Psicografia (do grego, escrita da mente ou da alma),
segundo o vocabulário espírita, é a capacidade atribuída a certos médiuns de
escrever mensagens ditadas por Espíritos.
Objeto de estudo da pseudociência da parapsicologia, o
consenso científico atual não suporta as alegações deste e de outros supostos
fenômenos paranormais.
Conceito
Segundo a doutrina espírita, a psicografia seria uma das
múltiplas possibilidades de expressão mediúnica existentes. Allan Kardec
classificou-a como um tipo de manifestação inteligente, por consistir na
comunicação discursiva escrita de uma suposta entidade incorpórea ou espírito,
por intermédio de um homem.
O mecanismo de funcionamento da psicografia, ainda
segundo Kardec, pode ser consciente, semi-mecânico ou mecânico, a depender do
grau de consciência do médium durante o processo de escrita.
No primeiro caso, o menos passível de validação experimental,
o médium tem plena consciência daquilo que escreve, apesar de não reconhecer em
si a autoria das ideias contidas no texto. Tem a capacidade de influir nos
escritos, evitando informações que lhe pareçam inconvenientes ou formas de se
expressar inadequadas.
No segundo, o médium poderia até estar consciente da
ocorrência do fenômeno, perceber o influxo de ideias, mas seria incapaz de
influenciar voluntariamente o texto, que basicamente lhe escorreria das mãos. O
impulso de escrita é mais forte do que sua vontade de parar ou conduzir
voluntariamente o processo.
No terceiro caso, o mais adequado para uma averiguação
experimental controlada, o médium poderia escrever sem sequer se dar conta do
que está fazendo, incluindo-se aí a possibilidade de conversar com interlocutores
sobre determinado tema enquanto psicografa um texto completamente alheio ao
assunto em pauta. Isso porque, segundo Kardec, esses médiuns permitiriam ao
espírito agir diretamente sobre sua mão ou seu braço, sem recorrer à mente.
Além da doutrina espírita, há várias correntes
espiritualistas em que é bem evidente a admissão da possibilidade de ocorrência
desse fenômeno, como a Teosofia e a Umbanda.
Entre os textos ditos psicografados encontram-se obras
atribuídas a autores famosos — uns adeptos, em vida, de doutrinas compatíveis
com esta prática, como Victor Hugo e Bezerra de Menezes, outros nem tanto, como
Oscar Wilde e Camilo Castelo Branco.
Aceitação da autoria
O pesquisador da Universidade Estadual de Londrina Carlos
Augusto Perandréa estudou 400 cartas psicografadas por Chico Xavier em transes
mediúnicos, utilizando as mesmas técnicas com que avalia assinatura para
bancos, polícias e o Poder Judiciário, a grafoscopia. Perandréa comparou a
letra padrão dos indivíduos antes da morte e depois nas cartas psicografadas,
chegando à conclusão de que todas as psicografias que estudou possuem
autenticidade gráfica dos referidos mortos.
Nas primeiras décadas do século XX, os então dirigentes
da Society for Psychical Research (famosa organização de pesquisa
parapsicológica) coletaram e consideraram autênticas várias mensagens
psicografadas por diversos médiuns que atribuíam a autoria ao espírito de F. W.
H. Myers, intelectual que foi um dos fundadores da organização. Os dirigentes
constataram também que as mensagens psicografadas apresentaram uma correlação
de continuidade muito forte entre elas, formando uma espécie de
"quebra-cabeça".
Mais recentemente, em 2008 foi feita uma pesquisa
científica nos EUA por cientistas da Universidade de São Paulo, da Universidade
Federal de Juiz de Fora, da Universidade Federal de Goiás, da Universidade da
Pensilvânia e da Universidade Thomas Jefferson, em que se utilizando recursos
da Neurociência moderna foram medidas as atividades cerebrais de dez médiuns
brasileiros saudáveis, enquanto psicografavam. Os cientistas constataram que
durante os transes psicográficos, as áreas menos ativadas no cérebro dos
médiuns foram as que são as mais ativadas enquanto qualquer pessoa escreve em
estado normal de vigília (ou seja, as áreas relacionadas ao raciocínio, ao
planejamento e à criatividade), sendo que os textos psicografados resultaram
mais complexos que os produzidos em estado normal de vigília. Como a pesquisa
registra, nos textos psicografados os médiuns produziram mensagens espelhadas -
escritas de trás para frente -, redigiram em línguas que não dominavam bem,
descreveram corretamente ancestrais dos cientistas que os próprios cientistas
diziam desconhecer, entre outras coisas. Para tais cientistas, os resultados da
pesquisa são compatíveis com a hipótese que os médiuns defendem - a de que
autoria dos textos psicografados não seria deles, mas sim dos espíritos
comunicantes. E um dos outros pontos em comum que observaram em tais médiuns,
foi que são enormes admiradores de Chico Xavier.
Em 1990 a Associação Médico-Espírita de São Paulo
realizou uma pesquisa sobre 45 cartas psicografadas por Chico Xavier e
consideradas autênticas pelos destinatários, concluindo que "As evidências
da sobrevivência do espírito são muito fortes. A vida é uma fatalidade, segundo
o depoimento desses 45 companheiros que se expuseram, por inteiro, revelando as
nuances de suas personalidades através das mãos humildes do medianeiro".
A Psicografia nos
tribunais
O caso mais famoso indubitavelmente foi o de Humberto de
Campos. A partir de 1937, três anos após a morte de Campos, várias crônicas e
romances atribuídos ao escritor começaram a ser psicografados pelo médium
brasileiro Chico Xavier. Entre as obras, todas editadas pela Federação Espírita
Brasileira, a de maior notoriedade entre os espíritas brasileiros foi Brasil,
Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. No ano de 1944, a viúva de Humberto de
Campos ingressou em juízo, movendo um processo contra a Federação Espírita
Brasileira e Francisco Cândido Xavier, no sentido de obter uma declaração, por
sentença, de que essa obra mediúnica "era ou não do 'Espírito' de Humberto
de Campos", e que em caso afirmativo, que ela obtivesse os direitos
autorais da obra. O assunto causou muita polêmica e, durante um bom tempo,
ocupou espaço nos principais periódicos do País. A autora, D. Catarina
Vergolino de Campos, foi julgada carecedora da ação proposta, por sentença de
23 de agosto de 1944, do Dr. João Frederico Mourão Russell, juiz de Direito em
exercício na 8º Vara Cível do antigo Distrito Federal. Tendo ela recorrido
dessa sentença, o Tribunal de Apelação do antigo DF manteve-a por seus
jurídicos fundamentos, tendo sido relator o Ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da
Costa.
No Brasil, em alguns casos, a psicografia foi utilizada
como prova em tribunal. Textos psicografados por Chico Xavier foram aceitos
como provas judiciais (entre outras que também foram apresentadas pela defesa)
e mostraram-se como elementos decisivos nas sanções aplicadas em três casos de
julgamento de homicídio internacionalmente repercutidos, ocorridos nos estados
de Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná entre os anos de 1976 e 1982.
Um dos casos mais recentes registrou-se em maio de 2006,
em Porto Alegre (RS), tendo a ré, Iara Marques Barcelos sido inocentada do
assassinato do ex-amante, Ercy da Silva Cardoso, graças a uma carta que teria
sido ditada pelo falecido. Mais recentemente, em 17 de maio de 2007, o
julgamento do réu, Milton dos Santos, pelo assassinato de Paulo Roberto Pires
(o "Paulinho do Estacionamento") em abril de 1997, foi suspenso
devido a uma carta recebida pelo médium Rogério Leite em uma sessão espírita
realizada em 2004, na qual Paulinho inocenta o acusado. No entanto, o advogado
Roberto Selva da Silva Maia indicou em um artigo que os documentos
psicografados podem ser aceitos no tribunal como documento particular, mas não como
prova judicial. Segundo ele, isso se dá porque a lei estabelece que a morte
extingue a personalidade humana, logo um morto não poderia gerar documento
legal. Também segundo ele, a psicografia depende da aceitação de premissas
religiosas, e o judiciário não é religioso visto que nosso estado é laico e,
não haveria forma de se usufruir do princípio do contraditório e da ampla
defesa.
Em contrário a opinião de Roberto Selva da Silva Maia, a
advogada Michele Ribeiro de Melo fez sua dissertação de mestrado defendendo a
aceitação da psicografia como prova judicial, tendo conquistado o título de
mestre em Direito pela Univem. Segundo ela, "A psicografia pode ser
utilizada como prova judicial sem afrontar nenhum preceito constitucional ou
princípio processual, muito pelo contrário, a admissibilidade desta espécie de
prova ocorre em observância à garantia fundamental do direito à prova, aos
princípios constitucionais e aos princípios que regem as provas em nosso
ordenamento jurídico [...] Verificamos que a prova psicografada não ofende o
princípio do Estado Laico, que prevê a liberdade de crenças e cultos
religiosos, haja vista que a psicografia, como fenômeno mediúnico, é faculdade
natural do ser humano, estudado pela ciência e não se trata de elemento
religioso".
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