Metempsicose

Metempsicose é uma ideia genérica fundada na crença da transmigração da alma, após a morte física, de um corpo para outro por indefinidas existências corpóreas; é semelhante à ideia espírita de reencarnação, com a diferença elementar de que a cultura da metempsicose admite, de acordo com certas vertentes, o retorno da alma a uma nova existência física em corpos animais e vegetais, cuja regressão equivale a uma expiação, enquanto que a Lei de Reencarnação nos moldes da Revelação Espírita se funda essencialmente na concepção de um processo evolutivo, sem retrocesso, implicando assim na impossibilidade da alma humana (Espírito) encarnar em um corpo inferior ao da espécie humana. A crença da metempsicose se perde na contagem dos tempos e era amplamente difundida na Pré-história e na Antiguidade, muito presente especialmente na Índia, China, entre os antigos povos egípcios, gregos, romanos, etc. Essa ideia chegou ao Ocidente influenciada principalmente pelo orfismo e pelo pitagorismo, sendo adotada por correntes filosóficas como o empedoclismo, platonismo e neoplatonismo; ela também está incorpora em vários segmentos de doutrinas orientais como o Budismo e o Hinduísmo.

Etimologia e concepções

O termo metempsicose é uma transliteração do grego μετεμψύχωσις, que é uma junção de meta = “alem de” + psiquê = “alma”. Pelo que se sabe, sua origem é indiana, tendo sido trazido à Grécia Antiga pelo filósofo, matemático e místico Pitágoras de Samos (século VI a.C.) e usado por outros filósofos como Empédocles e Platão, embora muitos estudiosos observam que aqueles pensadores gregos não criam exatamente na concepção tradicional da metempsicose, com sua ideia de possibilidade da alma regredir e encarnar em corpos vegetais e animais, mas que eles empregaram essa palavra no sentido clássico de reencarnação: transmigração da alma humana pós-morte para um novo corpo humano.

Referências a Pitágoras dão conta que ele teria era convencido das sucessivas vidas carnais, conforme se lê em filósofos como Aristóteles, Xenófanes, Heródoto e Empédocles; este último, a exemplo de vários colegas, escreveu que Pitágoras guardava viva lembrança de fatos de suas vidas pregressas. Uma dessas reminiscências o levava a crer ter sido Euforbo, um dos heróis helenos da Guerra de Troia, também mencionada no clássico Ilíada de Homero. O relato comum é o de que Pitágoras absorveu a ideia de metempsicose dos egípcios desde sua viagem às famosas pirâmides dos faraós, sem, contudo, que se saiba com exatidão sobre o caráter dessa crença, uma vez posto que há várias vertentes, tanto no Egito como na Índia e demais Oriente, dessa ideia de ressurgimento da mesma alma à vida física, algumas das quais alegando sim a incorporação da alma do homem num corpo de todas as espécies, ao passo que outras excluem os corpos vegetais desse processo reencarnatório, e mais algumas conservam a ideia de reencarnação tão somente dentro do organismo físico humano.

A interpretação típica que hoje se dá à metempsicose, envolvendo o regresso da alma humana em um corpo de espécie inferior, à título de punição, por má conduta, está presente em certas seitas dentro do Hinduísmo e Budismo, mas não constitui a sua definição genuína e exata. Sua significação original sugere mais uma correspondência com a ideia de metamorfose anímica, da progressão da alma de um estágio inferior para um grau mais elevado sucessivamente. Nesse teor é que a Teosofia de Helena Blavatsky oferece a sua concepção particular, valendo-se das tradições antigas, dentre as quais a cabala judaica:

Metempsicose: é o progresso da alma desde um estado de existência a outro. Vulgarmente se crê (e assim está simbolizada) que a metempsicose se refere a renascimentos em corpos de animais. É um termo geralmente mal interpretado por todas as classes da sociedade europeia e americana, incluindo a muitos homens de ciência. Metempsicose deveria ser aplicada somente aos animais. É um axioma cabalístico: "A pedra se converte em planta, a planta em animal, o animal em homem, o homem em espírito e o espírito em Deus", estando sua explicação no Mânava-Dharma-Zâstra e em outros livros brahmânicos. (A crença dos egípcios na transmigração da alma nos corpos de animais, atestada por Heródoto (II, 123), parece ser confirmada pelos monumentos. Os capítulos LXXVI a LXXXVIII de O Livro dos Mortos estão consagrados à transformação do homem em gavião, golondrina, serpente, crocodilo e até em loto. (Dict. D'Arch. Egypt.) -"Não é muito natural -- diz o autor do Dicionário filosófico -- que todas as metamorfoses de que está coberta a terra tenham feito imaginar, no Oriente, que nossas almas passavam de um corpo a outro? Um ponto quase imperceptível se converte em verme, este verme se converte em mariposa; una bolota se transforma em carvalho, um ovo em ave; a madeira se muda em fogo e em cinza; todo, enfim, parece metamorfoseado na Natureza. A ideia da metempsicose é talvez o mais antigo dogma do universo conhecido". (Dicionário Teosófico)

Kardec e a metempsicose

Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, analisou a concepção de metempsicose e a pôs em comparação com a ideia espírita da pluralidade das existências, ou a Lei de Reencarnação, que é um dos principais pontos doutrinários do Kardecismo:

O termo metempsicose é uma – do gr. meta, mudança em, na e psuke, alma. Transmigração da alma de um corpo a outro. “O dogma da metempsicose é de origem indiana. Da Índia a crença passou ao Egito, de onde mais tarde Pitágoras o trouxe para a Grécia. Os discípulos desse filósofo ensinavam que o Espírito, quando livre dos laços do corpo, vai ao império dos mortos esperar, num estado intermediário, de duração mais ou menos longa, o momento de animar outro corpo de homem ou de animal até que se realize o tempo de sua purificação e de sua volta à fonte da vida”. Como se vê, o dogma da metempsicose está baseado na individualidade e na imortalidade da alma. Nele se encontra a doutrina dos Espíritos sobre a reencarnação. Esse estado intermediário, de duração mais ou menos longa entre as diversas existências não é mais que o estado de erraticidade no qual se acham os Espíritos entre duas encarnações. Há, porém, entre a metempsicose indiana e a doutrina da reencarnação, tal qual nos é ensinada hoje, uma diferença capital: para começar aquela admite a transfiguração da alma no corpo dos animais, o que seria uma degradação; em segundo lugar, essa transmigração não se opera senão na Terra. Ao contrário, dizem-nos os Espíritos que a reencarnação é um progresso incessante, que o homem é uma criação à parte, cuja alma nada tem de comum com o princípio vital dos animais; que as diversas existências podem realizar-se tanto na Terra quanto, por uma lei de progresso, num mundo de ordem superior. E isto, como diz Pitágoras, "até que se realize o tempo de sua purificação”. (Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas, Allan Kardec - 'Vocabulário espírita')

De prontidão, Kardec refuta a pecha que certos antagonistas punham sobre a doutrina da reencarnação oferecida pelos Espíritos, naquele movimento espiritualista do século XIX, de que o reencarnacionismo seria uma mera revivescência da antiga metempsicose:

"Alguns dizem que o dogma da reencarnação não é novo; ressuscitaram-no da doutrina de Pitágoras. Nunca dissemos que a Doutrina Espírita é uma invenção moderna. Sendo uma lei da Natureza, o Espiritismo tem existido desde a origem dos tempos e sempre nos esforçamos por demonstrar que dele se descobrem sinais na antiguidade mais distante. Pitágoras39, como se sabe, não foi o autor do sistema da metempsicose40; ele o colheu dos filósofos indianos e dos egípcios, que nela acreditavam desde tempos imemoriais. Então, a ideia da transmigração das almas formava uma crença popular, aceita pelos homens mais nobres. De que modo a adquiriram? Por uma revelação, ou por intuição? Não sabemos. Porém, seja como for, o que não padece dúvida é que uma ideia não atravessa séculos e séculos, nem consegue impor-se a inteligências da elite, se não contiver algo de sério. Assim, a antiguidade desta doutrina, em vez de ser uma objeção, seria prova a seu favor. Contudo, como também se sabe, entre a metempsicose dos antigos e a moderna doutrina da reencarnação há profunda diferença, caracterizada pelo fato de os Espíritos rejeitarem de maneira absoluta a transmigração da alma do homem para os animais e reciprocamente." (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 222)

Tal opinião é fundamentada a partir do subsídio dado pelos benfeitores espirituais mentores da Doutrina Espírita:

O fato de a origem do princípio inteligente dos seres vivos ser comum não é a consagração da doutrina da metempsicose?

“Duas coisas podem ter a mesma origem e absolutamente não se assemelharem mais tarde. Quem reconheceria a árvore, com suas folhas, flores e frutos, no gérmen informe que se contém na semente donde ela surge? Desde que o princípio inteligente atinge o grau necessário para ser Espírito e entrar no período da humanização, já não guarda relação com o seu estado primitivo e já não é a alma dos animais, como a árvore já não é a semente. De animal só há no homem o corpo e as paixões que nascem da influência do corpo e do instinto de conservação inerente à matéria. Portanto, não se pode dizer que tal homem é a encarnação do Espírito de tal animal. Conseguintemente, a metempsicose — como a entendem — não é verdadeira.”

O Espírito que animou o corpo de um homem poderia encarnar num animal?

“Isso seria regressar e o Espírito não retrocede. O rio não volta à sua nascente.”

Embora de todo errônea, a ideia ligada à metempsicose não terá resultado do sentimento intuitivo que o homem possui de suas diferentes existências?

“Esse sentimento intuitivo se encontra nessa crença como em muitas outras; mas, como faz com a maioria de suas ideias intuitivas, o homem alterou sua natureza.” (Idem - questões 611 a 613)

Analisando o romance O Calabouço da Torre dos Pinheiros, de Paulin Capmal, em cuja ficção a ideia de metempsicose é aventada, Kardec aproveita a ocasião para mais uma vez tratar da questão, acrescentando que mesmo a vulgar da metempsicose tem seu valor e utilidade diante da fria ideia do materialismo:

"Aqui, a ideia não é tirada da Doutrina Espírita, porque esta, em todos os tempos, ensinou e provou que a alma humana não pode renascer num corpo animal, o que não impede que certos críticos, que não leram a primeira palavra sobre o Espiritismo, repitam que ele professa a metempsicose; mas é sempre o pensamento da alma individual sobrevivendo ao corpo, voltando sob uma forma tangível junto aos que ela amou. Se a ideia não é espírita, é ao menos espiritualista, e melhor seria acreditar na metempsicose do que acreditar no nada. Essa crença pelo menos não é desesperadora como o materialismo; ela nada tem de imoral, ao contrário; ela conduziu todos os povos que a professaram a tratar os animais com doçura e benevolência. A exclamação: É tão bom crer nas coisas consoladoras é o grande segredo do sucesso do Espiritismo." (Revista Espírita, Allan Kardec - maio, 1868: “O Espiritismo em toda a parte: Metempsicose”)


Fonte: Portal luz espírita.

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