Meimei
No primeiro domingo de maio, o grupo mostrava-se a
postos, na hora prevista.
Achavam-se presentes não apenas Dona Romualda e Milota,
que voltavam aos estudos, mas também Dona Matilde, uma senhora simpática que as
seguia.
Explicara Dona Romualda que ela e a filha; extremamente
beneficiadas na semana anterior, não hesitavam em trazer Dona Matilde às
orações, para que se reconfortasse, porquanto a estimada senhora, além de haver
perdido o único filhinho, vitimado por insidiosa moléstia, lutava imensamente
no lar, com a presença de sofredora irmã obsidiada.
PRECE
INCIAL
Ante a quietude do recinto, Veloso orou com o habitual
sentimento:
-Cristo, Senhor Nosso, agora que começamos a ver, em espírito, guia=nos no caminho da verdade para que a sombra da ilusão não mais nos envolva.
Inclina-nos para o bem de que necessitamos, e faze-nos
conhecer os teus desígnios, a fim de que abracemos na vida o que seja melhor
para nós. Assim seja.
LEITURA
Concluída a prece, Veloso passou o Novo Testamento às
mãos de Milota, que, após abri-lo, fez a reentrega do livro em que o
orientador, depois de atento exame, leu o versículo 15, do capítulo 4, da Carta
do Apóstolo Paulo aos Efésios:
“Antes, seguindo a verdade em caridade, cresçamos em tudo
naquele que é a cabeça, Cristo”.
Indicando Marta para a continuidade da tarefa, passou a
ler em O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo IX, a mensagem sob o
título “A Paciência”, assinada por “Um Espírito Amigo”.
COMENTÁRIO
O diretor da reunião passou a elucidar:
-Analisemos a mensagem que estamos recebendo em nossas
preces de hoje.
O Apóstolo Paulo recomenda-nos “seguir a verdade em
caridade”, para que venhamos a crescer no entendimento de Jesus, e O Evangelho
Segundo o Espiritismo, na advertência da Esfera Superior, assevera-nos que “a
paciência também é uma caridade”, e que nos cabe praticá-la, em obediência aos
ensinos do Mestre.
Quero crer que, na essência, estamos sendo prevenidos
contra qualquer manifestação de crítica em nosso caminho.
Que os outros possuem defeitos, tanto quanto os temos, é
inegável. Mas, perdermos tempo na fixação deles, esquecendo que a vida evolui
com a bênção de Deus, é futilidade e perturbação.
Maledicência não resolve problema algum. Além disso, é
sempre um corredor para a vala das trevas.
Destacando os males alheios, olvidamos aqueles que são
nossos.
E, censurando, adotamos invariavelmente, perante a pessoa
reprovada, a posição desagradável do aguilhão que lhe agita, no corpo, a parte
ulcerada, sem dar-lhe remédio.
A crítica é semelhante à soda cáustica sobre a ferida ou
ao petróleo no incêndio.
Só a loucura utilizaria uma e outro, à guisa de bálsamo
para sanar uma chaga ou à feição da água para extinguir o fogo.
A palavra maliciosa não ajuda nem mesmo aos nossos irmãos
caídos no crime, visto que a acusação apenas lhes agrava o desprezo para
consigo próprios e a revolta para com os outros.
Quem faz a crítica de alguém, adotando semelhante
procedimento, decerto indica a si mesmo para fazer algo melhor que o criticado.
Ora, como fazer é mais importante que falar, faça o
melhor quem se disponha à reprovação.
Sabemos que as ideias são corporificadas em obras por nós
mesmos.
Se tivermos, portanto, que condenar esse ou aquele
companheiro de trabalho ou de luta, ao invés de amargurá-lo ou complicá-lo,
usando irritação e azedume, ajudamo-lo com o nosso próprio exemplo.
Se uma criatura de nossas relações parece preguiçosa, não
precisamos atrair-lhe a antipatia, ironizando-lhe a conduta.
Trabalhemos nós mesmos, de maneira a acorda-la
silenciosamente para o serviço.
Surgindo viciado esse ou aquele amigo, não é justo que
lhe busquemos a aversão com palavras cruéis, mas sim que lhe doemos, na
demonstração de nossos exemplos, uma ideia nova da vida, para que se restaure.
E não nos esqueçamos de que, às vezes, tudo resulta de
mera suposição, porquanto, em muitos sucessos, o que se nos afigura preguiça ou
viciação pode ser doença ainda oculta.
Nós, os cristãos, não veem Jesus exercendo a função de
crítico em hora alguma.
Aliás, empenhou-se em mostrar as qualidades nobres de
todas as criaturas que lhe desfrutaram a convivência, aproveitando-as, sem se
deter no que haviam sido, para ajudá-las a se encontrarem, como deviam ser. E,
por fim, achou mais justo concretizar os seus princípios de perfeição na
renúncia suprema, que clamar, ante o povo, contra os juízes de sua causa.
É indispensável satisfazer à sábia fórmula do Evangelho,
buscando “seguir a verdade em caridade”, porque a verdade, sem amor para com o
próximo, é como luz que cega ou braseiro que requeima.
Xingamentos, maldições, pragas, desesperos e exigências,
não auxiliam. Servem apenas à intolerância e à separação que, em muitos casos,
precedem a enfermidades e o crime.
Cultivemos o bom exemplo. Nele deixou-nos o Cristo a
única solução para os problemas de soerguimento e conduta.
Quanto mais unidos a Jesus, mais amplas se nos fará a
integração espontânea na caridade, em cujo clima toda censura desaparece.
CONVERSAÇÃO
Veloso fez o sinal característico de quem havia terminado
e já se inclinavam todos à conversação, quando um pássaro irrompeu no aposento,
entrando pela janela escancarada.
Houve surpresa.
Lina deslocou-se, à pressa, com o evidente intuito de aprisioná-lo.
O pai adiantou-se, porém, e explicou:
-Ajudemos a pobre ave, Deve sentir-se desorientada na
volta ao ninho.
Dito isso, abriu uma outra janela, que se encontrava
cerrada.
Volteando no aposento revelava-se o passarinho
assustadiço e cansado.
Após o auxílio de Veloso, que o seguia de pé, ganhou o
espaço livre e desapareceu.
Os presentes sorriram, aliviados, e o entendimento da
noite começou:
VELOSO (Dirigindo-se a Lina) – Observou, minha filha? A
ave repentinamente encarcerada suspirava pela liberdade. Não seria caridoso
detê-la.
CLÀUDIO – É como se um de nós estivesse perdido, a
distância de nossa casa, não é, papai? Naturalmente, que o senhor e mãezinha
ficariam ansiosos à nossa espera...
VELOSO – Isso mesmo, meu filho.
LINA – (Como querendo modificar o ambiente em que se via
reprovada) – Papai, hoje tenho um assunto em que preciso muito de seus
conselhos.
VELOSO – Diga, filha. Estamos aqui para ouvir-nos uns aos
outros.
LINA – Tia Júlia e Silvia zombam de nós, quando o senhor
está ausente. Dizem que Espiritismo é ilusão e que nós não devemos crer na
comunicação dos que “morreram”...
D. Zilda – Vocês estão rixando em matéria de religião?
LINA – Nos não, mãezinha. Elas é que se riem de nós.
VELOSO – Filha, ainda hoje, o nosso tema foi a caridade
para com todos. Júlia e Silvia não estão podendo compreende-las, ainda mais. A
Doutrina Espírita confirma o Evangelho de Nosso Senhor. E ninguém poderá negar,
em sã consciência, que Jesus voltou do túmulo pela ressurreição, a conversar
com os discípulos e a orientá-los. Mas discutir, quase sempre é instalar a
irritação na própria alma. Nós, os espíritas, segundo creem, devemos responder
aos que nos critiquem, mesmo aos mais amados, com os nossos próprios exemplos.
Calemo-nos, fazendo o melhor ao nosso alcance, em favor dos que nos cercam.
Nossa Doutrina necessita ser lida e conhecida, antes de tudo, em nossos atos.
CLÁUDIO – Quem sabe tia Júlia e Silvia virão a receber
algum conselho de vovó Rosália? Ela estará conosco, no domingo próximo, que
será Dia das Mães, e, como é velha, poderá falar sem que elas se riam...
VELOSO – Filho, não diga que vovó é velha. A palavra
“velha”, em nos referindo às pessoas, é vocábulo descabido. Há criaturas que
mostrando longa experiência no corpo, revelam consigo maior mocidade que a dos
jovens; porquanto, a mocidade, acima de tudo, é um estado da alma. Quando
afirmamos que alguém está velho, insinuamos que está gasto e imprestável e essa
não é definição que se faça para quem quer que seja...
D. ZILDA – A observação é muito oportuna. Aliás, não se
pode olvidar que os meninos e moços de hoje serão as pessoas amadurecidas de
amanhã.
VELOSO – Sim, o tempo é instrutor da vida para todos,
Mas, voltemo-nos para nossas visitas. Dona Romualda trouxe-nos Dona Matilde.
Procuremos ouvi-las.
D. ROMUALDA – Nossa Matilde tem uma irmã bastante
obsidiada.
D. MATILDE – É minha irmã Iracema. Há dois meses grita
sem cessar, atacada por Espíritos turbulentos e viciosos... Soube que os
prezados amigos mantém aqui está reunião espírita e decidi-me a rogar-lhes
cooperação...
VELOSO – Sim podemos incluir nossa irmã enferma em nossas
preces.
D. ROMUALDA – Mas, não podemos fazer aqui alguma doutrinação
direta, atraindo os obsessores? Matilde é médium e serviria na posição de
instrumento...
VELOSO – Decerto há que considerar algum engano... O
culto do Evangelho no lar não inclui o tratamento dos desencarnados infelizes.
Essa tarefa permanece mais sob a responsabilidade dos nossos templos.
D. ROMUALDA – Então não se justifica o socorro aos
Espíritos infelizes, acaso existentes em nosso ambiente doméstico...
VELOSO – De modo algum. Indiscutivelmente, se o problema
surge no ambiente familiar, é claro o impositivo de fazer-se o possível no
amparo aos sofredores dessa espécie; contudo, a própria vida nos ensina que a
delinquência pode ser interpretada por enfermidade da alma, e, assim, os
delinquentes devem ser internados em lugar adequado ao tratamento preciso.
Insistir pela manifestação dos Espíritos conturbados, no culto evangélico mais
íntimo seria o mesmo que buscar pessoas desorientadas na praça pública a fim de
tumultuar-nos serviço tão grave.
D. MATILDE – Sua opinião é respeitável... Mas, sou médium
escrevente e ficaria confortada se pudesse aproveitar a oportunidade, pelo
menos para receber, se possível, a palavra de Jorge, meu irmão há tempos
desencarnado, que me vem amparando, de mais perto. Trata-se de um mentor
esclarecido...
VELOSO – Nesse caso, a argumentação é diferente. O amigo
espiritual que nos ajude é sempre visita estimável. A educação não pode cerrar
as portas a quantos lhe possam acender novas luzes. Ao término de nossa
reunião, esperaremos a palavra do benfeitor a que se reporta.
D. ROMUALDA – As explicações são muito lógicas.
D. ZILDA – Não podemos esquecer igualmente que, em nossas
tarefas evangélicas do lar, os vários irmãos desencarnados sofredores, que
porventura nos acompanhem, ouvem palavras de consolação e absorvem idéias renovadoras.
D. ROMUALDA – (Designando Dona Matilde que chora em
silêncio) – Além das muitas provações em casa, Matilde acaba de perder um
filhinho devorado pelo câncer...
Menino de apenas alguns meses de idade...
D. MATILDE – Meu pobre David! Desencarnar canceroso aos
dez meses! ...
(Dirigindo-se ao diretor da reunião) – Qual a sua opinião
irmão Veloso? Teria sido um fim de prova?
VELOSO – (Após meditar alguns instantes) – Tivemos um
caso semelhante em nosso templo espírita, há precisamente dois meses. Confortando
o pai sofredor, um amigo espiritual explicou-nos que o pequenino havia
perpetrado o suicídio, em existência anterior. Depois de vasto período de
agonia purgativa, nas esferas inferiores, reencarnou-se com as sequelas da
tortura que infligira a si próprio, a projetar no corpo tenro os
desajustamentos de que se fazia portador. Quanto ao pequeno David, em que órgão
se lhe manifestou a enfermidade?
D. MATILDE – Nos intestinos.
VELOSO – É possível tenha ele usado violento corrosivo na
existência última, adquirindo grande perturbação no corpo espiritual.
D. ROMUALDA – Como vemos, a Doutrina Espírita pede estudo
para que venhamos a entender os nossos problemas.
D. ZILDA – O que mais lamento é a minha dificuldade para
ler. Trabalho num estabelecimento escolar e lido com crianças durante o dia
inteiro. Entretanto, se procuro ler esse ou aquele volume que não se refira à
escola, começo imediatamente a cochilar.
É um sono terrível...
D. ROMUALDA – De qualquer modo, no entanto, precisamos
conhecer e confrontar, porque a vida, em si mesma, é um grande livro sem
letras, em que as lições são as nossas próprias experiências.
VELOSO – Dona Romualda está certa. Todo dia é ocasião de
aprender.
D. ZILDA – (Fixando carinhosamente Lina e Marta, depois
de pequeno intervalo em que Dona Matilde enxuga as lágrimas) – Tenho hoje uma
comunicação para o grupo.
Marta anunciou no culto da semana passada que Lina passou
a auxilia-la espontaneamente. Acontece que, com isso, Marta agora vem
cooperando com mais tempo e carinho nos serviços da casa. A providência
aliviou-me bastante e, podendo dispor assim de novos recursos, dediquei-me a
nova tarefa. (E abrindo pequeno pacote que trouxera para a mesa) – Com
possibilidades novas, fiz nesta semana um enxoval para bebê, que ofereceremos,
em nome do nosso culto evangélico, a alguma de nossas irmãs em necessidade
maiores e que esteja aguardando a hora divina da maternidade.
LINA – Oh! Mãezinha!...
MARTA – Que peças lindas!
CLÁUDIO – Tudo tão bonito!...
VELOSO – Estou feliz, vendo nossa casa começando a
produzir o bem para os outros, sem prejuízo do orçamento doméstico. Disse-nos o
Apóstolo que a fé sem obras é morta. Do ponto de vista do Evangelho, tudo segue
melhorando, quando sentimos necessidade de auxiliar com desinteresse. Anotamos
hoje um ensinamento edificante. O Evangelho ajudou nossa Lina a cumprir o
próprio dever. O Evangelho e Lina cooperaram com Marta, a fim de que esta
pudesse fazer um pouco a mais em seu trabalho e, agora, o Evangelho, Lina e
Marta auxiliaram nossa Zilda a socorrer, em nome de nosso conjunto, a outro lar
em lutas maiores que as nossas. Agradeçamos a Deus semelhantes bênçãos!...
NOTA
SEMANAL
O silêncio envolveu a assembleia, prenunciando o
encerramento, e Veloso tomou a palavra sorrindo:
-Já que nossa Zilda experimenta cansaço, relatarei aqui
um episódio curioso que me foi narrado por um amigo. Poderemos denominá-lo:
O
SUSTENTO DO CORPO E DO ESPÍRITO
Certo aprendiz, em conversa com o professor, queixou-se
de grande incapacidade para reter as lições.
Sentia-se sonolento, desmemoriado...
Ao cabo de alguns instantes de leitura, esquecia de todo
os textos mais importantes, ainda mesmo os que se referissem às suas mais
prementes necessidades.
Que fazer para evitar a perturbação?
Travou-se então entre os dois o seguinte diálogo:
-Meu filho, quando tens sede, foges do copo d’água?
-Impossível. Morreria torturado.
-Quando nu, abandonas a veste?
-De modo algum. Não dispenso o agasalho.
-Esqueces de levar o alimento à boca, ao te apresentarem
a refeição?
-Nunca. Como poderia andar sem comer?
-Pois também não podes viver sem educação – concluiu o
orientador – Lembra-te dessa verdade e estarás acordado para os ensinamentos de
nossos mestres.
O mentor do grupo esboçou silencioso gesto de bom humor e
salientou:
-Nossa alma precisa estudar e conhecer, tanto quanto
nosso corpo necessita de respirar e nutrir-se.
ENCERRAMENTO
Veloso pediu aos circunstantes alguns minutos de silêncio
para que Dona Matilde pudesse funcionar como médium de instrução e consolo.
Atendida a solicitação, a senhora amiga desse assinalar a
presença do irmão desencarnado, a que se referira, e, tomando do lápis,
psicografou-lhe a seguinte mensagem:
Meus Irmãos.
Deus seja louvado!
A Terra é nossa escola e a dor é nossa lição.
Tende paciência para que o aprendizado não se perca.
Não podemos olvidar que o farão das provas corresponde
sempre às nossas forças.
Matilde; guardemos esperança.
Nosso David permanece sob a assistência de abnegados
Benfeitores da Vida Maior e nossa irmãzinha doente nunca esteve desamparada.
Os Mensageiros Divinos estão a postos.
Confiemos em Deus.
Jorge.
Veloso, satisfeito, destacou a importância dos conselhos
recebidos e orou, encerrando a reunião.
-Amado Jesus, procurando-te a luz divina no Evangelho que
nos deixaste, queremos ser mais úteis. Agrademos, Senhor, o amparo que nos
dispensas e contamos com o teu auxílio para que sejamos amanhã melhores que
hoje. Assim seja.
*
Lina e Cláudio serviram a água fluidificada aos presentes
e, enquanto se comentavam, em torno, a excelência da palavra do Cristo aos
corações, Dona Romualda pedia a Dona Zilda algumas instruções sobre a melhor
maneira de instituir o culto do Evangelho em sua própria casa.
Fonte:
Evangelho em casa; Francisco Cândido Xavier, ditado pelo
Espírito Meimei.
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