Meu filho Ivinho tinha 18 anos, era calmo, sem
vícios e cursava o 1.ª ano de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de
Minas Gerais. No dia 26 de novembro de 1978, às 6 horas da manhã, ele
dirigiu-se à lagoa da Pampulha, de automóvel, em companhia de dois amigos, os
irmãos Bernardo e Aguinaldo, para praticarem remo. Mas, eis que um motorista de
ônibus avançou o sinal... e pronto! Começou a minha tristeza. Aguinaldo
sobreviveu, Bernardo faleceu no local do acidente e Ivinho, após permanecer 48
horas em UTI, também faleceu.
Assim, D. Neide de Barros Correia Menezes, residente
em Belo Horizonte, MG, sintetizou seu doloroso drama, em carta a nós dirigida,
quando lhe solicitamos autorização para divulgar as mensagens mediúnicas de seu
filho Ivo, recentemente psicografadas por Chico Xavier.
E, nesta mesma carta, ela concluiu seu relato com
estas palavras tão significativas:
Só no Espiritismo encontrei a explicação para
tudo, e através de Chico Xavier a esperança de outra vida.
Após uma primeira carta de rápidas notícias, recebida na madrugada de 15 de maio de 1982, na qual prometia voltar a escrever numa próxima oportunidade, com maior disponibilidade de tempo, ele cumpriu a promessa e tem enviado elucidativas cartas aos seus pais — também úteis a todos nós, pelos ensinamentos de que são portadoras.
Segunda Carta
Dizem que quem pratica aceitação adquire uma
fortaleza invejável para superar todos os problemas.
Querida mãezinha Neide, estou a uni-Ia com o papai
Adalberto em meus votos a Deus por nossa felicidade.
Mãe, sei que você anda desejosa de notícias
pormenorizadas, mas estou tendo dificuldades para isso. Não é preciso ser
mágico para adivinhar quantas mães se acham aqui à procura dos filhos, o que me
leva a ir escrevendo, pouco a pouco, as impressões que aspiro a fornecer.
Mamãe, é fácil morrer, mas não é fácil desencarnar.
A pessoa continua tão profundamente ela própria que muita gente chega, por
aqui, a não admitir haja deixado a roupa física para envergar outros trajes. É
uma graça e uma lástima.
Amigos tenho encontrado e reencontrado quase que aos
montes, mas a linguagem de quase todos eles é o idioma de quem ficou no quarto
que não mais lhe pertence, nos familiares que talvez não mais conheça, nas
camisas prioritárias, nos passeios habituais... E temos de engolir o que digam,
porque o fazem com tamanha sinceridade que se aprende a resguardar qualquer
risinho de estranheza para depois. E neste ambiente que estou refazendo
energias.
O Bernardo e eu continuamos juntos. Saímos para
remar e prosseguimos remando de outro modo. Fomos acolhidos pela vovó Maria
Celeste, que nada tem de avó. E uma jovem de grande beleza, com grande
maturidade espiritual, situação muito rara naqueles que mostram rosto bonito.
Acontece que ela já contou algum tempo através de recessão e por isso parou no
tempo que julga seja o mais valioso para ela, no setor da apresentação.
Quando acordei por aqui, recolhendo o amparo que ela
me proporcionou com o meu avô Barros, o nosso encontro foi um tanto inamistoso.
Ambos se esforçavam por enquadrar-me no conhecimento da morte; e tanto eu
quanto o Bernardo reagíamos contra. A vovó Celeste, que não pôde deixar de rir
francamente quando lhe declarei que estava mais vivo do que nunca, e que exigia
meu barco e minha rede de volta a fim de regressarmos para a sua companhia e para
a companhia de meu pai Adalberto, do Júnior e da Maria Ângela, porque eu não
encomendara morte nenhuma, e o que eu queria mesmo, além do retorno à família,
era me casar e ser feliz.
Os nossos interlocutores se entreolharam com o
sorriso de quem contava uma anedota infeliz com muita educação e não se fizeram
intransigentes. Apenas disseram que conheceríamos a realidade por nós mesmos, e
os dois se incumbiram de fazer do seu rapaz este moço acanhado e talvez
rabugento que passei a ser.
Mamãe, ore por nós. Dizem que quem pratica aceitação
adquire uma fortaleza invejável para superar todos os problemas. Preciso dessa
ginástica. Não estou infeliz,mas ainda um tanto inconformado com aquele negócio
de acidente, e mais de quarenta horas com os médicos a me fazerem a cabeça,
como se eu estivesse entregue a uma turma de santos crentes. Foi um problema.
Não estou de cabeça nova, mas estou em outro corpo. Veja lá se isso é
compreensível...
Estou bem, e não hesito em comunicar-lhe que estou
bem, mas, no íntimo, estou ainda um tanto bem mal, porque não me desvencilhei
dos meus pensamentos possessivos em torno de tudo o que considerava de minha
propriedade. De qualquer modo, não se impressione; já sei que isso é comum por
aqui. A morte do corpo, para a maioria dos que estão desencarnados, não se faz
de modo violento, quanto à incorporação dela aos nossos conhecimentos usuais. A
mudança para quem não curtiu cama ou velhice, enfeitada de enxaquecas há de ser
lenta, e ainda estou nessa.
Perdoe-me haver escrito tanto sobre isso, mas estou
diante de seu carinho, e nós ambos em família sempre tivemos assuntos tristes
para fazer alegria e casos felizes para chorarmos. Que Deus me transforme para
ser como devo ser.
Lembranças aos irmãos, e envolvendo o seu carinho de mãe com a bondade do papai Adalberto, deixa-lhe umas boas dúzias de beijos o seu filho, sempre seu, Ivo.
Terceira carta
Estamos melhorados, mas precisamos de reinstalação
nos pensamentos novos e desalojar os antigos.
Querida mamãe Neide, o momento é de nosso diálogo.
Penso no papai Adalberto e sinto-me abençoado pelos dois. É muito difícil
escrever de uma vida para outra. O nosso Bernardo e eu ainda não estamos numa
boa. A vovó Celeste e o vovô Mário Barros, com outros amigos, continuam a
falar-nos pacientemente. Aquela agressividade e aquele desapontamento, dos
primeiros dias aqui, já passaram. Concluímos que não adiantava recalcitrar. A
verdade é que não queríamos nada com aquelas ponderações dos avós amigos, sobre
a morte que não havíamos encomendado. Pusemos banca de mal criação, reclamamos,
choramos e debatemos com os nossos benfeitores contrariando-lhes os pontos de
vista, mas a verdade é um muro de pedra, contra a qual nada se pode fazer senão
curvar a cabeça e aceitar os fatos na dureza com que se revelam.
É que é certo é que o Bernardo e eu saímos para
"pescar e fomos ambos pescados". Agora imagino que os peixes, se
falassem, não se mostrariam muito resignados e nem felizes em se verem fora da
água que lhes serve de moradia. O companheiro e eu permutamos muitos
comentários negativos, mas acabamos cedendo. Impossível atacar a realidade
insofismável. Imagino que não somos os únicos por aqui, nestas condições. Basta
que se escute a maioria das pessoas na Terra sobre a questão em que nos vimos.
Um questionário bem feito mostraria que cem por cento das criaturas de nosso
conhecimento repudiariam a opção da morte, excetuando os loucos que se atiram
aos propósitos do suicídio.
A vida pode estar cara, as feiras estarão
inacessíveis, os preços de tudo vão enforcando muita gente e as dificuldades de
vivência e sobrevivência se acumulam por toda parte, mas ninguém quer largar o
chão do Planeta, agarrando-se a ele com unhas e dentes. Como observa, querida mamãe
Neide, seja em Recife ou em Belo Horizonte, o negócio é o mesmo: viver e
desfrutar a melhor parte da existência.
Que os céus aqui são maravilhosos, não duvide; que
há muita gente boa interessada em nos auxiliar, pode estar certa; de que o
estudo e o trabalho são vantagens para quem os deseje, permaneça convencida de
que é assim mesmo; no entanto, o chamado mundo azul dos astronautas é o nosso
mesmo.
Felizmente, já posso falar isso gracejando, porque
não seria justo deixar o tempo correr e imitar a locomotiva que não muda de
caminho e nem de direção. Estamos melhorados, mas precisamos de reinstalação
nos pensamentos novos e desalojar os antigos.
De minha parte estou bem, mas ficaria mais contente
se estivesse em sua companhia e na companhia de meu pai comprando alguma arenga
com o Júnior ou com a Maria Ângela. De qualquer modo, fiquei ciente de que o
seu carinho fez orações por nós pedindo para que fôssemos induzidos a aceitar a
desencarnação, e pelo menos induzido já me encontro.
Para os exercícios da aceitação total me falta
pouco, e já sei que vou ser promovido à condição de bom aluno destas verdades
daqui, que não se compatibilizam com os hábitos que cultivamos. Compreendo que
meu pai lerá o que escrevo, e ficará naquela da dúvida luminosa do amor que se
crê sonhando quando escuta a realidade sem desejá-la, mas você, mãezinha Neide,
já sabe que estou com melhores pontos e por isso venho desejar-lhe aquele Dia
das Mães recheado de flores e doces, tão de meu gosto para alegrá-la.
Estamos bem e isso começa a nos reconfortar. O
Bernardo pensa na faixa de minhas ideias, à maneira do carbono amigo, mas eu
queria que ele me advertisse, e acabasse brigando para que eu veja com mais
segurança o que nos aconteceu e está acontecendo.
Aqui, mamãe, termino com as lembranças do vovô.
Desejo muita tranquilidade e alegria ao papai
Adalberto e aos irmãos queridos, e peço aos amigos que me possam fazer o favor
de reconfortá-la, entregar-lhe o meu carinho e o meu reconhecimento de todos os
dias.
Muitos beijos do seu filho e companheiro do coração.
Quarta carta
Aí é muito difícil deixar de vestir espiritualmente
as ideias de alguns que outra cousa não desejam senão ver-nos no fogo. (...)
Tenho, contudo, muito receio do jeitinho qual me sucedia aí mesmo.
Querida mãezinha Neide, a hora segue para as
matinas, mas não me furto à necessidade de fazê-la ciente, tanto quanto ao
papai Adalberto, que vou melhor, mais flexível. O Bernardo e eu concluímos que
reagir contra a realidade seria o mesmo que tentar impedir o curso de um grande
rio com um galho de avenca. A querida vovó Maria Celeste e o avô Barros nos
convenceram. Já sei que a vovó é minha querida bisa, entretanto, ela prefere
que a chamemos por avó Maria Celeste. Isso é um encanto, quando a gente
acredita por aí que os mais experimentados nas rodovias do tempo são criaturas
apáticas e vencidas pelos janeiros. Bobagem. Os mais curtidos no tempo, aqui
são vanguardeiros. Jovens refeitos. Fica encanecido quem quer ou quem ainda não
tenha vencido as tentações.
Gradativamente vou conhecendo as peculiaridades do
meu campo de ação e descubro que o íntimo da pessoa é que manda. Muito menino
aqui está maduro para ensinar; no entanto, há muita gente adulta que se esconde
em máscaras enrugadas e em cabelos brancos, com receio de acordar emoções
negativas em matéria de sentimento. A verdade, mamãe Neide, é que a beleza não
tem sexo. Não estou ferindo a moral de ninguém falando isso, porque os traumas
afetivos ficam para quem os acalenta.
Se via aí no mundo a presença da Sabedoria Divina no
rosto de uma criança ou no olhar de um doente, ignorando-lhes os sinais
morfológicos, aqui me sensibiliza muito mais contatar com uma bisavó, iluminada
de bondade, com a face de um anjo que se detivesse indefinidamente na fase
juvenil. Até que cheguei por aqui com aquelas ideias de brasileiro patropi,
falando em propósito de casar para não amofinar, já possuo boas mudanças, já
consigo ver nobres e lindas jovens sem fazer peraltice na cabeça.
Sei lá, querida mamãe Neide. A pessoa fora da casca
física é outra cousa. O ambiente nos empolga e passamos a ser o reflexo dos
outros que somam a maioria decidida a se fixar na sublimação. Inegavelmente, o
Bernardo e eu estamos longe da substância, mas já conseguimos o modo e o modo
para nós dois representa grande conquista. Do parecer, passamos a ser, e nisso
colocamos nossa esperança. Agradeço ao papai Adalberto e aos irmãos queridos
Maria Ângela e Júnior a atenção que me deram; leram as minhas notícias e
reconheceram que sou eu mesmo quem escreve. Nossas alegrias aqui aumentam. O
time está enriquecido com a presença possível do tio João e do tio Ivo. Os
reencontros são felizes e graças a Deus todos estamos de boa consciência, o que
não sei se aconteceria se o Bernardo e este seu filho ainda estivessem no
mundo. Ai é muito difícil deixar de vestir espiritualmente as ideias de alguns
que outra cousa não desejam senão vernos no fogo. Entretanto, não estou
reprovando a ninguém. Tenho, contudo, muito receio do "jeitinho" qual
me sucedia aí mesmo. A gente é apresentado a essa ou aquela pessoa, o tempo nos
amarra uns aos outros e depois vem a proposta que nos faria despencar da tranquilidade.
Quando se reage, vem logo a conversa do "jeitinho". Hoje, me alegro
de estar longe, conquanto a saudade dos pais, dos irmãos e dos amigos, tudo
melhor e tudo melhorará. Tanto aí quanto aqui, e isso é um grande consolo.
Agradeço a você, querida mamãe Neide, por vir,
atravessando distâncias na firme convicção de que o nosso diálogo não faltará.
Muito grato por seu sacrifício, muito embora saiba que você dará o melhor dos
sorrisos para repetir: "sacrifício nenhum, meu filho".
Bernardo está bem e se recomenda com lembranças. E
eu, reunindo com os fios da imaginação o papai Adalberto com você e com os
irmãos, peço-lhe receber tudo o que haja de melhor no amor e no coração de seu
filho, Ivinho Ivo de Barros Correia Menezes.
Quinta carta
Ainda não me habituei a ser cidadão de dois mundos
diferentes.
Querida mamãe Neide, receba com o papai Adalberto
aquilo de melhor que eu seja capaz de sentir.
(...) A vovó Maria Celeste e o avô Mário Barros
continuam nos esclarecendo, mas ainda tenho muitas indagações. Francamente,
pelo menos de minha parte não sei se estou em Belo Horizonte ou em Uberaba, no
plano físico ou no mundo de novas sensações, tudo porque ainda não me habituei
a ser cidadão de dois mundos diferentes. Continuo desencarnado e prossigo
querendo casar-me e ser pai de família.
Estimo os avós que me favorecem aqui com os melhores
ensejos de ser feliz, mas, no fundo de mim mesmo, o que desejo realmente será
formar na juventude do meu tempo e adotar uma vida caseira, pródiga de bênçãos
de paz. Mãe Neide, é que seu filho anda partido em dois, tamanho é o meu anseio
de realizar-me na condição de homem. Se puder conduzir-me como devo, farei um
recanto de luz e amor em meu benefício.
A vovó Maria Celeste não nos violenta. Apenas apela
para o Bernardo e para mim, solicitando-nos esperanças. Obedeço, conquanto
saiba que não há casamento entre homens e almas do mundo novo que passou a ser
o nosso. Desejo, porém, confiar-lhe os meus pensamentos mais íntimos na certeza
de que, assim agindo, reparto consigo a carga atual de minhas perguntas sem
respostas.
Apesar de tudo vou muito bem, com aquela saudade
simbolizando apenas um chapéu para atrapalhar. Peço-lhe que ore por mim ainda.
Preciso acomodar-me com a realidade, mas estou ainda sem jeito de colocar meu
coração no figurino da obediência.
(...) Tudo vai indo bem. Se você encontrar algum tom
de queixa em minhas palavras isso é cascata, porque estamos aqui na vida
espiritual sustentados por nossos parentes, qual se fôssemos príncipes
realizados nos menores desejos.
Peço à Maria Ângela e ao nosso caro Júnior receberem
o meu grande abraço. Não precisam recear a minha presença. Já possuo bastante
experiência para tentar isso. Os vivos são os vivos e os mortos são os mortos.
A regra apresenta mudanças apenas para o coração das mães que não se alteram.
Por tudo isso, mãezinha Neide, aqui estou com as
minhas saudades e as minhas alegrias doando a você e ao papai Adalberto o
coração contente do seu filho, sempre o seu, Ivinho.
Sexta carta
Mas hoje, mamãe Neide, quero falar-lhe à vontade,
sem a pretensão de me esconder.
Querida mãezinha Neide, abençoe-me. A saudade nos
marcou encontro e não houve obstáculo que se nos opusesse à alegria do grande
abraço desta hora. Estou imaginando como se arranjará a Maria Ângela na data de
hoje. Será que a vovó Ciaozita está assumindo a direção do bolo à frente das
visitas? Penso que o esquema de sua vinda foi organizado com segurança. Falar
de carência afetiva é apelido. O que nos acontece a mim e ao amigo Bernardo, é
que não obstante o carinho de nossos entes queridos, a gente sente uma vontade
louca de voltar para casa. O condicionamento mental é um fato de que não se
pode duvidar. A minha avó Celeste, o meu avô Mário nos adivinham os mais
íntimos pensamentos e o remédio é fazermos uma cara feliz de agradecimento, sem
hipocrisia, porque o reconhecimento, diante de tanto amor, é uma ocorrência
natural.
Mas hoje, mamãe Neide, quero falar-lhe à vontade,
sem a pretensão de me esconder. Sinto falta de meus sapatos, de minhas camisas
que eu mesmo desarrumava, e queria estar com o nosso querido Júnior,
desfrutando o contentamento de nossa casa feliz. E depois, temos o seguinte: as
suas preces por nossa transformação nos auxiliam com segurança; no entanto,
peço a sua licença para lhe contar que a minha inquietação emotiva ainda não
terminou. Não sei explicar, mas não me acostumo a essa história de despojamento
do corpo que é o instrumento perfeito de sensações a fim de que estejamos
estimulados a viver.
O tio Ivo é um companheiro notável, esclarecendo-nos
que isso passará; entretanto, aquele desejo de passear com uma garota a
tiracolo observando se ela nos serviria para um casamento futuro prevalece
comigo.
Muitos rapazes se desligam com facilidade desses
anseios. Tenho visto centenas que me participam estarem transfigurados pela
religião e outros adotam exercícios de ioga com o objetivo de cortarem essas
raízes da mocidade com o mundo. Outros muitos estão na mesma faixa em que
Bernardo e eu respiramos.
Meu tio Ivo fala em amor entre os jovens, apenas
usufruindo o magnetismo das mãos dadas e até já experimentei, mas a pequena não
apresentava energias que atraíssem para longos diálogos sobre as maravilhas da
vida por aqui. Fiz força e ela também; no entanto, nos separamos espontaneamente,
porque não nos alimentávamos espiritualmente um ao outro.
Creio que meu caso é uma provação que apenas
vencerei com o apoio do tempo. Meu tio faz longas explanações sobre o
desprendimento entre os que se amam; no entanto, ele fala com preciosas elucidações
e continuo na mesma.
Se estivesse aí faria vinte e cinco anos em janeiro
próximo; um tempo lindo para se erguer um lar e criar filhos que eu pudesse
colocar em seus braços de mãe e nos braços do papai Adalberto.
Creia que o assunto ficou tão fixo em mim que o meu
avô Barros me disse que eu conseguiria o que desejo só mesmo numa nova
reencarnação. Mas isso é um assunto grave, porque não desejo assumir outra
personalidade esquecendo os vínculos que me ligam ao seu querido coração. Com o
auxílio de Deus, vencerei essa situação que lhe comunico, em confidência.
Mamãe Neide, por que será que o homem passa por este
período de necessidade de integração com uma outra criatura no casamento? Sei
lá... A minha avó Celeste considera fácil esta obstenção por aqui, porque nos
afirma que, em nossa esfera não há possibilidade de gravidez. Mas com gravidez
ou sem ela, eu queria uma companheira loura ou morena, que se parecesse com
você, que me protegesse, que me conseguisse organizar os lugares para descanso,
que eu pudesse beijar muitas vezes para compensá-la do carinho que me
consagrasse. A vovó Celeste me fala que isso é utopia de moço inexperiente e
que, por aqui mesmo, conseguirei conquistar uma criatura que me venha
complementar tantos sonhos.
Garanto a barra da disciplina, nada faço em contraposição
ao que preciso fazer, mas mamãe Neide, você acha que seria pecado encontrar uma
jovem para se casar comigo? De filhos, nem poderíamos pensar, mas eu a trataria
por filha e ela faria o mesmo para comigo... Isso é o único problema que me
esquenta a cuca, embora já consiga parecer um rapaz acomodado aos hábitos do
lugar em que presentemente devo viver.
Mamãe, você acredita que um rapaz de mãos
entrelaçadas com as mãos de uma jovem que, eu, porventura venha a amar solucionaria
o meu problema? Conto-lhe tudo isso porque estava com muitas saudades de
dialogar consigo. Dizem por aqui que os pares certos trocam emoções criativas e
maravilhosas no simples toque de mãos; no entanto, estou esperando esse
milagre.
O Bernardo, que se me fez companheiro dedicado e
atento, aprecia o caso da mesma forma que eu; no entanto, estamos seguindo os
seus exemplos de paciência e conformação e estamos trabalhando ativamente.
Quem sabe? Talvez isso resolva. Ouvi dizer no mundo
que muitos rapazes e moças se entregam aos remos e, com esse trabalho,
decorrente de um nobre esporte, conseguem liberar o magnetismo do sexo. Para
que você possa rir com seu filho, vou procurar uma embarcação que me sirva de
exaustor de tantas inquietações acumuladas. Acontece, porém, que você se
recorda que perdi o meu corpo quando me decidia ao serviço de pescar. Eu fico
pensando, pensando...
Quanto ao mais, tudo segue bem. As nossas atitudes
são corretas. O problema é o anseio que está por trás delas, porque vejo que
por aqui preciso acostumar a uma vida sem muitas complexidades de sentimentos.
Estudo, compareço ao trabalho, atendo às instruções dos mentores que nos guiam,
mas o traço forte do sexo prepondera. De quando em quando, sou arguido por esse
ou aquele instrutor que me pergunta sorrindo se já estou livre de minhas
ansiedades, mas não tenho coragem de mentir e já sei que vou receber um sermão
amigo recheado de bons conselhos.
Enfim, esta é minha atualidade e não podia omitir o
que sinto perante você, minha mãe, minha confidente e minha melhor amiga. Com o
tempo vamos regularizar tudo isso. Esteja tranquila. Refiro-me ao assunto,
porquanto noto que a maioria dos jovens desencarnados que se comunicam dão uma
volta no caso e passam por cima; no entanto, sei que a maioria deles está em
posição semelhante à minha. Mas não há de ser nada. Acredito que vou entrar no
cordão das mãos entrelaçadas e depois lhe darei notícias.
Envio parabéns a Maria Ângela e um grande abraço ao
Júnior e ao papai Adalberto. Mãezinha Neide, não se preocupe com o que lhe
transmito. E que unindo as nossas orações por meu desligamento das sensações
terrestres de que ainda tenho necessidade, estou certo de que vencerei. As mães
podem tanto quanto os anjos de Deus e me entrego às suas preces.
Querida Mãezinha Neide, não me esqueci do Dia das
Mães. A minha rosa esteve em seu quarto. Se alguém na família encontrar motivo
para humor em minha situação você não se impressione. Quem zombar de mim, um
dia estará aqui, pedindo o apoio de alguma mulher que o auxilie. Isto é natureza
criada por Deus, e de Deus virão os recursos para que estejamos em paz.
Muito apreço ao papai Adalberto e muito carinho a todos os nossos. E para você, querida mãezinha Neide, fica nesta noite de preces todo o coração de seu filho, que se considera cada vez mais seu, Ivinho.
Nota: Carta psicografada por Francisco Cândido Xavier, em reunião pública do GEP, na noite de 26/05/1984.
Fonte: Retornaram contando. Francisco Cândido Xavier.
Editora IDE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário