Amélie-Gabrielle Boudet

Amélie-Gabrielle Boudet (Thiais, Departamento do Sena, 21 de novembro de 1795 - Paris, 21 de janeiro de 1883) foi a esposa de Allan Kardec e sua fiel companheira no trabalho de codificação e propagação do Espiritismo. Formada em Letras e em Belas Artes, atuou ainda como professora e artista plástica. Após a desencarnação do Codificador, a viúva assumiu oficialmente os encargos administrativos das instituições fundadas pelo esposo, mantendo-se absolutamente coerente com as idieas kardecistas.

Gaby, como era chamada intimamente, era filha do tabelião Julien-Louis Boudet e de sua esposa, Julie-Louise Seigneat de Lacombe. Cursou o primário na sua cidadezinha natal e em seguida, estabelecendo-se em Paris, formou-se pedagoga na Escola Normal Leiga, que seguia o método educacional pestalozziano.



Além de lecionar, foi poetisa e artista plástica, com domínio das técnicas tradicionais. Foi também professora de Letras e Belas Artes, tendo sido autora das seguintes obras: "Contos Primaveris" (1825), "Noções de Desenho" (1826) e "O Essencial em Belas Artes" (1828).

Canuto Abreu assim a descreve, por ocasião do jantar especial em comemoração ao lançamento de O Livro dos Espíritos, em 18 de abril de 1857:

"Miudinha, graciosa, muito vivaz, aparentava a mesma idade do marido, apesar de nove anos mais velha. Os cabelos crespos e bastos, outrora castanhos, repartidos ao meio e descidos até os ombros, onde as pontas dobradas se prendiam por sobre a nuca num elo de tartaruga, começavam apenas a grisalhar, dando-lhe ao semblante um ar de amável austeridade. As faces cheias, coradas ao natural, quase sem rugas, denotavam trato e boa saúde. A testa larga e alta, encimando sobrancelhas circunflexas, acusava capacidade intelectual. Os olhos pardos e rasgados, indicavam sagacidade e doçura. O nariz fino e reto, impunha confiança em seu caráter. Os lábios delicados, prontos a sorrir, amparavam seu olhar perscrutador, desarmando prevenções, mas exigindo constante respeito."

O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, Canuto Abreu - Cap. 6.

Casou-se em 9 de fevereiro de 1832 com o também professor Hippolyte-Léon-Denizard Rivail — o futuro codificador espírita, para o que adotaria o pseudônimo de Allan Kardec. Junto ao esposo, foi cofundadora e professora do Instituto Técnico, que dispunha de cursos de várias disciplinas. Participou ativamente das campanhas do Prof. Rivail em prol da reorganização e democratização do ensino para o seu país, até que em 1833, pela lei Guizot, o ensino primário na França fosse oficialmente estabelecido.

Em 1835, o Instituto sofreu um golpe financeiro, entrou em liquidação e teve de encerrar suas atividades. Rivail passou a trabalhar como contador de casas comerciais. No entanto, permanecia no casal o ideal educacional e os dois passaram a oferecer cursos gratuitos na própria residência, o que se deu entre os anos 1835 e 1840.


Além de trabalhar também como tradutor de livros e artigos, seu esposo dedicou-se a escrever obras pedagógicas — por exemplo, Catecismo gramatical da Língua Francesa (1848) e Programa dos Cursos ordinários de Química, Física, Astronomia, Fisiologia (1849) — que foram adotadas por diversos estabelecimentos de ensino, inclusive a Universidade de França. As publicações deram prestígio ao professor e, com isso, o casal alcançou uma boa tranquilidade financeira.

A Era Espírita

A partir de quando seu esposo ingressou no estudo e pesquisa acerca do fenômeno das Mesas Girantes, Amélie foi testemunha e também contribuinte dessa nova fase do pedagogo, que, com o lançamento de O Livro dos Espíritos, em 18 de abril de 1857, passou a adotar o pseudônimo Allan Kardec.

Amélie apoiou e participou ativamente dos desdobramentos daquela empreitada revolucionária. A própria residência do casal, situada à Rua dos Mártires, n°8, em Paris, por muito tempo abriu as portas para a multidão que se oferecia para participar das sessões experimentais de Espiritismo, até que fosse fundada a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em 1858, cuja sede foi estabelecida no Palais-Royal.

Essa sustentação doméstica da Madame Kardec foi determinante para que o codificador pudesse dedicar-se ao intenso ofício que abraçara e cuja responsabilidade que só aumentava, pois que mais adiante viria a lançar a Revista Espírita, editada mensalmente.

Ela também acompanhou o líder espírita em algumas de suas viagens missionárias em prol da propagação da doutrina — embora custeadas pelas receitas particulares do casal.

O reconhecimento das qualidades de Amélie fica evidente nas citações de seu esposo a respeito, tal como nessa carinhosa declaração, em meio a uma prestação de contas à Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:

"(...) minha mulher, que nem é mais ambiciosa, nem mais interesseira do que eu concordou plenamente com meus pontos de vista e me apoiou em minha tarefa laboriosa, como o faz ainda, por um trabalho muitas vezes acima de suas forças, sacrificando sem pesar os prazeres e distrações do mundo, aos quais sua posição de família a tinham habituado."

Allan Kardec, Revista Espírita, Junho de 1865 - Relatório da caixa do Espiritismo

Estava com 74 anos de idade quando, em 31 de Março de 1869, ficou viúva. Por ocasião do velório, um velho confrade espírita, o Sr. Muller, discursou: "Falo em nome de sua viúva, da qual lhe foi companheira fiel e ditosa durante trinta e sete anos de felicidade sem nuvens nem desgostos, daquela que lhe compartiu as crenças e os trabalhos, as vicissitudes e as alegrias, e que se orgulhava da pureza dos costumes, da honestidade absoluta e do desinteresse sublime do esposo; hoje, sozinha, é ela quem nos dá a todos o exemplo de coragem, de tolerância, do perdão das injúrias e do dever escrupulosamente cumprido."

Madame Kardec recebeu numerosas e efusivas manifestações de simpatia e encorajamento, da França e do estrangeiro, o que lhe trouxe novas forças para o prosseguimento da obra do seu amado esposo. Assumiu a administração da Sociedade Anônima para a continuação das obras espíritas — uma das últimas providências de Allan Kardec —, que detinha os direitos da Livraria Espírita e da Revista Espírita. Continuou também representando o posto do esposo na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

Com a idade já avançada, teve como mandatário nas atribuições doutrinárias Pierre-Gaëtan Leymarie, um dos mais próximos discípulos de Kardec. Contudo, nos seus últimos anos, ela teve o desprezar de constatar desvios administrativos e doutrinários daquele seu encarregado, então inclinado a se aventurar em novas ideologias e doutrinas ocultistas (como o Roustainguismo e o Teosofismo), encontrando amparo sincero nos amigos Gabriel Delanne e sua esposa e sua principal confidente Berthe Fropo, esta que, através da obra Beaucoup de Lumière (Muita Luz), encarregou-se de denunciar publicamente os desmandos de Leymarie e seus signatários. Para fazer frente a isso, viúva Kardec, Madame Fropo e Delanne fundariam em 24 de dezembro de 1882 uma nova instituição: a União Espírita Francesa (Union Spirite Française) e, por conseguinte, o seu jornal correspondente, intitulado Le Spiritisme.

A lucidez e a saúde de quem "ainda lia sem o auxílio de óculos" foi bruscamente interrompida em 21 de janeiro de 1883, quando então falecera, com os seus 87 anos, conforme descreve sua amiga Madame Fropo:

"Na sexta-feira, dia 19 de janeiro de 1883, ela teve um mal súbito ao deixar a sua cama; ela caiu e bateu com a cabeça na quina do mármore de sua cômoda, o que fez perder a consciência. Auxiliada por uma criada, eu a coloquei para deitar, mas pelo sorriso (trejeito) de sua boca, eu notei que ela teve uma congestão cerebral (...)

Eu fui buscar o médico, que me declarou que ela já estava morta..."

Beaucoup de Lumière, Berthe Fropo

De acordo com os seus próprios desejos, o enterro de Madame Allan Kardec foi simples e realizado espiriticamente, saindo o féretro de sua residência, na Avenida e Vila Ségur n° 39, para o Père-Lachaise, onde jaziam os restos mortais do esposo.

Não deixando herdeiros diretos, pois que não teve filhos, seu patrimônio teve a destinação rezada no testamento de Kardec, contemplando a Sociedade Anônima, que logo mais viria a ser causa de disputas diversas, tendo sido P.-G. Leymarie o primeiro a requerer os direitos de herança.

Atualmente, um centro de estudos espíritas em Paris homenageia-a com o seu nome: Institut Amélie Boudet. 

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