Mais adiante, no livro A Gênese, Kardec volta ao tema dizendo:
"De todas as Gêneses antigas, a que mais se aproxima dos modernos dados científicos, sem embargo dos erros que contém, postos hoje em evidência, é incontestavelmente a de Moisés. Alguns desses erros são mesmo mais aparentes do que reais e provêm, ou de falsa interpretação atribuída a certos termos, cuja primitiva significação se perdeu, ao passarem de língua em língua pela tradução, ou cuja acepção mudou com os costumes dos povos, ou, também, decorrem da forma alegórica peculiar ao estilo oriental e que foi tomada ao pé da letra, em vez de se lhe procurar o espírito."
"Sobre alguns pontos, há, sem dúvida, notável concordância entre a Gênese mosaica e a doutrina científica; mas, fora erro acreditar que basta se substituam os seis dias de 24 horas da criação por seis períodos indeterminados, para se tornar completa a analogia. Não menor erro seria o acreditar-se que, afora o sentido alegórico de algumas palavras, a Gênese e a Ciência caminham lado a lado, sendo uma, como se vê, simples paráfrase da outra."
Na continuidade deste capítulo XII do mesmo livro A Gênese, Kardec faz uma detalhada comparação entre o que diz a ciência sobre os períodos geológicos de formação planetária e os seis dias da criação conforme as anotações mosaicas, vindo a dizer:
"Desse quadro comparativo, o primeiro fato que ressalta é que a obra de cada um dos seis dias não corresponde de maneira rigorosa, como o supõem muitos, a cada um dos seis períodos geológicos. A concordância mais notável se verifica na sucessão dos seres orgânicos, que é quase a mesma, com pequena diferença, e no aparecimento do homem, por último. É esse um fato importante.
Há também coincidência, não quanto à ordem numérica dos períodos, mas quanto ao fato em si, na passagem em que se lê que, ao terceiro dia, "as águas que estão debaixo do céu se reuniram num só lugar e apareceu o elemento árido". É a expressão do que ocorreu no período terciário, quando as elevações da crosta sólida puseram a descoberto os continentes e repeliram as águas, que foram formar os mares. Foi somente então que apareceram os animais terrestres, segundo a Geologia e segundo Moisés."
Não é nosso objetivo neste
texto singelo fazer comentários mais profundos sobre as considerações de
Kardec, nem muito menos acrescentar algo como interpretação dos textos
mosaicos, apenas mostrar que o Codificador estudava a Bíblia e nos ensinava
como fazer. Deste modo, ele recorre aos termos originais do hebraico várias
vezes para melhor compreender a essência do que queriam dizer os autores
bíblicos, comenta outros textos como os do dilúvio, da perda do paraíso, nos
mostrando ser possível fazer uma exegese fundamentada nos ensinamentos
espíritas e assim muito aprender com esta literatura, que diga-se de passagem é
de ótima qualidade.
E ainda neste mesmo capítulo
de A Gênese reitera o que havia dito
em O Livro dos Espíritos:
"Não rejeitemos, pois, a Gênese bíblica; ao contrário, estudemo-la, como se estuda a história da infância dos povos.
Trata-se de uma época rica de alegorias, cujo sentido oculto se deve pesquisar; que se devem comentar e explicar com o auxílio das luzes da razão e da Ciência. Fazendo, porém, ressaltar as suas belezas poéticas e os seus ensinamentos velados pela forma imaginosa, cumpre se lhe apontem expressamente os erros, no próprio interesse da religião. Esta será muito mais respeitada, quando esses erros deixarem de ser impostos à fé, como verdade, e Deus parecerá maior e mais poderoso, quando não lhe envolverem o nome em fatos de pura invenção."
É sobre o Novo Testamento
que Kardec mais se ocupa com interpretações de grande inteligência. Na
introdução de O Evangelho Segundo o
Espiritismo mostra que esta obra priorizaria o conteúdo moral dos
ensinamentos de Jesus, deixando para outros momentos temas mais polêmicos que
podiam dividir as opiniões. Mesmo assim mostra-nos a importância de fazermos
uma análise histórica, cultural e sociológica daquele período em que Jesus
viveu, e vai mais além, tanto analisando algumas expressões idiomáticas do
hebraico, como fazendo uma conexão entre as filosofias de Sócrates e Platão,
com os ensinamentos de Jesus e com a Doutrina Espírita que surgia.
Nos livros A Gênese e em Obras Póstumas, obra publicada após o seu desenlace, volta ao tema
desta vez analisando à luz do Espiritismo temas, como dissemos anteriormente,
mais polêmicos.
No primeiro Kardec analisa
os ditos “milagres” feitos por Jesus, como curas, ressurreições, profecias,
entre outros. Mostrando-nos que o que foi chamado de milagre nada mais era do
que um desconhecimento do homem sobre algumas leis da natureza. Jesus, por ser
um Espírito de grande evolução, de alta hierarquia espiritual, tinha
conhecimento destas leis e agia consoante a vontade do Pai atuando nas causas
dos problemas, atingindo assim resultados incompreendidos pelo ser humano comum
Kardec teve a coragem de dizer sem perder entendimento em matéria de
religiosidade, que a Lei Divina não pode ser derrogada nem por Jesus e nem
mesmo por Deus, portanto não havia milagres, mas tudo se dava como fruto de
ação consciente num nível mais profundo de espiritualidade.
Já no livro o Codificador
faz um estudo minucioso sobre a natureza de Jesus, mostrando-nos, com maestria,
baseado nas próprias palavras do Mestre e na opinião de suas testemunhas vivas,
os apóstolos, que Jesus não era Deus, e esta crença que surgiu nos séculos
posteriores do cristianismo não tinha fundamentação bíblica e era pura
deturpação dos textos originais das escrituras.
Estes textos devem ser
meditados e estudados por todos os espíritas como resposta àquela questão que
comentamos no início, de que se deve ou não o espírita estudar a Bíblia.
Servindo para outros irmãos ligados a outras crenças religiosas para mostrá-los
que o Espiritismo além de ser uma filosofia cristã também se preocupa em
estudar a Bíblia tendo por exemplo, o seu Codificador.
E mesmo outros estudiosos
dos textos sagrados que realizam importantes comentários sobre as escrituras
citando historiadores e profitentes de várias crenças, deviam conhecer um pouco
mais de Kardec e a sua opinião sobre esta, que como dissemos no início, é uma
das obras mais importantes da literatura mundial.
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