O fato que se segue foi extraído de uma carta que em setembro de 1857 recebemos de um dos nossos correspondentes em Saint-Etienne. Depois de falar de várias comunicações de que foi testemunha, ele acrescenta:
Carmine Mirabelli (à
esquerda, em transe), Dr. Carlos de Castro (à direita) e a materialização do
poeta italiano do século XVIII, Giuseppe Parini, ao centro. |
“Fato dos mais admiráveis se passa numa das famílias de nossas relações. Das mesas girantes passaram à poltrona que fala; depois um lápis foi fixado ao pé da poltrona e ela indicou a psicografia; praticaram-na durante muito tempo, mais como distração do que como coisa séria. Por fim a escrita designou uma das moças da casa e ordenou que lhe passassem as mãos sobre a cabeça, depois de fazê-la deitar-se. Ela adormeceu quase imediatamente e depois de um certo número de experiências, transfigurou-se. A moça tomava os traços, a voz e os gestos de parentes mortos; dos avós que jamais havia visto e de um irmão falecido há alguns meses. As transfigurações ocorriam sucessivamente na mesma sessão. Ela falava um dialeto que não é o de nossa época, segundo me disseram, pois não conheço o atual nem o outro. O que posso afirmar é que numa sessão onde havia tomado a aparência de seu irmão, vigoroso, folgazão, me deu essa jovem de treze anos um rude aperto de mão. Há aproximadamente 18 meses a dois anos o fenômeno se repete constantemente e da mesma maneira, com a única diferença que agora se produz natural e espontaneamente, sem imposição de mãos”.
Embora bastante raro, este fenômeno não é excepcional. Já nos falaram de diversos casos semelhantes e nós mesmo testemunhamos algo parecido em sonâmbulos no estado de êxtase, bem como nalguns extáticos que não se encontravam em estado sonambúlico. Por outro lado, é certo que as emoções violentas operam uma mudança na fisionomia, dando-lhe uma expressão completamente diferente daquela do estado normal. Não vemos, também, criaturas cujos traços móveis se prestam, de acordo com a vontade, a modificações que lhes dão a aparência de outras pessoas? Vemos por aí que a rigidez da face não é tal que não possa prestar-se a modificações passageiras mais ou menos profundas. Nada há, pois, de admirar que um fato semelhante possa ocorrer neste caso, quiçá por uma causa independente da vontade.
Eis as respostas que a
respeito disto obtivemos de São Luís na sessão da Sociedade no dia 25 de
fevereiro último.
1.
O caso de transfiguração de que acabamos de falar é verdadeiro?
─ Sim.
2.
Nesse fenômeno existe um efeito material?
─ O fenômeno de
transfiguração pode dar-se de modo material, a tal ponto que as suas diversas
fases poderiam ser reproduzidas em daguerreotipia.
3.
Como se produz esse efeito?
─ A transfiguração, como o
entendeis, não passa de uma modificação da aparência, uma mudança ou uma
alteração dos contornos, que pode ser produzida pela ação do próprio Espírito
sobre o seu envoltório ou por uma influência exterior.
O corpo nunca muda, mas, por
força de uma contração nervosa, reveste aparências diversas.
4.
Podem os espectadores ser enganados por uma falsa aparência?
─ Pode também acontecer que
o perispírito represente o papel que bem conheceis. No caso citado houve
contração nervosa, muito ampliada pela imaginação. Aliás, esse fenômeno é muito
raro.
5.
O papel do perispírito seria análogo ao que ocorre nos fenômenos de
bicorporeidade?
─ Sim.
6.
Então nos casos de transfiguração é necessário que haja um desaparecimento do
corpo real, de modo que os espectadores não vejam senão o perispírito sob forma
diferente?
─ Não propriamente
desaparecimento físico, mas oclusão. Entendei-vos sobre os vocábulos.
7.
Do que acabais de dizer parece podermos concluir que no fenômeno de
transfiguração pode haver dois efeitos: I ─ alteração dos traços do corpo real,
por força de uma contração nervosa; II ─ aparência variável do perispírito,
tornado visível. É isso mesmo?
─ Certamente.
8.
Qual a causa primeira desse fenômeno?
─ A vontade do Espírito.
9.
Todos os Espíritos podem produzi-lo?
─ Não. Os Espíritos nem
sempre podem fazer o que querem.
10.
Como explicar a força anormal dessa moça, transfigurada na pessoa de seu irmão?
─ Não possui o Espírito uma
grande força? Aliás, é a do corpo em seu estado normal.
Observação:
Este fato nada tem de surpreendente. Muitas vezes vemos pessoas muito fracas,
dotadas momentaneamente de uma força prodigiosa, devida a uma superexcitação.
11.
Desde que, no fenômeno de transfiguração, o olho do observador pode ter uma
imagem diferente da realidade, dar-se-á o mesmo em certas manifestações
físicas? Por exemplo: quando uma mesa se ergue sem contato das mãos e a vemos
acima do solo, é realmente a mesa que se desloca?
─ Ainda perguntais?
12.
O que a levanta?
─ A força do Espírito.
Observação:
Este fenômeno já foi explicado por São Luís e dele tratamos de modo completo
nos números de maio e junho de 1858, a propósito da teoria das manifestações
físicas. Disseram-nos que neste caso a mesa ou qualquer outro objeto que se
move está animado de uma vida factícia momentânea que lhe permite obedecer à
vontade do Espírito.
Algumas pessoas quiseram ver
no fato uma simples ilusão de óptica que, por uma espécie de miragem, as faria
ver uma mesa no espaço, quando realmente ela estava no solo. Se assim fosse, a
coisa não seria menos digna de atenção. É curioso como aqueles que querem
contestar ou criticar os fenômenos espíritas expliquem-nos por causas que
também seriam verdadeiros prodígios e igualmente difíceis de compreender. Mas
por que tratar o assunto com tanto desdém? Se a causa que apontam é real, por
que não aprofundá-la? O físico procura conhecer a causa do menor movimento da
agulha magnética; o químico, da mais ligeira mudança na atração molecular. Por
que, então, ver com indiferença fenômenos tão estranhos como esses de que
falamos, quer sejam eles consequência de simples desvio do raio visual, quer
uma nova aplicação das leis conhecidas? Isto não é lógico. Certamente não seria
impossível que por um efeito de óptica análogo ao que nos faz ver um objeto na água
mais alto do que realmente está, por causa da refração dos raios luminosos, uma
mesa nos parecesse no espaço quando estivesse no solo. Há, porém, um fato que
resolve definitivamente o problema. É quando a mesa cai ruidosamente no chão e
se quebra. Isto não parece uma ilusão de óptica.
Voltemos à transfiguração.
Se uma contração muscular
pode modificar os traços fisionômicos, não o será senão dentro de certos
limites; mas certamente se uma mocinha toma a aparência de um velho, nenhum
efeito fisiológico lhe faria criar barba. Então devemos procurar uma causa
alhures. Recordando quanto dissemos anteriormente a respeito do papel do
perispírito em todos os fenômenos de aparição, mesmo de pessoas vivas,
compreender-se-á que aí está a chave do fenômeno de transfiguração. Com efeito,
desde que o perispírito pode isolar-se do corpo; que pode tornar-se visível;
que, por sua extrema sutileza, pode tomar diversas aparências, conforme a
vontade do Espírito, concebe-se sem dificuldade que assim se passe com uma pessoa
transfigurada: o corpo continua o mesmo; só o perispírito mudou de aspecto. Mas
então, perguntareis, em que se torna o corpo? Por que motivo o observador não
vê uma imagem dupla, isto é, de um lado o corpo real e do outro o perispírito
transfigurado? Fatos estranhos, dos quais falaremos dentro em pouco, provam que
por força da fascinação que, em tais circunstâncias, se opera no observador, o
corpo real pode, de alguma sorte, ser oculto pelo perispírito.
O fenômeno que é objeto
deste artigo já nos foi comunicado há muito tempo. Se dele ainda não havíamos
falado é que não nos propomos transformar a nossa Revista em simples catálogo
de fatos destinados a alimentar a curiosidade; uma árida compilação sem
apreciação e sem comentários. Nossa tarefa seria então muito fácil, mas nós a
levamos mais a sério. Antes de mais nada, dirigimo-nos aos homens de
raciocínio; àqueles que como nós querem compreender as coisas, tanto mais que
isto é possível. Ora, ensinou-nos a experiência que os fatos, por mais
estranhos e multiplicados que sejam, não são elementos de convicção. Quanto
mais estranhos forem, menos convincentes serão. Quanto mais extraordinário é um
fato, tanto mais anormal se nos afigura e menos dispostos estaremos a
acreditar. Queremos ver, e tendo visto, ainda duvidamos; desconfiamos de ilusão
e de conivência. Já isto não acontece quando para os fatos encontramos uma
causa plausível. Vemos diariamente criaturas que atribuíam os fenômenos
espíritas à imaginação e à credulidade cega e que hoje são adeptos fervorosos,
precisamente porque agora tais fenômenos não lhes repugnam à razão:
explicam-nos, compreendem a sua possibilidade e creem, mesmo sem ter visto.
Tendo que falar de certos
fatos, deveríamos esperar que os princípios fundamentais estivessem suficientemente
desenvolvidos, a fim de compreendermos as suas causas. Entre esses fatos está a
transfiguração. Para nós, o Espiritismo é mais do que uma crença: é uma
ciência, e nos sentimos felizes por ver que os nossos leitores nos
compreenderam.
Revista espírita — Jornal de
estudos psicológicos, março 1859.
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