Erraticidade é o estado em
que se encontram os Espíritos errantes, ou erráticos, isto é, não encarnados e
em processo de evolução, durante o intervalo de suas existências corporais,
conforme definição dada por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns (cap. XXXII:
“Vocabulário Espírita”). A duração em que o Espírito permanece na erraticidade
e as condições dessa vivência variam, havendo relação direta com o adiantamento
espiritual de cada indivíduo e das suas necessidades evolutivas, podendo essa
permanência durar muito pouco ou custar longo tempo, em circunstâncias desde o
ditoso ao penoso. Não é o mesmo estado de que gozam os Espíritos puros —
aqueles que já percorreram toda a trajetória evolutiva e não mais precisam
reencarnar para fins de aperfeiçoamento; estes então desfrutam da plenitude da
vida espiritual.
Erraticidade na Codificação Espírita
Na Codificação Espírita, as
primeiras referências relacionadas encontram-se já no tópico VI da Introdução
de O Livro dos Espíritos:
"Deixando
o corpo, a alma volta ao mundo dos Espíritos, de onde saiu, para passar por nova
existência material, após um tempo mais ou menos longo, durante o qual
permanece em estado de Espírito errante.”
(...)
“Os
não encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e definida; estão
por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos a todo
instante. É toda uma população invisível movendo-se em torno de nós."
Allan
Kardec, O Livro dos Espíritos - Introdução ao estudo da Doutrina Espírita, VI.
Na sequência, no mesmo
livro, o tema é desenvolvido com mais detalhes no capítulo VI da 2ª Parte: “Da
vida espírita”.
Análise etimológica de Erraticidade
Erraticidade vem de errante,
que classicamente tem dois significados básicos: 1) que não tem residência
fixa, que vive como nômade, andarilho; 2) vadio, vagabundo. Na definição
oferecida pelo codificador espírita, erraticidade está mais alinhada com a
primeira significação, no sentido de que o desencarnado está não-alocado num
corpo físico, não devendo ser associado com a conotação de alguém que comete
erros, um Espírito inferiorizado, uma vez que entre os errantes estão entidades
de todos os graus evolutivos abaixo dos Espíritos perfeitos:
A erraticidade é, por si só, um sinal de inferioridade dos Espíritos?
“Não,
pois há Espíritos errantes de todos os graus. A encarnação é um estado
transitório, já o dissemos. O Espírito se acha no seu estado normal, quando
liberto da matéria.”
O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 225.
Duração de permanência na erraticidade
A fim de alcançar a
perfeição a que todos os Espíritos estão destinados, as individualidades
precisam desenvolver suas capacidades intelectuais e morais, razão pela qual
passam pelas tantas necessárias experiências reencarnatórias. Entretanto, a
reencarnação não é necessariamente imediata, podendo assim haver um intervalo
mais ou menos longo, durante o qual a alma desencarnada é chamada Espírito
errante (O Livro dos Espíritos, questão 224).
A duração da erraticidade
guarda relação com a justeza das coisas: as necessidades do Espírito em
evolução e das circunstâncias desencadeadas por suas ações em face do seu
livre-arbítrio.
No entanto, posto que o Espírito errante carece cursar sua estrada evolutiva, a erraticidade — que pode durar de algumas horas a milhares de séculos — é necessariamente temporária e mais cedo ou mais tarde o desencarnado terá de tornar a uma vivência reencarnatória (O Livro dos Espíritos, questão 224).
Como tudo na natureza tem a
sua razão de ser, a duração da erraticidade obedece às circunstâncias do mundo
ao qual o Espírito reencarnante esteja vinculado. A estrutura física dos mundos
superiores é mais sutil, as condições de sobrevivência são bem amenas e os
corpos dos seus habitantes menos materializados, possibilitando que seus
encarnados desfrutem facilmente de suas faculdades espirituais, como se
estivessem em profundo transe mediúnico, acessando o mundo dos Espíritos; a
morte e o processo reencarnatório aí são menos trabalhosos e, por isso, a
passagem de uma para outra vivencia reencarnatória é quase sempre imediata.
Por outro lado, nos mundos
menos evoluídos, os Espíritos têm corpos mais grosseiros, sofrem limitações
físicas e passam pelo processo de morte e renascimento com mais complicações;
faz-se necessário então um intervalo na erraticidade mais ou menos longo para
que os reencarnantes possam melhor condicionar seus planos evolutivos:
Essa duração depende da
vontade do Espírito ou lhe pode ser imposta como expiação?
“É
uma consequência do livre-arbítrio. Os Espíritos sabem perfeitamente o que
fazem. Mas, também, para alguns, é uma punição que Deus lhes impõe. Outros
pedem que ela se prolongue, a fim de continuarem os estudos que só na condição
de Espírito livre podem efetuar-se com proveito.”
O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 224.
Situação espiritual na erraticidade
Apenas pelo efeito da morte
— em decorrência da falência do corpo físico —, o Espírito errante não deixa de
ser a continuação da personalidade outrora encarnada e, desta forma, pode
conservar na erraticidade as mesmas más paixões e perturbações de quando encarnado,
condicionando assim a sua situação no mundo espiritual aos seus méritos.
Portanto, sua felicidade ou desdita no plano invisível se relaciona com seu
estado evolutivo.
"Não
há uma única imperfeição da alma que não importe terríveis e inevitáveis
consequências, como não há uma só qualidade boa que não seja fonte de um
prazer. Assim, a soma das penas é proporcionada à soma das imperfeições, como a
dos gozos à das qualidades. Por exemplo, a alma que tem dez imperfeições sofre
mais do que a que tem três ou quatro; e quando dessas dez imperfeições não lhe
restar mais que metade ou um quarto, menos sofrerá. Extintas todas, então a
alma será perfeitamente feliz. Também na Terra, quem tem muitas moléstias,
sofre mais do que quem tenha apenas uma ou nenhuma. Pela mesma razão, a alma
que possui dez perfeições, tem mais satisfação do que outra menos rica de boas
qualidades."
O
Céu e o Inferno, Allan Kardec - cap. VII, item "Código penal da vida
futura."
Espíritos mais adiantados têm um perispírito sutil que com facilidade transcorrem os diversos mundos do plano espiritual e melhor interagem com as demais entidades; enquanto isso, os mais atrasados se sujeitam às limitações de seu estado evolutivo, que lhe interdita o acesso aos mundos superiores e lhe priva da convivência com os seres mais adiantados sem a permissão deles. Se bastante materializados, esses Espíritos inferiores continuam atrelados fisicamente ao mundo de onde desencarnou sofrendo as limitações de sua condição material:
Independente da diversidade
dos mundos, essas palavras de Jesus também podem referir-se ao estado próspero
ou desgraçado do Espírito na erraticidade. Conforme este se ache mais ou menos
purificado e desprendido dos laços materiais, o meio em que ele se encontre, o
aspecto das coisas, as sensações que experimente e as percepções que tenha
variarão ao infinito.
Enquanto uns não podem se
afastar da esfera onde viveram, outros se elevam e percorrem o espaço e os
mundos; enquanto alguns Espíritos culpados erram nas trevas, os bem-aventurados
gozam de resplendente claridade e do espetáculo sublime do Infinito;
finalmente, enquanto o mau, atormentado de remorsos e pesares, muitas vezes
isolado, sem consolação, separado dos que constituíam objeto de suas afeições,
pena sob o peso dos sofrimentos morais, o justo, em convívio com aqueles a quem
ama, frui as delícias de uma felicidade indizível. Também nisso, portanto, há
muitas moradas, embora não limitadas e nem localizadas.
Evolução na erraticidade e os mundos
transitórios
A vida na erraticidade é
também uma oportunidade de evolução espiritual:
O Espírito progride na
erraticidade?
“Pode
melhorar-se muito, conforme a vontade e o desejo que tenha de consegui-lo. Todavia,
é na existência corporal que ele põe em prática as ideias que adquiriu.”
O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 230.
Dentre desse plano de
ascensão espiritual os errantes podem receber certas incumbências de entidades
elevadas e desta sorte realizar missões para promover o bem comum (O Livros dos
Espíritos, questões 568 e 569). Dentre estes estão os benfeitores que inspiram
a humanidade, por exemplo, para a propagação do Espiritismo.
Para possibilitar o
refazimento dos reencarnantes, há no plano invisível infinitas habitações
temporárias, estações de repouso e tratamento, chamadas de mundos transitórios,
também conhecidas como colônias espirituais, cujo exemplo clássico é o livro
Nosso Lar, descrita pelo Espírito André Luiz através da psicografia de Chico
Xavier.
“Sim,
há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que lhes podem
servir de habitação temporária, espécies de acampamentos, de campos onde
descansem de uma longa erraticidade, estado este sempre um tanto penoso. São,
entre os outros mundos, posições intermédias, graduadas de acordo com a
natureza dos Espíritos que a elas podem ter acesso e onde eles gozam de maior
ou menor bem-estar”.
O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 234.
Os mundos transitórios
possibilitam o agrupamento de inteligências e forças que aí constroem
verdadeiras oficinas de aprendizado e trabalho colaborativo em prol da evolução
dos que lá estão estanciados e ainda daí podem estender semelhantes benefícios
a outros mundos.
“Certamente.
Os que vão a tais mundos levam o objetivo de se instruírem e de poderem mais
facilmente obter permissão para passar a outros lugares melhores e chegar à
perfeição que os eleitos atingem.”
O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 235.
Estado dos Espíritos puros
A erraticidade é uma
condição de espera para quem necessariamente deve passar por uma reencarnação a
fim de evoluir, estado esse que, de alguma forma, tem suas limitações, pois
ainda não é o estado de plenitude espiritual própria apenas dos Espíritos da
primeira ordem, os Espíritos puros, aqueles que já completaram o transcurso
evolutivo.
Não estando mais sujeitos ao
processo reencarnatório, os Espíritos puros não se enquadram entre os errantes
e gozam da plenitude da vida espiritual:
Desfrutam de felicidade
inalterável, porque não se acham submetidos às necessidades, nem às
vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a de desocupação e
monotonia, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os
ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal.
Comandam a todos os Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-nos na obra de
seu aperfeiçoamento e lhes designam as suas missões. Assistir os homens nas
suas aflições, incentivá-los ao bem ou à expiação das faltas que os conservam
distanciados da suprema felicidade, é para eles ocupação gratíssima...
O Livro dos Espíritos, Allan
Kardec - questão 113.
Animais e erraticidade
Apesar de inúmeros registros
mediúnicos descreverem a presença de plantas e animais no mundo espiritual,
segundo a codificação do Espiritismo a interação inteligente no ambiente da
erraticidade é uma exclusividade dos Espíritos. Explorando tal questão, Kardec
perguntou e os instrutores invisíveis responderam:
Sobrevivendo ao corpo em que
habitou, a alma do animal vem se encontrar depois da morte num estado de
erraticidade, como a do homem?
“Fica
numa espécie de erraticidade, pois que não mais se acha unida ao corpo, mas não
é um Espírito errante. O Espírito errante é um ser que pensa e age por sua
livre vontade. Os animais não dispõem dessa mesma capacidade. A consciência de
si mesmo é o que constitui o principal atributo do Espírito. O do animal,
depois da morte, é classificado pelos Espíritos a quem cabe essa tarefa e utilizado
quase imediatamente. Não lhe é dado tempo de entrar em relação com outras
criaturas.”
O
Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 600.
Desta resposta ponderamos
então que os animais têm um elemento espiritual que conserva a sua
individualidade, elemento esse que, embora muito distinta da alma humana, é
também uma espécie de alma (O Livro dos Espíritos, questões 597 e seguintes),
contudo, sem consciência de si e, portanto, sem livre-arbítrio nem
responsabilidades por seus atos, que são decorrentes puramente do instinto —
que é um grau inferior do mesmo princípio da inteligência. Por essa lógica, os
animais não podem ser considerados Espíritos errantes; ao desencarnar, o animal
é encaminhado para a reencarnação. Essa definição também exclui a possibilidade
de manifestação espiritual de um animal desencarnado, conforme asseveram os
Espíritos contribuintes da codificação espírita:
Podemos evocar o Espírito de um animal?
“Depois
da morte do animal, o princípio inteligente que havia nele se acha em estado
adormecido e é logo utilizado por certos Espíritos encarregados disso, para
animar novos seres, em os quais ele continua a obra de sua elaboração. Assim,
no mundo dos Espíritos, não há Espíritos de animais errantes, mas unicamente
Espíritos humanos.”
a) —
Como é então que, tendo evocado animais, algumas pessoas têm obtido resposta?
“Evoca
um rochedo e ele te responderá. Há sempre uma multidão de Espíritos prontos a
tomar a palavra, sob qualquer pretexto.”
O
Livro dos Médiuns, Allan Kardec - cap. XXV, item 283.
A interpretação mais ligeira dessas informações é a de que não há absolutamente qualquer atividade na erraticidade envolvendo os animais. A existência deles em relatos mediúnicos poderia ser, dentre outras coisas, um recurso de linguagem ou uma espécie de materialização, formas animais plasmadas por Espíritos, por exemplo, para impressionar os médiuns e a quem mais fossem transmitidas essas impressões, pois ao animal desencarnado “não é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas”.
Certa opinião, por outro
lado, pondera que os animais não teriam força própria para se manifestar, mas,
uma vez que sua alma também fica de alguma forma “numa espécie de
erraticidade”, eles poderiam aí ser utilizados pelos Espíritos incumbidos de
classifica-los e, por força destes, poderiam participar de certas atividades no
mundo espiritual, inclusive para o aprimoramento dos animais, tal como na
descrição de André Luiz:
À
maneira de crianças tenras, internadas em jardim de infância para aprendizados
rudimentares, animais nobres desencarnados, a se destacarem dos núcleos de
evolução fisiopsíquica em que se agrupam por simbiose, acolhem a intervenção de
instrutores celestes, em regiões especiais, exercitando os centros nervosos.
(...)
Plantas
e animais domesticados pela inteligência humana, durante milênios, podem ser aí
aclimatados e aprimorados, por determinados períodos de existência, ao fim dos
quais regressam aos seus núcleos de origem no solo terrestre, para que avancem
na romagem evolutiva, compensados com valiosas aquisições de acrisolamento,
pelas quais auxiliam a flora e a fauna habituais à Terra, com os benefícios das
chamadas mutações espontâneas.
Evolução
em Dois Mundos, (André Luiz) Chico Xavier - cap. IX e XIII.
Daí por que a presença de
animais no mundo espiritual registradas em obras como Nosso Lar (cap. 7:
“...Aves de plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando,
pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilíneas, lembrando
lírios gigantescos, rumo ao céu...”, “Das janelas largas, observava, curioso, o
movimento do parque. Extremamente surpreendido, identificava animais
domésticos, entre as árvores frondosas, enfileiradas ao fundo...”; cap. 33: “–
Os cães – disse Narcisa – são auxiliares preciosos nas regiões obscuras do
Umbral, onde não estacionam somente os homens desencarnados, mas também
verdadeiros monstros, que não cabe agora descrever”).
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