1. ─ Rogamos a Deus Todo
Poderoso permita ao Espírito de um militar morto na batalha de Magenta vir
comunicar-se conosco.
─ Que quereis saber?
2. ─ Onde vos encontráveis quando vos chamamos?
─ Não saberia dizer.
3. ─ Quem vos preveniu que
desejávamos conversar convosco?
─ Alguém mais sagaz do que
eu.
4. ─ Quando em vida duvidáveis que os mortos pudessem vir conversar com os vivos?
─ Oh! Isso não.
5. ─ Que sensação
experimentais por estardes aqui?
─ Isto me causa prazer.
Segundo me dizem, tendes grandes coisas a fazer.
6. ─ A que corpo do exército
pertencíeis? (Alguém diz a meia-voz: Pela linguagem parece um zuzu.)
─ Ah! Bem o dizes!
7. ─ Qual era o vosso posto?
─ O de todo o mundo.
8. ─ Como vos chamáveis?
─ Joseph Midard.
9. ─ Como morrestes?
─ Quereis saber tudo sem
pagar nada?
10. ─ Ainda bem que não
perdestes a jovialidade. Dizei, dizei; nós pagaremos depois. Como morrestes?
─ De uma ameixa que
recebi.
11. ─ Ficastes contrariado
com a morte?
─ Palavra que não! Estou bem
aqui.
12. ─ No momento da morte
percebestes o que houve?
─ Não. Eu estava tão
atordoado que não podia acreditar.
NOTA:
Isto está de acordo com o que temos observado nos casos de morte violenta. Não
se dando conta imediatamente da sua situação, o Espírito não se julga morto.
Este fenômeno se explica muito facilmente. É análogo ao dos sonâmbulos, que não
acreditam que estejam dormindo. Realmente, para o sonâmbulo, a ideia de sono é
sinônima de suspensão das faculdades intelectuais. Ora, como ele pensa, não
acredita que dorme. Só mais tarde se convence, quando familiarizado com o
sentido ligado a esse vocábulo.
Dá-se o mesmo com um
Espírito surpreendido por uma morte súbita, quando nada está preparado para a
separação do corpo. Para ele, a morte é sinônimo de destruição, de
aniquilamento. Ora, desde que ele vive, sente e pensa, entende que não está
morto. É preciso algum tempo para reconhecer-se.
13. ─ No momento de vossa
morte, a batalha não havia terminado. Seguistes as suas peripécias?
─ Sim, pois como vos disse,
não me julgava morto. Eu queria continuar batendo nos outros cães29.
14. ─ Que sensação
experimentastes então?
─ Eu estava encantado, pois
me sentia muito leve.
15. ─ Víeis os Espíritos dos
vossos camaradas deixando os corpos?
─ Eu nem pensava nisso, pois
não me acreditava morto.
16. ─ Em que se
transformava, nesse momento, a multidão de Espíritos que perdia a vida no
tumulto da batalha?
─ Creio que faziam o mesmo
que eu.
17. ─ Encontrando-se
reunidos nesse mundo dos Espíritos, que pensavam aqueles que se batiam mais
encarniçadamente? Ainda se atiravam uns contra os outros?
─ Sim. Durante algum tempo,
e conforme o seu caráter.
18. ─ Reconhecei-vos melhor
agora?
─ Sem isto não me teriam
mandado aqui.
19. ─ Poderíeis dizer-nos se
entre os Espíritos de soldados mortos há muito tempo ainda se encontravam
alguns interessados no resultado da batalha? (Rogamos a São Luís que o ajudasse
nas respostas, a fim de que, para nossa instrução, fossem tão explícitas quanto
possível).
─ Em grande quantidade. É
bom que saibais que esses combates e suas consequências são preparados com
muita antecedência e que os nossos adversários não se envolveriam em crimes,
como fizeram, se a isto não tivessem sido compelidos em razão das consequências
futuras, que não tardareis a conhecer.
20. ─ Deveria haver ali
Espíritos que se interessavam no sucesso dos austríacos. Haveria então dois
campos de batalha entre eles?
─ Evidentemente.
OBSERVAÇÃO: Não
parece que estamos vendo aqui os deuses de Homero tomando partido, uns pelos
Gregos, outros pelos Troianos? Na verdade, quem eram esses deuses do paganismo,
senão os Espíritos que os Antigos haviam transformado em divindade? Não temos
razão quando dizemos que o Espiritismo é uma luz que esclarecerá diversos
mistérios, a chave de numerosos problemas?
21. ─ Eles exerciam alguma
influência sobre os combatentes?
─ Muito considerável.
22. ─ Podeis descrever-nos
de que maneira eles exerciam tal influência?
─ Da mesma maneira que todas
as influências dos Espíritos se exercem sobre os homens.
23. ─ Que esperais fazer
agora?
─ Estudar mais do que o fiz
em minha última etapa.
24. ─ Ides voltar como
espectador aos combates que ainda serão travados?
─ Ainda não sei. Tenho
afeições que me prendem no momento. Contudo, espero de vez em quando dar uma
fugida, para me divertir com as surras subsequentes.
25. ─ Que gênero de afeição
vos retém ainda?
─ Uma velha mãe doente e
sofredora, que chora por mim.
26. ─ Peço que me desculpeis
o mau pensamento que me atravessou o espírito,
relativamente à afeição que
o retém.
─ Não tem importância. Digo
bobagens para vos fazer rir um pouco. É natural que não me tomeis por grande
coisa, tendo em vista o regimento medíocre a que pertenci. Ficai tranquilos, eu
só me engajei por causa dessa pobre mãe. Mereço um pouco que me tenham mandado
a vós.
27. ─ Quando vos encontráveis
entre os Espíritos, ouvíeis o rumor da batalha? Víeis as coisas tão claramente
como em vida?
─ A princípio eu a perdi de
vista, mas depois de algum tempo via muito melhor, porque percebia todas as
artimanhas.
28. ─ Pergunto se escutáveis
o troar do canhão.
─ Sim.
29. ─ No momento da ação,
pensáveis na morte e naquilo em que vos tornaríeis, caso fosseis morto?
─ Eu pensava no que seria de
minha mãe.
30. ─ Era a primeira vez que
entráveis em fogo?
─ Não, não. E a África?
31. ─ Vistes a entrada dos
franceses em Milão?
─ Não.
32. ─ Aqui sois o único dos
que morreram na Itália?
─ Sim.
33. ─ Pensais que a guerra
durará muito tempo?
─ Não. É fácil e por isso
mesmo pouco meritório fazer tal predição.
34. ─ Quando vedes, entre os
Espíritos, um dos vossos chefes, ainda o reconheceis como vosso superior?
─ Se ele o for, sim; se não,
não.
OBSERVAÇÃO: Na
sua simplicidade e no seu laconismo, esta resposta é eminentemente profunda e
filosófica. No mundo espírita, a superioridade moral é a única reconhecida.
Quem não a teve na Terra, fosse qual fosse a sua posição, não tem, de fato,
superioridade nenhuma. Lá o chefe pode estar abaixo do soldado e o patrão
abaixo do servidor. Que lição para o nosso orgulho!
35. ─ Pensais na justiça de
Deus e vos inquietais por isso?
─ Quem não pensaria nisso?
Felizmente não tenho muito o que temer. Eu resgatei, por algumas ações que Deus
considerou boas, as poucas leviandades que cometi como zuzu, como dizeis.
36. ─ Assistindo a um
combate, poderíeis proteger um de vossos companheiros e desviar dele um golpe
fatal?
─ Não. Não podemos fazer
isso. A hora da morte é marcada por Deus. Se tem que acontecer, nada o
impedirá, do mesmo modo ninguém poderá atingi-la se sua hora não tiver soado.
37. ─ Vedes o General
Espinasse?
─ Não o vi ainda. Mas espero
vê-lo em breve.
SEGUNDA CONVERSA
(17
DE JUNHO DE 1859)
38. (Evocação).
─ Presente! Firme! Em
frente!
39. ─ Lembrai-vos de ter
vindo aqui há oito dias?
─ Como não?!
40. ─ Disseste-nos que ainda
não tínheis visto o General Espinasse. Como poderíeis reconhecê-lo, já que ele
não levou consigo seu uniforme de general?
─ Não, mas eu o conheço de
vista. Ademais, não temos uma porção de amigos junto a nós, prontos a nos
revelar a senha? Aqui não é como no quartel. A gente não tem medo de dar um
encontrão com alguém, e eu vos garanto que só os velhacos ficam sozinhos.
41. ─ Sob que aparência aqui
vos encontrais?
─ Zuavo.
42. ─ Se vos pudéssemos ver,
como o veríamos?
─ De turbante e culote.
43. ─ Pois bem! Suponhamos
que nos aparecêsseis de turbante e culote. Onde teríeis arranjado essas roupas,
desde que deixastes as vossas no campo de batalha?
─ Ora, ora! Não sei como é
isto mas lenho um alfaiate que mas arranja.
44. ─ De que são feitos o
turbante e o culote que usais? Não tendes ideia?
─ Não. Isto é lá com o trapeiro.
OBSERVAÇÃO:
Esta questão da vestimenta dos Espíritos, como várias outras não menos
interessantes, ligadas ao mesmo princípio, foram completamente elucidadas por
novas observações feitas no seio da Sociedade. Daremos notícias disso no
próximo número. Nosso bom zuavo não é suficientemente adiantado para resolver
sozinho. Foi-nos preciso, para isso, o concurso de circunstâncias que se
apresentaram fortuitamente e que nos puseram no caminho certo.
45. ─ Sabeis a razão pela
qual nos vedes, ao passo que nós não vos podemos ver?
─ Acredito que vossos óculos
estão muito fracos.
46. ─ Não seria por essa
mesma razão que não vedes o general em seu uniforme?
─ Sim, mas ele não o veste
todos os dias.
47. ─ Em que dias o veste?
─ Ora essa! Quando o chamam
ao palácio.
48. ─ Por que estais aqui
vestido de zuavo se não vos podemos ver?
─ Simplesmente porque ainda
sou zuavo, mesmo depois de cerca de oito anos, e porque entre os Espíritos
conservamos essa forma durante muito tempo. Mas isso apenas entre nós.
Compreendeis que quando vamos a um mundo muito diferente, como a Lua ou
Júpiter, não nos damos ao trabalho de fazer essa toalete toda.
49. ─ Falais da Lua e de
Júpiter. Porventura já lá estivestes depois de morto?
─ Não. Não estais me
entendendo. Depois da morte nos informamos de muitas coisas. Não nos explicaram
uma porção de problemas da nossa Terra? Não conhecemos Deus e os outros seres
muito melhor do que há quinze dias? Com a morte, o Espírito sofre uma
metamorfose que não podeis compreender.
50. ─ Revistes o corpo
deixado no campo de batalha?
─ Sim. Ele não está bonito.
51. ─ Que impressão vos
deixou essa vista?
─ De tristeza.
52. ─ Tendes conhecimento de
vossa existência anterior?
─ Sim, mas não é
suficientemente gloriosa para que possa me pavonear.
53. ─ Dizei-nos apenas o
gênero de vida que tínheis.
─ Simples mercador de peles
de animais selvagens.
54. ─ Nós vos agradecemos a
bondade de ter vindo pela segunda vez.
─ Até breve. Isto me diverte
e me instrui. Já que sou bem tolerado aqui, voltarei de boa vontade.
Revista espírita — Jornal de
estudos psicológicos, julho 1859.
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