PEDI E OBTEREIS
Qualidades da prece
1. Quando orardes, não vos assemelheis aos hipócritas, que, afetadamente,
oram de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas para serem vistos pelos homens. Digo-vos,
em verdade, que eles já receberam sua recompensa. Quando quiserdes orar, entrai
para o vosso quarto e, fechada a porta, orai a vosso Pai em secreto; e vosso
Pai, que vê o que se passa em secreto, vos dará a recompensa. Não cuideis de
pedir muito nas vossas preces, como fazem os pagãos, os quais imaginam que pela
multiplicidade das palavras é que serão atendidos. Não vós torneis semelhantes
a eles, porque vosso Pai sabe do que é que tendes necessidade, antes que lho
peçais. (S. Mateus, 6:5 a 8.)
2. Quando vos aprestardes para orar, se tiverdes qualquer coisa contra
alguém, perdoai-lhe, a fim de que vosso Pai, que está nos céus, também vos
perdoe os vossos pecados. Se não perdoardes, vosso Pai, que está nos céus,
também não vos perdoará os pecados. (S. Marcos, 11:25 e 26.)
3. Também disse esta parábola a alguns que punham a sua confiança em si
mesmos, como sendo justos, e desprezavam os outros: Dois homens subiram ao
templo para orar; um era fariseu, publicano o outro. O fariseu, conservando-se
de pé, orava assim, consigo mesmo: Meu Deus, rendo-vos graças por não ser como
os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem mesmo como esse
publicano. Jejuo duas vezes na semana; dou o dízimo de tudo o que possuo. O
publicano, ao contrário, conservando-se afastado, não ousava, sequer, erguer os
olhos ao céu; mas, batia no peito, dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim, que
sou um pecador. Declaro-vos que este voltou para a sua casa, justificado, e o
outro não; porquanto, aquele que se eleva será rebaixado e aquele que se
humilha será elevado. (S. Lucas, 18:9 a 14.)
4. Jesus definiu claramente as qualidades da prece. Quando orardes, diz ele, não vos ponhais em evidência; antes, orai em secreto. Não afeteis orar muito, pois não é pela multiplicidade das palavras que sereis escutados, mas pela sinceridade delas. Antes de orardes, se tiverdes qualquer coisa contra alguém, perdoai-lhe, visto que a prece não pode ser agradável a Deus, se não parte de um coração purificado de todo sentimento contrário à caridade. Orai, enfim, com humildade, como o publicano, e não com orgulho, como o fariseu. Examinai os vossos defeitos, não as vossas qualidades e, se vos comparardes aos outros, procurai o que há em vós de mau. (Cap. X, nºs 7 e 8.)
Eficácia da prece
5. Seja o que for que peçais na prece, crede que o obtereis e concedido
vos será o que pedirdes. (S. Marcos, 11:24.)
6. Há quem conteste a eficácia
da prece, com fundamento no princípio de que, conhecendo Deus as nossas
necessidades, inútil se torna expor-lhas. E acrescentam os que assim pensam
que, achando-se tudo no universo encadeado por leis eternas, não podem as nossas
súplicas mudar os decretos de Deus. Sem dúvida alguma há leis naturais e
imutáveis que não podem ser ab-rogadas ao capricho de cada um; mas, daí a
crer-se que todas as circunstâncias da vida estão submetidas à fatalidade, vai
grande distância. Se assim fosse, nada mais seria o homem do que instrumento
passivo, sem livre-arbítrio e sem iniciativa. Nessa hipótese, só lhe caberia
curvar a cabeça ao jugo dos acontecimentos, sem cogitar de evitá-los; não
devera ter procurado desviar o raio.
Deus não lhe outorgou a razão e
a inteligência, para que ele as deixasse sem serventia; a vontade, para não
querer; a atividade, para ficar inativo. Sendo livre o homem de agir num
sentido ou noutro, seus atos lhe acarretam, e aos demais, consequências
subordinadas ao que ele faz ou não. Há, pois, devidos à sua iniciativa,
sucessos que forçosamente escapam à fatalidade e que não quebram a harmonia das
leis universais, do mesmo modo que o avanço ou o atraso do ponteiro de um
relógio não anula a lei do movimento sobre a qual se funda o mecanismo.
Possível é, portanto, que Deus aceda a certos pedidos, sem perturbar a
imutabilidade das leis que regem o conjunto, subordinada sempre essa anuência à
sua vontade.
7. Desta máxima: “Concedido vos será o que quer que pedirdes
pela prece”, fora ilógico deduzir que basta pedir para obter e fora injusto
acusar a Providência se não acede a toda súplica que se lhe faça, uma vez que
ela sabe, melhor do que nós, o que é para nosso bem. É como procede um pai
criterioso que recusa ao filho o que seja contrário aos seus interesses. Em
geral, o homem apenas vê o presente; ora, se o sofrimento é de utilidade para a
sua felicidade futura, Deus o deixará sofrer, como o cirurgião deixa que o
doente sofra as dores de uma operação que lhe trará a cura.
O que Deus lhe concederá
sempre, se ele o pedir com confiança, é a coragem, a paciência, a resignação.
Também lhe concederá os meios de se tirar por si mesmo das dificuldades,
mediante ideias que fará lhe sugiram os bons Espíritos, deixando-lhe dessa forma
o mérito da ação. Ele assiste os que se ajudam a si mesmos, de conformidade com
esta máxima: “Ajuda-te, que o céu te
ajudará”; não assiste, porém, os que tudo esperam de um socorro estranho,
sem fazer uso das faculdades que possui. Entretanto, as mais das vezes, o que o
homem quer é ser socorrido por milagre, sem despender o mínimo esforço. (Cap.
XXV, nºs 1 e seguintes.)
8. Tomemos um exemplo. Um homem
se acha perdido no deserto. A sede o martiriza horrivelmente. Desfalecido, cai
por terra. Pede a Deus que o assista, e espera. Nenhum anjo lhe virá dar de
beber. Contudo, um bom Espírito lhe sugere a ideia de levantar-se e tomar um
dos caminhos que tem diante de si. Por um movimento maquinal, reunindo todas as
forças que lhe restam, ele se ergue, caminha e descobre ao longe um regato. Ao
divisá-lo, ganha coragem. Se tem fé, exclamará: “Obrigado, meu Deus, pela ideia que me inspiraste e pela força que me
deste.” Se lhe falta a fé, exclamará: “Que
boa ideia tive! Que sorte a minha de tomar o caminho da direita, em vez do da
esquerda; o acaso, às vezes, nos serve admiravelmente! Quanto me felicito pela
minha coragem e por não me ter deixado abater!” Mas, dirão, por que o bom
Espírito não lhe disse claramente: “Segue
este caminho, que encontrarás o de que necessitas”? Por que não se lhe
mostrou para o guiar e sustentar no seu desfalecimento? Dessa maneira tê-lo-ia
convencido da intervenção da Providência. Primeiramente, para lhe ensinar que
cada um deve ajudar-se a si mesmo e fazer uso das suas forças. Depois, pela
incerteza, Deus põe à prova a confiança que nele deposita a criatura e a
submissão desta à sua vontade. Aquele homem estava na situação de uma criança
que cai e que, dando com alguém, se põe a gritar e fica à espera de que a
venham levantar; se não vê pessoa alguma, faz esforços e se ergue sozinha. Se o
anjo que acompanhou a Tobias lhe houvera dito: “Sou enviado por Deus para te guiar na tua viagem e te preservar de
todo perigo”, nenhum mérito teria tido Tobias. Fiando-se no seu
companheiro, nem sequer de pensar teria precisado. Essa a razão por que o anjo
só se deu a conhecer ao regressarem.
Ação da prece. Transmissão do pensamento
9. A prece é uma invocação,
mediante a qual o homem entra, pelo pensamento, em comunicação com o ser a quem
se dirige. Pode ter por objeto um pedido, um agradecimento, ou uma
glorificação. Podemos orar por nós mesmos ou por outrem, pelos vivos ou pelos
mortos. As preces feitas a Deus escutam-nas os Espíritos incumbidos da execução
de suas vontades; as que se dirigem aos bons Espíritos são reportadas a Deus.
Quando alguém ora a outros seres que não a Deus, fá-lo recorrendo a
intermediários, a intercessores, porquanto nada sucede sem a vontade de Deus.
10. O Espiritismo torna
compreensível a ação da prece, explicando o modo de transmissão do pensamento,
quer no caso em que o ser a quem oramos acuda ao nosso apelo, quer no em que
apenas lhe chegue o nosso pensamento.
Para apreendermos o que ocorre
em tal circunstância, precisamos conceber mergulhados no fluido universal, que
ocupa o espaço, todos os seres, encarnados e desencarnados, tal qual nos
achamos, neste mundo, dentro da atmosfera.
Esse fluido recebe da vontade
uma impulsão; ele é o veículo do pensamento, como o ar o é do som, com a
diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, ao passo que as do
fluido universal se estendem ao infinito. Dirigido, pois, o pensamento para um
ser qualquer, na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado, ou
vice-versa, uma corrente fluídica se estabelece entre um e outro, transmitindo
de um ao outro o pensamento, como o ar transmite o som.
A energia da corrente guarda
proporção com a do pensamento e da vontade. É assim que os Espíritos ouvem a
prece que lhes é dirigida, qualquer que seja o lugar onde se encontrem; é assim
que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem suas inspirações,
que relações se estabelecem a distância entre encarnados.
Essa explicação vai, sobretudo,
com vistas aos que não compreendem a utilidade da prece puramente mística. Não
tem por fim materializar a prece, mas tornar-lhe inteligíveis os efeitos,
mostrando que pode exercer ação direta e efetiva. Nem por isso deixa essa ação
de estar subordinada à vontade de Deus, juiz supremo em todas as coisas, único
apto a torná-la eficaz.
11. Pela prece, obtém o homem o
concurso dos bons Espíritos que acorrem a sustentá-lo em suas boas resoluções e
a inspirar-lhe ideias sãs. Ele adquire, desse modo, a força moral necessária a
vencer as dificuldades e a volver ao caminho reto, se deste se afastou. Por
esse meio, pode também desviar de si os males que atrairia pelas suas próprias
faltas. Um homem, por exemplo, vê arruinada a sua saúde, em consequência de
excessos a que se entregou, e arrasta, até o termo de seus dias, uma vida de
sofrimento: terá ele o direito de queixar-se, se não obtiver a cura que deseja?
Não, pois que houvera podido encontrar na prece a força de resistir às
tentações.
12. Se em duas partes se
dividirem os males da vida, uma constituída dos que o homem não pode evitar e a
outra das tribulações de que ele se constituiu a causa primária, pela sua
incúria ou por seus excessos (cap. V, n.º 4), ver-se-á que a segunda, em
quantidade, excede de muito à primeira.
Faz-se, portanto, evidente que
o homem é o autor da maior parte das suas aflições, às quais se pouparia, se
sempre obrasse com sabedoria e prudência. Não menos certo é que todas essas
misérias resultam das nossas infrações às leis de Deus e que, se as
observássemos pontualmente, seríamos inteiramente ditosos.
Se não ultrapassássemos o
limite do necessário, na satisfação das nossas necessidades, não apanharíamos
as enfermidades que resultam dos excessos, nem experimentaríamos as
vicissitudes que as doenças acarretam. Se puséssemos freio à nossa ambição, não
teríamos de temer a ruína; se não quiséssemos subir mais alto do que podemos,
não teríamos de recear a queda; se fôssemos humildes, não sofreríamos as
decepções do orgulho abatido; se praticássemos a lei de caridade, não seríamos
maldizentes, nem invejosos, nem ciosos, e evitaríamos as disputas e dissensões;
se mal a ninguém fizéssemos, não houvéramos de temer as vinganças, etc.
Admitamos que o homem nada possa com relação aos outros males; que toda prece
lhe seja inútil para livrar-se deles; já não seria muito o ter a possibilidade
de ficar isento de todos os que decorrem da sua maneira de proceder?
Ora, aqui, facilmente se
concebe a ação da prece, visto ter por efeito atrair a salutar inspiração dos
Espíritos bons, granjear deles força para resistir aos maus pensamentos, cuja
realização nos pode ser funesta. Nesse caso, o que eles fazem não é afastar de
nós o mal, porém, sim, desviar-nos a nós do mau pensamento que nos pode causar
dano; eles em nada obstam ao cumprimento dos decretos de Deus, nem suspendem o
curso das leis da natureza; apenas evitam que as infrinjamos, dirigindo o nosso
livre-arbítrio.
Agem, contudo, à nossa revelia,
de maneira imperceptível, para nos não subjugar a vontade. O homem se acha
então na posição de um que solicita bons conselhos e os põe em prática, mas
conservando a liberdade de segui-los, ou não. Quer Deus que seja assim, para
que aquele tenha a responsabilidade dos seus atos e o mérito da escolha entre o
bem e o mal.
É isso o que o homem pode estar
sempre certo de receber, se o pedir com fervor, sendo, pois, a isso que se
podem, sobretudo aplicar estas palavras: “Pedi
e obtereis”.
Mesmo com sua eficácia reduzida
a essas proporções, já não traria a prece resultados imensos? Ao Espiritismo
fora reservado provar-nos a sua ação, com o nos revelar as relações existentes
entre o mundo corpóreo e o mundo espiritual. Os efeitos da prece, porém, não se
limitam aos que vimos de apontar.
Recomendam-na todos os
Espíritos. Renunciar alguém à prece é negar a bondade de Deus; é recusar, para
si, a sua assistência e, para com os outros, abrir mão do bem que lhes pode
fazer.
13. Acedendo ao pedido que se
lhe faz, Deus muitas vezes objetiva recompensar a intenção, o devotamento e a
fé daquele que ora. Daí decorre que a prece do homem de bem tem mais
merecimento aos olhos de Deus e sempre mais eficácia, porquanto o homem vicioso
e mau não pode orar com o fervor e a confiança que somente nascem do sentimento
da verdadeira piedade. Do coração do egoísta, do daquele que apenas de lábios
ora, unicamente saem palavras, nunca os ímpetos de caridade que dão à prece
todo o seu poder. Tão claramente isso se compreende que, por um movimento
instintivo, quem se quer recomendar às preces de outrem fá-lo de preferência às
daqueles cujo proceder, sente-se, há de ser mais agradável a Deus, pois que são
mais prontamente ouvidos.
14. Por exercer a prece uma
como ação magnética, poder-se-ia supor que o seu efeito depende da força
fluídica. Assim, entretanto, não é. Exercendo sobre os homens essa ação, os
Espíritos, em sendo preciso, suprem a insuficiência daquele que ora, ou agindo
diretamente em seu nome, ou dando-lhe momentaneamente uma força excepcional,
quando o julgam digno dessa graça, ou que ela lhe pode ser proveitosa.
O homem que não se considere
suficientemente bom para exercer salutar influência, não deve por isso
abster-se de orar a bem de outrem, com a ideia de que não é digno de ser
escutado. A consciência da sua inferioridade constitui uma prova de humildade,
grata sempre a Deus, que leva em conta a intenção caridosa que o anima. Seu
fervor e sua confiança são um primeiro passo para a sua conversão ao bem,
conversão que os Espíritos bons se sentem ditosos em incentivar. Repelida só o
é a prece do orgulhoso que deposita fé no seu poder e nos seus merecimentos e
acredita ser-lhe possível sobrepor-se à vontade do Eterno.
15. Está no pensamento o poder
da prece, que por nada depende nem das palavras, nem do lugar, nem do momento
em que seja feita. Pode-se, portanto, orar em toda parte e a qualquer hora, a
sós ou em comum. A influência do lugar ou do tempo só se faz sentir nas
circunstâncias que favoreçam o recolhimento. A prece em comum tem ação mais
poderosa, quando todos os que oram se associam de coração a um mesmo pensamento
e colimam o mesmo objetivo, porquanto é como se muitos clamassem juntos e em
uníssono. Mas, que importa seja grande o número de pessoas reunidas para orar,
se cada uma atua isoladamente e por conta própria?! Cem pessoas juntas podem
orar como egoístas, enquanto duas ou três, ligadas por uma mesma aspiração,
orarão quais verdadeiros irmãos em Deus, e mais força terá a prece que lhe
dirijam do que a das cem outras. (Cap. XXVIII, nºs 4 e 5.)
Preces inteligíveis
16. Se eu não entender o que significam as palavras, serei um bárbaro
para aquele a quem falo e aquele que me fala será para mim um bárbaro. Se oro
numa língua que não entendo, meu coração ora, mas a minha inteligência não
colhe fruto. Se louvais a Deus apenas de coração, como é que um homem do número
daqueles que só entendem a sua própria língua responderá amém no fim da vossa
ação de graças, uma vez que ele não entende o que dizeis? Não é que a vossa
ação não seja boa, mas os outros não se edificam com ela. (S. Paulo, 1.ª
epístola aos Coríntios, 14:11, 14, 16 e 17.)
17. A prece só tem valor pelo
pensamento que lhe está conjugado. Ora, é impossível conjugar um pensamento
qualquer ao que se não compreende, porquanto o que não se compreende não pode
tocar o coração. Para a imensa maioria das criaturas, as preces feitas numa língua
que elas não entendem não passam de amálgamas de palavras que nada dizem ao
espírito. Para que a prece toque, preciso se torna que cada palavra desperte
uma ideia e, desde que não seja entendida, nenhuma ideia poderá despertar. Será
dita como simples fórmula, cuja virtude dependerá do maior ou menor número de
vezes que a repitam. Muitos oram por dever; alguns, mesmos, por obediência aos
usos, pelo que se julgam quites, desde que tenham dito uma oração determinado
número de vezes e em tal ou tal ordem. Deus vê o que se passa no fundo dos
corações; lê o pensamento e percebe a sinceridade. Julgá-lo, pois, mais
sensível à forma do que ao fundo é rebaixá-lo. (Cap. XXVIII, n.º 2.)
Da prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores.
18. Os Espíritos sofredores
reclamam preces e estas lhes são proveitosas, porque, verificando que há quem
neles pense, menos abandonados se sentem, menos infelizes.
Entretanto, a prece tem sobre
eles ação mais direta: reanima-os, incute-lhes o desejo de se elevarem pelo
arrependimento e pela reparação e, possivelmente, desvia-lhes do mal o
pensamento. É nesse sentido que lhes pode não só aliviar, como abreviar os
sofrimentos. (Veja em: O Céu e o Inferno, 2.ª parte, Exemplos.)
19. Pessoas há que não admitem
a prece pelos mortos, porque, segundo acreditam, a alma só tem duas
alternativas: ser salva ou ser condenada às penas eternas, resultando, pois, em
ambos os casos, inútil a prece. Sem discutir o valor dessa crença, admitamos,
por instantes, a realidade das penas eternas e irremissíveis e que as nossas
preces sejam impotentes para lhes pôr termo. Perguntamos se, nessa hipótese,
será lógico, será caridoso, será cristão recusar a prece pelos réprobos? Tais
preces, por mais impotentes que fossem para os liberar, não lhes seriam uma
demonstração de piedade capaz de abrandar-lhes os sofrimentos? Na Terra, quando
um homem é condenado a galés perpétuas, quando mesmo não haja a mínima
esperança de obter-se para ele perdão, será defeso a uma pessoa caridosa ir carregar-lhe
os grilhões, para aliviá-lo do peso destes? Em sendo alguém atacado de mal
incurável, dever-se-á, por não haver para o doente esperança nenhuma de cura,
abandoná-lo, sem lhe proporcionar qualquer alívio?
Lembrai-vos de que, entre os
réprobos, pode achar-se uma pessoa que vos foi cara, um amigo, talvez um pai,
uma mãe, ou um filho, e dizei se, não havendo, segundo credes, possibilidade de
ser perdoado esse ente, lhe recusaríeis um copo d’água para mitigar-lhe a sede?
um bálsamo que lhe seque as chagas? Não faríeis por ele o que faríeis por um
galé? Não lhe daríeis uma prova de amor, uma consolação? Não, isso cristão não
seria. Uma crença que petrifica o coração é incompatível com a crença em um
Deus que põe na primeira categoria dos deveres o amor ao próximo. A não
eternidade das penas não implica a negação de uma penalidade temporária, dado
não ser possível que Deus, em sua justiça, confunda o bem e o mal. Ora, negar,
neste caso, a eficácia da prece, fora negar a eficácia da consolação, dos
encorajamentos, dos bons conselhos; fora negar a força que haurimos da
assistência moral dos que nos querem bem.
20. Outros se fundam numa razão
mais especiosa: a imutabilidade dos decretos divinos. Deus, dizem esses, não
pode mudar as suas decisões a pedido das criaturas; a não ser assim, careceria
de estabilidade o mundo. O homem, pois, nada tem de pedir a Deus, só lhe
cabendo submeter-se e adorá-lo. Há, nesse modo de raciocinar, uma aplicação
falsa do princípio da imutabilidade da lei divina, ou melhor, ignorância da
lei, no que concerne à penalidade futura. Essa lei revelam-na hoje os Espíritos
do Senhor, quando o homem se tornou suficientemente maduro para compreender o
que, na fé, é conforme ou contrário aos atributos divinos. Segundo o dogma da
eternidade absoluta das penas, não se levam em conta ao culpado os remorsos,
nem o arrependimento. É-lhe inútil todo desejo de melhorar-se: está condenado a
conservar-se perpetuamente no mal. Se a sua condenação foi por determinado
tempo, a pena cessará, uma vez expirado esse tempo. Mas, quem poderá afirmar
que ele então possua melhores sentimentos? Quem poderá dizer que, a exemplo de
muitos condenados da Terra, ao sair da prisão, ele não seja tão mau quanto
antes? No primeiro caso, seria manter na dor do castigo um homem que volveu ao
bem; no segundo, seria agraciar a um que continua culpado. A lei de Deus é mais
previdente. Sempre justa, equitativa e misericordiosa, não estabelece para a
pena, qualquer que esta seja, duração alguma. Ela se resume assim:
21. “O homem sofre sempre a
consequência de suas faltas; não há uma só infração à lei de Deus que fique sem
a correspondente punição.
“A severidade do castigo é
proporcionada à gravidade da falta.
“Indeterminada é a duração do
castigo, para qualquer falta; fica subordinada ao arrependimento do culpado e
ao seu retorno à senda do bem; a pena dura tanto quanto a obstinação no mal;
seria perpétua, se perpétua fosse a obstinação; dura pouco, se pronto é o
arrependimento.
“Desde que o culpado clame por
misericórdia, Deus o ouve e lhe concede a esperança. Mas, não basta o simples
pesar do mal causado; é necessária a reparação, pelo que o culpado se vê
submetido a novas provas em que pode, sempre por sua livre vontade, praticar o
bem, reparando o mal que haja feito.
“O homem é, assim,
constantemente, o árbitro de sua própria sorte; pertence-lhe abreviar ou
prolongar indefinidamente o seu suplício; a sua felicidade ou a sua desgraça
dependem da vontade que tenha de praticar o bem.”
Tal a lei, lei imutável e em
conformidade com a bondade e a justiça de Deus. Assim, o Espírito culpado e
infeliz pode sempre salvar-se a si mesmo: a lei de Deus estabelece a condição
em que se lhe torna possível fazê-lo. O que as mais das vezes lhe falta é a
vontade, a força, a coragem. Se, por nossas preces, lhe inspiramos essa
vontade, se o amparamos e animamos; se, pelos nossos conselhos, lhe damos as
luzes de que carece, em lugar de pedirmos a Deus que derrogue a sua lei,
tornamo-nos instrumentos da execução de outra lei, também sua, a de amor e de
caridade, execução em que, desse modo, ele nos permite participar, dando nós
mesmos, com isso, uma prova de caridade. (Veja em O Céu e o Inferno, 1.ª parte,
caps. IV, VII, VIII.)
INSTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS
Maneira de orar
22. O dever primordial de toda
criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar a sua volta à vida ativa de
cada dia, é a prece. Quase todos vós orais, mas quão poucos são os que sabem
orar! Que importam ao Senhor as frases que maquinalmente articulais umas às
outras, fazendo disso um hábito, um dever que cumpris e que vos pesa como
qualquer dever? A prece do cristão, do espírita, seja qual for o seu culto,
deve ele dizê-la logo que o Espírito haja retomado o jugo da carne; deve
elevar-se aos pés da Majestade Divina com humildade, com profundeza, num ímpeto
de reconhecimento por todos os benefícios recebidos até aquele dia; pela noite
transcorrida e durante a qual lhe foi permitido, ainda que sem consciência
disso, ir ter com os seus amigos, com os seus guias, para haurir, no contato com
eles, mais força e perseverança. Deve ela subir humilde aos pés do Senhor, para
lhe recomendar a vossa fraqueza, para lhe suplicar amparo, indulgência e
misericórdia. Deve ser profunda, porquanto é a vossa alma que tem de elevar-se
para o Criador, de transfigurar-se, como Jesus no Tabor, a fim de lá chegar
nívea e radiosa de esperança e de amor. A vossa prece deve conter o pedido das
graças de que necessitais, mas de que necessitais em realidade. Inútil,
portanto, pedir ao Senhor que vos abrevie as provas, que vos dê alegrias e
riquezas. Rogai-lhe que vos conceda os bens mais preciosos da paciência, da
resignação e da fé. Não digais, como o fazem muitos: “Não vale a pena orar,
porquanto Deus não me atende.” Que é o que, na maioria dos casos, pedis a Deus?
Já vos tendes lembrado de pedir-lhe a vossa melhoria moral? Oh! não; bem poucas
vezes o tendes feito. O que preferentemente vos lembrais de pedir é o bom êxito
para os vossos empreendimentos terrenos e haveis com frequência exclamado:
“Deus não se ocupa conosco; se se ocupasse, não se verificariam tantas
injustiças.” Insensatos! Ingratos! Se descêsseis ao fundo da vossa consciência,
quase sempre depararíeis, em vós mesmos, com o ponto de partida dos males de
que vos queixais. Pedi, pois, antes de tudo, que vos possais melhorar e vereis
que torrente de graças e de consolações se derramará sobre vós. Deveis orar
incessantemente, sem que, para isso, se faça mister vos recolhais ao vosso
oratório, ou vos lanceis de joelhos nas praças públicas. A prece do dia é o
cumprimento dos vossos deveres, sem exceção de nenhum, qualquer que seja a
natureza deles. Não é ato de amor a Deus assistirdes os vossos irmãos numa
necessidade, moral ou física? Não é ato de reconhecimento o elevardes a ele o
vosso pensamento, quando uma felicidade vos advém, quando evitais um acidente,
quando mesmo uma simples contrariedade apenas vos roça a alma, desde que vos
não esqueçais de exclamar: Sede bendito, meu Pai!? Não é ato de contrição o vos
humilhardes diante do supremo Juiz, quando sentis que falistes, ainda que
somente por um pensamento fugaz, para lhe dizerdes: Perdoai-me, meu Deus, pois
pequei (por orgulho, por egoísmo, ou por falta de caridade); dai-me forças para
não falir de novo e coragem para a reparação da minha falta?!
Isso independe das preces
regulares da manhã e da noite e dos dias consagrados. Como o vedes, a prece
pode ser de todos os instantes, sem nenhuma interrupção acarretar aos vossos
trabalhos. Dita assim, ela, ao contrário, os santifica. Tende como certo que um
só desses pensamentos, se partir do coração, é mais ouvido pelo vosso Pai
celestial do que as longas orações ditas por hábito, muitas vezes sem causa
determinante e às quais apenas maquinalmente vos chama a hora convencional. (V.
Monod. Bordéus, 1862.)
Alegria da prece
23. Vinde, vós que desejais
crer. Os Espíritos celestes acorrem a vos anunciar grandes coisas. Deus, meus
filhos, abre os seus tesouros, para vos outorgar todos os benefícios. Homens
incrédulos! Se soubésseis quão grande bem faz a fé ao coração e como induz a
alma ao arrependimento e à prece! A prece! Ah! como são tocantes as palavras
que saem da boca daquele que ora! A prece é o orvalho divino que aplaca o calor
excessivo das paixões. Filha primogênita da fé, ela nos encaminha para a senda
que conduz a Deus. No recolhimento e na solidão, estais com Deus. Para vós, já
não há mistérios; eles se vos desvendam. Apóstolos do pensamento, é para vós a
vida. Vossa alma se desprende da matéria e rola por esses mundos infinitos e etéreos,
que os pobres humanos desconhecem. Avançai, avançai pelas veredas da prece e
ouvireis as vozes dos anjos. Que harmonia! Já não são o ruído confuso e os sons
estrídulos da Terra; são as liras dos arcanjos; são as vozes brandas e suaves
dos serafins, mais delicadas do que as brisas matinais, quando brincam na
folhagem dos vossos bosques. Por entre que delícias não caminhareis! A vossa
linguagem não poderá exprimir essa ventura, tão rápida entra ela por todos os
vossos poros, tão vivo e refrigerante é o manancial em que, orando, se bebe.
Dulçorosas vozes, inebriantes perfumes, que a alma ouve e aspira, quando se
lança a essas esferas desconhecidas e habitadas pela prece! Sem mescla de
desejos carnais, são divinas todas as aspirações. Também vós, orai como o
Cristo, levando a sua cruz ao Gólgota, ao Calvário. Carregai a vossa cruz e
sentireis as doces emoções que lhe perpassavam n’alma, se bem que vergado ao
peso de um madeiro infamante. Ele ia morrer, mas para viver a vida celestial na
morada de seu Pai. (Santo Agostinho. Paris, 1861)
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