Meimei
No horário habitual do terceiro domingo de maio, Dona
Zilda estava a postos na preparação do ambiente.
Sobre a toalha, muito branca, que dava um tom de
tranquilidade e alegria ao aposento, achavam-se os livros e o jarro com água
pura.
Veloso e os filhinhos, juntamente de Marta, deram entrada
no recinto.
O grupo conversava, afetuosamente, mas o relógio
lembrou-lhes a obrigação em pauta, badalando as seis da tarde.
PRECE
INICIAL
O mentor do conjunto orou, reverentemente:
-Senhor Jesus; deste-nos vida dinâmica, para que seja
naturalmente vivida.
Movimenta-se nosso corpo, o tempo avança e a evolução caminha.
Ajuda-nos, Senhor, para que a nossa fé também ande, a
expressar-se em ação
permanente no bem.
A ti, Excelso Benfeitor, que traduziste confiança no Pai,
em amor aos semelhantes, encomendamos a nossa aspiração de servir. Assim seja.
LEITURA
Efetuada a oração de início, Veloso entregou o Novo
Testamento às mãos de Marta, que o abriu, cuidadosamente, devolvendo-o ao
orientador, que se deteve, conforme de hábito, no exame dos textos, passando a
ler o versículo 12, do capítulo 15, nas Anotações do Apóstolo João: “O meu
mandamento é este – que vos ameis uns aos outros, assim como vos amei”.
Completando-se a preparação do comentário, Cláudio foi
indicado para consultar a lição de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Aberto o volume e entregue a Dona Zilda, por recomendação
de Veloso, a mãezinha, satisfeita, leu comovente a mensagem de Vicente de
Paulo, em torno da caridade, inserta no capítulo XIII, entre as “Instruções dos
Espíritos”.
COMENTÁRIO
Finda a leitura, o orientador falou com segurança:
-temos hoje um dos mais belos temas do Cristianismo – a
caridade. Tão belo que Allan Kardec o inscreveu por senha no portal de seus
princípios; “Fora da Caridade não há salvação”.
É que a caridade é o próprio amor que o Mestre nos legou.
E o amor do Cristo é luz que se estende a todos.
Não apenas devoção afetiva aos que nos comungam a
experiência do lar, mas devotamente fraternal a todas as criaturas.
Seja onde for que surja a necessidade, os prestações de
serviço são nossos simples deveres.
A provação dos outros vale para nós como escola bendita,
em que aprendamos igualmente a sofrer.
Educandários diversos são mantidos para que adquiramos
determinados conhecimentos.
A química e a física, o idioma e a história pedem
professores especiais.
A experiência do cérebro exige a formação de vastos
programas de ensino.
O coração, ou melhor, o sentimento reclama o serviço do
bem para instruir-me. E nenhuma instrutora mais eficiente que a caridade para
infundirmos entendimento.
A mão que se alonga para pedir-nos o necessário é uma
oportunidade para que exerçamos o bem, mas constitui igualmente silenciosa
acusação contra o egoísmo, na retenção do supérfluo.
Contemplando infelizes crianças que não dispõem do
agasalho e do pão com que se mantenham, somos espontaneamente forçados a
situar-nos em lugar deles.
A falta de trabalho remunerado, a moléstia insidiosa, a
dificuldade maior em família e o fogão sem lume podem ser amanhã infortúnio
igualmente nosso. Em razão disso, pelo menos ceder o que nos sobra, a benefício
daqueles que carecem do essencial, é tarefa que se nos impõe à consciência.
Entretanto, não é somente nos atos exteriores que a
virtude sublime transparece para a edificação moral da Humanidade.
A caridade é também atitude do coração nos menores
gestos.
Quantas vezes perdemos o governo de nós próprios,
confiando-nos à irritação e à discórdia!...
Nesses instantes, ficamos sempre entregues à compaixão
dos que nos observam.
Reparando nossos erros e identificando a necessidade de
sermos perdoados, sentimos de perto como se faz imperioso o culto incessante da
caridade em nossas relações uns com os outros.
Olvidar as ofensas de que sejamos vítimas, não somente
com os lábios, mas com todo o nosso coração, reconhecendo que poderíamos ter
sido os ofensores, é manifestação de amor puro.
Calar as imperfeições alheias entendendo que possuímos
também as nossas, é ajudar nas situações mais difíceis, ainda mesmo despertando
a calúnia contra nós, é começar a viver a fraternidade sem mácula.
Quantas pessoas desejariam ter sido retas e nobres!
Quantas rogam a Deus forças para que saiam do campo de
sombra em que aprisionam por falta de vigilância!...
Muitas delas estimariam pronunciar as palavras mais
afáveis e mais doces, entretanto, o sentimento mal conduzido indu-las a falar,
desajeitadamente.
Se o papai chega do serviço, mostrando fatigado, é
indispensável saibamos entender-lhe a necessidade de repouso, cessando o
falatório ou o barulho. Se a refeição não apresenta os pratos de nossa
preferência, se o café não nos satisfaz, é preciso aprender a sorrir,
esquecendo os nossos caprichos e agradecendo às mãos que no-los preparam.
Lina – (Fitando brejeiramente o irmão) – Ainda contem,
quando o gatinho vomitou na sala, Cláudio agastou-se com Marta para tardar na
limpeza, gritando palavras feias...
CLÁUDIO – Ora essa! Eu queria o asseio...
LINA – Mas, se Cláudio fosse caridoso, não precisava ter
reclamado o serviço de Marta, não é mãezinha?
D. ZILDA – O serviço em casa é de todos.
VELOSO – Diga, pois, minha filha, que, se exercermos a
caridade mútua, não reclamaremos de ninguém esse ou aquele trabalho. Se você
viu a necessidade de higiene na sala, e ficou a esperar por Marta, a sua
atitude não foi recomendável. Afirma você que Cláudio foi indelicado, mas,
você, que via o quadro de serviço, poderia também ter sido caridosa com Marta,
diminuindo-lhe a carga de trabalho, e para com Cláudio, ensinando- o como se
deve agir.
MARTA – (Sorrindo); – Reconheço-me culpada; entretanto,
estava preparando bolos na cozinha, e o azeite a ferver não me deixava arredar
o pé.
D. ZILDA – Marta, você não precisa justificar-se.
VELOSO – (Sorridente); – Não nos achamos num tribunal.
Salientamos, apenas, o impositivo de sermos indulgentes, porquanto a caridade
deve comparecer em tudo...
CLÁUDIO – E quando Evandro e João, os meninos da vizinha,
me atiram pedras?
VELOSO – Meu filho, antes de qualquer reação, é
imprescindível examine você a própria consciência, verificando se não existe
alguma ofensa de sua parte a eles. Não se lembra de havê-los aborrecido?
Responda sinceramente.
CLÁUDIO – (Hesitante); – Bem, achei-os tão miúdos e tão
magros que lhes chamei, na escola, de “magricelas”.
VELOSO – Alegro-me ao saber que você está falando a
verdade, porque eu mesmo, há tempo, sem que me percebessem, observei que você
os injuriava, de nossa janela. É muito raro, meu filho, haja persistência nesse
ou naquele insulto, quando não o alimentamos, porquanto, se somos
desconsiderados e perdoamos com toda a alma, a onda de crueldade ou de sombra
não encontra combustível, acaba por si mesma.
CLÁUDIO – Papai, e se eu não os tivesse ofendido e eles
me apedrejassem mesmo assim?
VELOSO – Nossa obrigação, meu filho, seria fazer silêncio
e orar por eles, evitando qualquer ocasião de agravar o conflito. Pela oração,
a bondade de Deus nos daria oportunidade de mostrar-lhes o nosso apreço.
MARTA – Senhor Veloso, peço licença para contar aqui uma
experiência sobre a oração. Nós temos uma vizinha. Dona Mercedes, que não
conseguiu simpatizar comigo, desde a minha vinda para cá. Certa noite ouvi o
senhor dizer a Dona Zilda que é caridade orar por aqueles que não nos estimam,
a fim de que se faça harmonia entre eles e nós.
Desde então, e isso faz muito tempo, comecei a lembrar-me
de Dona Mercedes em minhas orações, rogando a Deus para que ela me perdoasse
pela antipatia gratuita que eu lhe causava. Na terça-feira da semana passada, ela
dirigiu-se a mim, perguntando se eu poderia auxiliá-la na confecção do bolo de
aniversário do Raulzinho, seu filho caçula.
Muito contente, aceitei o convite e, com permissão de
Dona Zilda, fui para a casa dela, durante a noite, e consegui armar o bolo e adorná-lo.
Confesso ao senhor que fiz tudo com muita alegria e com muito carinho. Quando
Dona Mercedes chegou à copa e notou o meu pequeno trabalho, ficou muito feliz e
abraçou-me pela primeira vez. Desde esse dia, ela me cumprimenta, fitando-me
nos olhos com muita bondade e, com grande surpresa para mim, deu-me uma linda
colcha usada para minha cama.
VELOSO – É uma experiência admirável, Marta. A oração
dispõe e a caridade realiza. Como reconhecemos, é imprescindível cultivar a
caridade com tudo, tudo...
CLÁUDIO – Papai, o senhor disse “caridade para com
tudo...” Como terei caridade para com uma xícara ou para com uma cadeira?
VELOSO – Como não? Uma xícara ou uma cadeira manobradas
com maldade pode fazer alvoroço e alvoroço em casa pode provocar enfermidade ou
perturbação. A xícara serve-nos à mesa e deve ser lavada com cuidado. A cadeira
serve-nos ao descanso e merece respeito.
D. ZILDA – Meus filhos, o lar é a nossa primeira escola.
Sem aprendermos aqui as lições da bondade, a se expressarem na paciência e na
tolerância, no carinho e no entendimento que devemos aos que nos cercam, em vão
ensinaremos, fora de nossa casa, qualquer virtude aos outros.
VELOSO – E a todos nos cabe render graças a Deus por
saber que é assim.
NOTA
SEMANAL
Veloso notificou que relataria um episódio edificante,
sob o tema estudado, episódio esse que intitularia:
A
BENFEITORA OCULTA
Em grande cidade brasileira, Dona Rita Amaral, pobre
viúva, mãe de dois meninos paralíticos, lavava roupa, a fim de ganhar o pão.
Humilde e resignada, seu maior consolo era ouvir as
lições do Evangelho, numa grande instituição espírita, responsável por vários
serviços diários.
Numa noite em que a abnegada irmã falara expressivamente
quanto à assistência social, com alicerces na caridade pura, Dona Rita pediu
avistar-se em particular com o diretor da organização.
Conversaram ambos, longamente.
Decorridos alguns dias, algo aconteceu no templo,
chamando a atenção de todos.
Os vasos sanitários daquela casa de socorro espiritual
amanheciam brilhando.
Todos os frequentadores e visitantes se admiravam da
limpeza sistemática e singular dos aludidos departamentos, o que perdurou por
dezenove anos consecutivos, até que Dona Rita desencarnou.
Foi então que o presidente do instituto, ao recordar0lhe
a figura correta e simples, revelou que fora ela a benfeitora oculta da casa,
efetuando-lhe as tarefas de higienização, sem qualquer pagamento, durante quase
quatro lustros.
Não lhe sendo possível colaborar com dinheiro, nas obras
assistenciais da agremiação, oferecera-se para o asseio diário do edifício e,
porque lhe não era possível comparecer durante o dia ao trabalho, à face dos
deveres de mãe para com os filhinhos algemados ao catre, vinha, pontualmente,
pela madrugada, atender ao serviço.
O exemplo comoveu a todos e, ainda hoje, nos infunde a
maior impressão.
ENCERRAMENTO
Ante a quietude da pequena assembleia familiar, Veloso
tomou a palavra e formulou a prece de encerramento:
-Senhor Jesus; desejamos aprender a servir.
Nos ensinam, Mestre, a procurar-te a presença divina no
serviço de todos os dias!
Entregamos-te, assim, as nossas vidas com os nossos
sentimentos e ideias, com as nossas mãos e com as nossas possibilidades,
rogando disponhas de nós, segundo a tua vontade. Assim seja.
Logo após, Dona Zilda distribuiu a água fluidificada,
entendendo-se com o pequeno grupo que conversava sobre a beleza das lições de
Jesus.
Lá fora, o céu noturno, resplendente de estrelas, parecia
expressar à Humanidade um convite à paz e à ascensão, destacando-se entre as
constelações o Cruzeiro do Sul no seu elevado simbolismo de libertação.
Não basta que sua boca esteja perfumada.
É imprescindível que permaneça incapaz de ferir.
André Luiz
Fonte:
Evangelho em casa; Francisco Cândido Xavier, ditado pelo Espírito Meimei.
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