Meimei
No domingo imediato, à mesma hora, Dona Zilda preparou a
mesma para o culto evangélico; entretanto, havia um problema a considerar.
Chovia muito e Dona Romualda com a filhinha Milota,
menina-moça, achava-se em cada, de visita, e, em razão do temporal, adiavam o
“até logo”.
Ouvido no assunto Veloso ponderou que o horário não devia
ser modificado.
E alegrou, sensato:
-É sempre distinto estender aos amigos um lanche ou um
café... Por que não lhe proporcionar a bênção da oração?
Dona Zilda sorriu e, no instante preciso, Dona Romualda e
Milota, consultadas, aceitaram alegremente o ensejo que se lhes oferecia.
PRECE INICIAL
Ante o grupo, agora acrescido de mais duas pessoas,
Veloso orou, sensibilizado:
-Senhor Jesus, que, um dia, disseste “eu sou a luz do
mundo”, ilumina-nos a visão para que venhamos a conhecer o caminho em que te
possamos atender a vontade.
Permite, ó Mestre, que os teus mensageiros nos assistam e
inspirem, e sustenta- nos o espírito para que sejamos dignos de tua confiança.
Assim seja.
LEITURA
Formulada a oração, o orientador do culto entregou a Dona
Romualda o exemplar do Novo Testamento, pedindo-lhe que o abrisse.
A interpelada, curiosa, atendeu.
Prosseguindo, Veloso procurou o trecho mais apropriado,
lendo a sentença última do versículo 13, do capítulo 20, do Apocalipse: “... E
foram julgados, cada um segundo a as obras”.
Desdobrando-se a consulta, foi Cláudio quem descerrou as
páginas de O Evangelho Segundo o Espiritismo, passando-o aos olhos paternos,
que leram, no capítulo XVIII, inserta entre as “Instruções dos Espíritos”, a
mensagem de Simeão, intitulada “Pelas suas Obras é que se reconhece o cristão”.
COMENTÁRIO
Aquietaram-se os presentes, e Veloso comentou:
-É importante observar como se ajustam hoje os textos
lidos. O Evangelho Segundo o Espiritismo, em perfeita consonância com o Novo
Testamento, pede-nos atenção para as obras.
É que, por toda parte, vemos que Deus e o Homem se
mostram associados em todas as realizações.
Ninguém constrói sobre o nada.
Algo que se faz reclama algo para que se faça.
Um engenheiro erguerá uma casa, mas, não prescinde do
solo como base nem dispensa os materiais comuns para que a edificação se
levante.
Um técnico fabricará certa máquina, mas, para isso,
precisará dos recursos da terra.
Um pomicultor recolherá farta messe de furtos; contudo,
necessitou valer-se do campo.
Assim também, na esfera do pensamento.
Um professor de música ensinará essa arte sublime aos
alunos, mas, não conseguirá fazê-lo a distância dos conhecimentos acumulados
pelos professores que o antecederam.
Como é fácil reconhecer, a matéria-prima para a moldagem
dessa ou daquela obra, nesse ou naquele campo de trabalho de Deus, através das
forças que o representam.
É o mesmo que se Deus nos enviasse a gleba e o metal, a
árvore e o fio e a experiência com eles fazemos a lavoura e a casa, a utilidade
e a veste, a arte e a indústria que expressam, dessa forma, empreendimentos em
que o Criador e a criatura tomam parte.
Deus é, assim, o sócio paternal de todas as iniciativas
de seus filhos, os homens e as mulheres do mundo.
Em razão disso, a vida é responsabilidade a que não
podemos fugir, porque, sendo a Natureza propriedade efetiva de Deus, ainda
mesmo quando estejamos efetuando o mal, usamos o que pertence a Deus, para
consuma-lo.
Exemplifiquemos.
Um administrador emprestará a determinado servo, larga
faixa de solo para que plante a boa semente e ajude a comunidade.
O servo, manobrando o livre-arbítrio, prevalecer-se-á
intensamente da oportunidade, cultivando-a com todas as suas forças. Poderá
proceder de maneira deficitária, aproveitando-a imperfeitamente, e, às vezes,
abusará da concessão, seja entregando-a aos vermes destruidores, ou
desviando-lhe as finalidades ao transformá-la em hospedagem de malfeitores.
Para o bem ou para o mal, o servo está inevitavelmente
ligado à obra que realizou, recebendo a paga de conformidade com o que fez.
Se tratar o empréstimo com dignidade, receberá mais
terrenos e mais recursos; contudo, se trabalhou pelo mínimo, pequenina
ser-lhe-á a remuneração de si para consigo; e, se dilapidou a dádiva,
empregando-a com desonestidade, carregará consigo o arrependimento e a dor
moral, até que se lhe expunha a sombra da culpa.
Veloso estampou significativa expressão e acentuou:
-Em todas as nossas ações, gastamos o que é de Deus, para
fazer o que é nosso.
É desse modo que a criatura imprime a marca de si mesma
onde se encontre, quer queira, quer não, e receberá sempre, conforme o
ensinamento de Jesus, segundo as próprias obras.
CONVERSAÇÃO
O diretor da equipe doméstica deu por finda a explanação,
e o entendimento natural começou entre os circunstantes.
Cláudio falou em primeiro lugar, reclamando contra a
chuva abundante que caía lá fora.
VELOSO – Meu filho, evitemos criticar a Natureza. Ainda
agora, falávamos das concessões de Deus. Sol e chuva, calor e frio são
processos da Providência Divina para doar-nos pão e saúde, equilíbrio e
conforto.
O temporal que surja menos agradável ao nosso ânimo
significa melhoria na fonte, flor no jardim, fruto no campo e alívio à tensão
atmosférica.
Agradeçamos ao tempo, na expressão em que se manifeste,
porque todo tempo e, no fundo, bênção de Deus.
LINA – Papai, o senhor se referia à nossa obrigação de
sermos bons, usando os recursos de Deus... Compreendi que Deus é sempre bondoso
e que, se aparece algum mal, em nossa vida, é por nossa conta.
VELOSO – Isso mesmo, filhinha.
D. Zilda – Imaginemos uma enxada e um lavrador. A enxada
foi concedida ao lavrador para que ele empregue no amanho do solo e, em
companhia dela, atinja a colheita farta. Mas se o cultivador a utiliza por
instrumento de agressão, na pessoa de um companheiro, isso ocorre sobre a
responsabilidade do seu sentimento infeliz e não do programa de serviço. A
enxada, que é boa, nada tem que ver com a falta cometida...
VELOSO – Ideia muito bem lembrada. Em verdade, somos
sempre nos, as criaturas humanas, quem cria o mal.
MILOTA – (Mostrando-se desajustada) – Vocês não costumam
frequentar o cinema aos domingos?
LINA – Papai e mãezinha julgam mais convenientes, para
nós, as exibições que se faz durante o dia...
MILOTA – Pensei que fossem contra...
D. ZILDA - (Sorrindo) – Não, Milota, não somos contra o
cinema. Isso seria agir contra o progresso. Veloso e eu, no entanto, cremo-nos
na obrigação de selecionar os filmes que nos possam tomar tempo. O cinema é
poderoso fator de influência e ninguém precisa buscar exemplos infelizes.
D. ROMUALDA – Perdoem a Milota pela intromissão. Minha
filha não está percebendo a seriedade de nossa reunião e trouxe à baila um tema
inoportuno. Aliás, quero acreditar que o exame do Evangelho, como está sendo
feito, permite a exposição dos mais íntimos problemas que nos afligem...
VELOSO – Sem dúvida.
D. ROMUALDA (Desdobrando um fragmento de jornal que
trazia na bolsa) – Desde a semana passada, tenho um caso que sobremaneira me
preocupa. (E estendendo o noticiário) – Trata-se do Dr. Neves, meu vizinho,
homem admirável por suas virtudes sociais e domésticas. Advogado correto e
funcionário distinto, foi baleado na via pública.... Não sei se deva falar neste
assunto aqui...
VELOSO – Como não? Os quadros da vida, expostos na
imprensa, podem e devem ser estudados respeitosamente à luz da Doutrina
Espírita.
D. ROMUALDA – Conheci o Dr. Neves. Era homem de
procedimento exemplar.
Soube-se que havia contrariado propósitos desonestos de
uma empresa, na repartição em que servia, adquirindo, então, imerecidamente, o
ódio que o abateu, sem que, até hoje, se descubra o assassino... Um
acontecimento assim, tão lamentável, espanta e fere a gente... Como interpretá-lo,
do ponto de vista espírita?
VELOSO – Apenas a reencarnação poderá confortar-nos.
Certamente, o Dr. Neves, em alguma de suas existências passadas, que, de
momento, não podemos precisar, terá cometido um delito desses, na pessoa de
alguém...
D. ROMUALDA – Mas, estamos assim expostos a semelhante
rigor? Se um homem que exterminou a vida de outro, utilizando um revólver,
deverá igualmente morrer na existência seguinte, por golpes de arma da mesma
espécie, jamais encerraremos a carreira do crime.
D. ZILDA – Aliás, disse Jesus ao Apóstolo Pedro “quem
fere pela espada, pela espada morrerá”. (Mateus, 26:52).
VELOSO – Mas, o mesmo Divino Mestre ensinou que se deve
perdoar setenta vezes sete, que é nossa obrigação amar os inimigos e orar em
favor daqueles que nos injuriam e nos perseguem. E se disse a Pedro a exortação
a que nos reportamos, inspirou o mesmo apóstolo para que deixasse em sua carta
a promessa divina de que “o amor cobrirá a multidão de nossos pecados” (Pedro,
4:8), induzindo-nos dessa maneira, à “caridade ardente uns para com os outros”.
Os Instrutores Espirituais ensinam-nos que o bem praticado atenua os extingue o
mal que causamos a outrem, ferindo a nós mesmos. Em muitas circunstâncias,
somos desculpados por nossas vítimas. Entretanto, o débito que contraímos
permanece, registrado na Lei da Eterna Justiça, reclamando resgate. Em que
idade o Dr. Neves sofreu o assalto a que aludimos?
D. ROMUALDA – Aos cinquenta.
VELOSO – Suponhamos que ele, em uma de suas existências
passadas, tenha sido o autor de um homicídio, nas mesmas condições, ao contar
meio século de experiência física. Aceita essa hipótese, admitamos tenha
pedido, antes de renascer no berço terreno, uma provação expiatória como a que
acaba de deixar... Se vivesse incorretamente, é possível tivesse encontrado o
golpe em alguma dissipação, atraindo a censura alheia em seu desfavor; todavia,
cumprindo irrepreensivelmente os seus deveres, como aconteceu, foi vítima
perfeita, sem ser o algoz de ninguém, adquirindo, assim larga onda de simpatia
e respeito em seu benefício. Contudo, presumamos que o Dr. Neves, além das
próprias obrigações, procurasse, acima de tudo, a prática do bem ao próximo,
sem qualquer espírito de recompensa... Aos cinquenta de idade, por trazer na própria
lama os sinais da falta cometida, provavelmente experimentaria moléstia grave, no
órgão ligado ao assunto, e desencarnaria em consequência. E talvez, se
mencionado irmão fizesse dessa mesma conduta um apostolado de abnegação
incessante, no amparo aos necessitados, ao atingir meio século no corpo físico,
possivelmente viria a padecer a enfermidade consequente, obtendo, põem, mais
tempo de abençoada internação nos serviços da Terra, à maneira do devedor que
consegue expressiva moratória por merecimento adquirido...
D. ROMUALDA – Nobres conclusões! Entendemos, assim, com
mais segurança, a função da dor...
D. ZILDA – Compreendemos, então, que tanto maior seja a
soma de bem que façamos, mais amplos se nos faz o crédito diante da Lei Divina.
VELOSO – Evidentemente.
MILOTA – Dona Zilda, que devemos classificar como sendo o
bem?
D. ZILDA – Creio, filha, que o bem real para nós será
sempre fazer o bem aos outros em primeiro lugar.
D. ROMUALDA – Bela definição.
LINA – Mãezinha, quando tentamos dominar os nossos
pensamentos de preguiça ou de insubordinação, a fim de sermos melhores para os
outros, é igualmente um bem, não é?
D. ZILDA – Bem muito grande, muito louvável.
MARTA – (Sorrindo); – Devo comunicar ao Senhor Veloso e a
Dona Zilda que, depois do nosso culto evangélico, na semana passada, Lina tem
tido nova conduta para comigo. Muito afável e correta, não me oferece qualquer
motivo a preocupações. Além disso, agora me auxilia quando pode, na cozinha e
na limpeza.
VELOSO – Louvado seja Deus!
NOTA
SEMANAL
Sobrevindo a quietude, Veloso perguntou a Dona Zilda se
não desejava relatar algum episódio de suas tarefas pessoais ou ler alguma
narrativa referente às anotações da noite.
A esposa sorriu e respondeu:
-Apontamento escrito não tenho, mas, lembro-me de uma
história que aconteceu aqui mesmo, em nossa rua. É um acontecimento que
demonstra o quanto pode a força do Evangelho de Jesus em nossa vida, para que
saibamos edificar com Deus a nossa felicidade e a felicidade dos outros. Posso
transmiti-lo, na forma de um conto, que intitularei:
O
LEITEIRO CRISTÂO
Dona Moema, nossa vizinha, e eu notamos que o leiteiro
Calimério, de um dia para outro, modificou para melhor o produto que nos
vendia.
Fizera-se o leite excelente.
E Dona Moema, com dois filhinhos de berço; foi a primeira
a assinalar a transformação.
Informou-me que as crianças mostravam-se tão melhoradas e
tão robustas que me convidava a apelarmos, juntas, para ele, a fim de que a
situação fosse mantida no mesmo nível.
Concordei e abordamo-lo na manhã seguinte.
-Calimério – disse Dona Moema para começar – que houve
com o leite, agora tão apetitoso?
-Dona Moema – replicou nosso entrevistado – para que eu
não mude de intenção e procedimento, notifico à senhora que, no mês passado,
comecei a frequentar uma aula de Evangelho e compreendi que a ninguém mais
deveria enganar.
E, colocando o olhar ansioso em nós duas, como quem
rogava a nossa aprovação, ajuntou:
-Confesso às senhoras que, até no mês passado, sempre
misturei água no leite, para aumentar o meu rendimento. Mas, desde que conheci
as lições de Jesus, já não mais posso agir assim... Peço-lhes me perdoem!
Confiou-se Dona Zilda a breve intervalo e, depois
concluiu:
-Estudemos o exemplo de Calimério renovado. Com os
ensinos do Evangelho, fez- se correto e, fazendo-se correto, é verdadeiro
benfeitor de nosso equilíbrio orgânico, pela honradez com que nos fornece o
alimento.
Quando cada um de nos estiver trabalhando com a probidade
do leiteiro cristão, o mundo será o Reino Divino que teremos edificado com
Deus.
ENCERRAMENTO
A narrativa inspirou grande contentamento e formosas
reflexões. Ao fim de elevados lembretes, Veloso orou para terminar:
-Senhor Jesus, agradecemos-te as bênçãos desta hora e
rogamos-te força para fixar as tias lições sublimes em nossa própria conduta.
Ajuda-nos, Mestre, nas execuções de tua vontade. Assim seja.
**
Logo após, a dona da casa serviu a água em pequeninas
taças, enquanto os presentes passavam a conversar alegremente sobre a
excelência do Evangelho no lar.
Fonte:
Evangelho em casa; Francisco Cândido Xavier, ditado pelo
Espírito Meimei.
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