Quando Zeca Andrade, dinâmico confrade da cidade
paulista de Mogi Mirim, esteve em Uberaba, Minas, a 1º de abril de 1983, na
expectativa de receber, pelo médium Chico Xavier, alguma mensagem de seu
progenitor ao povo de sua cidade, não esperava que ele, Juca Andrade,
desencarnado em 1978, enviasse, em longa carta, tantas informações preciosas,
entremeadas com manifestações de muito carinho aos mogimirianos e com palavras
de afeto e estímulo ao filho e demais companheiros que estão à frente das
múltiplas tarefas assistenciais e doutrinárias que ele plantou na Terra.
Devotado e perseverante seareiro, Juca transmitiu muito amor aos mais
necessitados, apesar de não dispor de muito tempo, pois esteve sempre sobrecarregado
com compromissos familiares — pai de 10 filhos — e profissionais, atuando com
muito zelo na função de conferente da Estação de Estrada de Ferro da Companhia
Mogiana (hoje, Fepasa).
Não será difícil, portanto, entender as razões da assistência
carinhosa que Juca Andrade recebeu do Plano Espiritual, em seu processo
desencarnatório, narrado minuciosamente por ele mesmo, quando, ao lado de
tantos outros grandes espíritas de nosso país, surgiram os dedicados benfeitores
Batuíra e Doutor Bezerra de Menezes, desatando os últimos laços que o prendiam
ao corpo físico. E, logo em seguida, ao levantar-se em Espírito, ele ouviu dos
lábios do "Kardec brasileiro" a frase inesquecível: "Juca, você
está livre”.
Muita coisa por aí pode ter mudado. Inflação,
conflitos administrativos, tabelas de preço e lutas inesperadas vão trazendo
mais lutas, mas Deus não mudou. E o mesmo Pai de Infinito Amor.
Meu caro Zeca, meu filho, aqui estou associado às preces desta casa de fraternidade e paz. Para você e para a nossa gente do "Jesus e Caridade" as minhas notícias não são novidades. Acontece que você e os amigos de Mogi Mirim queriam qualquer página escrita pelas mãos mediúnicas do amigo Chico e não pude esquivar-me. Aliás, não posso esquecer que de Mogi a Uberaba não é distância de um grito. Vamos assim ao que mais nos interessa, porque informações de pai espírita gastam tempo.
Não tenho por onde começar, porque estou na
convivência de vocês todos, agora tanto quanto antes. Às vezes, me dava ao luxo
de pensar que a desencarnação seria descanso. Ideia de burro cansado, porque
sendo a morte um banho de renovação sem milagres, as nossas atividades não
encontrariam por aqui outra ordem que não seja a de marchar para diante. E
marchar sozinho para diante deve ser brinquedo de criança. Estamos todos
ligados uns aos outros, para não dizer acorrentados. O passado fala no presente
e o presente conversará no futuro. Impossível deixar companheiros a distância e
partir sem rumo certo à procura de um céu inexistente, porque os estados de
cada um por dentro da própria alma é que traçam o lugar em que nos encontramos.
Você, meu filho, conhece a extensão de nossos compromissos com a Doutrina
Espírita e por isso compreenderá que em mim coexistem o pai e o trabalhador.
Não posso separar as obrigações de um e outro.
As preces e os cuidados de nossa Carmela me
resguardaram contra qualquer manifestação de receio ou desânimo. Creia, porém,
que falamos talvez muito no Mais Além, sem compreender-lhe as complexidades.
Noto, quase com humor, que o além para mim foi permanecer no mesmo lugar.
Aliás, seria ingratidão desertar da cidade que nos deu e nos dá tanto ainda,
sobretudo, em amor e entendimento.
Reconheci que o meu carinho de pai não deveria
esmorecer. Em nossa agremiação continuam você e a nossa estimada Maria José, o
Dulphe, o Airton e a nossa prezada Sílvia, o Paulo, o Edson, e a nossa Helen
prossegue representando o nosso ponto de serviço mais urgente, pelas
necessidades espirituais em que a filhinha renasceu.
A nossa Carmela é a mesma dedicação maternal que
conhecemos e contamos com vocês na proteção à querida irmã, que as vidas
anteriores não permitem usufruir a atual existência com a precisa segurança.
Confiamos nos filhos amigos e nas noras que o Senhor nos deu por filhas do coração,
e estamos certos de que não seremos desapontados. E, além de nossa Helen, temos
os outros parentes do coração, todos aqueles que se abrigam entre as paredes de
nossa organização.
Muitas vezes surpreendo você a indagar-se sobre a
maneira de vencer na estrada das contas e compromissos. Ainda assim não tema.
Lembre-se de que nos dias mais difíceis, a nossa fé parecia maior e com a nossa
fé mais ampla, o auxílio da Providência Divina, em nossa instituição, fazia
sobrar alegrias e bênçãos.
Muita coisa por aí pode ter mudado. Inflação,
conflitos administrativos, tabelas de preço e lutas inesperadas vão trazendo
mais lutas, mas Deus não mudou. E o mesmo Pai de Infinito Amor que mandava
colocar em nossas mãos tanto a moeda para comprar a farinha, quanto à força
para fazer o pão ou adquiri-lo com segurança.
Não tenham medo da vida para que a vida não tenha
medo de nós. A obra não pode empalidecer. E preciso crescer para auxiliar o
próximo. E creiam vocês todos que, estimulados para o bem de todos, o crescimento
não se nos fará motivo a qualquer vaidade. Tudo aquilo que está feito é a
caridade com Jesus e tudo o que pudermos fazer será sempre Jesus e a Caridade.
No término de minhas forças, acreditei que a fadiga
havia chegado. Não era fadiga. Era desgaste da engrenagem de que me utilizava
para trabalhar sem consultar o relógio. As pernas enfraqueceram de tantas
caminhadas que se somavam umas às outras e o coração balançou no peito, como a
pedir férias. Não conseguia, porém, pensar nisso. A dor não tem dias santos. E
era preciso movimentar-me.
Muitos amigos me consideravam fanático, no entanto,
era necessário fixar-me no que devia efetuar e a conversa, mesmo bonita, de
nada me valia se os diálogos com os amigos não tivessem o adubo da
beneficência.
Cheguei ao fim do corpo, usando remédios por
obrigação, porque nunca admiti outro médico que tivesse mais autoridade que a
de Jesus Cristo. E, por essa razão, entreguei-me aos desígnios dele, nosso
Divino Mestre e Senhor. Estava muito lúcido e atento a fim de observar o que
vinha a ser a última hora do corpo.
Entretanto, nos derradeiros trâmites do meu processo
de liberação, reconheci-me um tanto modificado. Minha visão alterou-se. Pensava
com hesitação. A incerteza me dominava. Em dado momento, vi-me quase devolvido
à condição de criança. Sentia-me no colo da mamãe Albina, e a vó Mariquinha
estava perto. Conversavam comigo, mas eu trazia o pensamento em vocês e nada
escutava. Queria chamar por você e pelo Airton, e ultimar recomendações, mas a
voz estava calada por dentro de mim. Só a atenção me obedecia. Então imaginei
que sonhava. Não era homem para me entregar a qualquer fantasia. Ignorava que
me achava entre duas vidas a lutarem por dentro de mim, uma com a outra. A
visão da mãe Albina me impelia para o Mundo Espiritual, mas as vozes das
crianças, embora de longe, me chamavam para a Terra.
Por fim, cessou a luta e rendi-me sem condições. O
corpo abatido não mais me serviria. Era preciso saber agradecer-lhe quanto me
havia doado em tantos anos abençoados de serviço e atender aos apelos novos.
Como se fosse impressionado por uma paisagem, em cuja realidade não acreditava,
vi amigos chegando...
Você compreenderá como dói observar tantos prodígios
sem possibilidades de comunicar-se com os familiares. Reconheci antigos companheiros
que julguei me visitassem para uma oração de fraternidade e esperança. Eram
eles muitos, mas de momento, lembro-me de que estavam junto de nós o Lameira de
Andrade e o Américo Montagnini; o Onofre e Gracinda Batista, nossos irmãos de
Itapira; o tio Paco, de Avaré; o Marrone, de Campinas; o Cairbar Schutel e
Mariquinha Perche, de Matão; o Romeu do Amaral Camargo, o Vinícius, o Elói
Lacerda e tantos outros amigos.
Eles se davam as mãos em torno de mim, como se
expressassem desse modo o abraço que me transmitiam. Um suave calor me
revigorou as energias e vi o nosso respeitável Bezerra de Menezes ao lado do
nosso Batuíra, que penetrando a roda fraternal, me tocavam no corpo com
gentileza, qual se me cortassem algo na pele insensível. Aquela formação de
amigos entrou em prece, feita em voz alta e, tocado por uma alegria misturada
de dor, ergui-me do corpo, como quem se levantava do leito com recursos
suficientes para saudar os circunstantes. Bezerra de Menezes, com a bondade
paternal que lhe conhecemos, tocou de leve em meus ombros e disse sorrindo:
"Juca, você está livre".
Então compreendi tudo e o velho coração rebentou em
lágrimas. Eu não queria liberdade, queria permanecer caminhando em nossa
querida cidade de Mogi Mirim, de rua em rua, alertando os amigos das boas obras
para que a máquina não parasse. Mas a mãezinha Albina me reconfortou e me convidou
a seguir os amigos, porque não me seria conveniente acompanhar aquele corpo que
encontrara finalmente a parada de repouso. Agradeci, chorando, aquele
companheiro que seguiria para um destino diferente do meu, recordei tudo quanto
me dera em resistência nos dias mais atribulados das nossas tarefas e segui
para fora...
Só então consegui adormecer ignorando de que modo.
Adormeci sonhando com o povo amigo que me tutelou, ou melhor, a todos nos
tutelou com bondade e acordei em outra dimensão da vida, que prossegue sem
pausa. E pedi então a todos os amigos me auxiliassem a voltar para o nosso
refúgio de paz e trabalho, até que obtive permissão para continuar com vocês,
agora. Até quando? Só Deus sabe. O que sei é que a caridade é um processo
desconhecido geralmente no mundo — o processo de sermos felizes, fazendo os
outros consolados e felizes.
Ah! meu filho, quanto puderem façam o bem, com
aquele desprendimento que a nossa Carmela e vocês me ensinaram. Tenho
encontrado vários amigos. A nossa irmã Yolanda vem trabalhando pela paz do
nosso amigo Massucci, e muitas vezes me fala com respeito a ele e aos filhos
queridos. O nosso Guedes continua sendo para mim o companheiro incansável de
sempre.
Filho, mais uma vez peço a vocês pela nossa Helen e vou
terminar. Não posso ser o dono da noite, quando não sou dono nem de mim mesmo.
A todos os nossos familiares e irmãos de ideal e
trabalho, o meu abraço assinalado pelo calor de meu coração reconhecido, e
receba com todos os seus irmãos e com todos os nossos amigos o carinho e a
saudade, a esperança e o devotamento do pai e servidor de sempre em Nosso
Senhor Jesus Cristo.
Sempre reconhecidamente, o velho companheiro,
Juca Andrade
José Antônio Andrade Júnior
Nota: Carta psicografada em reunião pública do Grupo Espírita e Prece, Uberaba, Minas Gerais, na noite de 01/04/1983.
Fonte: Retornaram contando. Francisco Cândido Xavier.
Editora IDE.
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