Dentre os sublimes avanços
da medicina, na incessante busca de amenizar sofrimentos físicos, de homens e
até de animais, um que tem se mostrado dos mais vitoriosos é o que cuida dos
transplantes de órgãos. E, obviamente, para que haja um transplante de órgão,
há que haver, precedendo-o, sua disponibilidade. É aí que a doação se insere no
contexto.
No que diz respeito a
embriões destinados a transplantes, antecipamos aqui uma visão espírita para
quaisquer embriões:
Jamais descartá-los!
O homem não cria células (espermatozoide
+ óvulo = embrião), apenas as manipula, e são duas as hipóteses em que
eventualmente a biogenética pode utilizá-las para fins terapêuticos:
1. Embriões estruturados laboratorialmente, destinados aos processos de infertilidade do casal (um ou os dois cônjuges). Os subsistentes, pelo que hoje se observa, cedo ou tarde, sofrerão descarte ou terão destino a experiências na extração de células-tronco para emprego em transplantes; e,
2. Embriões
clonados – quantos embriões-clones se queiram, a partir de uma matriz, para os
mesmos fins do item anterior.
Num
e noutro caso, o material restante terá que ser descartado.
Vemos em O livro dos espíritos (Corpos sem alma):
nas questões 136-a e 136-b, consta que podem existir corpos sem alma, sendo
apenas uma massa de carne sem inteligência; na questão 336, consta que Deus
proveria os casos em que um corpo que deve nascer não encontrasse um Espírito
para nele reencarnar-se (embriões-clones?).
No outro capítulo, União da
Alma e do Corpo, questões 344 e 356-b, encontramos segura orientação: no
momento da concepção, o Espírito se une em definitivo ao corpo, por laços ainda
frágeis, podendo haver mortes prematuras, tanto pela imperfeição da matéria
quanto, principalmente, por tratar-se de prova, tanto para ele quanto para os
pais; há casos em que jamais houve um Espírito destinado aos corpos, nada
devendo se cumprir neles (essa hipótese não autoriza sequer reflexões tendentes
a justificar descarte de embriões, eis que é atribuição da Espiritualidade
realizar a junção perispírito-embrião para a vida terrena do Espírito, e essa
informação jamais foi passada a quem quer seja na Terra).
Isto posto, todos embriões –
matrizes ou clonados – devem ser respeitados como “vida em potencial”.
Premissas Espíritas
De início, consideramos que
a medicina terrena é bênção divina, acompanhada de perto por Espíritos de
elevada caridade e competência, os quais, sob orientação direta do Mestre
Jesus, fazem aportar no planeta Terra, no tempo certo, benesses balsâmicas no
trato das doenças, propiciando a cura delas ou o alívio da dor que causam.
Dessa forma, os progressos da medicina têm aval espiritual protetor. Disso não
há o que duvidar.
Os transplantes constituem
uma sublime benesse. Salvam vidas. Aliviam dores. Deslizam sobre o fio da
navalha, pois na maioria dos casos lidam com a morte (anunciada, para pacientes
que de outra forma morrerão a prazo certo; ou já acontecida, no caso dos
doadores voluntários ou eventualmente involuntários).
É justamente por isso que
aos espíritas – que bem conhecemos os desdobramentos subsequentes à morte do
corpo físico – os transplantes carreiam temores, quando não verdadeiro pavor.
Isso não deveria acontecer.
Transplantes de órgãos e a
codificação
Com especificidade, na
Codificação da Doutrina dos Espíritos, não há menção nem de doação de órgãos,
nem de transplantes deles.
Contudo, sem forçar uma
apropriação ou um entendimento favorável, permitimo-nos refletir sobre três
questões comentadas por Espíritos evoluídos e registradas por Allan Kardec em O livro dos espíritos, as quais,
isoladas, não favorecem mesmo eventual interligação. Contudo, essas três
questões, acopladas, permitem-nos lucubrar que algo há sim, a respeito,
conquanto velado. Vejamo-las:
1. Questão
156: “Há casos em que há sangue nas veias, mas não há vida“; essa
informação, promanada em 1857, diz de situação que talvez possamos configurar
tanto como a morte encefálica quanto a morte cerebral, diagnósticos estes cuja
precisão só seria alcançada no crepúsculo do século XX. Em tal estado, muito
mais delicado do que um coma, é de se supor que o perispírito ou já está
desligado ou em avançado processo de desate do corpo físico; numa ou noutra
situação, a dor física estará ausente de qualquer injúria somática – extirpação
de um órgão, por exemplo -, eis que o cérebro, então inapelável e
definitivamente “desativado”, já não capta mais nenhuma mensagem “de dor”
emitida pelo sistema nervoso central.
2. Questão
257: “Ensaio Teórico Sobre Sensação nos Espíritos: o perispírito só ouve e
sente o que quer“; (aqui, quer nos parecer que o ensinamento deixa a
descoberto que, uma vez desligado do corpo físico, o perispírito, que é a sede
das sensações, tem plenas condições de selecioná-las; sendo a doação de órgãos
um ato de amor, subentendendo-se que o doador já trilha pelo desapego da
matéria, e nesse caso, não sofrerá qualquer impressão negativa com a retirada
de algum órgão do seu – para ele já inútil – traje carnal). Há que se
considerar, ainda, o jamais negado Amor do Pai a todos os seus filhos; nesse
caso, da morte recente, o doador está com merecimento adicional, fruto do seu
desprendimento das coisas da matéria (no caso, o corpo que o abrigou e que
agora se decomporá, inexoravelmente).
3. Questão
723: “No estágio da humanidade, a carne alimenta a carne“. Aqui,
refletimos que, se a carne alimenta a carne, nada objeta apropriarmos a mesma ideia
para dela extrair uma ilação, mas com outro enfoque: da mesma forma como a
carne alimenta a carne, para o sustento da vida, um órgão (em boas condições)
substitui outro (similar, mas danificado), para um período de sobrevida.
Deve-se considerar, ainda, que qualquer que seja o tempo dessa sobrevida (ou
melhoria de vida), decorrentes de um transplante, quem o recebeu, um dia
morrerá, e aí a Lei Natural de Destruição – decomposição dos despojos físicos –
se cumprirá: a parte transplantada terá o mesmo destino da matriz, isto é,
retorno à natureza.
Encontramos
em O evangelho segundo o espiritismo,
cap. I, item 3:
O
corpo não passa de um acessório seu [do Espírito], de um invólucro, uma
veste [do Espírito], que ele deixa, quando usada. […] Por ocasião
da morte, despoja-se dele [do corpo físico].
Anexando outra assertiva
espiritual, temos Joanna de Angelis filosofando sobre o corpo humano:
[…] Alto
empréstimo divino, é o instrumento da evolução espiritual na Terra.
[…] Por
enquanto, serve também de laboratório de experiências pelas quais os
Construtores da Vida, há milênios, vêm desenvolvendo possibilidades superiores
para culminarem em conjunto ainda mais aprimorado e sadio.”
A palavra empréstimo deixa
patente que o homem, na verdade, não é dono do corpo que utiliza na romagem
terrena, senão sim, é dele usufrutuário, ou se quiserem, inquilino temporário;
já o servir de experiência laboratorial parece sinalizar que o altruísmo das
doações de órgãos para transplantes intervivos, aí tem assento.
Rejeição psicossomática
Sabemos nós, os espíritas,
que cada ser humano tem todo um acervo de realizações positivas e negativas ao
longo de inúmeras existências terrenas, daí advindo a inexistência de patamares
espirituais semelhantes. Por isso mesmo, sendo diferentes as vibrações
energéticas perispirituais do doador e do receptor, o órgão a ser transplantado
não encontrará sintonia vibracional no destino.
Daí advém a rejeição
orgânica, que na verdade espelha diferença nos complexos, quanto sutis sistemas
vitais de um e de outro, regulando o equilíbrio nos interplanos – material e
espiritual.
Nesse caso, somente com
altruísmo da parte do doador e com gratidão da parte do receptor, acreditamos
que essa discrepância vibratória tenderá a ser atenuada, sob supervisão de
Espíritos protetores, ocorrendo aquilo que o Espírito André Luiz denomina de “vibrações
compensadas“.
Nos transplantes,
configuramos como equalização de fluidos, transitando nas camadas mais
profundas do psiquismo do doador e do receptor.
Doação de órgãos:
Desprendimento material
Somadas, as considerações
acima sinalizam que a doação de órgãos pressupõe desprendimento dos bens
terrenos – especificamente do corpo físico – dos quais o homem não passa de
usuário eventual.
Assim,
doar órgãos é ato de amor, complementar aos que tenham sido realizados em vida.
Só trará benefícios a quem o faça.
A Lei Divina de Ação e
Reação, de ação automática e permanente, muito beneficiará o doador, além do
que o beneficiado (e seu Anjo Guardião), seus parentes, amigos e a própria
equipe médica envolvida, estarão todos direcionando a ele, doador, vibrações
positivas, em preces de gratidão. Para o doador desencarnado isso é bênção
incomparável.
Considerando que o corpo
físico se inclui no rol dos bens que o Criador coloca à disposição da criatura
humana no seu roteiro existencial terreno, não deverá o homem se julgar
detentor eterno desse bem, mas apenas responsável pela sua boa conservação, no
período de utilização.
Concluída
esta, pela desencarnação, por que se preocupar com o destino que lhe será dado?
Se nessa etapa terrena há a
oportunidade de uma última ação de amor ao próximo, por que não investir nessa
poupança celestial?
Se no último minuto de um
moribundo pode ocorrer sua transformação moral (O evangelho segundo o espiritismo, cap. 5, Item 28), imagine-se que
um receptor de órgão passa a ter mais que “um minuto”, e sim considerável
sobrevida.
Pessoa alguma há que, após
passar por um transplante, continue a mesma. Daí, a autorreforma.
Nota:
Obviamente, não doar órgãos é um direito pleno de cada indivíduo. E jamais o não
doador poderá ser acusado de egoísmo ou de falta de amor para com seu próximo.
Mas, verdade seja dita, quem doa demonstra vivenciar louvável posicionamento em
estágio moral que só benefícios espirituais hão de lhe ser dispensados. O não doador
– e somente ele – poderá responder à autopergunta: – E se um dia eu precisar de
um transplante?
Professor Doutor Raul Marino Jr (Folha de S. Paulo, A3, “Opinião”, 15 de maio de 2001).
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