Houve um tempo que, de fato, a Igreja proibiu a cremação
dos corpos. Isso ocorreu logo após a Revolução Francesa quando as pessoas,
descrentes da vida eterna e da ressurreição dos mortos, incineravam os
cadáveres para “provar” que não haveria jeito de Deus ressuscitar ninguém.
Contudo, com o passar dos séculos, o perigo de
irreligiosidade desapareceu em parte e o clima de protesto, usando a cremação
como morte também. Por isso a proibição cessou. O Papa Paulo VI, em 1963,
publicou a Instrução do Santo Ofício “Piam et constantem”, versando
sobre o assunto. É um importante documento que esclarece muito bem o tema e que
vale a pena transcrever:
A Igreja sempre quis encorajar o piedoso e constante
costume cristão de sepultar os corpos dos fiéis, quer confortando-o de ritos
apropriados a evidenciar o sentido simbólico e religioso da inumação, quer
ameaçando com penas canônicas os que se insurgiam contra esta prática; e a
Igreja fez isso sobretudo quando a oposição era inspirada pela animosidade, hostil
aos costumes cristãos e à tradição eclesiástica, daqueles que, cheios de
espírito sectário, procuravam substituir a inumação pela cremação em sinal de
negação violenta dos dogmas cristãos, especialmente o da ressurreição dos
mortos e da imortalidade da alma humana.
Esse propósito, evidentemente, era um fato subjetivo,
inerente ao espírito dos que propugnavam a cremação, mas não estava ligada ao
fato objetivo da cremação em si; como a incineração do corpo não atinge a alma
e não impede a onipotência de Deus de restituir o corpo, ela não contém em si
uma negação objetiva destes dogmas.
Não se trata, pois, de algo intrinsecamente mau ou
contrário em si à religião cristã; foi o que a Igreja sempre pensou, pois de
fato, em certas circunstâncias - estando seguro que a cremação dos corpos é
feita com a intenção honesta e por motivos sérios, especialmente de ordem
pública - ela não se opôs, como não se opõe, à incineração.
O melhoramento do estado do espírito e a repetição sempre
mais frequente e manifesta, ultimamente, de circunstâncias que se opõem à
inumação, explicam que numerosos pedidos foram dirigidos à Santa Sé para que
fosse flexibilizada a disciplina eclesiástica relativa à cremação dos corpos, a
qual hoje é solicitada, não por ódio à Igreja ou aos costumes cristãos, mas
tão-somente por razões de higiene, de economia ou outros, de ordem pública ou
privada.
A Santa Mãe Igreja - preocupada imediatamente com o bem
espiritual dos fiéis, mas também atenta a outras necessidades - julga dever
acolher essas solicitações, favoravelmente decidindo o que se segue:
1. É preciso velar cuidadosamente por manter fielmente o
costume de inumar os corpos dos fiéis defuntos; por isso, os Ordinários, por
instruções e advertências oportunas, cuidarão de que o povo cristão não
pratique a incineração e não abandone o uso da inumação, salvo quando
constrangido pela necessidade…
2. Todavia, para não aumentar mais do que o necessário as
dificuldades que surgem das circunstâncias atuais e para não multiplicar os
casos de dispensa das leis vigentes na matéria, pareceu-nos oportuno introduzir
alguns abrandamentos nas prescrições do direito canônico relativo à
incineração, de sorte que doravante as prescrições dos cânones 1203 § 2
(interdição de executar uma ordem de incineração) e 1240, § 1, 5º (recusa de
sepultura eclesiástica aos que pediram que seus corpos fossem cremados) não são
mais urgidas em todos os casos, mas somente quando consta que a cremação foi
escolhida por negarem-se os dogmas cristãos ou no espírito sectário ou por ódio
à religião católica e à Igreja.
3. Segue-se disso igualmente que os sacramentos e as
orações públicas não devem ser recusados, por este fato, aos que tiverem
escolhido a cremação do corpo, a não ser que seja evidente que tal escolha foi
feita pelas razões acima indicadas, contrárias à vida cristã.
4. Para não enfraquecer a adesão dos fiéis à tradição
eclesiástica, e para que apareça claramente que o espírito da Igreja é alheio à
cremação, os ritos da sepultura eclesiástica e dos sufrágios subsequentes não
poderão jamais ser celebrados no próprio lugar da cremação, nem mesmo ao
acompanhar simplesmente o translado do corpo.
A legislação vigente sobre o assunto pode ser encontrada
no Código de Direito Canônico, no cânon 1176, que diz:
Cân. 1176
§ 1. Devem-se conceder exéquias eclesiásticas aos fiéis
defuntos, de acordo com o direito.
§ 2. As exéquias eclesiásticas, com as quais a Igreja
suplica para os defuntos o auxílio espiritual, honra seus corpos e, ao mesmo
tempo, dá aos vivos o consolo da esperança, sejam celebradas de acordo com as
leis litúrgicas.
§ 3. A igreja recomenda
insistentemente que se conserve o costume de sepultar os corpos dos defuntos;
mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido escolhida por motivos
contrários à doutrina cristã.
A Igreja insiste nesse costume para que cada católico
possa, também nisso, configurar-se a Cristo, aos apóstolos e tantos santos e
santas da Igreja. Todos foram enterrados.
Todavia, apesar de a Igreja insistir veementemente no
sepultamentos dos corpos, a cremação não é proibida, desde que não seja
motivada pelo desejo de se negar a fé.
Fonte: padrepauloricardo.org
Acesso 12/07/17
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