Como é possível o
conhecimento do futuro? Compreende-se a previsão dos acontecimentos que devam
resultar do estado presente; não, porém, dos que não guardam qualquer relação
com esse estado, nem, ainda menos, dos que são atribuídos ao acaso. As coisas
futuras não existem, dizem; elas ainda se encontram no nada; como, pois, se há
de saber que acontecerão? E, contudo, são muito numerosos os casos de predições
realizadas, o que nos leva a conclusão de que ocorre aí um fenômeno para cuja
explicação falta a chave, visto não haver efeito sem causa. É essa causa que
vamos tentar descobrir e é ainda o Espiritismo, já por si mesmo chave de tantos
mistérios, que no-la fornecerá, mostrando-nos, além disso, que o próprio fato
das predições não se produz com exclusão das leis naturais. Tomemos para
comparação um exemplo nas coisas usuais. Ele nos ajudará a compreender o
princípio que teremos de desenvolver.
Suponhamos um homem colocado
no alto de uma montanha, a contemplar a vasta extensão da planície à sua volta.
Nessa situação, o espaço de uma légua será pouca coisa para ele, que poderá facilmente
apanhar, de um golpe de vista, todos os acidentes do terreno, desde o começo
até o fim da estrada que esteja diante de seus olhos. O viajante que pela
primeira vez percorra essa estrada sabe que, caminhando, chegará ao fim dela,
não passando isso de simples previsão da consequência que terá a sua marcha.
Entretanto, os acidentes do terreno, as subidas e descidas, os rios que terá de
transpor, os bosques que haja de atravessar, os precipícios em que poderá cair,
os ladrões que o espreitam para roubá-lo, as casas hospitaleiras onde poderá
repousar, tudo isso independe da sua pessoa; é para ele o desconhecido, o
futuro, porque a sua vista não vai além da pequena área que o cerca. Quanto à
duração, mede-a pelo tempo que gasta em percorrer o caminho. Tirai-lhe os
pontos de referência, e a duração desaparecerá. Para o homem que está em cima
da montanha e que o acompanha com o olhar, tudo aquilo está presente.
Suponhamos que esse homem desce do seu ponto de observação e, indo ao encontro
do viajante, lhe diz: “Em tal momento, encontrarás tal coisa, serás atacado e
socorrido”. Estará predizendo o futuro, o futuro para o viajante, não para ele,
autor da previsão, visto que, para ele, esse futuro é o presente.
Se, agora, sairmos do âmbito
das coisas puramente materiais e entrarmos, pelo pensamento, no domínio da vida
espiritual, veremos o fenômeno produzir-se em maior escala. Os Espíritos desmaterializados
são como o homem da montanha; o espaço e a duração não existem para eles. Mas a
extensão e a penetração da vista são proporcionais à depuração deles e à
elevação que alcançaram na hierarquia espiritual. Eles são, com relação aos
Espíritos inferiores, quais homens munidos de possantes telescópios, ao lado de
outros que apenas dispõem dos olhos. Nos Espíritos inferiores, a visão é circunscrita,
não só porque eles dificilmente podem afastar-se do globo a que se acham
presos, como também porque a grosseria de seus perispíritos lhes vela as coisas
distantes, do mesmo modo que um nevoeiro as oculta aos olhos do corpo.
Compreende-se, pois, que, de conformidade com o grau de perfeição, um Espírito possa abarcar um período de alguns anos, de alguns séculos e mesmo de muitos milhares de anos. Com efeito, o que é um século em face do infinito? Os acontecimentos não se desenrolam sucessivamente diante dele, como os incidentes da estrada diante do viajante: ele vê simultaneamente o começo e o fim do período; todos os eventos que, nesse período, constituem o futuro para o homem da Terra são o presente para ele, que poderia então vir dizer-nos com certeza: tal coisa acontecerá em tal época, porque ele vê essa coisa como o homem da montanha vê o que espera o viajante no curso da viagem. Se assim não procede, é porque o conhecimento do futuro poderia ser prejudicial ao homem; entravaria seu livre-arbítrio, paralisá-lo-ia no trabalho que lhe cumpre executar a bem do seu progresso. O bem e o mal com que se defrontará no futuro, por se conservarem desconhecidos, constitui para o homem uma prova. Se tal faculdade, mesmo restrita, pode ser arrolada entre os atributos da criatura, com que grau de potencialidade não existirá no Criador, que abrange o Infinito? Para Ele, o tempo não existe: o princípio e o fim dos mundos lhe são o presente. Dentro desse imenso panorama, que vem a ser a duração da vida de um homem, de uma geração, de um povo?
Entretanto, como o homem
deve concorrer para o progresso geral, como certos acontecimentos devem
resultar da sua cooperação, pode convir que, em casos especiais, ele pressinta
esses acontecimentos, a fim de lhes preparar o encaminhamento e de estar pronto
a agir, quando chegar o momento propício. É por isso que Deus, às vezes,
permite se levante uma ponta do véu; mas sempre com fim útil, nunca para
satisfação da vã curiosidade. Tal missão pode, pois, ser conferida, não a todos
os Espíritos, visto que muitos não conhecem, do futuro, mais do que os homens,
porém a alguns Espíritos bastante adiantados para desempenhá-la. Ora, é de
notar-se que as revelações desse gênero são sempre feitas espontaneamente e
jamais, ou, pelo menos, muito raramente, em resposta a uma pergunta direta. Semelhante
missão pode também ser confiada a certos homens, desta maneira: Aquele a quem é
dado o encargo de revelar uma coisa oculta recebe, à sua revelia e por
inspiração dos Espíritos que a conhecem, a revelação dela e a transmite
maquinalmente, sem se aperceber do que faz. É sabido, além disso, que tanto
durante o sono quanto no estado de vigília, nos êxtases da dupla vista, a alma se
desprende e adquire, em grau mais ou menos alto, as faculdades do Espírito
livre. Se for um Espírito adiantado e, sobretudo, se houver recebido, como os
profetas, uma missão especial para esse efeito, gozará, nos momentos de
emancipação da alma, da faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou
menos extenso, e verá, como presentes, os sucessos desse período. Pode então
revelá-los no mesmo instante, ou conservar lembrança deles ao despertar. Se os sucessos
devem permanecer secretos, ele os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga
intuição do que lhe foi revelado, suficiente para guiá-lo instintivamente.
É assim que em certas
ocasiões essa faculdade se desenvolve providencialmente, na iminência de
perigos, nas grandes calamidades, nas revoluções, e é assim também que a
maioria das seitas perseguidas adquire numerosos videntes. É ainda assim que se
veem os grandes capitães avançar resolutamente contra o inimigo, certos da
vitória; que homens de gênio, como Cristóvão Colombo, por exemplo, caminham
para uma meta, anunciando previamente, a bem dizer, o instante em que a
alcançarão. É que eles viram essa meta, que, para seus Espíritos, deixou de ser
o desconhecido. Todos os fenômenos cuja causa era ignorada foram tidos à conta
de maravilhosos. Uma vez conhecida a lei segundo a qual eles se realizam, eles
entraram na ordem das coisas naturais. O dom da predição nada tem, pois, de
sobrenatural, mais do que uma imensidade de outros fenômenos. Repousa sobre as
propriedades da alma e na lei das relações do mundo visível com o Mundo Invisível,
que o Espiritismo veio dar a conhecer. Mas como admitir a existência de um
Mundo Invisível, se não se admite a alma, ou se não se admitir a sua
individualidade depois da morte? O incrédulo que nega a presciência é
consequente consigo mesmo; resta saber se o é com a lei natural.
Essa teoria da presciência
talvez não resolva de modo absoluto todos os casos que se possam apresentar de
revelação do futuro, mas não se pode deixar de convir em que lhe estabelece o princípio
fundamental. Se não explica tudo, é pela dificuldade, para o homem, de
colocar-se nesse ponto de vista extraterrestre; por sua própria inferioridade,
seu pensamento, incessantemente arrastado para o atalho da vida material,
muitas vezes é impotente para se destacar do solo. A esse respeito, certos
homens são como filhotes de aves, cujas asas, demasiado fracas, não lhes
permitem elevarem-se no ar, ou como aqueles cuja vista é muito curta para ver
ao longe, ou, enfim, como aqueles a quem falta um sentido para certas
percepções. Entretanto, com alguns esforços e o hábito da reflexão, lá
chegaram: os espíritas, mais facilmente que os outros, podem identificar-se com
a vida espiritual, que compreendem.
Para compreendermos as
coisas espirituais, isto é, para fazermos delas uma ideia tão clara como a que
fazemos de uma paisagem que tenhamos diante dos olhos, falta-nos em verdade um sentido,
exatamente como ao cego de nascença falta o sentido necessário que lhe faculte
compreender os efeitos da luz, das cores e da vista, sem contato. É por isso
que somente por esforço da imaginação e por meio de comparações com coisas
materiais que nos sejam familiares chegamos a consegui-lo. As coisas materiais,
porém, não nos podem dar das coisas espirituais senão ideias muito imperfeitas,
razão por que não se devem tomar ao pé da letra essas comparações e crer, por
exemplo, que a extensão das faculdades perceptivas dos Espíritos depende da
efetiva elevação deles, nem que eles precisem estar em cima de uma montanha ou
acima das nuvens para abrangerem o tempo e o espaço.
Tal faculdade é inerente ao
estado de espiritualização, ou, se preferirem, de desmaterialização do
Espírito. Isto significa que a espiritualização produz um efeito que se pode
comparar, embora muito imperfeitamente, ao da visão de conjunto que tem o homem
colocado sobre a montanha. Esta comparação objetivava simplesmente mostrar que
acontecimentos pertencentes ainda, para uns, ao futuro, pertencem, para outros,
ao presente e podem assim ser preditos, o que não implica que o efeito se produza
da mesma maneira.
Por conseguinte, para gozar
dessa percepção o Espírito não precisa transportar-se a um ponto qualquer do
espaço. Aquele que está na Terra, ao nosso lado, pode possuí-la em toda a sua
plenitude, tanto quanto se achasse a mil léguas de distância, ao passo que nada
vemos além do nosso horizonte visual. Não se operando a visão nos Espíritos do
mesmo modo, nem com os mesmos elementos que no homem, muito diverso é o
horizonte visual dos primeiros. Ora, é justamente esse o sentido que nos falta
para o concebermos. O Espírito, ao lado do encarnado, é como o vidente ao lado
do cego.
Além disso, devemos ponderar
que essa percepção não se limita à extensão, mas que ela abrange a penetração
de todas as coisas. É, repetimos, uma faculdade inerente e proporcional ao
estado de desmaterialização. A encarnação amortece-a, sem, contudo, a anular
completamente, porque a alma não fica encerrada no corpo como numa caixa. O
encarnado a possui, embora sempre em grau menor do que quando se acha
completamente desprendido; é o que confere a certos homens um poder de
penetração que a outros falta totalmente; maior grandeza de visão moral;
compreensão mais fácil das coisas extra materiais.
O Espírito encarnado não
somente percebe, como também se lembra do que viu no estado de Espírito livre e
essa visão é como um quadro que se projeta na sua mente. Na encarnação, ele vê,
mas vagamente, como através de um véu; no estado de liberdade, vê e concebe
claramente. O princípio da visão não lhe é exterior, está nele; é por isso que
não precisa da luz exterior. Por efeito do desenvolvimento moral, alarga-se o
círculo das ideias e da concepção; por efeito da desmaterialização gradual do
perispírito, este se depura dos elementos grosseiros que lhe alteravam a
delicadeza das percepções, o que torna fácil compreender-se que a ampliação de
todas as faculdades acompanha o progresso do Espírito.
É o grau da extensão das
faculdades do Espírito que, na encarnação, o torna mais ou menos apto a
conceber as coisas espirituais. Essa aptidão, todavia, não resulta forçosamente
do desenvolvimento da inteligência; a ciência vulgar não a dá, sendo por isso
que se veem homens de grande saber tão cegos para as coisas espirituais, quanto
outros o são para as coisas materiais; são-lhe refratários, porque não as
compreendem, o que significa que ainda não progrediram em tal sentido, ao passo
que outros, de instrução e inteligência vulgares, as apreendem com a maior
facilidade, o que prova que já tinham de tais coisas uma intuição prévia.
A faculdade de mudar de
ponto de vista e de olhar do alto não só dá a solução do problema da
presciência; é, além disso, a chave da verdadeira fé, da fé sólida; é também o
mais poderoso elemento de força e de resignação, porque daí a vida terrena,
aparecendo como um ponto na imensidade, compreende-se o pouco valor das coisas
que, vistas debaixo, parecem tão importantes. Os incidentes, as misérias, as
vaidades da vida diminuem à medida que se desdobra o imenso e esplêndido
horizonte do futuro. O que assim vê as coisas deste mundo, pouco ou nada é
atingido pelas vicissitudes e, por isto mesmo, é tão feliz quanto o pode ser na
Terra. É, pois, de lamentar-se os que concentram seus pensamentos na estreita
esfera terrestre, porque sentem, em toda a sua força, o contragolpe de todas as
tribulações que, como tantos aguilhões, os ferem incessantemente.
Quanto ao futuro do
Espiritismo, os Espíritos, como se sabe, são unânimes em afirmar o seu triunfo
próximo, apesar dos obstáculos que lhe opõem. Essa previsão lhes é fácil,
primeiramente porque a sua propagação é obra pessoal deles: concorrendo para o
movimento, ou dirigindo-o, eles sabem, por conseguinte, o que devem fazer; em
segundo lugar, basta-lhes entrever um período de curta duração, no qual veem,
ao longo do caminho, os poderosos auxiliares que Deus lhe suscita e que não
tardarão a manifestar-se.
Embora não sejam Espíritos desencarnados, transportem-se os espíritas a trinta anos apenas para a frente, ao seio da geração que surge; daí considerem o que se passa hoje com o Espiritismo; acompanhem-lhe a marcha progressiva e verão consumir-se em vãos esforços os que se julgam destinados a derrubá-lo. Verão que esses tais pouco a pouco desaparecem de cena e que, paralelamente, a árvore cresce e alonga cada vez mais as suas raízes.
Fonte: revista espírita. FEB, maio de 1864.
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