A passagem que se segue foi
extraída da carta de um dos nossos assinantes.
“...Perdi, há alguns anos, uma esposa boa e
virtuosa e, embora me houvesse deixado seis filhos, sentia-me em completo
isolamento, quando ouvi falar de manifestações espíritas. Em breve eu me
encontrava num pequeno grupo de bons amigos, que todas as noites se ocupavam
desse assunto. Aprendi, então, através das comunicações obtidas, que a
verdadeira vida não está na Terra, mas no mundo dos Espíritos; que a minha
Clemência ali era feliz e que, como outras, trabalhava pela felicidade dos que
aqui havia conhecido.
“Ora, eis um ponto sobre o qual desejo ardentemente que me esclareçais.
“Uma noite eu dizia à minha Clemência: Minha cara amiga, por que, a despeito do nosso amor, acontece que nem sempre tivemos o mesmo ponto de vista nas diversas circunstâncias de nossa vida comum, e por que tantas vezes fomos obrigados a concessões recíprocas a fim de vivermos em boa harmonia? “Ela me respondeu:
─ “Meu amigo, nós éramos
bons e honestos; vivemos juntos e, poderíamos dizer, do melhor modo possível,
nessa Terra de provas, mas não éramos nossas metades eternas. Tais uniões são
raras na Terra. Embora possam ser encontradas, representam um grande favor de
Deus. Aqueles que desfrutam dessa felicidade experimentam alegrias que
desconheces.
─ “Podes dizer-me se vês a
tua metade eterna?
─ “Sim, respondeu ela. É um
pobre diabo que vive na Ásia; poderá unir-se a mim só daqui a 175 anos, segundo
a vossa maneira de contar.
─ “Vossa união será na Terra
ou em outro mundo?
─ “Na Terra. Mas, escuta: eu
não te posso descrever bem a felicidade dos seres assim reunidos. Pedirei a
Heloísa e a Abelardo que te venham informar.
“Então, senhor, esses entes
felizes vieram nos falar dessa indizível felicidade.
─ “À nossa vontade”,
disseram eles, “dois não fazem mais que um. Viajamos pelo espaço; gozamos de
tudo; amamo-nos com um amor sem fim, acima do qual só existe o amor de Deus e
dos seres perfeitos. Vossas maiores alegrias não valem um só de nossos olhares
e de nossos apertos de mão.”
“Alegra-me o pensamento das metades eternas.
Parece que Deus, criando a Humanidade, a fez dupla e, separando as duas metades
da mesma alma, lhes disse: Ide por esse mundo e procurai encarnações. Se
fizerdes o bem, a viagem será curta e permitirei a vossa união. Do contrário,
passar-se-ão séculos antes que possais gozar dessa felicidade. Tal é, ao que me
parece, a causa primeira do movimento instintivo que arrasta a Humanidade em
busca da felicidade, essa felicidade que a gente não compreende nem se empenha
em compreender.
“Desejo ardentemente, senhor, um
esclarecimento sobre esta teoria das metades eternas e sentir-me-ia feliz se
tivesse uma explicação sobre o assunto num dos vossos próximos números...”
Interrogados sobre a
matéria, Abelardo e Heloísa nos deram as respostas seguintes:
1.
─ As almas foram criadas duplas?
─ Se tivessem sido criadas
duplas, simples elas seriam imperfeitas.
2.
─ É possível que duas almas possam reunir-se na eternidade, formando um todo?
─ Não.
3.
─ Você e sua Heloísa formam, desde a origem, duas almas perfeitamente
distintas?
─ Sim.
4.
─ Ainda agora sois duas almas distintas?
─ Sim, mas sempre unidas.
5.
─ Os homens acham-se todos nas mesmas condições?
─ Conforme sejam mais ou
menos perfeitos.
6.
─ As almas são todas destinadas a se unirem, um dia, a uma outra alma?
─ Cada Espírito tende a
procurar um outro Espírito que lhe seja semelhante. É o que chamais de
simpatia.
7.
─ Nessa união existe uma condição de sexo?
- As almas não têm sexo.
Tanto para satisfazer o
desejo de nosso assinante quanto para nossa própria instrução, dirigimos ao Espírito
de São Luís as perguntas que seguem:
1 ─ As almas que se devem
unir estão predestinadas, desde a origem, a essa união e cada um de nós tem, em
qualquer parte do Universo, a sua metade, à qual deverá um dia unir-se
fatalmente?
─
Não. Não existe uma união particular e fatal de duas almas. Existe a união
entre todos os Espíritos, mas em graus diferentes, segundo a posição que
ocupam, isto é, segundo a perfeição adquirida: quanto mais perfeitos, mais
unidos. Da discórdia brotam todos os males humanos; da concórdia resulta a
felicidade completa.
2 ─ Em que sentido devemos
entender o vocábulo metade, de que se servem por vezes alguns Espíritos para a
designação dos Espíritos simpáticos?
─ A
expressão é inexata. Se um Espírito fosse metade de outro, dele separado, seria
incompleto.
3 ─ Uma vez unidos, dois
Espíritos perfeitamente simpáticos permanecem unidos para a eternidade ou podem
separar-se e unir-se a outros Espíritos?
─
Todos os Espíritos estão unidos entre si. Falo dos que chegaram à perfeição.
Nas esferas inferiores, quando um Espírito se eleva, não é mais simpático
àqueles que deixou.
4 ─ Dois Espíritos
simpáticos são o complemento um do outro ou essa simpatia é o resultado de uma
perfeita identidade?
─ A
simpatia que atrai um Espírito para outro resulta da perfeita concordância de
suas inclinações e de seus instintos. Se um devesse completar o outro, perderia
sua individualidade.
5 ─ A identidade necessária
à simpatia perfeita consistiria apenas na similitude de pensamentos e de
sentimentos, ou também na uniformidade de conhecimentos adquiridos?
─ Na
igualdade do grau de elevação.
6 ─ Os Espíritos que hoje
não são simpáticos poderão sê-lo mais tarde? ─ Sim, todos o serão. Assim, o Espírito que hoje se acha em esfera
inferior alcançará, pelo aperfeiçoamento, a esfera onde reside um outro. Seu
encontro dar-se a mais prontamente se o Espírito mais elevado, suportando mal
as provas a que se submeteu, permanecer no mesmo estado.
7 ─ Dois Espíritos
simpáticos poderão deixar de sê-lo?
─
Por certo, se um deles for preguiçoso.
Estas respostas resolvem
perfeitamente a questão.
A teoria das metades eternas
é uma figura referente à união de dois Espíritos simpáticos; é uma expressão
usada mesmo na linguagem comum, tratando-se dos esposos, e que não se deve
tomar ao pé da letra. Os Espíritos que dela se serviram certamente não
pertencem à mais alta ordem. A esfera de seus conhecimentos é necessariamente
limitada. Eles exprimiram o seu pensamento com as palavras de que se teriam
servido na vida corpórea. É, pois, necessário rejeitar esta ideia de que dois
Espíritos, criados um para o outro, um dia deverão unir-se na eternidade,
depois de terem estado separados durante um lapso de tempo mais ou menos longo.
Revista espírita — Jornal de
estudos psicológicos, maio 1858.
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