Sensações dos espíritos – parte 2

Dizendo que os Espíritos são inacessíveis às impressões de nossa matéria, queremos referir-nos aos Espíritos muito elevados, cujo envoltório etéreo não tem analogia aqui na Terra. Já o mesmo não se dá com aqueles cujo perispírito é mais denso. Esses percebem os nossos sons, os nossos odores, mas não por uma parte limitada do seu ser, como quando vivos. Poder-se-ia dizer que as vibrações moleculares se fazem sentir em todo o seu ser e assim chegam ao sensorium commune, que é o próprio Espírito, posto que de maneira diferente e talvez mesmo com uma impressão diferente, o que produz uma modificação na percepção. Eles ouvem o som de nossa voz, entretanto nos entendem sem o recurso da palavra, pela simples transmissão do pensamento, o que vem em apoio àquilo que dizíamos, isto é, que tal penetração é tanto mais fácil quanto mais desmaterializado é o Espírito.


Quanto à visão, ela independe da nossa luz. A faculdade de ver é um atributo essencial da alma. Para ela não existe obscuridade. No entanto, ela é mais extensa e penetrante naqueles que são mais depurados. A alma, ou Espírito, tem, pois, em si mesma, a faculdade de todas as percepções. Na vida corpórea estas são obliteradas pela grosseria de nossos órgãos. Na vida extracorpórea são cada vez menos obliteradas, à medida que se depura o envoltório semimaterial.

Tirado do meio ambiente, esse envoltório varia segundo a natureza dos mundos. Passando de um mundo a outro, os Espíritos mudam de envoltório como nós mudamos as roupas ao passar do inverno ao verão, ou do polo ao equador. Quando nos vêm visitar, os Espíritos mais elevados revestem-se, pois, de seu perispírito terrestre e a partir de então suas percepções se operam como nos nossos Espíritos comuns. Mas todos, tanto inferiores como superiores, nem ouvem nem sentem senão aquilo que querem ouvir ou sentir. Sem órgãos sensitivos, podem, à vontade, tornar as suas percepções ativas ou anulá-las. Existe apenas uma coisa que são obrigados a ouvir: os conselhos dos bons Espíritos.

A vista é sempre ativa, mas podem tornar-se reciprocamente invisíveis uns para os outros. Segundo a posição que ocupam, podem ocultar-se dos que lhes são inferiores, mas não dos superiores.

Nos primeiros momentos que se seguem à morte, a visão do Espírito é sempre confusa e perturbada. Torna-se clara à medida que se desprende e pode adquirir a mesma clareza que durante a vida, independentemente de sua penetração através dos corpos para nós opacos. Quanto à sua extensão através do espaço infinito, tanto no passado como no futuro, depende do grau de pureza e de elevação do Espírito.

Dirão que toda esta teoria não é nada animadora. Imaginávamos que uma vez desembaraçados do grosseiro envoltório material, instrumento de nossas dores, não mais sofreríamos. Eis que nos ensinais que sofreremos ainda. De uma ou de outra forma, não haverá menos sofrimento. Ai de nós!

Sim, nós podemos continuar sofrendo, e muito, e por muito tempo, mas também podemos deixar de sofrer, até mesmo a partir do momento em que deixamos a vida corpórea.

Os sofrimentos terrenos são por vezes independentes de nós. Muitos, porém, são consequência de nossa vontade. Remontemos à fonte e veremos que a maior parte deles resultam de causas que poderíamos ter evitado. Quantos males, quantas enfermidades não deve o homem aos seus excessos, à sua ambição, numa palavra, às suas paixões?

O homem que tivesse vivido sobriamente; que não tivesse abusado de nada; que sempre tivesse sido simples em seus gostos e modesto nos seus desejos, poupar-se-ia a muitas tribulações.

O mesmo se dá com o Espírito. Os sofrimentos que padece são sempre consequência da maneira como viveu na Terra. Certamente não sofrerá mais de gota ou de reumatismo, mas terá outros sofrimentos que não são menores. Vimos que seus sofrimentos são o resultado dos laços que ainda existem entre ele e a matéria; que quanto mais desvinculado da influência da matéria ou, por outras palavras, quanto mais desmaterializado, menos sensações penosas terá. Ora, dele depende libertar-se de tal influência, já nesta vida. Ele possui o livre-arbítrio e, consequentemente, a escolha entre fazer ou deixar de fazer. Que domine as suas paixões animais; que não tenha ódio, inveja, ciúme e orgulho; que não se deixe dominar pelo egoísmo; que purifique sua alma pelos bons sentimentos; que pratique o bem; que não atribua às coisas deste mundo senão a importância que merecem e então, mesmo que ainda esteja em seu envoltório corporal, já estará depurado e desprendido da matéria. Quando deixar esse envoltório, não sofrerá mais sua influência. Os sofrimentos físicos que houver experimentado não lhe deixarão uma lembrança penosa. Não lhe restará nenhuma impressão desagradável, porque elas terão afetado o corpo, mas não o Espírito; será feliz por ter-se libertado e a calma de consciência o livrará de qualquer sofrimento moral.

Interrogamos milhares de Espíritos que pertenceram a todas as camadas da Sociedade e a todas as posições sociais; estudamo-los em todos os períodos de sua vida espírita, desde o momento em que deixaram o corpo; seguimo-los passo a passo nessa vida de além-túmulo, a fim de observar as mudanças neles operadas, nas suas ideias e nas suas sensações. A esse respeito, não foram as criaturas mais vulgares as que ofereceram material menos interessante para estudo. Ora, nós vimos sempre que os sofrimentos dependem da conduta, cujas consequências eles sofrem, e que essa nova existência é fonte de inefável felicidade para aqueles que seguiram o bom caminho, de onde se segue que os que sofrem, sofrem porque o quiseram e que não devem queixar-se senão de si mesmos, quer neste mundo, quer no outro.

Certos críticos ridicularizaram algumas das nossas evocações, como, por exemplo, a do assassino Lemaire, achando estranho que nos ocupássemos de seres tão ignóbeis, quando temos tantos Espíritos superiores à nossa disposição. Esquecem que é exatamente por isto que, de certo modo, apuramos a natureza do fato ou, melhor dizendo, em sua ignorância da ciência espírita, não veem nesses diálogos mais que uma conversa mais ou menos divertida, cujo alcance não compreendem.

Lemos algures que um filósofo dizia, depois de haver conversado com um camponês: “Aprendi mais com esse rústico do que com todos os sábios.” É que ele podia ver além da superfície. Para o bom observador nada é perdido. Ele encontra ensinamentos úteis até no criptógramo que cresce nas esterqueiras. Recusa-se o médico a tocar numa ferida horrenda quando se trata de encontrar a causa de um mal?

Ainda uma palavra sobre o assunto. Os sofrimentos de além-túmulo têm um termo. Sabemos que aos mais inferiores Espíritos é permitido elevar-se e purificar-se por novas provas. Isto pode ser demorado, muito demorado, mas dele depende abreviar esse tempo penoso, porque Deus o escuta sempre, desde que se submeta à sua vontade. Quanto mais desmaterializado é o Espírito, mais vastas e lúcidas são as suas percepções; quanto mais se acha sob o império da matéria, o que depende inteiramente do seu gênero de vida terrena, mais limitadas e veladas serão elas. Quanto mais a visão moral de um se estende para o infinito, tanto mais a do outro se restringe.

Assim, pois, os Espíritos inferiores têm apenas uma noção vaga, confusa, incompleta e por vezes nula do futuro. Eles não veem o termo de seus sofrimentos e por isso pensam sofrer eternamente, o que é para eles um castigo. Se a posição de uns é aflitiva, terrível mesmo, não é, entretanto, desesperadora; a dos outros é, porém, eminentemente consoladora. A nós, pois, cabe escolher. Isto é da mais alta moralidade.

Os cépticos duvidam da sorte que nos aguarda após a morte. Nós lhes mostramos exatamente o que acontece, com o que julgamos prestar-lhes um serviço. Assim, vimos mais de um voltar atrás de seu erro ou, pelo menos, começar a refletir sobre aquilo de que antes fazia troça.

Nada como nos darmos conta da possibilidade das coisas. Se sempre tivesse sido assim, não haveria tantos incrédulos, e tanto a religião como a moral pública ganhariam com isso. Para muitos a dúvida religiosa provém da dificuldade de compreenderem certas coisas. São Espíritos positivos não predispostos à fé cega, que só admitem aquilo que para eles tem uma razão de ser. Tornai essas coisas acessíveis à sua inteligência e eles as aceitarão, porque, no fundo, não pedem mais do que isso a fim de crerem e porque a dúvida lhes é uma situação mais penosa do que imaginamos ou do que eles ousam confessar.

Em tudo quanto dissemos não há um sistema ou ideias pessoais. Também não foram alguns Espíritos privilegiados que nos ditaram esta teoria. Ela é resultado de estudos feitos sobre individualidades, corroborados e confirmados por Espíritos cuja linguagem nenhuma dúvida pode deixar quanto à sua superioridade. Julgamo-los por suas palavras e não por seu nome ou pelo nome que podem atribuir-se.

Revista espírita — Jornal de estudos psicológicos, dezembro 1858. 

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