Revoluções do globo
Revoluções gerais ou
parciais
1.
Os períodos geológicos marcam as fases do aspecto geral do globo, em
consequência das suas transformações. Mas, com exceção do período diluviano,
que se caracterizou por uma subversão repentina, todos os demais transcorreram
lentamente, sem transições bruscas. Durante todo o tempo que os elementos
constitutivos do globo levaram para tomar suas posições definitivas, as
mutações houveram de ser gerais. Uma vez consolidada a base, só se devem ter
produzido modificações parciais, na superfície.
2.
Além das revoluções gerais, a Terra experimentou grande número de perturbações
locais, que mudaram o aspecto de certas regiões. Como no tocante às outras duas
causas contribuíram para essas perturbações: o fogo e a água.
O
fogo atuou produzindo: ou erupções vulcânicas que sepultaram, sob espessas
camadas de cinzas e lavas, os terrenos circunjacentes, fazendo desaparecer
cidades com seus habitantes; ou terremotos; ou levantamentos da crosta sólida,
que impeliam as águas para as regiões mais baixas; ou o afundamento, em maior
ou menor extensão, dessa mesma crosta, nalguns lugares, para onde as águas se
precipitaram, deixando em seco outros lugares. Foi assim que surgiram ilhas no
meio do oceano, enquanto outras desapareceram; que porções de continentes se
separaram e formaram ilhas; que braços de mar, secados, ligaram ilhas e
continentes.
Quanto
à água, essa atuou, produzindo: ou a irrupção ou a retirada do mar nalgumas
costas; ou desmoronamentos que, interceptando as correntes líquidas, formaram
lagos; ou transbordamentos e inundações; ou, enfim, aterros nas embocaduras dos
rios. Esses aterros, rechaçando o mar, criaram novos territórios. Tal a origem
do delta do Nilo, ou Baixo Egito; do delta do Ródano ou Camarga.
Idade das montanhas
3.
Examinando-se os terrenos dilacerados pelo erguimento das montanhas e das
camadas que lhes formam os contrafortes, possível se torna determinar-lhes a
idade geológica. Por idade geológica das montanhas, não se deve entender o
número de anos que elas contam de existência, mas o período em que se formaram
e, portanto, a relativa ancianidade que apresentam. Fora errôneo acreditar-se
que semelhante ancianidade corresponde à elevação que lhes é própria, ou à
natureza exclusivamente granítica que revelem, uma vez que a massa de granito,
ao dar-se o seu levantamento, pode ter perfurado e separado as camadas
superpostas.
Comprovou-se
assim, por meio da observação, que as montanhas dos Vosges, da Bretanha e da
Côte-d’Or, na França, que não são muito elevadas, pertencem às mais antigas
formações. Datam do período de transição, senão anteriores aos depósitos de
hulha. O Jura se formou no meado do período secundário; é contemporâneo dos
reptis gigantes. Os Pireneus se formaram mais tarde, no começo do período
terciário. O Monte Branco e o grupo dos Alpes ocidentais são posteriores aos
Pireneus e datam da metade do período terciário. Os Alpes orientais, que
compreendem as montanhas do Tirol, são ainda mais recentes, porquanto só se
formaram pelos fins desse mesmo período. Algumas montanhas da Ásia são mesmo posteriores
ao período diluviano, ou lhe são contemporâneas.
Esses
levantamentos hão de ter ocasionado grandes perturbações locais e inundações
mais ou menos consideráveis, pelo deslocamento das águas, pela interrupção e
mudança do curso dos rios. (1)
(1)
O século XVIII registrou notável exemplo de um fenômeno desse gênero. A seis
dias de marcha da cidade do México, existia, em 1750, uma região fértil e bem
cultivada, onde davam em abundância arroz, milho e bananas. No mês de junho,
pavorosos tremores de terra abalaram o solo, renovando-se continuamente durante
dois meses inteiros. Na noite de 28 para 29 de setembro, violenta convulsão se
produziu; um território de muitas léguas de extensão entrou a erguer-se pouco a
pouco e acabou por alcançar a altitude de 500 pés, numa superfície de 10 léguas
quadradas. O terreno ondulava, como as vagas do mar ao sopro da tempestade,
milhares de montículos se elevavam e afundavam alternativamente; afinal,
abriu-se um abismo de perto de 3 léguas, donde eram lançados à prodigiosa
altura fumo, fogo, pedras esbraseadas e cinzas. Seis montanhas surgiram desse
abismo hiante, entre as quais o vulcão a que foi dado o nome de Jorullo, que
agora se eleva a 550 metros acima da antiga planície. No momento em que
principiaram os abalos do solo, os dois rios Cuitimba e San Pedro, refluindo,
inundaram toda a planície hoje ocupada pelo Jorullo; no terreno, porém, que sem
cessar se elevava, outro sorvedouro se abriu e os absorveu. Os dois
reapareceram mais tarde, a oeste, num ponto muito afastado de seus antigos
leitos. (Lois Figuier, A Terra antes do dilúvio, p. 370.)
Dilúvio bíblico
4. O
dilúvio bíblico, também conhecido pela denominação de “grande dilúvio
asiático”, é fato cuja realidade não se pode contestar. Deve tê-lo ocasionado o
levantamento de uma parte das montanhas daquela região, como o do México.
Corrobora esta opinião a existência de um mar interior, que ia outrora do mar
Negro ao oceano Boreal, comprovada pelas observações geológicas. O mar de Azov,
o mar Cáspio, cujas águas são salgadas, embora nenhuma comunicação tenham com
nenhum outro mar; o lago Aral e os inúmeros lagos espalhados pelas imensas planícies
da Tartália e as estepes da Rússia parecem restos daquele antigo mar. Por
ocasião do levantamento das montanhas do Cáucaso, posterior ao dilúvio
universal, parte daquelas águas foi recalcada para o Norte, na direção do
oceano Boreal; outra parte, para o Sul, em direção ao oceano Índico. Estas
inundaram e devastaram precisamente a Mesopotâmia e toda a região em que habitaram
os antepassados do povo hebreu. Embora esse dilúvio se tenha estendido por uma
superfície muito grande, é atualmente ponto averiguado que ele foi apenas
local; que não pode ter sido causado pela chuva, pois, por muito copiosa que
esta fosse e ainda que se prolongasse por quarenta dias, o cálculo prova que a
quantidade de água caída das nuvens não podia bastar para cobrir toda a terra,
até acima das mais altas montanhas.
Para
os homens de então, que não conheciam mais do que uma extensão muito limitada
da superfície do globo e que nenhuma ideia tinham da sua configuração, desde
que a inundação invadiu os países conhecidos, invadida fora, para eles, a Terra
inteira. Se a essa crença aditarmos a forma imaginosa e hiperbólica da
descrição, forma peculiar ao estilo oriental, já não nos surpreenderá o exagero
da narração bíblica. 5. O dilúvio asiático foi evidentemente posterior ao
aparecimento do homem na Terra, visto que a lembrança dele se conservou pela
tradição em todos os povos daquela parte do mundo, os quais o consagraram em suas
teogonias. (1)
É
igualmente posterior ao grande dilúvio universal que assinalou o início do
atual período geológico. Quando se fala de homens e de animais antediluvianos,
a referência é àquele primeiro cataclismo.
(1)
A lenda indiana sobre o dilúvio refere, segundo o livro dos Vedas, que Brama,
transformado em peixe, se dirigiu ao piedoso monarca Vaivaswata e lhe disse:
“Chegou o momento da dissolução do universo; em breve estará destruído tudo o
que existe na Terra. Tens que construir um navio em que embarcarás, depois de
teres embarcado sementes de todos os vegetais. Esperar-me-ás nesse navio e eu
virei ter contigo, trazendo à cabeça um chifre pelo qual me reconhecerás.” O
santo obedeceu; construiu um navio, embarcou nele e o atou por um cabo muito
forte ao chifre do peixe. O navio foi rebocado durante muitos anos com extrema
rapidez, por entre as trevas de uma tremenda tempestade, abordando, afinal, ao
cume do monte Himawat (Himalaia). Brama ordenou em seguida a Vaivaswata que
criasse todos os seres e com eles povoasse a Terra.
É
flagrante a analogia desta lenda com a narrativa bíblica de Noé. Da Índia ela
passara ao Egito, como uma multidão de outras crenças. Ora, sendo o livro dos
Vedas anteriores ao de Moisés, a narração que naquele se encontra, do dilúvio,
não pode ser uma cópia da deste último. O que é provável é que Moisés, que
aprendera as doutrinas dos sacerdotes egípcios, haja tomado a estes a sua
descrição.
Revoluções periódicas
6.
Além do seu movimento anual em torno do Sol, origem das estações, do seu
movimento de rotação sobre si mesma em 24 horas, origem do dia e da noite, tem
a Terra um terceiro movimento que se completa em cerca de 25.000 anos, ou, mais
exatamente, em 25.868 anos, e que produz o fenômeno denominado, em Astronomia,
precessão dos equinócios (cap. V, item 11). Este movimento, que não se pode
explicar em poucas palavras, sem o auxílio de figuras e sem uma demonstração
geométrica, consiste numa espécie de oscilação circular, que se há comparado à
de um pião a morrer, e por virtude da qual o eixo da Terra, mudando de
inclinação, descreve um duplo cone, cujo vértice está no centro do planeta,
abrangendo as bases desses cones a superfície circunscrita pelos círculos
polares, isto é, uma amplitude de 23 graus e meio de raio.
7. O
equinócio é o instante em que o Sol, passando de um hemisfério a outro, se
encontra perpendicular ao Equador, o que acontece duas vezes por ano, a 21 de
março, quando o Sol passa para o hemisfério boreal, e a 22 de setembro, quando
volta ao hemisfério austral.
Mas
em consequência da gradual mudança na obliquidade do eixo, o que acarreta outra
mudança na obliquidade do Equador sobre a eclíptica, o momento do equinócio
avança cada ano de alguns minutos (25 minutos e 7 segundos). A esse avanço é
que se deu o nome de precessão dos equinócios (do latim praecessĭo, ação de
preceder). Com o tempo, esses poucos minutos fazem horas, dias, meses e anos,
resultando daí que o equinócio da primavera, que agora se verifica no mês de
março, em dado tempo se verificará em fevereiro, depois em janeiro, depois em
dezembro. Então o mês de dezembro terá a temperatura de março e março a de
junho e assim por diante, até que, voltando ao mês de março, as coisas se
encontrarão de novo no estado atual, o que se dará ao cabo de 25.868 anos, para
recomeçar indefinidamente a mesma revolução. (1)
(1)
A precessão dos equinócios ocasiona outra mudança: a que se opera na posição
dos signos do zodíaco. Girando a Terra ao derredor do Sol em um ano, à medida
que ela avança, o Sol, cada mês, se encontra diante de uma constelação. Estas
são em número de doze, a saber: o Carneiro, o Touro, os Gêmeos, o Câncer, o
Leão, a Virgem, a Balança, o Escorpião, o Sagitário, o Capricórnio, o Aquário e
os Peixes. São chamadas constelações zodiacais, ou signos do zodíaco, e formam
um círculo no plano do equador terrestre. Conforme o mês do nascimento de um
indivíduo dizia-se que ele nascera sob tal ou tal signo; daí os prognósticos da
Astrologia. Mas, em virtude da precessão dos equinócios, acontece que os meses
já não correspondem às mesmas constelações. Um que nasça no mês de julho já não
está no signo do Leão, porém, no do Câncer. Cai assim a ideia supersticiosa da
influência dos signos. (Cap. V, item 12.)
8.
Desse movimento cônico do eixo, resulta que os polos da Terra não olham
constantemente os mesmos pontos do céu; que a Estrela Polar não será sempre
estrela polar; que os polos gradualmente se inclinam mais ou menos para o Sol e
recebem dele raios mais ou menos diretos, donde se segue que a Islândia e a
Lapônia, por exemplo, localizadas sob o círculo polar, poderão, em dado tempo,
receber raios solares como se estivessem na latitude da Espanha e da Itália e
que, na posição do extremo oposto, a Espanha e a Itália poderão ter a temperatura
da Islândia e da Lapônia, e assim por diante, a cada renovação do período de
25.000 anos. (Nota de Allan Kardec: O deslocamento gradual das linhas
isotérmicas, fenômeno que a Ciência reconhece de modo tão positivo como o do
deslocamento do mar, é um fato material que apoia esta teoria.)
9.
Ainda não puderam ser determinadas com precisão as consequências deste
movimento, porque somente se há podido observar uma pequena parte da sua
revolução. A respeito, pois, não há mais do que presunções, algumas das quais
com caráter de probabilidade.
Essas
consequências são:
1a O aquecimento e o resfriamento alternativos
dos polos e, por conseguinte, a fusão dos gelos polares durante a metade do
período de 25.000 anos e a nova formação deles durante a outra metade desse período.
Resultaria daí não estarem os polos condenados a uma perpétua esterilidade,
cabendo-lhes gozar a seu turno dos benefícios da fertilidade.
2a O deslocamento gradativo do mar, fazendo-o
invadir pouco a pouco umas terras e pôr a descoberto outras, para de novo as
abandonar, voltando ao seu leito anterior. Esse movimento periódico,
indefinidamente renovado, constituiria uma verdadeira maré universal de 25.000 anos.
A
lentidão com que se opera esse movimento do mar torna-o quase imperceptível para
cada geração. Faz-se, porém, sensível ao cabo de alguns séculos. Nenhum
cataclismo súbito pode ele causar, porque os homens se retiram, de geração em
geração, à proporção que o mar avança, e avançam pelas terras donde o mar se
retira. É a essa causa, mais que provável, que alguns sábios atribuem o
afastamento do mar de certas costas e a invasão de outras por ele.
10.
O deslocamento demorado, gradual e periódico do mar é fato que a experiência
comprova e numerosos exemplos confirmam, em todos os pontos do globo. Tem por
efeito o entretenimento das forças produtivas da Terra. A longa imersão é para
os terrenos um tempo de repouso, durante o qual eles recuperam os princípios
vitais esgotados por uma não menos longa produção. Os imensos depósitos de
matérias orgânicas, formados pela permanência das águas durante séculos e
séculos, são adubações naturais, periodicamente renovadas, e as gerações se
sucedem sem se aperceberem de tais mudanças. (1)
(1)
Entre os fatos mais recentes que provam o deslocamento do mar, podem citar-se
estes:
No
golfo da Gasconha [ou Golfo de Biscaia, separa a costa oeste da França da costa
norte da Espanha], entre o velho Soulac e a Torre de Cordouan, quando o mar
está calmo, percebe-se no fundo da água trechos de muralha: são os restos da
antiga e grande cidade de Noviomagus, invadida pelas ondas em 580. O rochedo de
Cordouan, que se achava então ligado à margem, está agora a 12 quilômetros.
No
mar da Mancha, sobre a costa do Havre, as águas dia a dia ganham terreno e
minam as penedias de Sainte-Adresse, que pouco a pouco desmoronam. A dois
quilômetros da costa entre Sainte-Adresse e o cabo de Hève, existe um banco que
outrora se achava à vista e ligado à terra firme. Antigos documentos atestam
que nesse lugar, por sobre o qual hoje se navega, existia a aldeia de
Saint-Denis-chef-de-Caux. Tendo o mar invadido, no século XIV, o terreno, a
igreja foi tragada em 1378. Dizem que, com bom tempo, se lhe veem os restos no
fundo do mar.
Em
quase toda a extensão do litoral da Holanda, o mar só é contido a poder de
diques, que de tempos a tempos se rompem. O antigo lago de Flevo, que se reuniu
ao mar em 1225, forma hoje o golfo de Zuyderzée. Essa irrupção do oceano tragou
muitas povoações.
Segundo
isto, o território de Paris e da França toda seria de novo ocupado pelo mar,
como já o foi muitas vezes, conforme o demonstram as observações geológicas.
Então, as partes montanhosas formarão ilhas, como o são agora Jersey, Guernesey
e a Inglaterra, outrora contíguas ao continente.
Navegar-se-á
por sobre regiões que atualmente se percorrem de caminho de ferro; os navios
aportarão a Montmartre, ao monte Valeriano, aos outeiros de Saint-Cloud e de
Meudon; os bosques e florestas, agora lugares de passeio, ficarão sepultados
nas águas, cobertos de limo e povoados de peixes, que substituirão as aves.
O
dilúvio bíblico não pode ter tido essa causa, pois que foi repentina a invasão
das águas e de curta duração a permanência delas, ao passo que, de outro modo,
essa permanência houvera sido de muitos milhares de anos e ainda duraria, sem
que os homens dessem por isso.
Cataclismos futuros
11.
As grandes comoções telúricas se têm produzido nas épocas em que a crosta
sólida da Terra, pela sua fraca espessura, quase nenhuma resistência oferecia à
efervescência das matérias em ignição no seu interior. Tais comoções foram
diminuindo à proporção que aquela crosta se consolidava. Numerosos vulcões já
se acham extintos, outros os terrenos de formação posterior soterraram.
Ainda,
certamente, poderão produzir-se perturbações locais, por efeito de erupções
vulcânicas, da eclosão de alguns vulcões novos, de inundações repentinas de
algumas regiões; poderão do mar surgir ilhas e outras ser por ele tragadas; mas
passou o tempo dos cataclismos gerais, como os que assinalaram os grandes períodos
geológicos. A Terra adquiriu uma estabilidade que, sem ser absolutamente
invariável, coloca doravante o gênero humano ao abrigo de perturbações gerais,
a menos que intervenham causas desconhecidas, a ela estranhas e que de modo nenhum
se possam prever. (1)
(1)
N.E.: Em 15/2/2013, cai na Rússia (região dos Montes Urais) um meteoro. A
rocha, estimada em 10 toneladas, entrou na atmosfera e começou a se desfazer; a
onda de choque causada por sua queda quebrou vidraças, balançou prédios,
causando ferimentos em 1.100 pessoas. (Fonte: Jornal O Globo)
12.
Quanto aos cometas, estamos hoje perfeitamente tranquilizados com relação à
influência que exercem, mais salutar do que nociva, por parecerem eles
destinados a reabastecer os mundos, se assim nos podemos exprimir,
trazendo-lhes os princípios vitais que eles armazenam em sua corrida pelo
espaço e com o se aproximarem dos sóis. Assim, pois, seriam antes fontes de
prosperidade, do que mensageiros de desgraças.
A
natureza fluídica, já bem comprovada (cap. VI, itens 28 e seguintes), que lhes
é própria afasta todo receio de choques violentos, porquanto, se um deles
encontrasse a Terra, esta o atravessaria, como se passasse através de um
nevoeiro. (1)
Ainda
menos de temer é a cauda que arrastam, visto que essa mais não é do que a
reflexão da luz solar na imensa atmosfera que os envolve, tanto assim que se
mostra constantemente dirigida para o lado oposto ao Sol, mudando de direção
conformemente à posição deste astro. Essa matéria gasosa também poderia, em
virtude da rapidez com que eles caminham, constituir uma espécie de cabeleira,
semelhante à esteira deixada por um navio em marcha, ou à fumaça de uma
locomotiva. Aliás, muitos cometas já se têm aproximado da Terra, sem lhe
causarem qualquer dano. Em virtude das suas respectivas densidades, a Terra
exerceria sobre o cometa uma atração maior do que a dele sobre ela. Somente uns
restos de velhos preconceitos podem fazer que a presença de um cometa inspire
terror. (Nota de Allan Kardec: O cometa de 1861 atravessou a órbita da Terra
num ponto do qual esta se achava a uma distância de apenas 20 horas. A Terra
esteve, portanto, mergulhada na atmosfera dele, sem que daí resultasse nenhum
acidente.)
(1) Hoje
sabemos que o núcleo cometário é sólido, formado por gelo e rocha, e que um
impacto direto com a Terra ou outro planeta qualquer poderia causar sérios
danos.
13.
Deve-se igualmente lançar ao rol das hipóteses quiméricas a possibilidade do
encontro da Terra com outro planeta. A regularidade e a invariabilidade das
leis que presidem aos movimentos dos corpos celestes tornam carente de toda
probabilidade semelhante encontro. (1)
A
Terra, no entanto, terá um fim. Como? Isso ainda permanece no domínio das
conjeturas; mas, visto estar ela ainda longe da perfeição que pode alcançar e
da vetustez que lhe indicaria o declínio, seus habitantes atuais podem estar
certos de que tal não se dará ao tempo deles. (Cap. VI, item 48 e seguintes.)
(1)
N.E.: O movimento orbital dos planetas em torno do Sol é regido por três
propriedades conhecidas como Leis de Kepler — 1ª Lei: os planetas descrevem elipses das quais
o Sol é um dos focos; 2ª Lei: as áreas
percorridas pelo raio vetor (reta que une um planeta ao Sol), são proporcionais
ao tempo gasto em percorrê-las; 3ª Lei:
os quadrados dos tempos de revolução são proporcionais aos cubos dos semieixos
maiores das órbitas.
14.
Fisicamente, a Terra teve as convulsões da sua infância; entrou agora num
período de relativa estabilidade: na do progresso pacífico, que se efetua pelo
regular retorno dos mesmos fenômenos físicos e pelo concurso inteligente do
homem. Está, porém, ainda, em pleno trabalho de gestação do progresso moral. Aí
residirá a causa das suas maiores comoções. Até que a humanidade se haja
avantajado suficientemente em perfeição, pela inteligência e pela observância
das Leis divinas, as maiores perturbações ainda serão causadas pelos homens,
mais do que pela natureza, isto é, serão antes morais e sociais do que físicas.
Aumento ou diminuição
do volume da Terra
15.
O volume da Terra aumenta, diminui ou permanece estacionário?
Alguns,
para sustentar que o volume da Terra aumenta, se fundam em que as plantas dão
ao solo mais do que dele tiram, o que, se num sentido é exato, noutro não o é.
As plantas se nutrem tanto, e até mais, das substâncias gasosas que haurem na
atmosfera, quanto das que sugam pelas raízes. Ora, a atmosfera faz parte
integrante do globo; os gases que a constituem provêm da decomposição dos
corpos sólidos e estes, recompondo-se, retomam o que lhe haviam dado. É uma
troca, ou, antes, uma perpétua transformação, de tal sorte que, operando-se o
crescimento deles com o auxílio dos elementos constitutivos do globo, os
despojos dos vegetais e dos animais, por muito consideráveis que sejam, não lhe
aumentam de um átomo a massa. Se, por essa causa, a parte sólida do globo aumentasse
de modo permanente, isso se daria à custa da atmosfera, que diminuiria de outro
tanto e acabaria por se tornar imprópria à vida, se não recuperasse, pela
decomposição dos corpos sólidos, o que perde pela composição deles.
Na
origem da Terra, as primeiras camadas geológicas se formaram das matérias
sólidas momentaneamente volatilizadas, por efeito da alta temperatura, e que,
condensadas mais tarde pelo resfriamento, se precipitaram. Incontestavelmente,
elas elevaram um pouco a superfície do solo, mas sem acrescentarem coisa alguma
à massa total, pois que ali apenas havia um deslocamento de matéria. Quando,
expurgada dos elementos que continha em suspensão, a atmosfera se encontrou no
estado normal, as coisas tomaram o curso regular em que depois seguiram. Hoje,
a menor modificação na constituição da atmosfera acarretaria, forçosamente, a
destruição dos atuais habitantes da Terra, mas também é provável que novas
raças se formassem noutras condições.
Considerada
desse ponto de vista, a massa do globo, isto é, a soma das moléculas que
compõem o conjunto de suas partes sólidas, líquidas e gasosas, é
incontestavelmente a mesma, desde a sua origem. Se o globo experimentasse uma
dilatação ou uma condensação, seu volume aumentaria ou diminuiria, sem que a
massa sofresse qualquer alteração. Portanto, se a Terra aumentasse de massa, o
fato seria efeito de uma causa estranha, pois que ela não poderia tirar de si
mesma os elementos necessários ao seu aumento.
Há
uma opinião segundo a qual o globo aumentaria de massa e de volume pelo afluxo
da matéria cósmica interplanetária. Esta ideia nada tem de irracional, mas é
por demais hipotética para ser admitida em princípio. Não passa de um sistema
combatido por sistemas contrários, sobre os quais a Ciência ainda nada
estabeleceu. Eis aqui, a tal respeito, a opinião do eminente Espírito que ditou
os sábios estudos uranográficos insertos acima, no capítulo VI:
“Os
mundos se esgotam pelo envelhecimento e tendem a dissolver- -se para servir de
elementos de formação a outros universos. Restituem pouco a pouco ao fluido
cósmico universal do espaço o que dele tiraram para formar-se. Além disso,
todos os corpos se gastam pelo atrito; o movimento rápido e incessante do globo
através do fluido cósmico dá em resultado diminuir-se-lhe constantemente a
massa, se bem que de quantidade inapreciável em determinado tempo. (1)
“A
existência dos mundos pode, a meu ver, dividir-se em três períodos. — Primeiro
período: condensação da matéria, período esse em que o volume do globo diminui
consideravelmente, conservando-se a mesma massa. É o período da infância. —
Segundo período: contração, solidificação da crosta; eclosão dos germens,
desenvolvimento da vida até a aparição do tipo mais aperfeiçoado. Nesse
momento, o globo está em toda a sua plenitude, é a época da virilidade; ele
perde, mas muito pouco, os seus elementos constitutivos. À medida que seus
habitantes progridem espiritualmente, passa ele ao período de decrescimento
material; sofre perdas, não só em consequência do atrito, mas também pela
desagregação das moléculas, como uma pedra dura que, corroída pelo tempo, acaba
reduzida à poeira. Em seu duplo movimento de rotação e translação, ele entrega
ao espaço parcelas fluidificadas da sua substância, até o momento em que se
completa a sua dissolução.
“Mas,
então, como o poder de atração está na razão direta da massa, não digo do
volume, diminuída a massa do globo, modificam-se as suas condições de
equilíbrio no espaço. Dominado por planetas mais poderosos, aos quais ele não
pode fazer contrapeso, resultam daí desvios nos seus movimentos e, portanto,
também profundas mudanças nas condições da vida em sua superfície. Assim,
nascimento, vida e morte; ou infância, virilidade, decrepitude são as três fases
por que passa toda aglomeração de matéria orgânica ou inorgânica.
Indestrutível, só o Espírito, que não é matéria.” (Galileu, Sociedade de Paris,
1868.)
(1) No
seu movimento de translação em torno do Sol, a velocidade da Terra é de 400
léguas por minuto. Sendo de 9.000 léguas a sua circunferência, em seu movimento
de rotação ao redor do seu eixo, cada ponto do Equador percorre 9.000 léguas em
24 horas, ou 6,3 léguas por minuto.
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