A História haverá de
registrar a lógica singular dos contraditores do Espiritismo, da qual vamos dar
algumas amostras.
Do Departamento do
Haute-Marne remetem-nos a pastoral do Sr. bispo de Langres, em que se nota a
seguinte passagem:
[...]
E eis que os homens que se dizem amigos da Humanidade, da liberdade e do
progresso, mas que, na realidade, a sociedade deve contar no número de seus
mais perigosos inimigos, se esforçam, por todos os meios, para arrancar (a fé)
do coração das populações cristãs. Porque, caríssimos irmãos, é nosso dever vos
advertir, nós que somos encarregados de velar pela guarda de vossas almas, a fim
de que os nossos avisos vos tornem prudentes e precavidos: Talvez jamais se
tenha visto uma conspiração mais odiosa, mais vasta, mais perigosa e mais
hábil, isto é, organizada de modo mais infernal contra a fé católica que a que
hoje existe. Conspiração das sociedades secretas, que trabalham na sombra para
aniquilar o catolicismo, como se isto fosse possível; conspiração do
protestantismo que, por uma propaganda ativa, busca insinuar-se por toda parte;
conspiração dos filósofos racionalistas e anticristãos, que rejeitam, sem razão
e contra toda razão, o sobrenatural e a religião revelada, e que se esforçam
por fazer prevalecer no mundo letrado sua falsa e funesta doutrina; conspiração
das sociedades espíritas que, pela prática supersticiosa da evocação dos
Espíritos, entregam-se e incitam os outros a se consagrarem à pérfida maldade
do espírito de mentira e de erro; conspiração de uma literatura ímpia ou
corruptora; conspiração dos maus jornais e dos maus livros, que se propagam de modo
assustador, à sombra de uma tolerância ou de uma liberdade louvada como
progresso do século, como conquista do que chamam espírito moderno, e que não é
senão um incitamento ao gênio do mal, um justo motivo de dor para uma nação
católica, uma armadilha e um perigo muito evidente para todos os fiéis, seja
qual for a classe a que pertençam, não suficientemente instruídos na religião,
cujo número infelizmente é grande; conspiração, enfim, desse materialismo
prático que não vê, não busca, não persegue senão o que diz respeito ao corpo e
ao bem-estar físico; que não mais se ocupa da alma e de seu destino, como se
não o houvesse, e cujo exemplo pernicioso seduz e arrasta facilmente as massas.
Tais são, em resumo, caríssimos irmãos, os perigos que hoje corre a fé... etc.
Estamos perfeitamente de
acordo com o Sr. bispo no que toca as funestas consequências do materialismo,
mas é surpreendente vê-lo confundir na mesma reprovação o materialismo, que
nega a alma, o futuro, Deus e a Providência, com o Espiritismo, que vem combatê-lo
e dele triunfa pelas provas materiais que dá da existência da alma,
precisamente com o auxílio dessas mesmas evocações pretensamente
supersticiosas. Será porque leva vantagem onde a Igreja é impotente?
Partilharia o Sr. bispo da opinião de certo eclesiástico que dizia do púlpito:
“Prefiro vos saber fora da Igreja a nela vos ver entrar pelo Espiritismo!” E
deste outro que dizia: “Prefiro um ateu, que em nada crê, a um espírita, que
crê em Deus e na alma.” É uma opinião como outra qualquer e gostos não se
discutem. Seja qual for a do Sr. bispo sobre este ponto, estimaríamos muito que
ele respondesse às duas questões seguintes: “Como é que a Igreja, auxiliada
pelos poderosos meios de ensino de que dispõe para fazer brilhar a verdade aos
olhos de todos, não tem sido capaz de deter o materialismo, ao passo que o
Espiritismo, nascido ontem, diariamente converte incrédulos endurecidos? — O
meio pelo qual se atinge um objetivo é mais mau do que aquele com cujo auxílio
não se o alcança?”
O Sr. bispo enumera uma série de conspirações, que se erguem ameaçadoras contra a religião; por certo não refletiu que, por esse quadro pouco tranquilizador para os fiéis, vai precisamente contra seu objetivo e pode até provocar nestes últimos deploráveis reflexões. A ouvi-lo, em pouco tempo os conspiradores seriam mais numerosos.
Ora, o que aconteceria num
Estado se toda a nação conspirasse? Se a religião se vê atacada por tão
numerosas coortes, isto não provaria em favor das simpatias que ela encontra.
Dizer que a fé ortodoxa está ameaçada é confessar a fraqueza de seus
argumentos. Se ela é fundada na verdade absoluta, não pode temer nenhum
argumento contrário. Em tal caso, soar o alarme é completa falta de habilidade.
Uma instrução de catecismo
Num catecismo para crianças
da diocese de Langres, por ocasião da pastoral acima referida, foi dada uma
instrução sobre o Espiritismo, como assunto a ser tratado pelos alunos.
Eis a narração textual de um
deles:
O
Espiritismo é obra do diabo, que o inventou. Entregar-se a isto é pôr-se em
relação direta com o demônio. Superstição diabólica! Muitas vezes Deus permite
essas coisas para reavivar a fé dos fiéis. O demônio faz-se bom, faz-se santo;
cita palavras das escrituras sagradas.
Esse meio de reanimar a fé
nos parece muito mal escolhido.
Tertuliano,
que viveu no século II, conta que faziam falar as cabras e as mesas; é a
essência da idolatria. Essas operações satânicas eram raras em certos países
cristãos, mas hoje são muito comuns. Esse poder do demônio mostrou-se em todo o
seu vigor com o advento do protestantismo.
Eis crianças bem convencidas
do grande poder do demônio. Não seria para temer que isto lhes fizesse duvidar
um pouco do poder de Deus, quando se vê o primeiro tantas vezes levar a melhor
sobre o segundo?
O
Espiritismo nasceu na América, no seio de uma família protestante chamada Fox.
A princípio o demônio manifestou-se por pancadas que despertavam as pessoas em
sobressalto; enfim, aborrecidos com as pancadas, procuraram o que podia ser. Um
dia a filha do Sr. Fox pôs-se a dizer: Bate aqui, bate ali; e batiam onde ela
queria.
Sempre a excitação contra os
protestantes! Assim, eis rapazes educados pela religião no ódio contra uma
parte de seus concidadãos, muitas vezes contra membros da própria família! Felizmente
o espírito de tolerância que reina em nossa época o contrabalança, sem o que
veríamos a renovação de cenas sangrentas dos séculos passados.
Esta
heresia logo se vulgarizou e já conta quinhentos mil sectários. Os Espíritos
invisíveis se permitem fazer toda a sorte de coisas. Ao simples pedido de um
indivíduo, moviam-se mesas sobrecarregadas com centenas de livros; viam-se mãos
sem corpo. Eis o que se passou na América, e isto veio à França pela Espanha.
Inicialmente o Espírito foi forçado por Deus e os anjos a dizer que era o
diabo, a fim de não apanhar em suas armadilhas as pessoas honestas.
Julgamo-nos bem ao corrente
da marcha do Espiritismo, e jamais ouvimos dizer que tivesse chegado à França
pela Espanha. Seria um ponto a retificar na história do Espiritismo?
Pela confissão dos
adversários do Espiritismo, vê-se com que rapidez a ideia nova ganha terreno;
uma ideia que, apenas despontada, conquista quinhentos mil partidários não é
sem valor e prova o caminho que fará mais tarde; dez anos mais tarde um deles
eleva a cifra a vinte milhões, só na França e prediz que em breve a heresia
terá ganho os outros vinte milhões. Mas, então, se todo o mundo é herético, que
restará para a ortodoxia? Não seria o caso de aplicar a máxima: Quando todos
estão errados, todos têm razão? Que teria respondido o instrutor, se uma
criança insuportável de seu jovem auditório lhe tivesse feito a pergunta: “Como
é possível que a primeira pregação de Pedro só converteu três mil judeus, enquanto
o Espiritismo, que é obra de satanás, fez imediatamente quinhentos mil adeptos?
Será satanás mais poderoso do que Deus?” — Talvez ele lhe tivesse respondido:
“É porque eram protestantes”.
Satã
diz que é um Espírito bom, mas é um mentiroso. Um dia quiseram que a mesa
falasse; ela não quis responder; julgaram que a presença de eclesiásticos a
impedia. Por fim, duas batidas vieram advertir que o Espírito lá estava.
Perguntaram-lhe: — Jesus Cristo é filho de Deus? — Não. — Reconheces a santa
eucaristia? — Sim. — A morte de Jesus Cristo aumentou os teus sofrimentos? —
Sim.
Então
há padres que assistem a essas reuniões diabólicas. A criança insuportável
poderia ter perguntado por que, quando vêm, não fazem o diabo fugir?
Assim dizia o Sr. Allan
Kardec:
Eis
uma cena diabólica. A velhacaria dos Espíritos mistificadores ultrapassa tudo
quanto se possa imaginar. Havia dois Espíritos, um representando o bom, outro,
o mau; ao cabo de alguns meses disse um: — Aborreço-me de vos repetir palavras
melífluas, nas quais não penso. — Então és o Espírito do mal? — Sim. — Não
sofres falando de Deus, da Virgem e dos santos? — Sim. — Queres o bem ou o mal?
— O mal. — Não és o Espírito que falava há pouco? — Não. — Onde estás? — No
inferno. — Sofres? — Sim. — Sempre? — Sim. — Estás submetido a Jesus Cristo? —
Não, a Lúcifer. — Ele é eterno? — Não. — Gostas do que tenho na mão? (eram
medalhas da santa Virgem.) — Não; julguei vos inspirar confiança; o inferno me
reclama; adeus!
O relato é muito dramático,
sem dúvida, mas seria muito hábil quem provasse que temos algo a ver com isso.
É triste ver a que expedientes são obrigados a recorrer para dar fé. Esquecem
que essas crianças crescem e refletirão. A fé que repousa em tais provas tem
razão de temer as conspirações.
Acabamos de ver o Espírito
do mal forçado a confessar que era o tal. Eis outra frase que o lápis do médium
escrevia: “Se queres entregar-te a mim, alma, Espírito e corpo, satisfarei os
teus desejos; se queres estar comigo, escreve teu nome por baixo do meu”; e escrevia:
Giefle ou Satã. O médium tremia e não escrevia; tinha razão. Todas as sessões
terminam por estas palavras: “Queres aderir?” O demônio queria que fizessem um
pacto com ele. — Entrega-me a tua alma! — disse um dia a alguém. — Quem és tu?
— responderam. — Sou o demônio. — Que queres? — Possuir-te. Não há purgatório;
os celerados, os maus, tudo isto há no Céu.
Que dirão estes meninos
quando testemunharem algumas evocações e, em vez de um pacto infernal, ouvirem
os Espíritos dizer: “Amai a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a vós
mesmos; praticai a caridade ensinada pelo Cristo; sede bons para com todos,
mesmo com os vossos inimigos; orai a Deus e segui os seus mandamentos para
serdes felizes neste mundo e no outro?”.
Todos
esses prodígios, todas essas coisas extraordinárias vêm dos Espíritos das
trevas. O Sr. Home, espírita fervoroso, nos diz que por vezes o solo vibra sob
os seus pés, os aposentos estremecem, as pessoas se arrepiam; uma mão invisível
nos apalpa os joelhos e os ombros; uma mesa pula. Perguntam: — Estás aí? — Sim.
— Dá provas disto. E a mesa se ergue duas vezes!
Ainda uma vez, tudo isto é
muito dramático, mas, entre os jovens ouvintes, certamente mais de um desejou
vê-lo e não perderá a primeira oportunidade. Também se encontrarão mocinhas impressionáveis,
de organização delicada que, ao menor comichão, julgarão sentir a mão do diabo
e passarão mal.
Todas
essas coisas são ridículas. A santa Igreja, mãe de todos nós, faz-nos ver que
isto não passa de mentira.
Se tudo isto for ridículo e
mentiroso, por que, então, dar tanta importância? Por que apavorar as crianças
com quadros sem nenhuma realidade? Se há mentira, não é precisamente nesses
quadros?
Na
evocação dos mortos, por exemplo, não se deve crer que sejam os nossos parentes
que nos falam; é Satã quem fala e se dá por um morto. Certamente estamos em
comunicação pela comunhão dos santos. Na vida dos santos temos exemplos de
aparições de mortos, mas é um milagre da Sabedoria divina e esses milagres são
raros. Eis o que nos dizem: Algumas vezes os demônios se dão por mortos e,
também, por santos.
Algumas vezes não é sempre;
portanto, pode acontecer que o Espírito que se comunica não seja um demônio.
Eles
podem fazer muitas outras coisas. Certo dia, um médium que não sabia desenhar
reproduziu, com a mão conduzida por um Espírito, as imagens de Jesus Cristo e
da santa Virgem que, apresentadas a alguns de nossos melhores artistas, foram
julgadas dignas de ser expostas.
Ouvindo isto, um aluno bem
poderia pensar: E se um Espírito pudesse conduzir-me a mão para fazer meu dever
e ganhar um prêmio? Tentemos!
Saul
consultou a pitonisa de Endor e Deus permitiu que Samuel lhe aparecesse para
dizer: “Por que perturbas o meu repouso? Amanhã estarás comigo no túmulo”.
Nossos Sauis de salão bem que deveriam pensar nesta história. Felipe de Néri
nos diz: Se a santa Virgem vos aparecer, ou mesmo nosso Senhor Jesus Cristo,
cuspi-lhe no rosto, pois seria apenas uma trapaça do demônio para vos induzir
em erro.
O que vem a ser a aparição
de Nossa Senhora da Salette a duas pobres crianças? Conforme essa instrução de
catecismo, deviam ter-lhe cuspido no rosto.
Nosso
santo padre o papa Pio IX proibiu expressamente entregar-se a essas coisas. O
Sr. bispo de Langres, e ainda muitos outros, fizeram o mesmo. Há perigo de
morte: dois velhos se suicidaram porque os Espíritos lhes haviam dito que
depois da morte gozariam de infinita ventura; perigo para a razão: vários
médiuns enlouqueceram e numa casa de alienados contavam-se mais de quarenta
indivíduos que o Espiritismo tornara loucos.
Ainda não conhecemos a bula
papal que proíbe expressamente de ocupar-se com estas coisas; caso existisse, o
Sr. bispo de Langres e os outros não teriam deixado de mencioná-la. A história
dos dois velhos, a que se faz alusão, é inexata; foi provado, por documentos
oficiais, registrados no tribunal e, notadamente por cartas por eles escritas
antes da morte, que se suicidaram em consequência de perdas de dinheiro e do
temor de cair na miséria. A dos quarenta indivíduos confinados numa casa de
alienados não é mais verídica. Seria muito constrangedor justificar tal
história pelos nomes desses pretensos loucos, que um primeiro jornal fixou em
quatro, um segundo em quarenta, um terceiro em quatrocentos e, por fim, um
quinto dizia que trabalhavam na ampliação do hospício. Um instrutor de
catecismo deveria colher seus dados históricos em outras fontes que não fossem
as fofocas de jornais. As crianças a quem enunciam seriamente essas coisas as
aceitam com confiança, mas quanto maior a confiança, mais forte a reação
contrária quando, mais tarde, souberem a verdade. Isto é dito em sentido geral,
e não exclusivamente para o Espiritismo.
Se analisamos este trabalho
para meninos, fique bem entendido que não é a sua opinião que refutamos, mas
aquela da qual a narração é um resumo. Se se investigasse com cuidado todas as
instruções dessa natureza, ficaríamos menos admirados dos frutos recolhidos
mais tarde. Para instruir a infância é preciso grande tato e muita experiência,
porque é inimaginável o alcance que poderá ter uma única palavra imprudente
que, como o joio, germina nessas jovens imaginações como em terra virgem.
Parece que os adversários do
Espiritismo não acham que a ideia esteja bastante espalhada; dir-se-ia que, mau
grado seu, são impelidos a inventar meios para difundi-la ainda mais. Depois dos
sermões, cujo resultado é conhecido, não se podia achar um mais eficaz do que
fazê-lo tema das instruções e deveres do catecismo. Os sermões atuam sobre a
geração que se vai; as instruções predispõem a geração que chega. Assim, laboraríamos
em erro se as encarássemos com desagrado.
Fonte: revista espírita.
FEB, junho de 1864.
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