O Espírito de Mozart acaba
de ditar ao nosso excelente médium, Sr. Bryon-Dorgeval, um fragmento de sonata.
Como meio de controle, este último o fez ouvir por diversos artistas, sem lhes
indicar a origem, mas lhes perguntando apenas o que achavam do trecho. Cada um
nele reconheceu, sem hesitação, o estilo de Mozart. O trecho foi executado na
sessão da Sociedade de 8 de abril último, em presença de numerosos
conhecedores, pela senhorinha de Davans, aluna de Chopin e distinta pianista,
que teve a gentileza de nos prestar o seu concurso. Como elemento de
comparação, a senhorinha de Davans executou antes uma sonata que Mozart
compusera quando vivo. Todos foram unânimes em reconhecer não só a perfeita
identidade do gênero, mas ainda a superioridade da composição espírita. A
seguir, com o seu talento habitual, a mesma pianista executou um trecho de
Chopin. Não poderíamos perder esta ocasião para invocar os dois compositores,
com os quais tivemos a seguinte conversa.
Mozart
1. Sabeis, sem dúvida, o motivo por que vos chamamos.
─ Vosso chamado me é agradável.
2. Reconheceis como ditado
por vós o trecho que acabamos de ouvir?
─ Sim. Muito bem. Eu o
reconheço perfeitamente. O médium que me serviu de intérprete é um amigo que
não me traiu.
3. Qual dos dois trechos
preferis?
─ O segundo, sem termo de
comparação.
4. Por quê?
─ A doçura e o encanto são
nele mais vivos e mais ternos.
NOTA: São
estas, realmente, as qualidades reconhecidas no trecho.
5. A música do mundo que
habitais pode comparar-se à nossa?
─ Teríeis dificuldades de
compreender. Temos sentidos que ainda não possuís.
6. Disseram-nos que no
vosso mundo há uma harmonia natural, universal, que não conhecemos aqui em
baixo.
─ É verdade. Aí na Terra
fazeis a música; aqui, toda a Natureza emite sons melodiosos.
7. Poderíeis tocar piano?
─ Sem dúvida que sim. Mas
não o quero. Seria inútil.
8. Seria, entretanto,
poderoso motivo de convicção.
─ Não estais convencidos?
Nota:
Sabe-se que os Espíritos jamais se submetem a provas. Muitas vezes fazem
espontaneamente aquilo que não pedimos. Esta, aliás, entra na categoria das
manifestações físicas, com as quais não se ocupam os Espíritos elevados.
9. Que pensais da recente
publicação de vossas cartas?
─ Avivaram muito a minha
lembrança.
10. Vossa lembrança está
na memória de todos. Poderíeis precisar o efeito que essas cartas produziram na
opinião pública?
─ Sim. Elas me fizeram mais
amado e as criaturas se apegaram muito mais a mim, como homem, do que antes.
Nota: A
pessoa, aliás estranha à Sociedade, que fez estas últimas perguntas, confirma
que foi essa realmente a impressão produzida por aquela publicação.
11. Desejamos interrogar
Chopin. Será possível?
─ Sim. Ele é mais triste e
mais sombrio do que eu.
Chopin
12. (Após a evocação.) ─ Poderíeis dizer-nos em que situação estais como Espírito?
─ Ainda errante.
13. Lamentais a vida
terrena?
─ Eu não sou infeliz.
14. Sois mais feliz do que
antes?
─ Sim, um pouco.
15. Dizeis um pouco, o que
quer dizer que não há grande diferença. Que é o que vos falta para o serdes
mais?
─ Eu digo um pouco em
relação àquilo que eu poderia ter sido, porque com a minha inteligência eu
poderia ter avançado mais do que avancei.
16. Esperais alcançar um
dia a felicidade que vos falta atualmente?
─ Certamente que ela virá,
mas serão necessárias novas provas.
17. Mozart disse que sois
sombrio e triste. Por que isto?
─ Mozart disse a verdade.
Entristeço-me porque não cumpri a contento um compromisso assumido e não tenho
coragem de recomeçar.
18. Como considerais as
vossas obras musicais?
─ Eu as prezo muito. Mas
entre nós fazemo-las melhores, sobretudo as executamos melhor. Dispomos de mais
recursos.
19. Quem são, pois, os
vossos executantes?
─ Temos às nossas ordens
legiões de executantes, que tocam as nossas composições com mil vezes mais arte
do que qualquer um dos vossos. São músicos completos. O instrumento de que se
servem é a própria garganta, por assim dizer, e são auxiliados por instrumentos
semelhantes a órgãos, de uma precisão e de uma sonoridade que acredito não
possais compreender.
20. Sois de fato errante?
─ Sim. Isto é, não pertenço
a nenhum planeta exclusivamente.
21. E os vossos
executantes? São, também, errantes?
─ Errantes como eu.
22. (A Mozart) Teríeis a
bondade de explicar o que acaba de dizer Chopin? Não compreendemos essa
execução por Espíritos errantes.
─ Compreendo o vosso
espanto. Entretanto, já vos dissemos que há mundos particularmente destinados
aos seres errantes, mundos que eles podem habitar temporariamente, espécies de
bivaques, de campos de repouso para esses Espíritos fatigados por uma longa
erraticidade, estado que é sempre um pouco penoso.
23. (A Chopin) Reconheceis
aqui um de vossos alunos?
─ Sim. Parece.
24. Teríeis a bondade de
assistir à execução de um trecho de vossa
composição?
─ Isto me daria muito prazer,
sobretudo quando executado por uma pessoa que guardou de mim uma grata
recordação. Que ela receba os meus agradecimentos.
25. Quereis dar a vossa
opinião sobre a música de Mozart?
─ Gosto muito. Considero
Mozart meu mestre.
26. Partilhais de sua
opinião sobre a música de hoje?
─ Mozart disse que a música
era melhor compreendida em seu tempo do que hoje. Isto é verdade. Objetarei,
entretanto, que ainda existem verdadeiros artistas.
Revista espírita — Jornal de
estudos psicológicos, Maio de 1859.
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