No dia 2 de novembro de
1864, a Sociedade Espírita de Paris reuniu-se pela primeira vez, com vistas a
oferecer uma piedosa lembrança a seus colegas e irmãos espíritas já falecidos.
Naquela ocasião, o Sr. Allan Kardec discorreu sobre o princípio da comunhão de pensamentos,
como se vê no discurso seguinte:
Caros irmãos e irmãs
espíritas,
Estamos reunidos, neste dia
consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para darmos àqueles irmãos nossos
que deixaram a Terra um testemunho particular de simpatia, para continuarmos as
relações de afeição e de fraternidade que existiam entre eles e nós, quando
eram vivos, e para invocarmos sobre eles a bondade do Todo-Poderoso. Mas por
que nos reunirmos? Por que nos desviarmos de nossas ocupações? Não podemos
fazer em particular o que cada um de nós propõe fazer em comum? Não o fazemos
individualmente pelos nossos? Não o podemos fazer todos os dias e a cada hora?
Qual, então, a utilidade de assim nos reunirmos num dia determinado? É sobre
este ponto, senhores, que me proponho tecer algumas considerações.
A benevolência com que foi
acolhida a ideia desta reunião é uma primeira resposta a essas diversas
questões; é o sinal da necessidade que sentimos de estar juntos numa comunhão
de pensamentos. Comunhão de pensamentos! Compreendemos bem todo o alcance desta
expressão? É permitido duvidá-lo, pelo menos no que respeita ao maior número. O
Espiritismo, que nos explica tantas coisas pelas leis que revela, ainda vem
explicar a causa e a força dessa situação do espírito.
Comunhão de pensamento quer
dizer pensamento comum, unidade de intenção, de vontade, de desejo, de
aspiração. Ninguém pode desconhecer que o pensamento é uma força, mas uma força
puramente moral e abstrata? Não: do contrário não se explicariam certos efeitos
do pensamento e, ainda menos, a comunhão de pensamento. Para compreendê-lo, é
preciso conhecer as propriedades e a ação dos elementos que constituem nossa
essência espiritual, e é o Espiritismo que no-las ensina. O pensamento é o
atributo característico do ser espiritual; é ele que distingue o espírito da
matéria; sem o pensamento, o espírito não seria espírito. A vontade não é um
atributo especial do espírito; é o pensamento chegado a certo grau de energia;
é o pensamento transformado em força motriz. É pela vontade que o espírito imprime
aos membros e ao corpo movimentos num determinado sentido. Mas se tem a força
de agir sobre os órgãos materiais, quanto maior não deve ser essa força sobre
os elementos fluídicos que nos rodeiam! O pensamento atua sobre os fluidos
ambientes, como o som age sobre o ar; esses fluidos nos trazem o pensamento,
como o ar nos traz o som. Pode, pois, dizer-se com toda a verdade que há nesses
fluidos ondas e raios de pensamentos que se cruzam sem se confundirem, como há
no ar ondas e raios sonoros.
Uma assembleia é um foco
onde irradiam pensamentos diversos; é como uma orquestra, um coro de
pensamentos, onde cada um produz a sua nota. Disto resulta uma imensidão de
correntes e de eflúvios fluídicos, dos quais cada um recebe a impressão pelo
sentido espiritual, como num coro musical cada um recebe a impressão dos sons
pelo sentido da audição.
Assim como há raios sonoros
harmônicos ou discordantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes.
Se o conjunto for harmônico, a impressão é agradável; se discordante, a impressão
será penosa. Ora, para isto, não é necessário que o pensamento seja formulado
em palavras; a irradiação fluídica não deixa de existir, quer seja ou não
expressa. Se todas forem benéficas, os assistentes experimentarão um verdadeiro
bem-estar e se sentirão à vontade, mas se se misturarem alguns pensamentos
maus, produzirão o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido.
Tal é a causa do sentimento
de satisfação que se experimenta numa reunião simpática; aí reina uma espécie
de atmosfera moral salubre, onde se respira à vontade; daí se sai reconfortado,
porque aí nos impregnamos de eflúvios fluídicos salutares. Assim também se
explicam a ansiedade e o mal-estar indefinível que se sente num meio
antipático, onde os pensamentos malévolos provocam, a bem dizer, correntes
fluídicas malsãs. A comunhão de pensamentos produz, pois, uma sorte de efeito
físico que reage sobre o moral; só o Espiritismo poderia fazê-lo compreender. O
homem o sente instintivamente, já que procura as reuniões onde sabe encontrar
essa comunhão. Nessas reuniões homogêneas e simpáticas haure novas forças
morais; poder-se-ia dizer que aí recupera as perdas fluídicas perdidas
diariamente pela irradiação do pensamento, como recupera pelos alimentos as
perdas do corpo material.
Essas considerações,
senhores e caros irmãos, parecem afastar-nos do objetivo principal de nossa
reunião e, contudo, elas nos conduzem diretamente a ele. As reuniões que têm
por objeto a comemoração dos mortos repousam sobre a comunhão de pensamentos.
Para compreender a sua utilidade, era necessário bem definir a natureza e os
efeitos desta comunhão.
Para a explicação das coisas
espirituais, por vezes me sirvo de comparações muito materiais e, talvez mesmo,
um tanto forçadas, que nem sempre devem ser tomadas ao pé da letra. Mas é procedendo
por analogia, do conhecido para o desconhecido, que chegamos a perceber, ao
menos aproximadamente, do que escapa aos nossos sentidos; é a essas comparações
que a Doutrina Espírita deve, em grande parte, ter sido tão facilmente
compreendida, mesmo pelas mais vulgares inteligências, ao passo que se eu
tivesse ficado nas abstrações da filosofia metafísica, ainda hoje só teria sido
partilhada por algumas inteligências de escol. Ora, desde o princípio importava
que ela fosse aceita pelas massas, porque a opinião destas exerce uma pressão
que acaba fazendo lei e triunfando das mais tenazes oposições. Eis por que me
esforcei em simplificá-la e torná-la clara, a fim de pô-la ao alcance de todos,
mesmo com o risco de certa gente contestar-lhe o título de filosofia, porque
não é suficientemente abstrata e porque saiu do nevoeiro da metafísica
clássica.
Aos efeitos que acabo de
descrever, relativos à comunhão de pensamentos, junta-se outro, que é sua
consequência natural, e que importa não perder de vista: é a força que adquire
o pensamento ou a vontade pelo conjunto dos pensamentos ou vontades reunidos. Sendo
a vontade uma força ativa, essa força é multiplicada pelo número de vontades
idênticas, como a força muscular é multiplicada pelo número de braços.
Firmado esse ponto,
concebe-se que nas relações que se estabelecem entre os homens e os Espíritos
possa haver, numa reunião onde reine perfeita comunhão de pensamentos, uma
força atrativa ou repulsiva, que nem sempre possui o indivíduo isolado. Se, até
o presente, as reuniões muito numerosas são menos favoráveis, é pela
dificuldade de obter uma perfeita harmonia de pensamentos, resultante da
imperfeição humana na Terra. Quanto mais numerosas as reuniões, mais aí se
misturam elementos heterogêneos, que paralisam a ação dos bons elementos e que
são como os grãos de areia numa engrenagem. Tal não se dá nos mundos mais
adiantados e esse estado de coisas mudará em nosso planeta, à medida que os
homens se tornarem melhores.
Para os espíritas, a
comunhão de pensamentos tem um resultado ainda mais especial. Temos visto o
efeito desta comunhão de homem a homem; prova-nos o Espiritismo que ele não é
menor dos homens aos Espíritos, e reciprocamente. Com efeito, se o pensamento
coletivo adquire força pelo número, um conjunto de pensamentos idênticos, tendo
o bem por objetivo, terá mais força para neutralizar a ação dos Espíritos maus;
também vemos que a tática destes últimos é levar à divisão e ao isolamento.
Sozinho, um homem pode sucumbir, ao passo que se sua vontade for corroborada
por outras vontades poderá resistir, conforme o axioma: A união faz a força,
axioma verdadeiro, tanto do ponto de vista moral, quanto do físico.
Por outro lado, se a ação
dos Espíritos malévolos pode ser paralisada por um pensamento comum, é evidente
que a dos Espíritos bons será secundada; sua influência salutar não encontrará obstáculos;
seus eflúvios fluídicos, não sendo detidos por correntes contrárias,
espalhar-se-ão sobre todos os assistentes, precisamente porque todos os terão
atraído pelo pensamento, não cada um em proveito pessoal, mas em benefício de
todos, conforme a lei de caridade. Descerão sobre eles como línguas de fogo,
para nos servirmos de uma admirável imagem do Evangelho.
Assim, pela comunhão de
pensamentos os homens se assistem entre si e, ao mesmo tempo, assistem os
Espíritos e são por estes assistidos. As relações entre os mundos visível e
invisível não são mais individuais, mas coletivas e, por isto mesmo, mais
poderosas em proveito das massas e dos indivíduos. Numa palavra, estabelecem a
solidariedade, que é a base da fraternidade. Cada qual trabalha para todos, e
não apenas para si; e trabalhando para todos, cada um aí encontra a sua parte.
É o que o egoísmo não compreende. Todas as reuniões religiosas, seja qual for o
culto a que pertençam, são fundadas na comunhão de pensamentos; com efeito, é
aí que podem e devem exercer a sua força, porque o objetivo deve ser a
libertação do pensamento das amarras da matéria.
Infelizmente, a maioria se
afasta deste princípio à medida que a religião se torna uma questão de forma.
Disto resulta que cada um, fazendo seu dever consistir na realização da forma,
se julga quites com Deus e com os homens, desde que praticou uma fórmula.
Resulta ainda que cada um vai aos lugares de reuniões religiosas com um
pensamento pessoal, por sua própria conta e, na maioria das vezes, sem nenhum
sentimento de confraternidade em relação aos outros assistentes; fica isolado
em meio à multidão e só pensa no Céu para si mesmo.
Por certo não era assim que
o entendia Jesus, ao dizer: “Quando duas ou mais pessoas estiverem reunidas em
meu nome, aí estarei entre elas.” (Mateus, 18:20.73) Reunidos em meu nome, isto
é, com um pensamento comum, mas não se pode estar reunido em nome de Jesus sem
assimilar os seus princípios, sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental
da doutrina de Jesus? A caridade em pensamentos, palavras e ações. Mentem os
egoístas e os orgulhosos, quando se dizem reunidos em nome de Jesus, porque
Jesus não os conhece por seus discípulos.
Chocadas por esses abusos e
desvios, há pessoas que negam a utilidade das assembleias religiosas e, em
consequência, a das edificações consagradas a tais assembleias. Em seu
radicalismo, pensam que seria melhor construir asilos do que templos, uma vez
que o templo de Deus está em toda parte e em toda parte Ele pode ser adorado;
que cada um pode orar em sua casa e a qualquer hora, enquanto os pobres, os
doentes e os enfermos necessitam de lugar de refúgio.
Mas porque cometeram abusos,
porque se afastaram do reto caminho, devemos concluir que não existe o reto
caminho e que tudo quanto se abusa seja mau? Não, certamente. Falar assim é
desconhecer a fonte e os benefícios da comunhão de pensamentos, que deve ser a
essência das assembleias religiosas; é ignorar as causas que a provocam.
Concebe-se que os materialistas professem semelhantes ideias, já que em tudo
fazem abstração da vida espiritual, mas da parte dos espiritualistas e, melhor
ainda, dos espíritas, seria um contrassenso. O isolamento religioso, assim como
o isolamento social, conduz ao egoísmo. Que alguns homens sejam bastante fortes
por si mesmos, largamente dotados pelo coração, para que sua fé e caridade não
necessitem ser revigoradas num foco comum, é possível; mas não é assim com as
massas, por lhes faltar um estimulante, sem o qual poderiam se deixar levar
pela indiferença. Além disso, qual o homem que poderá dizer-se bastante esclarecido
para nada ter a aprender no tocante aos seus interesses futuros? bastante
perfeito para abrir mão dos conselhos da vida presente? Será sempre capaz de
instruir-se por si mesmo? Não; a maioria necessita de ensinamentos diretos em
matéria de religião e de moral, como em matéria de ciência. Incontestavelmente,
tais ensinos podem ser dados em toda parte, sob a abóbada do céu, como sob a de
um templo, mas por que os homens não haveriam de ter lugares especiais para as
questões celestes, como os têm para as terrenas? Por que não teriam assembleias
religiosas, como têm assembleias políticas, científicas e industriais? Isto não
impede as edificações em proveito dos infelizes. Dizemos, ademais, que haverá
menos gente nos asilos, quando os homens compreenderem melhor seus interesses
do Céu.
Se as assembleias religiosas
— falo em geral, sem aludir a nenhum culto — muitas vezes se têm afastado de
seu objetivo primitivo principal, que é a comunhão fraterna do pensamento; se o
ensino ali ministrado nem sempre tem acompanhado o movimento progressivo da
Humanidade, é que os homens não progridem todos ao mesmo tempo. O que não fazem
num período, fazem em outro; à proporção que se esclarecem, veem as lacunas
existentes em suas instituições, e as preenchem; compreendem que o que era bom
numa época, em relação ao grau de civilização, torna-se insuficiente numa etapa
mais avançada, e restabelecem o nível. Sabemos que o Espiritismo é a grande
alavanca do progresso em todas as coisas; marca uma era de renovação. Saibamos,
pois, esperar, não exigindo de uma época mais do que ela pode dar.
Como as plantas, é preciso
que as ideias amadureçam, para que seus frutos sejam colhidos. Saibamos, além
disso, fazer as necessárias concessões às épocas de transição, porque na
natureza nada se opera de maneira brusca e instantânea. Em razão do motivo que
hoje nos reúne, senhores e caros irmãos, julguei oportuno aproveitar a
circunstância para desenvolver o princípio da comunhão de pensamentos, do ponto
de vista do Espiritismo. Sendo o nosso objetivo unir-nos em intenção para oferecer,
em comum, um testemunho particular de simpatia aos nossos irmãos falecidos,
poderia ser útil chamar nossa atenção quanto às vantagens da reunião. Graças ao
Espiritismo, compreendemos a força e os efeitos do pensamento coletivo; melhor
explicamos o sentimento de bem-estar que experimentamos num meio homogêneo e
simpático, mas igualmente sabemos que se dá o mesmo com os Espíritos, porque
eles também recebem os eflúvios de todos os pensamentos benevolentes que, como
numa nuvem de perfume, se elevam para eles. Os que são felizes experimentam a
maior alegria neste concerto harmonioso; os que sofrem sentem-se mais
aliviados; cada um de nós em particular ora, de preferência, por aqueles que o interessam
ou que mais estima. Façamos que aqui todos tenham sua parte nas preces que
dirigimos a Deus.
Fonte:
revista espírita. FEB, dezembro de 1864.