SEDE
PERFEITOS
Caracteres da perfeição
1.
Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos
perseguem e caluniam. Porque, se somente amardes os que vos amam, que
recompensa tereis disso? Não fazem assim também os publicanos? Se unicamente
saudardes os vossos irmãos, que fazeis com isso mais do que outros? Não fazem o
mesmo os pagãos? Sede, pois, vós outros, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai
celestial. (S. Mateus, 5:44, 46 a 48.)
2.
Pois que Deus possui a perfeição infinita em todas as coisas, esta proposição:
“Sede perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial”, tomada ao pé da letra,
pressuporia a possibilidade de atingir-se a perfeição absoluta. Se à criatura
fosse dado ser tão perfeita quanto o Criador, tornar-se-ia ela igual a este, o
que é inadmissível. Mas, os homens a quem Jesus falava não compreenderiam essa
nuança, pelo que ele se limitou a lhes apresentar um modelo e a dizer-lhes que
se esforçassem pelo alcançar.
Aquelas
palavras, portanto, devem entender-se no sentido da perfeição relativa, a de
que a humanidade é suscetível e que mais a aproxima da Divindade. Em que
consiste essa perfeição? Jesus o diz: “Em amarmos os nossos inimigos, em
fazermos o bem aos que nos odeiam, em orarmos pelos que nos perseguem.” Mostra
ele desse modo que a essência da perfeição é a caridade na sua mais ampla
acepção, porque implica a prática de todas as outras virtudes.
Com efeito, se se observam os resultados de todos os vícios e, mesmo, dos simples defeitos, reconhecer-se-á nenhum haver que não altere mais ou menos o sentimento da caridade, porque todos têm seu princípio no egoísmo e no orgulho, que lhes são a negação; e isso porque tudo o que sobre-excita o sentimento da personalidade destrói, ou, pelo menos, enfraquece os elementos da verdadeira caridade, que são: a benevolência, a indulgência, a abnegação e o devotamento. Não podendo o amor do próximo, levado até ao amor dos inimigos, aliar-se a nenhum defeito contrário à caridade, aquele amor é sempre, portanto, indício de maior ou menor superioridade moral, donde decorre que o grau da perfeição está na razão direta da sua extensão. Foi por isso que Jesus, depois de haver dado a seus discípulos as regras da caridade, no que tem de mais sublime, lhes disse: “Sede perfeitos, como perfeito é vosso Pai celestial.”
O homem de bem
3. O
verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade,
na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a
si mesmo perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o
bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se
ninguém tem qualquer queixa dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara
lhe fizessem.
Deposita
fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria. Sabe que sem a
sua permissão nada acontece e se lhe submete à vontade em todas as coisas.
Tem
fé no futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens
temporais.
Sabe
que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções são
provas ou expiações e as aceita sem murmurar.
Possuído
do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar
paga alguma; retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e
sacrifica sempre seus interesses à justiça.
Encontra
satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer
ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos
aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si,
é para cuidar dos interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O
egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda
ação generosa.
O
homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de
raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus.
Respeita
nos outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele
não pensam.
Em
todas as circunstâncias, toma por guia a caridade, tendo como certo que aquele
que prejudica a outrem com palavras malévolas, que fere com o seu orgulho e o
seu desprezo a suscetibilidade de alguém, que não recua à ideia de causar um
sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta
ao dever de amar o próximo e não merece a clemência do senhor.
Não
alimenta ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e
esquece as ofensas e só dos benefícios se lembra, por saber que perdoado lhe
será conforme houver perdoado.
É
indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que também necessita de
indulgência e tem presente esta sentença do Cristo: “Atire-lhe a primeira pedra
aquele que se achar sem pecado.”
Nunca
se compraz em rebuscar os defeitos alheios, nem, ainda, em evidenciá-los. Se a
isso se vê obrigado, procura sempre o bem que possa atenuar o mal.
Estuda
suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente em combatê-las. Todos os
esforços emprega para dizer, no dia seguinte, que alguma coisa traz em si de
melhor do que na véspera.
Não
procura dar valor ao seu espírito, nem aos seus talentos, a expensas de outrem;
aproveita, ao revés, todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja
proveitoso aos outros.
Não
se envaidece da sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais, por saber que tudo
o que lhe foi dado pode ser-lhe tirado.
Usa,
mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, sabe que é um depósito de que
terá de prestar contas e que o mais prejudicial emprego que lhe pode dar é o de
aplicá-lo à satisfação de suas paixões.
Se a
ordem social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e
benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa da sua autoridade para
lhes levantar o moral e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo
quanto lhes possa tornar mais penosa a posição subalterna em que se encontram.
O
subordinado, de sua parte, compreende os deveres da posição que ocupa e se
empenha em cumpri-los conscienciosamente. (Cap. XVII, nº 9.)
Finalmente,
o homem de bem respeita todos os direitos que aos seus semelhantes dão as leis
da natureza, como quer que sejam respeitados os seus.
Não
ficam assim enumeradas todas as qualidades que distinguem o homem de bem; mas,
aquele que se esforce por possuir as que acabamos de mencionar, no caminho se
acha que a todas as demais conduz.
Os bons espíritas
4.
Bem compreendido, mas sobretudo bem sentido, o Espiritismo leva aos resultados
acima expostos, que caracterizam o verdadeiro espírita, como o cristão
verdadeiro, pois que um o mesmo é que outro. O Espiritismo não institui nenhuma
nova moral; apenas facilita aos homens a inteligência e a prática da do Cristo,
facultando fé inabalável e esclarecida aos que duvidam ou vacilam.
Muitos,
entretanto, dos que acreditam nos fatos das manifestações não lhes apreendem as
consequências, nem o alcance moral, ou, se os apreendem, não os aplicam a si
mesmos. A que atribuir isso? A alguma falta de clareza da doutrina? Não, pois
que ela não contém alegorias nem figuras que possam dar lugar a falsas
interpretações. A clareza é da sua essência mesma e é donde lhe vem toda a
força, porque a faz ir direto à inteligência. Nada tem de misteriosa e seus
iniciados não se acham de posse de qualquer segredo, oculto ao vulgo.
Será
então necessária, para compreendê-la, uma inteligência fora do comum? Não,
tanto que há homens de notória capacidade que não a compreendem, ao passo que
inteligências vulgares, moços mesmo, apenas saídos da adolescência, lhes
apreendem, com admirável precisão, os mais delicados matizes. Provém isso de
que a parte por assim dizer material da ciência somente requer olhos que
observem, enquanto a parte essencial exige um certo grau de sensibilidade, a
que se pode chamar maturidade do senso moral, maturidade que independe da idade
e do grau de instrução, porque é peculiar ao desenvolvimento, em sentido especial,
do Espírito encarnado.
Nalguns,
ainda muito tenazes são os laços da matéria para permitirem que o Espírito se
desprenda das coisas da Terra; a névoa que os envolve tira-lhes a visão do
infinito, donde resulta não romperem facilmente com os seus pendores, nem com
seus hábitos, não percebendo haja qualquer coisa melhor do que aquilo de que
são dotados. Têm a crença nos Espíritos como um simples fato, mas que nada ou
bem pouco lhes modifica as tendências instintivas. Numa palavra: não divisam
mais do que um raio de luz, insuficiente a guiá-los e a lhes facultar uma
vigorosa aspiração, capaz de lhes sobrepujar as inclinações. Atêm-se mais aos
fenômenos do que à moral, que se lhes parece banal e monótona. Pedem aos
Espíritos que incessantemente os iniciem em novos mistérios, sem procurar saber
se já se tornaram dignos de penetrar os arcanos do Criador. Esses são os
espíritas imperfeitos, alguns dos quais ficam a meio caminho ou se afastam de
seus irmãos em crença, porque recuam ante a obrigação de se reformarem, ou
então guardam as suas simpatias para os que lhes compartilham das fraquezas ou
das prevenções. Contudo, a aceitação do princípio da doutrina é um primeiro
passo que lhes tornará mais fácil o segundo, noutra existência.
Aquele
que pode ser, com razão, qualificado de espírita verdadeiro e sincero, se acha
em grau superior de adiantamento moral. O Espírito, que nele domina de modo
mais completo a matéria, dá-lhe uma percepção mais clara do futuro; os
princípios da doutrina lhe fazem vibrar fibras que nos outros se conservam
inertes. Em suma: é tocado no coração, pelo que inabalável se lhe torna a fé.
Um é qual músico que alguns acordes bastam para comover, ao passo que outro
apenas ouve sons. Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral
e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más. Enquanto um se
contenta com o seu horizonte limitado, outro, que apreende alguma coisa de
melhor, se esforça por desligar-se dele e sempre o consegue, se tem firme a
vontade.
Parábola do semeador
5.
Naquele mesmo dia, tendo saído de casa, Jesus sentou-se à borda do mar; em
torno dele logo reuniu-se grande multidão de gente; pelo que entrou numa barca,
onde sentou-se, permanecendo na margem todo o povo. Disse então muitas coisas
por parábolas, falando-lhes assim:
Aquele
que semeia saiu a semear; e, semeando, uma parte da semente caiu ao longo do
caminho e os pássaros do céu vieram e a comeram. Outra parte caiu em lugares
pedregosos onde não havia muita terra; as sementes logo brotaram, porque
carecia de profundidade a terra onde haviam caído. Mas, levantando-se, o Sol as
queimou e, como não tinham raízes, secaram. Outra parte caiu entre espinheiros
e estes, crescendo, as abafaram. Outra, finalmente, caiu em terra boa e
produziu frutos, dando algumas sementes cem por um, outras sessenta e outras
trinta. Ouça quem tem ouvidos de ouvir. (S. Mateus, 13:1 a 9.)
Escutai,
pois, vós outros a parábola do semeador. Quem quer que escuta a palavra do
reino e não lhe dá atenção, vem o espírito maligno e tira o que lhe fora
semeado no coração. Esse é o que recebeu a semente ao longo do caminho. Aquele
que recebe a semente em meio das pedras é o que escuta a palavra e que a recebe
com alegria no primeiro momento. Mas, não tendo nele raízes, dura apenas algum
tempo. Em sobrevindo reveses e perseguições por causa da palavra, tira ele daí
motivo de escândalo e de queda. Aquele que recebe a semente entre espinheiros é
o que ouve a palavra; mas, em quem, logo, os cuidados deste século e a ilusão
das riquezas abafam aquela palavra e a tornam infrutífera. Aquele, porém, que
recebe a semente em boa terra é o que escuta a palavra, que lhe presta atenção
e em quem ela produz frutos, dando cem ou sessenta, ou trinta por um. (S.
Mateus, 13:18 a 23.)
6. A
parábola do semeador exprime perfeitamente os matizes existentes na maneira de
serem utilizados os ensinos do Evangelho. Quantas pessoas há, com efeito, para
as quais não passa ele de letra morta e que, como a semente caída sobre
pedregulhos, nenhum fruto dá!
Não
menos justa aplicação encontra ela nas diferentes categorias espíritas. Não se
acham simbolizados nela os que apenas atentam nos fenômenos materiais e nenhuma
consequência tiram deles, porque neles mais não veem do que fatos curiosos? Os que
apenas se preocupam com o lado brilhante das comunicações dos Espíritos, pelas
quais só se interessam quando lhes satisfazem à imaginação, e que, depois de as
terem ouvido, se conservam tão frios e indiferentes quanto eram? Os que
reconhecem muito bons os conselhos e os admiram, mas para serem aplicados aos
outros e não a si próprios? Aqueles, finalmente, para os quais essas instruções
são como a semente que cai em terra boa e dá frutos?
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS
O dever
7. O
dever é a obrigação moral da criatura para consigo mesma, primeiro, e, em
seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida. Com ele deparamos nas
mais ínfimas particularidades, como nos atos mais elevados. Quero aqui falar
apenas do dever moral e não do dever que as profissões impõem.
Na
ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de cumprir-se, por se achar em
antagonismo com as atrações do interesse e do coração. Não têm testemunhas as
suas vitórias e não estão sujeitas à repressão suas derrotas. O dever íntimo do
homem fica entregue ao seu livre-arbítrio. O aguilhão da consciência, guardião
da probidade interior, o adverte e sustenta; mas, muitas vezes, mostra-se
impotente diante dos sofismas da paixão. Fielmente observado, o dever do
coração eleva o homem; como determiná-lo, porém, com exatidão? Onde começa ele?
onde termina? O dever principia, para cada um de vós, exatamente no ponto em
que ameaçais a felicidade ou a tranquilidade do vosso próximo; acaba no limite
que não desejais ninguém transponha com relação a vós.
Deus
criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos ou grandes, ignorantes ou
instruídos, sofrem todos pelas mesmas causas, a fim de que cada um julgue em sã
consciência o mal que pode fazer. Com relação ao bem, infinitamente vário nas
suas expressões, não é o mesmo o critério. A igualdade em face da dor é uma
sublime providência de Deus, que quer que todos os seus filhos, instruídos pela
experiência comum, não pratiquem o mal, alegando ignorância de seus efeitos.
O
dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma
que enfrenta as angústias da luta; é austero e brando; pronto a dobrar-se às
mais diversas complicações, conserva-se inflexível diante das suas tentações. O
homem que cumpre o seu dever ama a Deus mais do que as criaturas e ama as
criaturas mais do que a si mesmo. É a um tempo juiz e escravo em causa própria.
O
dever é o mais belo laurel da razão; descende desta como de sua mãe o filho. O
homem tem de amar o dever, não porque preserve de males a vida, males aos quais
a humanidade não pode subtrair-se, mas porque confere à alma o vigor necessário
ao seu desenvolvimento.
O
dever cresce e irradia sob mais elevada forma, em cada um dos estágios
superiores da humanidade. Jamais cessa a obrigação moral da criatura para com
Deus. Tem esta de refletir as virtudes do Eterno, que não aceita esboços
imperfeitos, porque quer que a beleza da sua obra resplandeça a seus próprios
olhos. (Lázaro. Paris, 1863).
A virtude
8. A
virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que
constituem o homem de bem. Ser bom, caritativo, laborioso, sóbrio, modesto, são
qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, quase sempre as acompanham pequenas
enfermidades morais que as desornam e atenuam. Não é virtuoso aquele que faz
ostentação da sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a
modéstia, e tem o vício que mais se lhe opõe: o orgulho. A virtude,
verdadeiramente digna desse nome, não gosta de estadear-se. Adivinham-na; ela,
porém, se oculta na obscuridade e foge à admiração das massas. S. Vicente de
Paulo era virtuoso; eram virtuosos o digno cura d’Ars e muitos outros quase
desconhecidos do mundo, mas conhecidos de Deus. Todos esses homens de bem
ignoravam que fossem virtuosos; deixavam-se ir ao sabor de suas santas inspirações
e praticavam o bem com desinteresse completo e inteiro esquecimento de si
mesmos.
À
virtude assim compreendida e praticada é que vos convido, meus filhos; a essa
virtude verdadeiramente cristã e verdadeiramente espírita é que vos concito a
consagrar-vos. Afastai, porém, de vossos corações tudo o que seja orgulho,
vaidade, amor-próprio, que sempre desadornam as mais belas qualidades. Não
imiteis o homem que se apresenta como modelo e trombeteia, ele próprio, suas
qualidades a todos os ouvidos complacentes. A virtude que assim se ostenta
esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de odiosas
covardias.
Em
princípio, o homem que se exalta, que ergue uma estátua à sua própria virtude,
anula, por esse simples fato, todo mérito real que possa ter. Entretanto, que
direi daquele cujo único valor consiste em parecer o que não é? Admito de boa
mente que o homem que pratica o bem experimenta uma satisfação íntima em seu
coração; mas, desde que tal satisfação se exteriorize, para colher elogios,
degenera em amor-próprio.
Ó
vós todos a quem a fé espírita aqueceu com seus raios, e que sabeis quão longe
da perfeição está o homem, jamais esbarreis em semelhante escolho. A virtude é
uma graça que desejo a todos os espíritas sinceros. Contudo, dir-lhes-ei: Mais
vale pouca virtude com modéstia, do que muita com orgulho. Pelo orgulho é que
as humanidades sucessivamente se hão perdido; pela humildade é que um dia elas
se hão de redimir. (François-Nicolas-Madeleine. Paris, 1863).
Os superiores e os inferiores
9. A
autoridade, tanto quanto a riqueza, é uma delegação de que terá de prestar
contas aquele que se ache dela investido. Não julgueis que lhe seja ela
conferida para lhe proporcionar o vão prazer de mandar; nem, conforme o supõe a
maioria dos potentados da Terra, como um direito, uma propriedade. Deus, aliás,
lhes prova constantemente que não é nem uma nem outra coisa, pois que deles a
retira quando lhe apraz. Se fosse um privilégio inerente às suas
personalidades, seria inalienável. A ninguém cabe dizer que uma coisa lhe
pertence, quando lhe pode ser tirada sem seu consentimento. Deus confere a
autoridade a título de missão, ou de prova, quando o entende, e a retira quando
julga conveniente.
Quem
quer que seja depositário de autoridade, seja qual for a sua extensão, desde a
do senhor sobre o seu servo, até a do soberano sobre o seu povo, não deve
olvidar que tem almas a seu cargo; que responderá pela boa ou má diretriz que
dê aos seus subordinados e que sobre ele recairão as faltas que estes cometam,
os vícios a que sejam arrastados em consequência dessa diretriz ou dos maus
exemplos, do mesmo modo que colherá os frutos da solicitude que empregar para
os conduzir ao bem. Todo homem tem na Terra uma missão, grande ou pequena;
qualquer que ela seja, sempre lhe é dada para o bem; falseá-la em seu princípio
é, pois, falir ao seu desempenho.
Assim
como pergunta ao rico: “Que fizeste da riqueza que nas tuas mãos devera ser um
manancial a espalhar a fecundidade ao teu derredor?”, também Deus inquirirá
daquele que disponha de alguma autoridade: “Que uso fizeste dessa autoridade?
Que males evitaste? Que progresso facultaste? Se te dei subordinados, não foi
para que os fizesses escravos da tua vontade, nem instrumentos dóceis aos teus
caprichos ou à tua cupidez; fiz-te forte e confiei-te os que eram fracos, para
que os amparasses e ajudasses a subir ao meu seio.”
O
superior, que se ache compenetrado das palavras do Cristo, a nenhum despreza
dos que lhe estejam submetidos, porque sabe que as distinções sociais não
prevalecem às vistas de Deus. Ensina-lhe o Espiritismo que, se eles hoje lhe
obedecem, talvez já lhe tenham dado ordens, ou poderão dar-lhas mais tarde, e
que ele então será tratado conforme os haja tratado, quando sobre eles exercia
autoridade.
Mas,
se o superior tem deveres a cumprir, o inferior, de seu lado, também os tem e
não menos sagrados. Se for espírita, sua consciência ainda mais imperiosamente
lhe dirá que não pode considerar-se dispensado de cumpri-los, nem mesmo quando
o seu chefe deixe de dar cumprimento aos que lhe correm, porquanto sabe muito
bem não ser lícito retribuir o mal com o mal e que as faltas de uns não
justificam as de outrem. Se a sua posição lhe acarreta sofrimentos, reconhecerá
que sem dúvida os mereceu, porque, provavelmente, abusou outrora da autoridade
que tinha, cabendo-lhe, portanto, experimentar a seu turno o que fizera
sofressem os outros. Se se vê forçado a suportar essa posição, por não
encontrar outra melhor, o Espiritismo lhe ensina a resignar-se, como
constituindo isso uma prova para a sua humildade, necessária ao seu
adiantamento. Sua crença lhe orienta a conduta e o induz a proceder como
quereria que seus subordinados procedessem para com ele, caso fosse o chefe.
Por isso mesmo, mais escrupuloso se mostra no cumprimento de suas obrigações,
pois compreende que toda negligência no trabalho que lhe está determinado
redunda em prejuízo para aquele que o remunera e a quem deve ele o seu tempo e
os seus esforços. Numa palavra: solicita-o o sentimento do dever, oriundo da
sua fé, e a certeza de que todo afastamento do caminho reto implica uma dívida
que, cedo ou tarde, terá de pagar. (François-Nicolas-Madeleine, Cardeal Morlot.
Paris, 1863).
O homem no mundo
10.
Um sentimento de piedade deve sempre animar o coração dos que se reúnem sob as
vistas do Senhor e imploram a assistência dos bons Espíritos. Purificai, pois,
os vossos corações; não consintais que neles demore qualquer pensamento mundano
ou fútil. Elevai o vosso espírito àqueles por quem chamais, a fim de que,
encontrando em vós as necessárias disposições, possam lançar em profusão a
semente que é preciso germine em vossas almas e dê frutos de caridade e
justiça.
Não
julgueis, todavia, que, exortando-vos incessantemente à prece e à evocação
mental, pretendamos vivais uma vida mística, que vos conserve fora das leis da
sociedade onde estais condenados a viver. Não; vivei com os homens da vossa
época, como devem viver os homens. Sacrificai às necessidades, mesmo às
frivolidades do dia, mas sacrificai com um sentimento de pureza que as possa
santificar.
Sois
chamados a estar em contato com espíritos de naturezas diferentes, de
caracteres opostos: não choqueis a nenhum daqueles com quem estiverdes. Sede
joviais, sede ditosos, mas seja a vossa jovialidade a que provém de uma
consciência limpa, seja a vossa ventura a do herdeiro do céu que conta os dias
que faltam para entrar na posse da sua herança.
Não
consiste a virtude em assumirdes severo e lúgubre aspecto, em repelirdes os
prazeres que as vossas condições humanas vos permitem. Basta reporteis todos os
atos da vossa vida ao Criador que vo-la deu; basta que, quando começardes ou
acabardes uma obra, eleveis o pensamento a esse Criador e lhe peçais, num
arroubo d’alma, ou a sua proteção para que obtenhais êxito, ou a sua bênção
para ela, se a concluístes. Em tudo o que fizerdes, remontai à fonte de todas
as coisas, para que nenhuma de vossas ações deixe de ser purificada e
santificada pela lembrança de Deus.
A perfeição
está toda, como disse o Cristo, na prática da caridade absoluta; mas, os
deveres da caridade alcançam todas as posições sociais, desde o menor até o
maior. Nenhuma caridade teria a praticar o homem que vivesse insulado.
Unicamente no contato com os seus semelhantes, nas lutas mais árduas é que ele
encontra ensejo de praticá-la. Aquele, pois, que se isola priva-se
voluntariamente do mais poderoso meio de aperfeiçoar-se; não tendo de pensar
senão em si, sua vida é a de um egoísta. (Cap. V, n.o 26.)
Não
imagineis, portanto, que, para viverdes em comunicação constante conosco, para
viverdes sob as vistas do Senhor, seja preciso vos cilicieis e cubrais de
cinzas. Não, não, ainda uma vez vos dizemos. Ditosos sede, segundo as
necessidades da humanidade; mas, que jamais na vossa felicidade entre um
pensamento ou um ato que o possa ofender, ou fazer se vele o semblante dos que
vos amam e dirigem. Deus é amor, e aqueles que amam santamente ele os abençoa.
(Um Espírito Protetor.
Bordéus,
1863).
Cuidar do corpo e do Espírito
11.
Consistirá na maceração do corpo a perfeição moral? Para resolver essa questão,
apoiar-me-ei em princípios elementares e começarei por demonstrar a necessidade
de cuidar-se do corpo que, segundo as alternativas de saúde e de enfermidade,
influi de maneira muito importante sobre a alma, que cumpre se considere cativa
da carne. Para que essa prisioneira viva, se expanda e chegue mesmo a conceber
as ilusões da liberdade, tem o corpo de estar são, disposto, forte. Façamos uma
comparação: Eis se acham ambos em perfeito estado; que devem fazer para manter
o equilíbrio entre as suas aptidões e as suas necessidades tão diferentes?
Inevitável parece a luta entre os dois e difícil achar-se o segredo de como
chegarem a equilíbrio.
Dois
sistemas se defrontam: o dos ascetas, que tem por base o aniquilamento do
corpo, e o dos materialistas, que se baseia no rebaixamento da alma. Duas
violências quase tão insensatas uma quanto a outra. Ao lado desses dois grandes
partidos, formiga a numerosa tribo dos indiferentes que, sem convicção e sem
paixão, são mornos no amar e econômicos no gozar. Onde, então, a sabedoria?
Onde, então, a ciência de viver? Em parte alguma; e o grande problema ficaria
sem solução, se o Espiritismo não viesse em auxílio dos pesquisadores,
demonstrando-lhes as relações que existem entre o corpo e a alma e dizendo-lhes
que, por se acharem em dependência mútua, importa cuidar de ambos. Amai, pois,
a vossa alma, porém, cuidai igualmente do vosso corpo, instrumento daquela.
Desatender as necessidades que a própria natureza indica, é desatender a lei de
Deus. Não castigueis o corpo pelas faltas que o vosso livre-arbítrio o induziu
a cometer e pelas quais é ele tão responsável quanto o cavalo mal dirigido,
pelos acidentes que causa. Sereis, porventura, mais perfeitos se, martirizando
o corpo, não vos tornardes menos egoístas, nem menos orgulhosos e mais
caritativos para com o vosso próximo? Não, a perfeição não está nisso: está
toda nas reformas por que fizerdes passar o vosso Espírito. Dobrai-o,
submetei-o, humilhai-o, mortificai-o: esse o meio de o tornardes dócil à
vontade de Deus e o único de alcançardes a perfeição. (Jorge, Espírito
Protetor. Paris, 1863).
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