Aqueles que não admitem a
realidade das manifestações físicas geralmente atribuem à fraude os efeitos
produzidos. Alegam que os prestidigitadores hábeis fazem coisas que parecem
prodigiosas, se não lhes conhecemos os segredos. Daí concluem que os médiuns
não passam de escamoteadores. Já refutamos esse argumento, ou antes, essa
opinião, notadamente nos artigos sobre o Sr. Home e nos números da Revista
Espírita de janeiro e fevereiro de 1858. Acrescentaremos apenas algumas
palavras, antes de tratar de assunto mais sério.
Pelo fato de haver charlatães que vendem drogas na praça pública; pelo fato de também haver médicos que, mesmo não indo à praça pública, abusam da confiança, segue-se que todos os médicos são charlatães e que a classe é atingida em sua reputação? Pelo fato de haver criaturas que vendem tintura para vinho, segue-se que todos os negociantes de vinho são falsificadores e que não mais existe vinho puro?
Abusa-se de tudo, mesmo das coisas mais respeitáveis e pode-se dizer até que a fraude tem o seu gênio. Mas a fraude tem sempre um objetivo, um interesse material qualquer, e onde nada se pode ganhar não existe nenhum interesse em enganar. Por isso dissemos em nosso número anterior, a propósito dos médiuns mercenários, que a melhor de todas as garantias é um desinteresse absoluto.
Dir-se-á que essa garantia
não é única, porque em matéria de prestidigitação há amadores muito hábeis, que
visam apenas distrair a Sociedade, e não o fazem por dever de ofício. Não
poderia ocorrer o mesmo com os médiuns? Sem dúvida que é possível por uns momentos
a gente se divertir, divertindo os outros, mas para passar nisto horas a fio,
durante semanas, meses e anos, fora necessário estar possuído do demônio da
mistificação, e o primeiro mistificado seria o mistificador.
Desnecessário repetir aqui
tudo o que já foi dito relativamente à possível boa-fé dos médiuns e dos
assistentes, quanto a serem joguetes de uma ilusão e de uma fascinação. A isso
já respondemos inúmeras vezes, bem como a todas as outras objeções sobre o
assunto, pelo que remetemos o leitor à nossa Instruction practique sur les manifestations e aos nossos
anteriores artigos na Revista Espírita.
O nosso objetivo não é
convencer incrédulos. Se não se convencem pelos fatos, menos o fariam pelo
raciocínio. Seria, pois, perdermos o nosso tempo.
Dirigimo-nos, pelo
contrário, aos adeptos, a fim de preveni-los contra os subterfúgios de que
poderiam ser vítimas por parte de criaturas interessadas, por um motivo
qualquer, em simular certos fenômenos. Dizemos certos fenômenos, porque alguns
há que desafiam evidentemente toda habilidade de prestidigitação, como,
principalmente, o movimento de objetos sem contato; a suspensão de corpos
pesados no espaço; os golpes dados em diversas direções; as aparições, etc. Mas
até mesmo para alguns desses fenômenos seria possível, até certo ponto, a
simulação, tal o progresso feito pela arte da imitação.
O que é necessário fazer em
semelhantes casos é observar atentamente as circunstâncias e sobretudo levar em
consideração o caráter e a condição das pessoas, bem como o objetivo e o
interesse que poderiam ter em enganar. Eis o melhor de todos os controles,
porque há circunstâncias tais que afastam qualquer motivo de suspeita. Assim,
estabelecemos como princípio que é preciso desconfiar de todos quantos fizessem
desses fenômenos um espetáculo, um objeto de curiosidade ou um divertimento, ou
que dos mesmos tirassem qualquer proveito, por menor que fosse, gabando-se de
produzi-los à vontade e a qualquer propósito. Nunca seria demasiado repetir que
as inteligências ocultas que se manifestam têm as suas susceptibilidades e
querem provar-nos que também possuem livre-arbítrio e não se submetem aos
nossos caprichos.
De todos os fenômenos
físicos, um dos mais comuns é o dos golpes internos, vibrados na própria
substância da madeira, com ou sem movimento da mesa ou de qualquer outro objeto
que utilizemos. Ora, este efeito é um dos mais fáceis de imitar, e como é
também um dos mais frequentemente produzidos, parece útil revelar uma pequena
astúcia com a qual podemos ser logrados. Basta colocar as mãos abertas sobre a
mesa, suficientemente próximas para que as unhas dos polegares se apoiem
fortemente uma na outra; então, por um movimento muscular absolutamente
imperceptível, faz-se estalar as unhas com um ruído seco, muito parecido com o
da tiptologia interna. Esse ruído repercute na madeira e produz uma ilusão
completa.
Nada mais fácil do que fazer
ouvir tantos golpes quantos se queira; uma batida de tambor, etc.; responder a
certas perguntas pelo sim e pelo não, conforme os números ou, ainda, pela
indicação das letras do alfabeto.
Uma vez prevenidos, o meio
de reconhecermos a fraude é muito simples. Ela não será mais possível se as
mãos ficarem afastadas uma da outra e se nos certificarmos de que nenhum
contato poderá produzir o ruído. Aliás, os golpes autênticos têm a
característica de mudar de lugar e de timbre à vontade, o que não ocorre quando
produzidos pelo meio mencionado, ou por qualquer outro semelhante.
Eles saem da mesa e vão
produzir-se num móvel qualquer, que ninguém toca, e respondem a perguntas
imprevistas.
Assim chamamos a atenção das
pessoas de boa-fé para esse pequeno estratagema, bem como para outros que
possam descobrir, a fim de denunciá-los sem cerimônia. A possibilidade de
fraude e de imitação não impede a realidade dos fatos, e o Espiritismo só terá
a ganhar com o desmascaramento dos impostores. Se alguém nos disser: Eu vi tal
fenômeno, mas havia fraude, responderemos que é possível; chegamos a ver
pseudo-sonâmbulos que simulavam o sonambulismo com muita habilidade. Isto,
entretanto, não impede que o sonambulismo seja um fato. Todo mundo já viu
negociantes venderem algodão por seda, o que não impede que haja verdadeiros
tecidos de seda. É necessário examinar todas as circunstâncias e verificar se a
dúvida tem fundamento. Mas nisto, como em tudo o mais, é preciso ser perito.
Ora, nós não poderíamos aceitar como juiz de uma questão alguém que nada
soubesse a respeito dela.
O mesmo diremos dos médiuns
psicógrafos. Em geral se pensa que os médiuns mecânicos oferecem mais
garantias, não só para a independência das ideias, como também contra o
embuste. Mas isto é um erro. A fraude insinua-se por toda parte.
Sabemos que com habilidade é
possível dirigir à vontade a cesta e a prancheta que escrevem e dar-lhes todas as
nuanças de movimentos espontâneos. O que afasta todas as dúvidas são os
pensamentos expressos, quer venham do médium mecânico, intuitivo, auditivo,
falante ou vidente. Há comunicações que de tal modo exorbitam das ideias, dos
conhecimentos e mesmo do alcance intelectual do médium, que seria necessário
nos enganarmos redondamente a fim de lhes dar crédito. Reconhecemos no
charlatanismo uma grande habilidade e enormes recursos, mas ainda não lhe
reconhecemos o dom de dar sabedoria a um ignorante ou talento a quem não o
tenha.
Revista espírita — Jornal de
estudos psicológicos, abril 1859.
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