I - Limites da
reencarnação
A reencarnação é necessária
enquanto a matéria domina o Espírito. Mas, desde que o Espírito encarnado
chegou a dominar a matéria e a anular os efeitos de sua reação sobre o moral, a
reencarnação não tem mais nenhuma utilidade nem razão de ser. Com efeito, o
corpo é necessário ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo
chegado a manejar este instrumento à vontade, a lhe imprimir sua vontade, o
trabalho esteja realizado. Então lhe é necessário outro campo para a sua
marcha, ao seu adiantamento para o infinito; é-lhe necessário outro círculo de
estudos, em que a matéria grosseira das esferas inferiores seja desconhecida.
Tendo se depurado e experimentado suas sensações, na Terra ou em globos
análogos, está maduro para a vida espiritual e seus estudos. Havendo-se elevado
acima de todas as sensações corporais, não mais tem nenhum desses desejos ou
necessidades inerentes à corporeidade: é Espírito e vive pelas sensações
espirituais, que são infinitamente mais deliciosas do que as mais agradáveis
sensações corporais.
II - A reencarnação e
as aspirações do homem
As aspirações da alma
conduzem à sua realização, e esta realização se cumpre na reencarnação,
enquanto o Espírito está no trabalho material. Explico-me. Tomemos o Espírito
em seus primórdios na carreira humana: estúpido e bruto, sente, contudo, a
chama divina em si, pois que adora um Deus, que materializa consoante a sua
materialidade. Nesse ser, ainda vizinho do animal, há uma aspiração instintiva,
quase inconsciente, para um estado menos inferior. Começa por desejar
satisfazer seus apetites materiais e inveja os que vê num estado melhor que o
seu; assim, numa encarnação seguinte, ele mesmo escolhe, ou, antes, é arrastado
a um corpo mais aperfeiçoado; e sempre, em cada uma de suas existências, deseja
um melhoramento material; jamais se sentindo satisfeito, quer subir sempre, porque
a aspiração à felicidade é a grande alavanca do progresso.
À medida que as sensações
corporais se tornam maiores, mais aperfeiçoadas, suas sensações espirituais
também despertam e crescem. Então começa o trabalho moral e a depuração da alma
se une à aspiração do corpo para chegar ao estado superior.
Esse estado de igualdade de aspirações materiais e espirituais não é de longa duração; logo o Espírito se eleva acima da matéria e suas sensações não mais podem ser satisfeitas por ela; necessita mais; precisa de melhor; mas aí, tendo sido o corpo levado à perfeição sensitiva, não pode acompanhar o Espírito que, então, o domina e dele se desprende cada vez mais, como de um instrumento inútil; direciona todos os seus desejos, todas as suas aspirações para um estado superior; sente que as necessidades corporais que lhe eram um motivo de felicidade em suas satisfações, não são mais que um estorvo, um aviltamento, uma triste necessidade, da qual aspira libertar-se para gozar, sem entraves, de todas as venturas espirituais que pressente.
III - Ação dos
fluidos na reencarnação
Sendo os fluidos os agentes
que movimentam o nosso aparelho corporal, também são eles os elementos de
nossas aspirações, pois há fluidos corporais e fluidos espirituais, tendendo
todos a elevar-se e a unir-se a fluidos da mesma natureza. Esses fluidos compõem
o corpo espiritual do Espírito que, na condição de encarnado, age por meio
deles sobre a máquina humana que lhe compete aperfeiçoar, pois tudo é trabalho
na Criação, tudo concorre para o progresso geral.
O Espírito tem
livre-arbítrio, e sempre busca o que lhe é agradável e o satisfaz. Se for um
Espírito inferior e material, procura suas satisfações na materialidade e,
então, dará impulso aos seus fluidos corporais, que dominarão, mas tenderão
sempre a crescer e elevar-se materialmente. Assim, as aspirações desses
encarnados serão materiais e, voltando à condição de Espírito, buscará nova
encarnação, em que satisfará suas necessidades e desejos materiais; porque, notai
bem, a aspiração corporal não pode pedir, como realização, senão uma nova
corporeidade, ao passo que a aspiração espiritual não se prende senão às
sensações do Espírito. A isto será solicitado por seus fluidos, que deixou que
se materializassem, e como no ato da reencarnação os fluidos agem para atrair o
Espírito no corpo que foi formado, havendo, portanto, atração e união dos
fluidos, a reencarnação se opera em condições que darão satisfação às
aspirações de sua existência precedente.
Há fluidos espirituais como
fluidos materiais, se estes dominarem; mas então quando o espiritual sobreleva
o material, o Espírito, que julga de modo diferente, escolhe ou é atraído por
simpatias diferentes; como necessita de depuração e a esta só chega pelo trabalho,
as encarnações escolhidas lhe são mais penosas porque, depois de haver dado
supremacia à matéria e a seus fluidos, deve constrangê-la, lutar contra ela e
dominá-la. Daí essas existências tão dolorosas e que, muitas vezes, parecem
injustamente infligidas a Espíritos bons e inteligentes. Estes fazem sua última
etapa corporal e entram, ao sair deste mundo, nas esferas superiores, onde suas
aspirações superiores encontrarão a sua realização.
IV - As afeições
terrenas e a reencarnação
O dogma da reencarnação
indefinida encontra oposições no coração do encarnado que ama, porquanto, em
presença dessa infinidade de existências, produzindo novos laços em cada uma
delas, ele pergunta com assombro em que se tornam as afeições particulares, e
se estas não se fundem num único amor geral, o que destruiria a persistência da
afeição individual. Ele se pergunta se esta afeição individual não é apenas um
meio de adiantamento e então o desânimo se insinua em sua alma, porque a
verdadeira afeição experimenta a necessidade de um amor eterno, sentindo que
ela não se cansará jamais de amar. O pensamento desses milhares de afeições idênticas
lhe parece uma impossibilidade, mesmo admitindo faculdades maiores para o amor.
O encarnado que estuda
seriamente o Espiritismo, sem ideia preconcebida para um sistema, de
preferência a outro, sente-se arrastado à reencarnação pela justiça que resulta
do progresso e do avanço do Espírito em cada nova existência; mas quando o estuda
do ponto de vista das afeições do coração, duvida e se assusta, mau grado seu.
Não podendo pôr de acordo esses dois sentimentos, diz a si mesmo que aí ainda
há um véu a levantar e seu pensamento em trabalho atrai as luzes dos Espíritos
para conciliar o coração com a razão.
Já o disse antes: a
encarnação para onde a materialidade é anulada. Mostrei como o progresso
material a princípio havia aperfeiçoado as sensações corporais do Espírito
encarnado; como o progresso espiritual, vindo a seguir, tinha contrabalançado a
influência da matéria, subordinando-a enfim à sua vontade e que, chegado a esse
grau de domínio espiritual, a corporeidade perdera sua razão de ser, pois o
trabalho estava realizado.
Examinemos agora a questão
da afeição sob os seus dois aspectos, material e espiritual.
Antes de tudo, o que é a
afeição, o amor? Ainda a atração fluídica, atraindo um ser para outro,
unindo-os num mesmo sentimento. Essa atração pode ser de duas naturezas
diferentes, já que os fluidos são de duas naturezas. Mas para que a afeição
persista eternamente, é preciso que seja espiritual e desinteressada; são
precisos abnegação, devotamento e que nenhum sentimento pessoal seja o móvel
deste arrastamento simpático. Desde que nesse sentimento haja personalidade, há
materialidade. Ora, nenhuma afeição material persiste nos domínios do Espírito.
Desse modo, toda afeição, que não resulta senão do instinto animal ou do egoísmo,
se destrói com a morte terrestre; é assim que seres que se dizem amados são
esquecidos após pouco tempo de separação! Vós os amastes por vós, e não por
eles, que não existem mais, pois os esquecestes e os substituístes; procurastes
consolo no esquecimento; eles se vos tornam indiferentes, porque não tendes
mais amor.
Contemplai a Humanidade e
vede quão poucas são as afeições verdadeiras na Terra! Assim, não se devem
admirar tanto da multiplicidade das afeições aí contraídas. São em minoria
relativa, mas existem, e as que são reais persistem e se perpetuam sob todas as
formas, primeiro na Terra, depois continuam no estado de Espírito, numa amizade
ou num amor inalterável, que só faz crescer e se elevar cada vez mais.
Vamos estudar esta
verdadeira afeição: a afeição espiritual.
A afeição espiritual tem por
base a afinidade fluídica espiritual que, atuando só, determina a simpatia.
Quando é assim, é a alma que ama a alma e essa afeição só toma força pela
manifestação dos sentimentos da alma. Dois Espíritos unidos espiritualmente se buscam
e tendem sempre a aproximar-se; seus fluidos são atrativos. Se estiverem num
mesmo globo, serão impelidos um para o outro; se separados pela morte terrena,
seus pensamentos se unirão na lembrança e a reunião far-se-á na liberdade do
sono; e quando a hora de uma nova encarnação soar para um deles, procurará
aproximar-se de seu amigo, entrando no que é a sua filiação material, e o fará
com tanto mais facilidade quanto seus fluidos perispirituais materiais
encontrarão afinidades na matéria corporal dos encarnados que deram à luz o
novo ser. Daí um novo aumento de afeição, uma nova manifestação de amor. Tal
Espírito amigo que vos amou como pai, vos amará como filho, como irmão ou como
amigo, e cada um desses laços aumentará de encarnação em encarnação e se
perpetuará de maneira inalterável quando, realizado o vosso trabalho, viverdes
a vida do Espírito.
Mas esta verdadeira afeição
não é comum na Terra e a matéria a vem retardar, anular-lhe os efeitos,
conforme domine o Espírito. A verdadeira amizade, o verdadeiro amor, sendo
espiritual, tudo que se refere à matéria não é de sua natureza e em nada
concorre para a identificação material. A afinidade persiste, mas fica em estado
latente até que, triunfando o fluido espiritual, o progresso simpático se
efetue novamente.
Em síntese, a afeição
espiritual é a única resistente no domínio do Espírito. Na Terra e nas esferas
do trabalho corporal, concorre para o avanço moral do Espírito encarnado que,
sob a influência simpática, realiza milagres de abnegação e de devotamento aos
seres amados. Aqui, nas moradas celestes, ela é a completa satisfação de todas
as aspirações e a maior felicidade que o Espírito possa desfrutar.
V - O progresso
entravado pela reencarnação indefinida
Até aqui a reencarnação tem
sido admitida de maneira muito prolongada; não se pensou que esse prolongamento
da corporeidade, embora cada vez menos material, acarretava necessidades que
deviam atrasar o progresso do Espírito. Com efeito, admitindo a persistência da
geração nos mundos superiores, se atribuem ao Espírito encarnado necessidades
corporais, dão-lhe deveres e ocupações ainda materiais, que o sujeitam e detêm
o impulso dos estudos espirituais. Qual a necessidade desses entraves? Não pode
o Espírito gozar das alegrias do amor sem sofrer as enfermidades corporais? Mesmo
na Terra, esse sentimento existe por si mesmo, independente da parte material
do nosso ser; por mais raros que sejam, há exemplos suficientes para provar que
deve ser sentido, de modo mais geral, entre os seres mais espiritualizados.
A reencarnação proporciona a
união dos corpos; o amor puro, apenas a união das almas. Os Espíritos se unem
segundo afeições iniciadas em mundos inferiores, e trabalham juntos por seu
progresso espiritual. Têm uma organização fluídica totalmente diferente da que
era consequência de seu aparelho corporal, e seus trabalhos se exercem sobre os
fluidos, e não sobre os objetos materiais. Vão a esferas que, também,
realizaram seu período material e cujo trabalho humano ensejou a
desmaterialização, esferas que, chegadas ao apogeu de seu aperfeiçoamento, também
passaram por uma transformação superior que as torna apropriadas a experimentar
outras modificações, mas num sentido inteiramente fluídico.
Agora compreendeis a imensa
força do fluido, força que mal podeis constatar, mas que não vedes nem
apalpais. Num estado menos pesado ao em que estais, tereis outros meios de ver,
tocar, trabalhar esse fluido, que é o grande agente da vida universal. Por que,
então, o Espírito ainda teria necessidade de um corpo para um trabalho que está
fora das apreciações corporais? Dir-me-eis que esse corpo estará em relação com
os novos trabalhos que o Espírito deverá realizar, mas levando-se em conta que
esses trabalhos serão completamente fluídicos e espirituais nas esferas
superiores, por que lhe dar o embaraço das necessidades corporais, uma vez que
a reencarnação determina sempre, como já disse, geração e alimentação, isto é,
necessidades da matéria a satisfazer e, em contrapartida, entraves para o
Espírito? Compreendei que o Espírito deve ser livre em seu voo para o infinito;
compreendei que, tendo saído das fraldas da matéria, aspira, como a criança, a
marchar e a correr sem ser detido pelo zelo materno, e que essas primeiras
necessidades da primeira educação da criança são supérfluas para a criança
crescida e insuportáveis para o adolescente. Não desejeis, pois, ficar na
infância; olhai-vos como alunos que fazem os últimos estudos escolares e se
dispõem a entrar no mundo, a nele ter a sua posição e a começar trabalhos de
outro gênero, que seus estudos preliminares terão facilitado.
O Espiritismo é a alavanca
que, de um salto, erguerá ao estado espiritual todo encarnado que, querendo bem
compreendê-lo e pô-lo em prática, se empenhará em dominar a matéria, a
tornar-se seu senhor, a aniquilá-la; todo Espírito de boa vontade pode pôr-se em
condição de passar, ao deixar este mundo, para um estado espiritual sem retorno
terrestre. Falta-lhe apenas fé ou vontade ativa. O Espiritismo a oferece a
todos os que o quiserem compreender em seu sentido moralizador.
Um Espírito protetor do
médium
Observação – Esta
comunicação não traz outra assinatura, o que prova que não é necessário ter
tido um nome célebre na Terra para ditar boas coisas.
É de notar-se a analogia
existente entre a comunicação de Sens, transcrita mais acima, e a primeira
parte desta. Sem dúvida esta última é mais desenvolvida, mas a ideia
fundamental sobre a necessidade da encarnação é a mesma. Citamos ambas para
mostrar que os grandes princípios da Doutrina são ensinados em toda parte e que
é assim que se constituirá e se consolidará a unidade do Espiritismo. Essa
concordância é o melhor critério da verdade. Ora, não passa despercebido que as
teorias excêntricas e sistemáticas, ditadas por Espíritos pseudossábios são
sempre circunscritas a um círculo estreito e individual, razão por que nenhuma
prevaleceu, e também porque não são de temer, pois só têm uma existência
efêmera, que se apaga como uma fraca luz ante a claridade do dia.
Quanto à última comunicação,
seria supérfluo ressaltar seu alto alcance, como fundo e como forma. Pode
resumir-se assim:
A vida do Espírito,
considerada do ponto de vista do progresso, apresenta três períodos principais,
a saber:
1o ) Período material, no
qual a influência da matéria domina a do Espírito. É o estado dos homens que se
entregam às paixões brutais e carnais, à sensualidade; cujas aspirações são
exclusivamente terrestres, ligados aos bens temporais, ou refratários às ideias
espirituais;
2o ) Período de equilíbrio,
no qual as influências da matéria e do Espírito se exercem simultaneamente; em
que o homem, embora submetido às necessidades materiais, pressente e compreende
o estado espiritual; em que trabalha para sair do estado corporal; Nesses dois
períodos o Espírito está sujeito à reencarnação, que se realiza nos mundos
inferiores e médios.
3o ) Período espiritual, no
qual tendo o Espírito dominado completamente a matéria, não mais necessita da
encarnação, nem do trabalho material, pois seu trabalho é inteiramente
espiritual; é o estado dos Espíritos nos mundos superiores.
A facilidade com que certas
pessoas aceitam as ideias espíritas, das quais, parece, têm a intuição, indica
que pertencem ao segundo período, mas entre este e os outros há uma multidão de
graus que o Espírito transpõe tanto mais rapidamente quanto mais próximo do
período espiritual. É assim que, de um mundo material como a Terra, pode ir
habitar um mundo superior, como Júpiter, por exemplo, se seu avanço moral e
espiritual for suficiente para dispensá-lo de passar pelos graus
intermediários. Depende, pois, do homem deixar a Terra sem retorno, como mundo
de expiação e prova para ele, ou a ela não voltar senão em missão.
Fonte: Revista espírita, FEB, fevereiro de 1864.
Nenhum comentário:
Postar um comentário