XI – De duas
coisas uma: ou a morte é uma destruição absoluta, ou ela é a passagem de uma
alma para outro lugar. Se tudo deve se exterminar, a morte será como uma dessas
raras noites que passamos sem sonho e sem nenhuma consciência de nós mesmos.
Mas se a morte não é senão uma mudança de morada, a passagem para um lugar onde
os mortos devem se reunir, que felicidade nele reencontrar aqueles a quem se
conheceu! Meu maior prazer seria o de examinar de perto os habitantes dessa
morada, e de aí distinguir, como aqui, aqueles que são sábios daqueles que creem
sê-lo e não o são. Mas é hora de nos deixarmos, eu para morrer, vós para viver.
(Sócrates a seus juízes).
Segundo Sócrates, os homens que viveram sobre a
Terra, se reencontram depois da morte e se reconhecem. O Espiritismo no-los
mostra continuando as relações que tiveram, de tal sorte que a morte não é nem
uma interrupção, nem uma cessação da vida, mas uma transformação, sem solução
de continuidade.
Tivessem Sócrates e Platão conhecido os ensinamentos
que o Cristo daria quinhentos anos mais tarde, e os que os Espíritos dão
atualmente, e não haveriam de falar de outra forma. Nisso não há nada que deve
surpreender, se se considera que as grandes verdades são eternas, e que os
Espíritos avançados as deveram conhecer antes de virem sobre a Terra, para onde
as trouxeram; que Sócrates, Platão e os grandes filósofos de seu tempo puderam
estar mais tarde entre aqueles que secundaram o Cristo na sua divina missão, e
que foram escolhidos precisamente porque tinham, mais que os outros, a
compreensão de seus sublimes ensinamentos; que eles podem, enfim, hoje, fazer
parte da plêiade de Espíritos encarregados de virem ensinar aos homens as
mesmas verdades.
XlI – Não é preciso nunca retribuir injustiça por injustiça, nem fazer mal a ninguém, qualquer seja o mal que se nos tenha feito. Poucas pessoas, entretanto, admitirão este princípio, e as pessoas que estão divididas não devem senão se desprezar umas às outras.
Não está aí o princípio da caridade, que nos ensina
a não retribuir o mal com o mal, e de perdoar aos inimigos?
XIII – É pelos
frutos que se reconhece a árvore. É preciso qualificar cada ação segundo o que
ela produz: chamá-la má quando dela provém o mal, boa quando dela nasce o bem.
Esta máxima: “É pelos frutos que se reconhece a
árvore” se encontra textualmente repetida várias vezes no Evangelho.
XIV – A
riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza não ama nem a si, nem
o que está em si, mas a uma coisa que lhe é ainda mais estranha que aquela que
está em si.
XV – As mais
belas orações e os mais belos sacrifícios agradam menos a Divindade que uma
alma virtuosa que se esforça por assemelhar-se a ela. Seria uma coisa grave se
os deuses tivessem mais consideração para com as nossas oferendas que pela
nossa alma; por esse meio, os mais culpáveis poderiam se lhes tornarem
favoráveis. Mas não, não há de verdadeiramente justo e sábio senão aqueles que,
por suas palavras e pelos seus atos, desempenhem-se do que devem aos deuses e
aos homens.
XVI – Chamo
homem vicioso a esse amante vulgar que ama o corpo antes que a alma. O amor
está por toda parte na Natureza, que nos convida a exercitar nossa
inteligência; é encontrado até nos movimentos dos astros. É o amor que orna a
Natureza de seus ricos tapetes; ele se enfeita e fixa sua morada lá onde
encontra flores e perfumes. É ainda o amor que dá a paz aos homens, a calma ao
mar, o silêncio aos ventos e o sono à dor.
O amor, que deve unir os homens por um laço fraternal,
é uma consequência dessa teoria de Platão sobre o amor universal como lei
natural. Sócrates, tendo dito que “o amor não é um deus nem um mortal, mas um
grande demônio”, quer dizer, um grande Espírito presidindo ao amor universal,
esta afirmação lhe foi sobretudo imputada como crime.
XVII – A
virtude não se pode ensinar; ela vem por um dom de Deus àqueles que a possuem.
É aproximadamente a doutrina cristã sobre a graça;
mas, se a virtude é um dom de Deus, é um favor, que se pode pedir, porque ela
não é concedida a todo o mundo; por outro lado, se é um dom, ela é sem mérito
para aquele que a possui. O Espiritismo é mais explícito; ele diz que aquele
que possui a virtude a adquire por seus esforços em existências sucessivas, em
se despojando, pouco a pouco, das suas imperfeições. A graça é a força da qual
Deus favorece todo homem de boa vontade, para se despojar do mal e para fazer o
bem.
XVIII – É uma
disposição natural, a cada um de nós, se aperceber bem menos dos nossos
defeitos que dos de outrem.
O Evangelho diz: “Vedes o argueiro no olho do vosso
vizinho, e não vedes a trave que está no vosso”.
XIX – Se os
médicos fracassam na maioria das doenças, é que tratam o corpo sem a alma, e
que, o todo não estando em bom estado, é impossível que a parte se porte bem.
O Espiritismo dá a chave das relações que existem
entre a alma e o corpo, e prova que há reação incessante de uma sobre o outro.
Ele abre, assim, um novo caminho à ciência e, em lhe mostrando a verdadeira
causa de certas doenças, lhe dá os meios de combatê-las. Quando ela se inteirar
da ação do elemento espiritual na economia, fracassará menos frequentemente.
XX – Todos os
homens, a começar desde a infância, fazem muito mais mal do que bem.
Estas palavras de Sócrates tocam a grave questão da
predominância do mal sobre a Terra, questão insolúvel sem o conhecimento da
pluralidade dos mundos e da destinação da Terra, onde não habita senão uma
pequena fração da Humanidade.
XXI – Há
sabedoria em não crer saber aquilo que tu não sabes.
Isto vai endereçado às pessoas que criticam aquilo
de que, frequentemente, não sabem a primeira palavra. Platão completa esse
pensamento de Sócrates, dizendo: “Experimentemos primeiro torná-los, se isso é
possível, mais honestos em palavras; se não, não nos preocupemos com eles, e
não procuremos senão a verdade. Esforcemo-nos em nos instruir, mas não nos
injuriemos”. É assim que devem agir os Espíritas com respeito aos seus
contraditores, de boa ou má fé. Revivesse Platão hoje, e encontraria as coisas
aproximadamente como no seu tempo, e poderia ter a mesma linguagem. Sócrates
também encontraria pessoas para se escarnecerem de sua crença nos Espíritos, e
tratá-lo de louco, assim como a seu discípulo Platão.
Foi por ter professado esses princípios que Sócrates
foi primeiro ridicularizado, depois acusado de impiedade, e condenado a beber
cicuta; tanto isso é certo que as grandes verdades novas, levantando contra si
os interesses e os preconceitos que machucam, não podem se estabelecer sem luta
e sem fazer mártires.
O Evangelho Segundo o Espiritismo, Introdução, item IV.
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