto, de uma para outra. A esmola, meus amigos, é algumas
vezes útil, porque dá alívio aos pobres; mas é quase sempre humilhante, tanto
para o que a dá, como para o que a recebe. A caridade, ao contrário, liga o
benfeitor ao beneficiado e se disfarça de tantos modos! Pode-se ser caridoso,
mesmo com os parentes e com os amigos, sendo uns indulgentes para com os
outros, perdoando-se mutuamente as fraquezas, cuidando não ferir o amor-próprio
de ninguém. Vós, espíritas, podeis sê-lo na vossa maneira de proceder para com
os que não pensam como vós, induzindo os menos esclarecidos a crer, mas sem os
chocar, sem investir contra as suas convicções e, sim, atraindo-os amavelmente
às nossas reuniões, onde poderão ouvir-nos e onde saberemos descobrir nos seus
corações a brecha para neles penetrarmos. Eis aí um dos aspectos da caridade.
Escutai agora o que é a
caridade para com os pobres, os deserdados deste mundo, mas recompensados de
Deus, se aceitam sem queixumes as suas misérias, o que de vós depende.
Far-me-ei compreender por um exemplo.
Vejo, várias vezes, cada
semana, uma reunião de senhoras, havendo-as de todas as idades. Para nós, como
sabeis, são todas irmãs. Que fazem? Trabalham depressa, muito depressa; têm
ágeis os dedos. Vede como trazem alegres os semblantes e como lhes batem em
uníssono os corações. Mas, com que fim trabalham? É que veem aproximar-se o
inverno que será rude para os lares pobres. As formigas não puderam juntar
durante o estio as provisões necessárias e a maior parte de suas utilidades
está empenhada. As pobres mães se inquietam e choram, pensando nos filhinhos
que, durante a estação invernosa, sentirão frio e fome! Tende paciência,
infortunadas mulheres. Deus inspirou a outras mais aquinhoadas do que vós; elas
se reuniram e estão confeccionando roupinhas; depois, um destes dias, quando a
terra se achar coberta de neve e vós vos lamentardes, dizendo: “Deus não é
justo”, que é o que vos sai dos lábios sempre que sofreis, vereis surgir a
filha de uma dessas boas trabalhadoras que se constituíram obreiras dos pobres,
pois que é para vós que elas trabalham assim, e os vossos lamentos se mudarão
em bênçãos, dado que no coração dos infelizes o amor acompanha de bem perto o
ódio.
Como essas trabalhadoras
precisam de encorajamento, vejo chegarem-lhes de todos os lados as comunicações
dos bons Espíritos. Os homens que fazem parte dessa sociedade lhes trazem
também seu concurso, fazendo-lhes uma dessas leituras que agradam tanto. E nós,
para recompensarmos o zelo de todos e de cada um em particular, prometemos às
laboriosas obreiras boa clientela, que lhes pagará à vista, em bênçãos, única
moeda que tem curso no Céu, garantindo-lhes, além disso, sem receio de errar,
que essa moeda não lhes faltará.
(Cáritas. Lião, 1861).
15. Meus caros amigos, todos os
dias ouço entre vós dizerem: “Sou pobre, não posso fazer a caridade”, e todos
os dias vejo que faltais com a indulgência aos vossos semelhantes. Nada lhes
perdoais e vos arvorais em juízes muitas vezes severos, sem quererdes saber se
ficaríeis satisfeitos que do mesmo modo procedessem convosco. Não é também
caridade a indulgência? Vós, que apenas podeis fazer a caridade praticando a
indulgência, fazei-a assim, mas fazei-a largamente. Pelo que toca à caridade
material, vou contar-vos uma história do outro mundo.
Dois homens acabavam de morrer.
Dissera Deus: Enquanto esses dois homens viverem, deitar-se-ão em sacos
diferentes as boas ações de cada um deles, para que por ocasião de sua morte
sejam pesadas. Quando ambos chegaram aos últimos momentos, mandou Deus que lhe
trouxessem os dois sacos. Um estava cheio, volumoso, atochado, e nele ressoava
o metal que o enchia; o outro era pequenino e tão vazio que se podiam contar as
moedas que continha. Este o meu, disse um, reconheço-o; fui rico e dei muito.
Este o meu, disse o outro, sempre fui pobre, oh! quase nada tinha para
repartir. Mas, oh! surpresa! postos na balança os dois sacos, o mais volumoso
se revelou leve, mostrando-se pesado o outro, tanto que fez se elevasse muito o
primeiro no prato da balança. Deus, então, disse ao rico: deste muito, é certo,
mas deste por ostentação e para que o teu nome figurasse em todos os templos do
orgulho e, ao demais, dando, de nada te privaste. Vai para a esquerda e fica
satisfeito com o te serem as tuas esmolas contadas por qualquer coisa. Depois,
disse ao pobre: Tu deste pouco, meu amigo; mas, cada uma das moedas que estão
nesta balança representa uma privação que te impuseste; não deste esmolas,
entretanto, praticaste a caridade, e, o que vale muito mais, fizeste a caridade
naturalmente, sem cogitar de que te fosse levada em conta; foste indulgente;
não te constituíste juiz do teu semelhante; ao contrário, todas as suas ações
lhe relevaste: passa à direita e vai receber a tua recompensa.
(Um Espírito protetor. Lião,
1861).
16. A mulher rica, venturosa,
que não precisa empregar o tempo nos trabalhos de sua casa, não poderá
consagrar algumas horas a trabalhos úteis aos seus semelhantes? Compre, com o
que lhe sobre dos prazeres, agasalhos para o desgraçado que tirita de frio; confeccione,
com suas mãos delicadas, roupas grosseiras, mas quentes; auxilie uma mãe a
cobrir o filho que vai nascer. Se por isso seu filho ficar com algumas rendas
de menos, o do pobre terá mais com que se aqueça. Trabalhar para os pobres é
trabalhar na vinha do Senhor.
E tu, pobre operária, que não
tens supérfluo, mas que, cheia de amor aos teus irmãos, também queres dar do
pouco com que contas, dá algumas horas do teu dia, do teu tempo, único tesouro
que possuis; faze alguns desses trabalhos elegantes que tentam os felizes;
vende o produto dos teus serões e poderás igualmente oferecer aos teus irmãos a
tua parte de auxílios. Terás, talvez, algumas fitas de menos; darás, porém,
calçado a um que anda descalço.
E vós, mulheres que vos
votastes a Deus, trabalhai também na sua obra; mas, que os vossos trabalhos não
sejam unicamente para adornar as vossas capelas, para chamar a atenção sobre a
vossa habilidade e paciência. Trabalhai, minhas filhas, e que o produto de
vossas obras se destine a socorrer os vossos irmãos em Deus. Os pobres são seus
filhos bem-amados; trabalhar para eles é glorificá-lo. Sede-lhes a providência
que diz: “Aos pássaros do céu dá Deus o alimento.” Mudem-se o ouro e a prata
que se tecem nas vossas mãos em roupas e alimentos para os que não os têm.
Fazei isto e abençoado será o vosso trabalho.
Todos vós, que podeis produzir,
dai; dai o vosso gênio, dai as vossas inspirações, dai o vosso coração, que
Deus vos abençoará. Poetas, literatos, que só pela gente mundana sois lidos!. .
. satisfazei-lhe aos lazeres, mas consagrai o produto de algumas de vossas
obras a socorros aos desgraçados. Pintores, escultores, artistas de todos os
gêneros!. . . venha também a vossa inteligência em auxílio dos vossos irmãos;
não será por isso menor a vossa glória e alguns sofrimentos haverá de menos.
Todos vós podeis dar. Qualquer
que seja a classe a que pertençais, de alguma coisa dispondes que podeis
dividir. Seja o que for que Deus vos haja outorgado, uma parte do que ele vos
deu deveis àquele que carece do necessário, porquanto, em seu lugar, muito
gostaríeis que outro dividisse convosco. Os vossos tesouros da Terra serão um
pouco menores; contudo, os vossos tesouros do céu ficarão acrescidos. Lá
colhereis pelo cêntuplo o que houverdes semeado em benefícios neste mundo.
(João. Bordéus, 1861).
A piedade
17. A piedade é a virtude que
mais vos aproxima dos anjos; é a irmã da caridade, que vos conduz a Deus. Ah!
deixai que o vosso coração se enterneça ante o espetáculo das misérias e dos
sofrimentos dos vossos semelhantes. Vossas lágrimas são um bálsamo que lhes
derramais nas feridas e, quando, por bondosa simpatia, chegais a lhes
proporcionar a esperança e a resignação, que encanto não experimentais! Tem um
certo amargor, é certo, esse encanto, porque nasce ao lado da desgraça; mas,
não tendo o sabor acre dos gozos mundanos, também não traz as pungentes
decepções do vazio que estes últimos deixam após si. Envolve-o penetrante
suavidade que enche de júbilo a alma. A piedade, a piedade bem sentida é amor;
amor é devotamento; devotamento é o olvido de si mesmo e esse olvido, essa
abnegação em favor dos desgraçados, é a virtude por excelência, a que em toda a
sua vida praticou o divino Messias e ensinou na sua doutrina tão santa e tão
sublime.
Quando esta doutrina for
restabelecida na sua pureza primitiva, quando todos os povos se lhe submeterem,
ela tornará feliz a Terra, fazendo que reinem aí a concórdia, a paz e o amor.
O sentimento mais apropriado a
fazer que progridais, domando em vós o egoísmo e o orgulho, aquele que dispõe
vossa alma à humildade, à beneficência e ao amor do próximo, é a piedade!
piedade que vos comove até às entranhas à vista dos sofrimentos de vossos
irmãos, que vos impele a lhes estender a mão para socorrê-los e vos arranca
lágrimas de simpatia. Nunca, portanto, abafeis nos vossos corações essas
emoções celestes; não procedais como esses egoístas endurecidos que se afastam
dos aflitos, porque o espetáculo de suas misérias lhes perturbaria por
instantes a existência álacre. Temei conservar-vos indiferentes, quando
puderdes ser úteis. A tranquilidade comprada à custa de uma indiferença culposa
é a tranquilidade do mar Morto, no fundo de cujas águas se escondem a vasa
fétida e a corrupção.
Quão longe, no entanto, se acha
a piedade de causar o distúrbio e o aborrecimento de que se arreceia o egoísta!
Sem dúvida, ao contacto da desgraça de outrem, a alma, voltando-se para si
mesma, experimenta um confrangimento natural e profundo, que põe em vibração
todo o ser e o abala penosamente. Grande, porém, é a compensação, quando
chegais a dar coragem e esperança a um irmão infeliz que se enternece ao aperto
de uma mão amiga e cujo olhar, úmido, por vezes, de emoção e de reconhecimento,
para vós se dirige docemente, antes de se fixar no Céu em agradecimento por lhe
ter enviado um consolador, um amparo. A piedade é o melancólico, mas celeste
precursor da caridade, primeira das virtudes que a tem por irmã e cujos
benefícios ela prepara e enobrece.
(Miguel. Bordéus, 1862).
Os órfãos
18. Meus irmãos, amai os órfãos.
Se soubésseis quanto é triste ser só e abandonado, sobretudo na infância! Deus
permite que haja órfãos, para exortar-nos a servir-lhes de pais. Que divina
caridade amparar uma pobre criaturinha abandonada, evitar que sofra fome e
frio, dirigir-lhe a alma, a fim de que não desgarre para o vício! Agrada a Deus
quem estende a mão a uma criança abandonada, porque compreende e pratica a sua
lei. Ponderai também que muitas vezes a criança que socorreis vos foi cara
noutra encarnação, caso em que, se pudésseis lembrar-vos, já não estaríeis
praticando a caridade, mas cumprindo um dever. Assim, pois, meus amigos, todo
sofredor é vosso irmão e tem direito à vossa caridade; não, porém, a essa
caridade que magoa o coração, não a essa esmola que queima a mão em que cai,
pois frequentemente bem amargos são os vossos óbolos! Quantas vezes seriam eles
recusados, se na choupana a enfermidade e a miséria não os estivessem
esperando! Dai delicadamente, juntai ao benefício que fizerdes o mais precioso
de todos os benefícios: o de uma boa palavra, de uma carícia, de um sorriso
amistoso. Evitai esse ar de proteção, que equivale a revolver a lâmina no
coração que sangra e considerai que, fazendo o bem, trabalhais por vós mesmos e
pelos vossos.
(Um Espírito familiar. Paris,
1860).
Benefícios pagos com a ingratidão
19. Que se deve pensar dos que,
recebendo a ingratidão em paga de benefícios que fizeram, deixam de praticar o
bem para não topar com os ingratos?
Nesses, há mais egoísmo do que
caridade, visto que fazer o bem, apenas para receber demonstrações de
reconhecimento, é não o fazer com desinteresse, e o bem, feito
desinteressadamente, é o único agradável a Deus. Há também orgulho, porquanto
os que assim procedem se comprazem na humildade com que o beneficiado lhes vem
depor aos pés o testemunho do seu reconhecimento. Aquele que procura, na Terra,
recompensa ao bem que pratica não a receberá no céu. Deus, entretanto, terá em
apreço aquele que não a busca no mundo.
Deveis sempre ajudar os fracos,
embora sabendo de antemão que os a quem fizerdes o bem não vo-lo agradecerão.
Ficai certos de que, se aquele a quem prestais um serviço o esquece, Deus o
levará mais em conta do que se com a sua gratidão o beneficiado vo-lo houvesse
pago. Se Deus permite por vezes sejais pagos com a ingratidão, é para
experimentar a vossa perseverança em praticar o bem.
E sabeis, porventura, se o
benefício momentaneamente esquecido não produzirá mais tarde bons frutos? Tende
a certeza de que, ao contrário, é uma semente que com o tempo germinará.
Infelizmente, nunca vedes senão o presente; trabalhais para vós e não pelos
outros. Os benefícios acabam por abrandar os mais empedernidos corações; podem
ser olvidados neste mundo, mas, quando se desembaraçar do seu envoltório
carnal, o Espírito que os recebeu se lembrará deles e essa lembrança será o seu
castigo. Deplorará a sua ingratidão; desejará reparar a falta, pagar a dívida
noutra existência, não raro buscando uma vida de dedicação ao seu benfeitor.
Assim, sem o suspeitardes, tereis contribuído para o seu adiantamento moral e
vireis a reconhecer a exatidão desta máxima: um benefício jamais se perde. Além
disso, também por vós mesmos tereis trabalhado, porquanto granjeareis o mérito
de haver feito o bem desinteressadamente e sem que as decepções vos
desanimassem.
Ah! meus amigos, se
conhecêsseis todos os laços que prendem a vossa vida atual às vossas
existências anteriores; se pudésseis apanhar num golpe de vista a imensidade
das relações que ligam uns aos outros os seres, para o efeito de um progresso
mútuo, admiraríeis muito mais a sabedoria e a bondade do Criador, que vos
concede reviver para chegardes a ele.
(Guia protetor. Sens, 1862).
Beneficência exclusiva
20. É acertada a beneficência,
quando praticada exclusivamente entre pessoas da mesma opinião, da mesma
crença, ou do mesmo partido?
Não, porquanto precisamente o
espírito de seita e de partido é que precisa ser abolido, visto que são irmãos
todos os homens. O verdadeiro cristão vê somente irmãos em seus semelhantes e
não procura saber, antes de socorrer o necessitado, qual a sua crença, ou a sua
opinião, seja sobre o que for. Obedeceria o cristão, porventura, ao preceito de
Jesus Cristo, segundo o qual devemos amar os nossos inimigos, se repelisse o
desgraçado, por professar uma crença diferente da sua? Socorra-o, portanto, sem
lhe pedir contas à consciência, pois, se for um inimigo da religião, esse será
o meio de conseguir que ele a ame; repelindo-o, faria que a odiasse.
(S. Luís. Paris, 1860)
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