Predições do Evangelho
Ninguém é profeta em sua terra
1. Tendo vindo à sua terra
natal, instruía-os nas sinagogas, de sorte que, tomados de espanto, diziam:
“Donde lhe vieram essa sabedoria e esses milagres? Não é o filho daquele
carpinteiro? Não se chama Maria, sua mãe, e seus irmãos Tiago, José, Simão e
Judas? Suas irmãs não se acham todas entre nós? Donde então lhe vêm todas essas
coisas?” E assim faziam dele objeto de escândalo. Mas Jesus lhes disse: “Um
profeta só não é honrado em sua terra e na sua casa.” E não fez lá muitos
milagres devido à incredulidade deles. (Mateus, 13:54 a 58.)
2. Enunciou Jesus dessa forma
uma verdade que se tornou provérbio, que é de todos os tempos e à qual se
poderia dar maior amplitude, dizendo que ninguém é profeta em vida.
Na linguagem usual, essa máxima
se aplica ao crédito de que alguém goza entre os seus e entre aqueles em cujo
seio vive, à confiança que lhes inspira pela superioridade do saber e da
inteligência. Se ela sofre exceções, são raras estas e, em nenhum caso,
absolutas. O princípio de tal verdade reside numa consequência natural da
fraqueza humana e pode explicar-se deste modo:
O hábito de se verem desde a
infância, em todas as circunstâncias ordinárias da vida, estabelece entre os
homens uma espécie de igualdade material que, muitas vezes, faz que a maioria
deles se negue a reconhecer superioridade moral num de quem foram companheiros
ou comensais, que saiu do mesmo meio que eles e cujas primeiras fraquezas todos
testemunharam. Sofre-lhes o orgulho com o terem de reconhecer o ascendente do
outro. Quem quer que se eleve acima do nível comum está sempre em luta com o
ciúme e a inveja. Os que se sentem incapazes de chegar à altura em que aquele
se encontra esforçam-se para rebaixá-lo, por meio da difamação, da maledicência
e da calúnia; tanto mais forte gritam, quanto menores se acham, crendo que se
engrandecem e o eclipsam pelo arruído que promovem. Tal foi e será a História
da humanidade, enquanto os homens não houverem compreendido a sua natureza
espiritual e alargado seu horizonte moral. Por aí se vê que semelhante
preconceito é próprio dos espíritos acanhados e vulgares, que tomam suas
personalidades por ponto de aferição de tudo.
Doutro lado, toda gente, em geral, faz dos homens apenas conhecidos pelo espírito um ideal que cresce à medida que os tempos e os lugares se vão distanciando. Eles são como que despojados de todo cunho de humanidade; parece que não devem ter falado, nem sentido como os demais; que a linguagem de que usaram e seus pensamentos hão de ter ressoado constantemente no diapasão da sublimidade, sem se lembrarem, os que tal imaginam, que o espírito não poderia permanecer constantemente em estado de tensão e de perpétua superexcitação. No contato da vida privada, vê-se por demais que o homem material em nada se distingue do vulgo. O homem corpóreo, que os sentidos humanos percebem, quase que apaga o homem espiritual, do qual somente o espírito se percebe. De longe, apenas se veem os relâmpagos do gênio; de perto, veem-se as paradas do espírito.
Depois da morte, nenhuma
comparação mais sendo possível, unicamente o homem espiritual subsiste e tanto
maior parece, quanto mais longínqua se torna a lembrança do homem corporal. É
por isso que aqueles cuja passagem pela Terra se assinalou por obras de real
valor são mais apreciados depois de mortos do que quando vivos. São julgados com
mais imparcialidade, porque, já tendo desaparecido os invejosos e os ciosos,
cessaram os antagonismos pessoais. A posteridade é juiz desinteressado no
apreciar a obra do espírito; aceita-a sem entusiasmo cego, se é boa, e a
rejeita sem rancor, se é má, abstraindo da individualidade que a produziu.
Tanto menos podia Jesus escapar
às consequências deste princípio, inerente à natureza humana, quanto pouco
esclarecido era o meio em que Ele vivia, meio esse constituído de criaturas
votadas inteiramente à vida material. Nele, seus compatriotas apenas viam o
filho do carpinteiro, o irmão de homens tão ignorantes quanto Ele e, assim
sendo, não percebiam o que lhe dava superioridade e o investia do direito de os
censurar. Verificando então que a sua palavra tinha menos autoridade sobre os
seus, que o desprezavam, do que sobre os estranhos, preferiu ir pregar para os
que o escutavam e aos quais inspirava simpatia.
Pode-se fazer ideia dos
sentimentos que para com Ele nutriam os que lhe eram aparentados, pelo fato de
que seus próprios irmãos, acompanhados de sua mãe, foram a uma reunião onde Ele
se encontrava, para dele se apoderarem, dizendo que perdera o juízo. (Marcos,
3:20 e 21, 31 a 35; O evangelho segundo o espiritismo, cap. XIV.)
Assim, de um lado, os
sacerdotes e os fariseus o acusavam de trabalhar pelo demônio; de outro, era
tachado de louco pelos seus parentes mais próximos. Não é o que se dá em nossos
dias com relação aos espíritas? E deverão estes queixar-se de que os seus
concidadãos não os tratem melhor do que os de Jesus o tratavam? O que há de
estranhável é que, no século XIX e no seio de nações civilizadas, se dê o que,
há dois mil anos, nada tinha de espantoso, por parte de um povo ignorante.
Morte e paixão de Jesus
3. (Após a cura do lunático) Todos ficaram admirados do grande poder de Deus. E, estando todos presa de
admiração pelo que Jesus fazia, disse Ele a seus discípulos: “Guardai bem nos
vossos corações o que vos vou dizer. O Filho do Homem tem que ser entregue às
mãos dos homens.” Eles, porém, não entendiam essa linguagem; ela lhes era de tal
modo oculta que nada compreendiam daquilo e temiam mesmo interrogá-lo a
respeito. (Lucas, 9:44 e 45.)
4. A partir de então, começou
Jesus a revelar a seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém; que aí tinha de
sofrer muito da parte dos senadores, dos escribas e dos príncipes dos
sacerdotes; que tinha de ser morto e de ressuscitar ao terceiro dia. (Mateus,
16:21.)
5. Estando na Galileia,
disse-lhes Jesus: “O Filho do Homem tem que ser entregue às mãos dos homens; estes lhe darão morte e Ele ressuscitará ao terceiro dia, o que os afligiu
extremamente.” (Mateus, 17:21 e 22.)
6. Ora, indo Jesus a Jerusalém,
chamou de parte seus doze discípulos e lhes disse: “Vamos para Jerusalém e o
Filho do Homem será entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, que o
condenarão à morte e o entregarão aos gentios, a fim de que o tratem com
zombarias, o açoitem e crucifiquem; e Ele ressuscitará ao terceiro dia.”
(Mateus, 20:17 a 19.)
7. Em seguida, tomando de parte
os doze apóstolos, disse-lhes Jesus: “Eis que vamos a Jerusalém e tudo o que os
profetas escreveram acerca do Filho do Homem vai cumprir-se porquanto Ele
será entregue aos gentios, zombarão dele, açoitá- -lo-ão e lhe escarrarão no
rosto. Depois que o tiverem açoitado, matá-lo-ão e Ele ressuscitará ao
terceiro dia.”
Mas eles nada compreenderam de
tudo isso; aquela linguagem lhes era oculta e não entendiam o que Ele lhes
dizia. (Lucas, 18:31 a 34.)
8. Ora, tendo concluído todos
esses discursos, Jesus disse a seus discípulos: “Sabeis que a Páscoa se fará
daqui a dois dias e que o Filho do Homem será entregue para ser crucificado.”
Ao mesmo tempo, os príncipes
dos sacerdotes e os anciãos do povo se reuniram na corte do sumo sacerdote
chamado Caifás e entraram a consultar-se mutuamente, à procura de um meio de
se apoderarem habilmente de Jesus e de fazê-lo morrer. Diziam: “É
absolutamente necessário que não seja durante a festa, para que não se levante
qualquer tumulto no seio do povo.” (Mateus, 26:1 a 5.)
9. No mesmo dia, alguns
fariseus vieram dizer-lhe: “Vai-te, sai deste lugar, pois Herodes quer dar-te à
morte.” Ele respondeu: “Ide dizer a essa raposa: Ainda tenho que expulsar os
demônios e restituir a saúde aos doentes, hoje e amanhã; no terceiro dia, serei
consumado.” (Lucas, 13:31 e 32.)
Perseguição aos apóstolos
10. “Guardai-vos dos homens,
porquanto eles vos farão comparecer nas suas assembleias, e vos farão açoitar
nas suas sinagogas; e sereis apresentados, por minha causa, aos governadores e
aos reis, para lhes servir de testemunhas, bem como às nações.” (Mateus, 10:17
e 18.)
11. “Eles vos expulsarão das
sinagogas e vem o tempo em que aquele que vos fizer morrer julgará fazer coisa
agradável a Deus. Tratar-vos-ão desse modo, porque não conhecem nem a meu
Pai, nem a mim. Ora, digo-vos estas coisas, a fim de que, quando houver
chegado o tempo, vos lembreis de que eu vo-las disse.” (João, 16:1 a 4.)
12. “Sereis traídos e entregues
aos magistrados por vossos pais e vossas mães, por vossos irmãos, por vossos
parentes, por vossos amigos e darão morte a muitos de vós. Sereis odiados de
toda gente, por causa de meu nome. Entretanto, não se perderá um só cabelo de
vossa cabeça. Pela vossa paciência é que possuireis vossas almas.” (Lucas,
21:16 a 19.)
13. (Martírio de Pedro) “Em
verdade, em verdade vos digo que, quando éreis mais moços, vos cingíeis a vós
mesmos e íeis onde queríeis; mas quando fordes velhos, estendereis as mãos e
outro vos cingirá e conduzirá onde não querereis ir.” Ora, Ele dizia isso
para assinalar de que morte Pedro havia de glorificar a Deus. (João, 21:18 e
19.)
Cidades impenitentes
14. Começou então a reprochar
as cidades onde fizera muitos milagres, por não terem feito penitência.
“Ai de ti, Corazim, ai de ti
Betsaida, porque, se os milagres que foram feitos dentro de vós tivessem sido
feitos em Tiro e em Sídon, há muito tempo teriam elas feito penitência com saco
e cinzas. Declaro-vos por isso que, no dia do juízo, Tiro e Sídon serão
tratadas menos rigorosamente do que vós.”
“E tu, Cafarnaum, elevar-te-ás
sempre até o céu? Serás abaixada até o fundo do inferno, porque, se os milagres
que foram feitos dentro de ti houvessem sido feitos em Sodoma, esta ainda
talvez subsistisse hoje. Declaro-te por isso que, no dia do julgamento, a
cidade de Sodoma será tratada menos rigorosamente do que tu.” (Mateus, 11:20 a
24.)
Ruína do Templo e de Jerusalém
15. Quando Jesus saiu do Templo
para ir embora, seus discípulos se acercaram dele para lhe fazerem notar a
estrutura e a grandeza daquele edifício. Ele, porém, lhes disse: “Vedes todas
estas construções? Digo-vos, em verdade, que serão de tal maneira destruídas,
que não ficará pedra sobre pedra.” (Mateus, 24:1 e 2.)
16. Em seguida, tendo chegado
perto de Jerusalém, contemplando a cidade, Ele chorou por ela, dizendo: “Ah!
se, ao menos neste dia que ainda te é concedido, reconhecesses aquele que te
pode proporcionar paz! Mas, agora, tudo isto se acha oculto aos teus olhos. Tempo virá, pois, para ti, desgraçada, em que teus inimigos te cercarão de
trincheiras, te encerrarão e apertarão de todos os lados; em que te deitarão
por terra, a ti e aos teus filhos que estão dentro de ti, e não te deixarão
pedra sobre pedra, porque não reconheceste o tempo em que Deus te visitou.”
(Lucas, 19:41 a 44.)
17. “Entretanto, é preciso que
eu continue a andar hoje e amanhã e o dia seguinte, porquanto necessário é que
nenhum profeta sofra morte noutra parte, que não em Jerusalém.
Jerusalém, Jerusalém! que matas
os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes hei querido
reunir teus filhos, como uma galinha reúne sob as asas seus pintinhos, e não o
quiseste! Aproxima-se o tempo em que vossa casa ficará deserta. Ora, eu, em
verdade, vos digo que doravante não me tornareis a ver, até que digais: Bendito
seja o que vem em nome do Senhor.” (Lucas, 13:33 a 35.)
18. “Quando virdes um exército
cercando Jerusalém, sabei que está próxima a sua destruição. Fujam para as
montanhas os que estiverem na Judeia, retirem-se os que estiverem dentro dela e
nela não entrem os que estiverem na região circunvizinha. Porquanto, esses
dias serão os da vingança, a fim de que se cumpra tudo o que está na Escritura. Ai das que estiverem grávidas nesses dias, visto que este país será
acabrunhado de males e a cólera do céu cairá sobre este povo. Serão passados
a fio de espada; serão levados em cativeiro para todas as nações e Jerusalém
será calcada aos pés pelos gentios, até que se haja preenchido o tempo das
nações.” (Lucas, 21:20 a 24.)
19. (Jesus avançando para o
suplício) Ora, acompanhava-o grande multidão de povo e de mulheres a bater
nos peitos e a chorar. Jesus, então, voltando-se, disse: “Filhas de
Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes por vós mesmas e pelos vossos
filhos porquanto virá tempo em que se dirá: ‘Ditosas as estéreis, as entranhas
que não geraram filhos e os seios que não amamentaram.’ Todos se porão a
dizer às montanhas: ‘Caí sobre nós!’ e às colinas: ‘Cobri-nos!’ Pois, se
tratam deste modo o lenho verde, como será tratado o lenho seco?” (Lucas, 23:27
a 31.)
20. A faculdade de pressentir
as coisas porvindouras é um dos atributos da alma e se explica pela teoria da
presciência. Jesus a possuía, como todos os outros, em grau eminente. Pôde,
portanto, prever os acontecimentos que se seguiriam à sua morte, sem que nesse
fato algo haja de sobrenatural, pois que o vemos reproduzir-se aos nossos
olhos, nas mais vulgares condições. Não é raro que indivíduos anunciem com
precisão o instante em que morrerão; é que a alma deles, no estado de
desprendimento, está como o homem da montanha (cap. XVI, item 1): abarca a
estrada a ser percorrida e lhe vê o termo.
21. Tanto mais assim havia de
dar-se com Jesus, quanto, tendo consciência da missão que viera desempenhar,
sabia que a morte no suplício forçosamente lhe seria a consequência. A visão
espiritual, permanente nele, assim como a penetração do pensamento, haviam de
mostrar-lhe as circunstâncias e a época fatal. Pela mesma razão podia prever a
ruína do Templo, a de Jerusalém, as desgraças que se iam abater sobre seus
habitantes e a dispersão dos judeus.
Maldição contra os fariseus
22. (João Batista) Vendo
muitos fariseus e saduceus que acorriam para ser batizados, ele lhes disse:
“Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da cólera que há de cair sobre vós? Produzi então dignos frutos de penitência; não penseis em dizer de vós para
convosco: ‘Temos Abraão por pai’, porquanto eu vos declaro que Deus pode fazer
que destas próprias pedras nasçam filhos a Abraão. O machado já está posto à
raiz das árvores e toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada
ao fogo.” (Mateus, 3:7 a 10.)
23. “Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas, porque fechais aos homens o reino dos céus; lá não entrais
e ainda vos opondes a que outros entrem!
Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que, a pretexto das vossas longas orações, devorais as casas das
viúvas; tereis por isso um julgamento mais rigoroso! Ai de vós, escribas e
fariseus hipócritas, que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito e
que, depois de o haverdes conseguido, o tornais duas vezes mais digno do
inferno do que vós mesmos!
Ai de vós, condutores de cegos,
que dizeis: ‘Se um homem jura pelo templo, isso nada vale; quem quer, porém,
que jure pelo ouro do templo, fica obrigado a cumprir o seu juramento!’ Insensatos e cegos que sois! A qual se deve mais estimar: ao ouro, ou ao templo
que santifica o ouro? Se um homem, dizeis, jura pelo altar, isso nada vale;
mas aquele que jurar pelo dom que esteja sobre o altar fica obrigado a cumprir
o seu juramento. Cegos que sois! A qual se deve mais estimar, ao dom ou ao
altar que santifica o dom? Aquele, pois, que jura pelo altar jura não só pelo
altar, como por tudo o que está sobre o altar; e aquele que jura pelo templo
jura por aquele que o habita; e aquele que jura pelo céu jura pelo trono de
Deus e por aquele que aí se assenta.
Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e que tendes
abandonado o que há de mais importante na lei, a saber: a justiça, a
misericórdia e a fé! Essas as coisas que deveis praticar, sem, contudo, omitirdes
as outras. Guias cegos, que tendes grande cuidado em coar o que bebeis, por
medo de engolir um mosquito, e que, no entanto, engolis um camelo!
Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que limpais por fora o copo e o prato e que estais por dentro
cheios de rapina e impureza! Fariseus cegos! limpai primeiro o interior do
copo e do prato, a fim de que também o exterior fique limpo.
Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que vos assemelhais a sepulcros caiados, que por fora parecem belos
aos olhos dos homens, mas que, por dentro, estão cheios de ossadas de mortos e
de toda espécie de podridão! Assim, por fora pareceis justos, enquanto que,
por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.
Ai de vós, escribas e fariseus
hipócritas, que erigis túmulos aos profetas e adornais os monumentos dos justos e que dizeis: ‘Se existíssemos no tempo de nossos pais, não nos teríamos
associado a eles para derramar o sangue dos profetas!’ Acabais, pois, assim,
de encher a medida de vossos pais. Serpentes, raça de víboras, como podereis
evitar a condenação ao inferno? Eis que vou enviar-vos profetas, homens de
sabedoria e escribas e matareis a uns, crucificareis a outros e a outros açoitareis
nas vossas sinagogas e os perseguireis de cidade em cidade a fim de que
recaia sobre vós todo o sangue inocente que há sido derramado na Terra, desde o
sangue de Abel, o justo, até o de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes
entre o templo e o altar! Digo-vos, em verdade, que tudo isso virá recair
sobre esta raça que existe hoje.” (Mateus, 23:13 a 36.)
Minhas palavras não passarão
24. Então, aproximando-se dele,
seus discípulos lhe disseram: “Sabes que, ouvindo o que acabaste de dizer, os
fariseus se escandalizaram?” Ele respondeu: “Toda planta que meu Pai
celestial não plantou será arrancada. Deixa-os; são cegos a conduzir cegos;
se um cego guia outro cego, cairão ambos no barranco.” (Mateus, 15:12 a 14.)
25. “O Céu e a Terra passarão,
mas as minhas palavras não passarão.” (Mateus, 24:35.)
26. As palavras de Jesus não
passarão, porque serão verdadeiras em todos os tempos. Será eterno o seu código
de moral, porque consagra as condições do bem que conduz o homem ao seu destino
eterno. Mas terão as suas palavras chegado até nós puras de toda ganga e de
falsas interpretações? Apreenderam-lhes o espírito todas as seitas cristãs?
Nenhuma as terá desviado do verdadeiro sentido, em consequência dos
preconceitos e da ignorância das leis da natureza? Nenhuma as transformou em
instrumento de dominação, para servir às suas ambições e aos seus interesses
materiais, em degrau, não para se elevar ao céu, mas para elevar-se na Terra?
Terão todas adotado como regra de proceder a prática das virtudes, prática da
qual fez Jesus condição expressa de salvação? Estarão todas isentas das
apóstrofes que Ele dirigiu aos fariseus de seu tempo? Todas, finalmente, serão,
assim em teoria, como na prática, expressão pura da sua doutrina?
Sendo uma só, e única, a
verdade não pode achar-se contida em afirmações contrárias e Jesus não
pretendeu imprimir duplo sentido às suas palavras. Se, pois, as diferentes
seitas se contradizem; se umas consideram verdadeiro o que outras condenam como
heresias, impossível é que todas estejam com a verdade. Se todas houvessem
apreendido o sentido verdadeiro do ensino evangélico, todas se teriam
encontrado no mesmo terreno e não existiriam seitas.
O que não passará é o
verdadeiro sentido das palavras de Jesus; o que passará é o que os homens construíram
sobre o sentido falso que deram a essas mesmas palavras.
Tendo por missão transmitir aos
homens o pensamento de Deus, somente a sua doutrina, em toda a pureza, pode
exprimir esse pensamento. Por isso foi que Ele disse: Toda planta que meu Pai
celestial não plantou será arrancada.
A pedra angular
27. “Não lestes jamais isto nas
Escrituras: A pedra que os edificadores rejeitaram se tornou a principal pedra
do ângulo? Foi o que o Senhor fez e nossos olhos o veem com admiração. Por
isso eu vos declaro que o reino de Deus vos será tirado e será dado a um povo
que dele tirará frutos. Aquele que se deixar cair sobre essa pedra se
despedaçará e ela esmagará aquele sobre quem cair.”
Tendo ouvido de Jesus essas
palavras, os príncipes dos sacerdotes reconheceram que era deles que o mesmo
Jesus falava. Quiseram então apoderar-se dele, mas tiveram medo do povo que o
considerava um profeta. (Mateus, 21:42 a 46.)
28. A palavra de Jesus se
tornou a pedra angular, isto é, a pedra de consolidação do novo edifício da fé,
erguido sobre as ruínas do antigo. Havendo os judeus, os príncipes dos
sacerdotes e os fariseus rejeitado essa pedra, ela os esmagou, do mesmo modo
que esmagará os que, depois, a desconheceram, ou lhe desfiguraram o sentido em
prol de suas ambições.
Parábola dos vinhateiros homicidas
29. Havia um pai de família
que, tendo plantado uma vinha, a cercou com uma sebe e, cavando a terra,
construiu uma torre. Arrendou-a depois a uns vinhateiros e partiu para um país
distante.
Ora, estando próximo o tempo
dos frutos, enviou ele seus servos aos vinhateiros, para recolher o fruto da
sua vinha. Os vinhateiros, apoderando-se dos servos, deram num, mataram outro
e a outro apedrejaram. Enviou-lhes ele outros servos em maior número do que os
primeiros e eles os trataram da mesma maneira. Por fim, enviou-lhes seu
próprio filho, dizendo de si para si: “Ao meu filho eles terão algum respeito.” Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram entre si: “Aqui está o
herdeiro; vinde, matemo-lo e ficaremos donos da sua herança.” E, com isso,
pegaram dele, lançaram-no fora da vinha e o mataram.
Quando o dono da vinha vier,
como tratará esses vinhateiros? Responderam-lhe: “Fará que pereçam
miseravelmente esses malvados e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe
entreguem os frutos na estação própria.” (Mateus, 21:33 a 41.)
30. O pai de família é Deus; a
vinha que Ele plantou é a lei que estabeleceu; os vinhateiros a quem arrendou a
vinha são os homens que devem ensinar e praticar a lei; os servos que enviou aos
arrendatários são os profetas que estes últimos massacraram; seu filho, enviado
por último, é Jesus, a quem eles igualmente eliminaram. Como tratará o Senhor
os seus mandatários prevaricadores da lei? Tratá-los-á como seus enviados foram
por eles tratados e chamará outros arrendatários que lhe prestem melhores
contas de sua propriedade e do proceder do seu rebanho.
Assim aconteceu com os
escribas, com os príncipes dos sacerdotes e com os fariseus; assim será, quando
Ele vier de novo pedir a cada um contas do que fez da sua doutrina; retirará
toda a autoridade ao que dela houver abusado, porquanto Ele quer que seu campo
seja administrado de acordo com a sua vontade.
Ao cabo de dezoito séculos,
tendo chegado à idade viril, a humanidade está suficientemente madura para
compreender o que o Cristo apenas esflorou, porque então, como Ele próprio o
disse, não o teriam compreendido. Ora, a que resultado chegaram os que, durante
esse longo período, tiveram a seu cargo a educação religiosa da mesma
humanidade? Ao de verem que a indiferença sucedeu à fé e que a incredulidade se
alçou em doutrina. Em nenhuma outra época, com efeito, o ceticismo e o espírito
de negação estiveram mais espalhados em todas as classes da sociedade.
Mas se algumas das palavras do
Cristo se apresentam encobertas pelo véu da alegoria, pelo que concerne à regra
de proceder, às relações de homem para homem, aos princípios morais a que Ele
expressamente condicionou a salvação, seus ensinos são claros, explícitos, sem
ambiguidade. (O evangelho segundo o espiritismo, cap. XV.)
Que fizeram das suas máximas de
caridade, de amor e de tolerância; das recomendações que fez a seus apóstolos
para que convertessem os homens pela brandura e pela persuasão; da
simplicidade, da humildade, do desinteresse e de todas as virtudes que Ele
exemplificou? Em seu nome, os homens se anatematizaram mutuamente e
reciprocamente se amaldiçoaram; estrangularam-se em nome daquele que disse:
“Todos os homens são irmãos.” Do Deus infinitamente justo, bom e misericordioso
que Ele revelou, fizeram um Deus cioso, cruel, vingativo e parcial; àquele
Deus, de paz e de verdade, sacrificaram nas fogueiras, pelas torturas e
perseguições, muito maior número de vítimas, do que as que em todos os tempos
os pagãos sacrificaram aos seus falsos deuses; venderam-se as orações e as
graças do céu em nome daquele que expulsou do Templo os vendedores e que disse
a seus discípulos: “Dai de graça o que de graça recebestes.”
Que diria o Cristo, se viesse
hoje entre nós? Se visse os que se dizem seus representantes a ambicionar as
honras, as riquezas, o poder e o fausto dos príncipes do mundo, ao passo que
Ele, mais rei do que todos os reis da Terra, fez a sua entrada em Jerusalém
montado num jumento? Não teria o direito de dizer-lhes: “Que fizestes dos meus
ensinos, vós que incensais o bezerro de ouro, que dais a maior parte das vossas
preces aos ricos, reservando uma parte insignificante aos pobres, sem embargo
de haver eu dito: Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros
no reino dos céus?” Mas, se Ele não está carnalmente entre nós, está em
Espírito e, como o senhor da parábola, virá pedir contas aos seus vinhateiros
do produto da sua vinha, quando chegar o tempo da colheita.
Um só rebanho e um só pastor
31. “Tenho ainda outras ovelhas
que não são deste aprisco; é preciso que também a essas eu conduza; elas
escutarão a minha voz e haverá um só rebanho e um único pastor.” (João, 10:16.)
32. Por essas palavras, Jesus
claramente anuncia que os homens um dia se unirão por uma crença única; mas
como poderá efetuar-se essa união? Difícil parecerá isso, tendo-se em vista as
diferenças que existem entre as religiões, o antagonismo que elas alimentam
entre seus adeptos, a obstinação que manifestam em se acreditarem na posse
exclusiva da verdade. Todas querem a unidade, mas cada uma se lisonjeia de que
essa unidade se fará em seu proveito e nenhuma admite a possibilidade de fazer
qualquer concessão, no que respeita às suas crenças.
Entretanto, a unidade se fará
em religião, como já tende a fazer- -se socialmente, politicamente,
comercialmente, pela queda das barreiras que separam os povos, pela assimilação
dos costumes, dos usos, da linguagem. Os povos do mundo inteiro já
confraternizam, como os das províncias de um mesmo império. Pressente-se essa unidade
e todos a desejam. Ela se fará pela força das coisas, porque há de tornar-se uma
necessidade, para que se estreitem os laços da fraternidade entre as nações;
far-se-á pelo desenvolvimento da razão humana, que se tornará apta a
compreender a puerilidade de todas as dissidências; pelo progresso das
ciências, a demonstrar cada dia mais os erros materiais sobre que tais dissidências
assentam e a destacar pouco a pouco das suas fiadas as pedras estragadas.
Demolindo nas religiões o que é obra dos homens e fruto de sua ignorância das
leis da natureza, a Ciência não poderá destruir, malgrado a opinião de alguns,
o que é obra de Deus e eterna verdade. Afastando os acessórios, ela prepara as
vias para a unidade.
A fim de chegarem a esta, as
religiões terão que encontrar-se num terreno neutro, se bem que comum a todas;
para isso, todas terão que fazer concessões e sacrifícios mais ou menos
importantes, conformemente à multiplicidade dos seus dogmas particulares. Mas,
em virtude do processo de imutabilidade que todas professam, a iniciativa das
concessões não poderá partir do campo oficial; em lugar de tomarem no alto o
ponto de partida, tomá-lo-ão embaixo por iniciativa individual. Desde algum tempo,
um movimento se vem operando de descentralização, tendente a adquirir
irresistível força. O princípio da imutabilidade, que as religiões hão sempre
considerado uma égide conservadora, tornar-se-á elemento de destruição, dado
que, imobilizando-se, ao passo que a sociedade caminha para a frente, os cultos
serão ultrapassados e depois absorvidos pela corrente das ideias de progressão.
A imobilidade, em vez de ser
uma força, torna-se uma causa de fraqueza e de ruína para quem não acompanha o
movimento geral; ela quebra a unidade, porque os que querem avançar se separam
dos que se obstinam em permanecer parados.
No estado atual da opinião e
dos conhecimentos, a religião, que terá de congregar um dia todos os homens sob
o mesmo estandarte, será a que melhor satisfaça à razão e às legítimas
aspirações do coração e do espírito; que não seja em nenhum ponto desmentida
pela ciência positiva; que, em vez de se imobilizar, acompanhe a humanidade em
sua marcha progressiva, sem nunca deixar que a ultrapassem; que não for nem
exclusivista, nem intolerante; que for a emancipadora da inteligência, com o não
admitir senão a fé racional; aquela cujo código de moral seja o mais puro, o
mais lógico, o mais de harmonia com as necessidades sociais, o mais apropriado,
enfim, a fundar na Terra o reinado do Bem, pela prática da caridade e da fraternidade
universais.
O que alimenta o antagonismo
entre as religiões é a ideia, generalizada por todas elas, de que cada uma tem
o seu deus particular e a pretensão de que este é o único verdadeiro e o mais
poderoso, em luta constante com os deuses dos outros cultos e ocupado em lhes
combater a influência. Quando elas se houverem convencido de que só existe um
Deus no universo e que, em definitiva, Ele é o mesmo que elas adoram sob os
nomes de Jeová, Alá ou Deus; quando se puserem de acordo sobre os atributos essenciais
da Divindade, compreenderão que, sendo um único o Ser, uma única tem que ser a
vontade suprema; estender-se-ão as mãos umas às outras, como os servidores de
um mesmo Mestre e os filhos de um mesmo Pai e, assim, grande passo terão dado
para a unidade.
Advento de Elias
33. Então, seus discípulos lhe
perguntaram: “Por que, pois, dizem os escribas ser preciso que, antes, venha
Elias?” Jesus lhes respondeu: “É certo que Elias tem de vir e que
restabelecerá todas as coisas.
Mas eu vos declaro que Elias já
veio e eles não o conheceram; antes o trataram como lhes aprouve. É assim que
farão morrer o Filho do Homem.”
Então, seus discípulos
compreenderam que era de João Batista que Ele lhes falara. (Mateus, 17:10 a
13.)
34. Elias já voltara na pessoa
de João Batista. Seu novo advento é anunciado de modo explícito. Ora, como ele
não pode voltar, senão tomando um novo corpo, aí temos a consagração formal do
princípio da pluralidade das existências. (O evangelho segundo o espiritismo,
cap. IV, item 10.)
Anunciação do Consolador
35. “Se me amais, guardai os
meus mandamentos e eu pedirei a meu Pai e Ele vos enviará outro Consolador, a
fim de que fique eternamente convosco: O Espírito de Verdade que o mundo não
pode receber, porque não o vê; vós, porém, o conhecereis, porque permanecerá
convosco e estará em vós. Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, que meu
Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e fará vos lembreis de
tudo o que vos tenho dito.” (João, 14:15 a 17 e 26; O evangelho segundo o
espiritismo, cap. VI.)
36. “Entretanto, digo-vos a
verdade: Convém que eu me vá, porquanto, se eu não me for, o Consolador não vos
virá; eu, porém, me vou e vo-lo enviarei. E, quando ele vier, convencerá o
mundo no que respeita ao pecado, à justiça e ao juízo; no que respeita ao
pecado, por não terem acreditado em mim; no que respeita à justiça, porque me
vou para meu Pai e não mais me vereis; no que respeita ao juízo, porque já está
julgado o príncipe deste mundo.
Tenho ainda muitas coisas a
dizer-vos, mas presentemente não as podeis suportar.
Quando vier esse Espírito de
Verdade, ele vos ensinará toda a verdade, porquanto não falará de si mesmo, mas
dirá tudo o que tenha escutado e vos anunciará as coisas porvindouras.
Ele me glorificará, porque receberá
do que está em mim e vo-lo anunciará.” (João, 16:7 a 14.)
37. Esta predição, não há
contestar, é uma das mais importantes, do ponto de vista religioso, porquanto
comprova, sem a possibilidade do menor equívoco, que Jesus não disse tudo o que
tinha a dizer, pela razão de que não o teriam compreendido nem mesmo seus
apóstolos, visto que a eles é que o Mestre se dirigia. Se lhes houvesse dado
instruções secretas, os Evangelhos fariam referência a tais instruções. Ora,
desde que Ele não disse tudo a seus apóstolos, os sucessores destes não terão
podido saber mais do que eles, com relação ao que foi dito; ter-se-ão
possivelmente enganado, quanto ao sentido das palavras do Senhor, ou dado
interpretação falsa aos seus pensamentos, muitas vezes velados sob a forma
parabólica. As religiões que se fundaram no Evangelho não podem, pois, dizer-se
possuidoras de toda a verdade, porquanto Ele, Jesus, reservou para si a completação
ulterior de seus ensinamentos. O princípio da imutabilidade, em que elas se
firmam, constitui um desmentido às próprias palavras do Cristo.
Sob o nome de Consolador e de
Espírito de Verdade, Jesus anunciou a vinda daquele que havia de ensinar todas
as coisas e de lembrar o que Ele dissera. Logo, não estava completo o seu
ensino. E, ao demais, prevê não só que ficaria esquecido, como também que seria
desvirtuado o que por Ele fora dito, visto que o Espírito de Verdade viria tudo
lembrar e, de combinação com Elias, restabelecer todas as coisas, isto é,
pô-las de acordo com o verdadeiro pensamento de seus ensinos.
38. Quando terá de vir esse
novo revelador? É evidente que se, na época em que Jesus falava, os homens não
se achavam em estado de compreender as coisas que lhe restavam a dizer, não
seria em alguns anos apenas que poderiam adquirir as luzes necessárias a
entendê-las. Para a inteligência de certas partes do Evangelho, excluídos os
preceitos morais, faziam-se mister conhecimentos que só o progresso das
ciências facultaria e que tinham de ser obra do tempo e de muitas gerações. Se,
portanto, o novo Messias tivesse vindo pouco tempo depois do Cristo, houvera encontrado
o terreno ainda nas mesmas condições e não teria feito mais do que o mesmo
Cristo. Ora, desde aquela época até os nossos dias, nenhuma grande revelação se
produziu que haja completado o Evangelho e elucidado suas partes obscuras,
indício seguro de que o Enviado ainda não aparecera.
39. Qual deverá ser esse
Enviado? Dizendo: “Pedirei a meu Pai e Ele vos enviará outro Consolador”, Jesus
claramente indica que esse Consolador não seria Ele, pois, do contrário,
dissera: “Voltarei a completar o que vos tenho ensinado.” Não só tal não disse,
como acrescentou: “A fim de que fique eternamente convosco e ele estará em
vós.” Esta proposição não poderia referir-se a uma individualidade encarnada,
visto que não poderia ficar eternamente conosco, nem, ainda menos, estar em
nós; compreendemo-la, porém, muito bem com referência a uma doutrina, a qual,
com efeito, quando a tenhamos assimilado, poderá estar eternamente em nós. O
Consolador é, pois, segundo o pensamento de Jesus, a personificação de uma
doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de
Verdade.
40. O Espiritismo realiza, como
ficou demonstrado (cap. I, item 30), todas as condições do Consolador que Jesus
prometeu. Não é uma doutrina individual, nem de concepção humana; ninguém pode
dizer-se seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos, ensino a que
preside o Espírito de Verdade. Nada suprime do Evangelho: antes o completa e elucida.
Com o auxílio das novas leis que revela, conjugadas essas leis às que a Ciência
já descobrira, faz se compreenda o que era ininteligível e se admita a
possibilidade daquilo que a incredulidade considerava inadmissível. Teve
precursores e profetas, que lhe pressentiram a vinda. Pela sua força
moralizadora, ele prepara o reinado do bem na Terra.
A doutrina de Moisés,
incompleta, ficou circunscrita ao povo judeu; a de Jesus, mais completa, se
espalhou por toda a Terra, mediante o Cristianismo, mas não converteu a todos;
o Espiritismo, ainda mais completo, com raízes em todas as crenças, converterá
a humanidade.
41. Dizendo a seus apóstolos:
“Outro virá mais tarde, que vos ensinará o que agora não posso ensinar”,
proclamava Jesus a necessidade da reencarnação. Como poderiam aqueles homens
aproveitar do ensino mais completo que ulteriormente seria ministrado; como
estariam aptos a compreendê-lo, se não tivessem de viver novamente? Jesus
houvera proferido uma coisa inconsequente se, de acordo com a doutrina vulgar,
os homens futuros houvessem de ser homens novos, almas saídas do nada por
ocasião do nascimento. Admita-se, ao contrário, que os apóstolos e os homens do
tempo deles tenham vivido depois; que ainda hoje revivem, e plenamente
justificada estará a promessa de Jesus. Tendo-se desenvolvido ao contato do
progresso social, a inteligência deles pode presentemente comportar o que então
não podia. Sem a reencarnação a promessa de Jesus fora ilusória.
42. Se disserem que essa
promessa se cumpriu no dia de Pentecostes, por meio da descida do Espírito
Santo, poder-se-á responder que o Espírito Santo os inspirou, que lhes
desanuviou a inteligência, que desenvolveu neles as aptidões mediúnicas
destinadas a facilitar-lhes a missão, porém que nada lhes ensinou além daquilo
que Jesus já ensinara, porquanto, no que deixaram, nenhum vestígio se encontra
de um ensinamento especial. O Espírito Santo, pois, não realizou o que Jesus anunciara
relativamente ao Consolador; a não ser assim, os apóstolos teriam elucidado o
que, no Evangelho, permaneceu obscuro até o dia de hoje e cuja interpretação
contraditória deu origem às inúmeras seitas que dividiram o Cristianismo desde
os primeiros séculos.
Diz-se: o Moisaísmo, o Cristianismo, o Maometismo, o Budismo, o Cartesianismo, o Furrierismo, o Sansimonismo etc. A palavra Espiritismo, ao contrário, não lembra nenhuma personalidade; encerra uma ideia geral, que ao mesmo tempo indica o caráter e o tronco multíplice da Doutrina.
Segundo advento do Cristo
43. Disse então Jesus a seus
discípulos: “Se algum quiser vir nas minhas pegadas, renuncie a si mesmo, tome
a sua cruz e siga-me porquanto, aquele que quiser salvar a vida a perderá e
aquele que perder a vida por amor de mim a encontrará de novo.
De que serviria a um homem
ganhar o mundo inteiro e perder a alma? Ou por que preço poderá o homem comprar
sua alma, depois de a ter perdido? Porque, o Filho do Homem há de vir na
glória de seu Pai, com seus anjos, e então dará a cada um segundo as suas
obras.
Digo-vos, em verdade, que
alguns daqueles que aqui se encontram não sofrerão a morte, sem que tenham
visto vir o Filho do homem no seu reino.” (Mateus, 16:24 a 28.)
44. Então, levantando-se do
meio da assembleia, o sumo sacerdote interrogou a Jesus desta forma: “Nada
respondes ao que estes depõem contra ti?” Mas Jesus se conservava em silêncio
e não respondeu. Interrogou-o de novo o sumo sacerdote: “És o Cristo, o Filho
de Deus para sempre Bendito?” Jesus lhe respondeu: “Eu o sou e vereis um dia
o Filho do Homem assentado à direita da majestade de Deus e vindo sobre as
nuvens do céu.”
Logo o sumo sacerdote, rasgando
as vestes, lhe diz: “Que necessidade temos de mais testemunhos?” (Marcos, 16:60
a 63.)
45. Jesus anuncia o seu segundo
advento, mas não diz que voltará à Terra com um corpo carnal, nem que
personificará o Consolador. Apresenta-se como tendo de vir em Espírito, na
glória de seu Pai, a julgar o mérito e o demérito e dar a cada um segundo as
suas obras, quando os tempos forem chegados.
Estas palavras: “Alguns há dos
que aqui estão que não sofrerão a morte sem terem visto vir o Filho do Homem no
seu reinado” parecem encerrar uma contradição, pois é incontestável que Ele não
veio em vida de nenhum daqueles que estavam presentes. Jesus, entretanto, não
podia enganar-se numa previsão daquela natureza e, sobretudo, com relação a uma
coisa contemporânea e que lhe dizia pessoalmente respeito. Há, primeiro, que
indagar se suas palavras foram sempre reproduzidas fielmente. É de duvidar-se,
desde que se considere que Ele nada escreveu; que elas só foram registradas
depois de sua morte; que o mesmo discurso cada evangelista o exarou em termos
diferentes, o que constitui prova evidente de que as expressões de que eles se
serviram não são textualmente as de que se serviu Jesus. Além disso, é provável
que o sentido tenha sofrido alterações ao passar pelas traduções sucessivas.
Por outro lado, é indubitável
que, se Jesus houvesse dito tudo o que pudera dizer, Ele se teria expressado
sobre todas as coisas de modo claro e preciso, sem dar lugar a qualquer
equívoco, conforme o fez com relação aos princípios de moral, ao passo que foi
obrigado a velar o seu pensamento acerca dos assuntos que não julgou
conveniente aprofundar. Persuadidos de que a geração de que faziam parte
testemunharia o que Ele anunciava, os discípulos foram levados a interpretar o
pensamento de Jesus de acordo com aquela ideia. Assim é que redigiram do ponto
de vista do presente o que o Mestre dissera, fazendo-o de maneira mais absoluta
do que Ele próprio o teria feito. Seja como for, o fato é que as coisas não se
passaram como eles o supuseram.
46. A grande e importante lei
da reencarnação foi um dos pontos capitais que Jesus não pôde desenvolver, porque
os homens do seu tempo não se achavam suficientemente preparados para ideias
dessa ordem e para as suas consequências. Contudo, assentou o princípio da
referida lei, como o fez relativamente a tudo mais. Estudada e posta em
evidência nos dias atuais pelo Espiritismo, a lei da reencarnação constitui a
chave para o entendimento de muitas passagens do Evangelho que, sem ela,
parecem verdadeiros contrassensos.
É por meio dessa lei que se
encontra a explicação racional das palavras acima, admitidas que sejam como
textuais. Uma vez que elas não podem ser aplicadas às pessoas dos apóstolos, é
evidente que se referem ao futuro reinado do Cristo, isto é, ao tempo em que a
sua doutrina, mais bem compreendida, for lei universal. Dizendo que alguns dos
ali presentes na ocasião veriam o seu advento, Ele forçosamente se referia aos
que estarão vivos de novo nessa época. Os judeus, porém, imaginavam que lhes
seria dado ver tudo o que Jesus anunciava e tomavam ao pé da letra suas frases
alegóricas.
Aliás, algumas de suas
predições se realizaram no devido tempo, tais como a ruína de Jerusalém, as
desgraças que se lhe seguiram e a dispersão dos judeus. Sua visão, porém, se
projetava muito mais longe, de sorte que, quando falava do presente, sempre
aludia ao futuro.
Sinais precursores
47. Também ouvireis falar de
guerra e de rumores de guerra; tratai de não vos perturbardes, porquanto é
preciso que essas coisas se deem; mas ainda não será o fim pois ver-se-á povo
levantar-se contra povo e reino contra reino; e haverá pestes, fomes e tremores
de terra em diversos lugares todas essas coisas serão apenas o começo das
dores. (Mateus, 24:6 a 8.)
48. Então, o irmão entregará o
irmão para ser morto; os filhos se levantarão contra seus pais e suas mães e os
farão morrer. Sereis odiados de toda a gente por causa do meu nome; mas
aquele que perseverar até o fim será salvo. (Marcos, 13:12 e 13.)
49. Quando virdes que a
abominação da desolação, que foi predita pelo profeta Daniel, está no lugar
santo (que aquele que lê entenda bem o que lê); fujam então para as montanhas
os que estiverem na Judeia; não desça aquele que estiver no telhado, para
levar de sua casa qualquer coisa; e não volte para apanhar suas roupas aquele
que estiver no campo. Mas ai das mulheres que estiverem grávidas ou
amamentando nesses dias. Pedi a Deus que a vossa fuga não se dê durante o
inverno, nem em dia de sábado porquanto a aflição desse tempo será tão
grande, como ainda não houve igual desde o começo do mundo até o presente e
como nunca mais haverá. E se esses dias não fossem abreviados, nenhum homem
se salvaria; mas esses dias serão abreviados em favor dos eleitos. (Mateus,
24:15 a 22.)
50. Logo depois desses dias de
aflição, o Sol se obscurecerá e a Lua deixará de dar sua luz; as estrelas cairão
do céu e as potestades dos céus serão abaladas.
Então, o sinal do Filho do
Homem aparecerá no céu e todos os povos da Terra estarão em prantos e em
gemidos e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu com grande
majestade.
Ele enviará seus anjos, que
farão ouvir a voz retumbante de suas trombetas e que reunirão seus eleitos dos
quatro cantos do mundo, de uma extremidade a outra do céu.
Aprendei uma comparação tirada da figueira. Quando seus ramos já estão tenros e dão folhas, sabeis que está próximo o estio. Do mesmo modo quando virdes todas essas coisas, sabei que vem próximo o Filho do homem, que Ele se acha como que à porta.
Digo-vos, em verdade, que esta
raça não passará, sem que todas essas coisas se tenham cumprido. (Mateus, 24:29
a 34.)
E acontecerá no advento do
Filho do homem o que aconteceu ao tempo de Noé pois, como nos últimos tempos
antes do dilúvio, os homens comiam e bebiam, se casavam e casavam seus filhos,
até o dia em que Noé entrou na arca; e assim como eles não conheceram o momento
do dilúvio, senão quando este sobreveio e arrebatou toda a gente, assim também
será no advento do Filho do Homem. (Mateus, 24:37 a 39.)
51. Quanto a esse dia e a essa
hora, ninguém o sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, mas somente o
Pai. (Marcos, 13:32.)
52. Em verdade, em verdade vos
digo: chorareis e gemereis, e o mundo se rejubilará; estareis em tristeza, mas
a vossa tristeza se mudará em alegria. Uma mulher, quando dá à luz, está em
dor, porque é vinda a sua hora; mas depois que ela dá à luz um filho, não mais
se lembra de todos os males que sofreu, pela alegria que experimenta de haver
posto no mundo um homem. É assim que agora estais em tristeza; mas, eu vos
verei de novo e o vosso coração rejubilará e ninguém vos arrebatará a vossa
alegria. (João, 16:20 a 22.)
53. Levantar-se-ão muitos
falsos profetas que seduzirão a muitas pessoas; e, porque abundará a
iniquidade, a caridade de muitos esfriará; mas aquele que perseverar até o
fim será salvo. E este Evangelho do reino será pregado em toda a Terra, para
servir de testemunho a todas as nações. É então que o fim chegará. (Mateus,
24:11 a 14.)
54. É evidentemente alegórico
este quadro do fim dos tempos, como a maioria dos que Jesus compunha. Pelo seu
vigor, as imagens que Ele encerra são de natureza a impressionar inteligências
ainda rudes. Para tocar fortemente aquelas imaginações pouco sutis, eram
necessárias pinturas vigorosas, de cores bem acentuadas. Ele se dirigia
principalmente ao povo, aos homens menos esclarecidos, incapazes de compreender
as abstrações metafísicas e de apanhar a delicadeza das formas. A fim de
atingir o coração, fazia-se-lhe mister falar aos olhos, com o auxílio de sinais
materiais, e aos ouvidos, por meio da força da linguagem.
Como consequência natural daquela
disposição de espírito, à suprema potestade, segundo a crença de então, não era
possível manifestar-se, a não ser por meio de fatos extraordinários,
sobrenaturais. Quanto mais impossíveis fossem esses fatos, tanto mais
facilmente aceita era a probabilidade deles.
O Filho do Homem, a vir sobre
nuvens, com grande majestade, cercado de seus anjos e ao som de trombetas, lhes
parecia de muito maior imponência, do que a simples vinda de uma entidade
investida apenas de poder moral. Por isso mesmo, os judeus, que esperavam no
Messias um rei terreno, mais poderoso do que todos os outros reis, destinado a
colocar- -lhes a nação à frente de todas as demais e a reerguer o trono de Davi
e de Salomão, não quiseram reconhecê-lo no humilde filho de um carpinteiro, sem
autoridade material.
No entanto, aquele pobre
proletário da Judeia se tornou o maior entre os grandes; conquistou para a sua
soberania maior número de reinos, do que os mais poderosos potentados;
exclusivamente com a sua palavra e o concurso de alguns miseráveis pescadores,
revolucionou o mundo e a Ele é que os judeus virão a dever sua reabilitação.
Disse, pois, uma verdade, quando, respondendo a esta pergunta de Pilatos: “És
rei?” respondeu: “Tu o dizes.”
55. É de notar-se que, entre os
antigos, os tremores de terra e o obscurecimento do Sol eram acessórios
forçados de todos os acontecimentos e de todos os presságios sinistros. Com
eles deparamos, por ocasião da morte de Jesus, da de César e num sem-número de
outras circunstâncias da história do paganismo. Se tais fenômenos se houvessem
produzido tão amiudadas vezes quantas são relatados, fora de ter-se por
impossível que os homens não houvessem guardado deles lembrança pela tradição.
Aqui, acrescenta-se a queda de estrelas do céu, como que a mostrar às gerações
futuras, mais esclarecidas, que não há nisso senão uma ficção, pois que agora se
sabe que as estrelas não podem cair.
56. Entretanto, sob essas
alegorias, grandes verdades se ocultam. Há, primeiramente, a predição das
calamidades de todo gênero que assolarão e dizimarão a humanidade, calamidades
decorrentes da luta suprema entre o bem e o mal, entre a fé e a incredulidade,
entre as ideias progressistas e as ideias retrógradas. Há, em segundo lugar, a
da difusão, por toda a Terra, do Evangelho restaurado na sua pureza primitiva;
depois, a do reinado do bem, que será o da paz e da fraternidade universais, a
derivar do código de moral evangélica, posto em prática por todos os povos.
Será, verdadeiramente, o reino de Jesus, pois que Ele presidirá à sua implantação,
passando os homens a viver sob a égide da sua lei. Será o reinado da
felicidade, porquanto diz Ele que “depois dos dias de aflição, virão os de
alegria”.
57. Quando sucederão tais
coisas? “Ninguém o sabe” diz Jesus, “nem mesmo o Filho.” Mas, quando chegar o
momento, os homens serão advertidos por meio de sinais precursores. Esses
indícios, porém, não estarão nem no Sol, nem nas estrelas; mostrar-se-ão no
estado social e nos fenômenos mais de ordem moral do que físicos e que, em
parte, se podem deduzir das suas alusões.
É indubitável que aquela
mutação não poderia operar-se em vida dos apóstolos, pois, do contrário, Jesus
não lhe desconheceria o momento. Aliás, semelhante transformação não era
possível se desse dentro de apenas alguns anos. Contudo, dela lhes fala como se
eles a houvessem de presenciar; é que, com efeito, eles poderão estar
reencarnados quando a transformação se der e, até, colaborar na sua efetivação.
Ele ora fala da sorte próxima de Jerusalém, ora toma esse fato por ponto de referência
ao que ocorreria no futuro.
58. Será que, predizendo a sua
segunda vinda, era o fim do mundo o que Jesus anunciava, dizendo: “Quando o
Evangelho for pregado por toda a Terra, então é que virá o fim?”
Não é racional se suponha que
Deus destrua o mundo precisamente quando ele entre no caminho do progresso
moral, pela prática dos ensinos evangélicos. Nada, aliás, nas palavras do
Cristo, indica uma destruição universal que, em tais condições, não se
justificaria.
Devendo a prática geral do
Evangelho determinar grande melhora no estado moral dos homens, ela, por isso
mesmo, trará o reinado do bem e acarretará a queda do mal. É, pois, o fim do
mundo velho, do mundo governado pelos preconceitos, pelo orgulho, pelo egoísmo,
pelo fanatismo, pela incredulidade, pela cupidez, por todas as paixões
pecaminosas, que o Cristo aludia, ao dizer: “Quando o Evangelho for pregado por
toda a Terra, então é que virá o fim.” Esse fim, porém, para chegar,
ocasionaria uma luta e é dessa luta que advirão os males por Ele previstos.
Vossos filhos e vossas filhas profetizarão
59. Nos últimos tempos, diz o
Senhor, espalharei do meu espírito por sobre toda a carne; vossos filhos e
vossas filhas profetizarão; vossos jovens terão visões e vossos velhos terão
sonhos. Nesses dias, espalharei do meu espírito sobre os meus servidores e
servidoras e eles profetizarão. (Atos, 2:17 e 18; Joel, 2:28 e 29.)
60. Se considerarmos o estado
atual do mundo físico e do mundo moral, as tendências, aspirações e
pressentimentos das massas, a decadência das ideias antigas que em vão se
debatem há um século contra as ideias novas, não poderemos duvidar de que uma
nova ordem de coisas se prepara e que o mundo velho chega a seu termo.
Se, agora, levando em conta a
forma alegórica de alguns quadros e perscrutando o sentido profundo das
palavras de Jesus, compararmos a situação atual com os tempos por Ele
descritos, como assinaladores da era da renovação, não poderemos deixar de
convir em que muitas das suas predições se estão presentemente realizando; donde
a conclusão de que atingimos os tempos anunciados, o que confirmam, em todos os
pontos do globo, os Espíritos que se manifestam.
61. Como vimos (cap. I, item
32), coincidindo com outras circunstâncias, o advento do Espiritismo realiza
uma das mais importantes predições de Jesus, pela influência que ele
forçosamente tem de exercer sobre as ideias. Ele se encontra, além disso,
anunciado, nos Atos dos Apóstolos: “Nos últimos tempos, diz o Senhor,
derramarei do meu Espírito sobre toda carne; vossos filhos e filhas
profetizarão.”
É a predição inequívoca da
vulgarização da mediunidade, que presentemente se revela em indivíduos de todas
as idades, de ambos os sexos e de todas as condições; a predição, por
conseguinte, da manifestação universal dos Espíritos, pois que sem os Espíritos
não haveria médiuns. Isso, conforme está dito, acontecerá nos últimos tempos;
ora, visto que não chegamos ao fim do mundo, mas, ao contrário, à época da sua
regeneração, devemos entender aquelas palavras como indicativas dos últimos tempos
do mundo moral que chega a seu termo. (O evangelho segundo o espiritismo, cap.
XXI.)
Juízo final
62. Ora, quando o Filho do
Homem vier em sua majestade, acompanhado de todos os anjos, assentar-se-á no
trono de sua glória; e, reunidas à sua frente todas as nações, Ele separará
uns dos outros, como um pastor separa dos bodes as ovelhas, e colocará à sua
direita as ovelhas e à sua esquerda os bodes. Então, dirá o Rei aos que
estiverem à sua direita: “Vinde a mim, benditos de meu Pai [...].” (Mateus,
25:31 a 46; O evangelho segundo o espiritismo, cap. XV.)
63. Tendo que reinar na Terra o
bem, necessário é sejam dela excluídos os Espíritos endurecidos no mal e que
possam acarretar-lhe perturbações. Deus permitiu que eles aí permanecessem o
tempo de que precisavam para se melhorarem; mas, chegado o momento em que, pelo
progresso moral de seus habitantes, o globo terráqueo tem de ascender na
hierarquia dos mundos, interdito será ele, como morada, a encarnados e
desencarnados que não hajam aproveitado os ensinamentos que uns e outros se
achavam em condições de aí receber. Serão exilados para mundos inferiores, como
o foram outrora para a Terra os da raça adâmica, vindo substituí-los Espíritos
melhores. Essa separação, a que Jesus presidirá, é que se acha figurada por
estas palavras sobre o juízo final: “Os bons passarão à minha direita e os maus
à minha esquerda.” (Cap. XI, itens 31 e seguintes.)
64. A doutrina de um juízo
final, único e universal, pondo fim para sempre à humanidade, repugna à razão,
por implicar a inatividade de Deus, durante a eternidade que precedeu à criação
da Terra e durante a eternidade que se seguirá à sua destruição. Que utilidade
teriam então o Sol, a Lua e as estrelas que, segundo a Gênese, foram feitos
para iluminar o mundo? Causa espanto que tão imensa obra se haja produzido para
tão pouco tempo e a benefício de seres votados de antemão, em sua maioria, aos
suplícios eternos.
65. Materialmente, a ideia de
um julgamento único seria, até certo ponto, admissível para os que não procuram
a razão das coisas, quando se cria que a humanidade toda se achava concentrada
na Terra e que para seus habitantes fora feito tudo o que o universo contém. É,
porém, inadmissível, desde que se sabe que há milhares de milhares de mundos
semelhantes, que perpetuam as humanidades pela eternidade em fora e entre os
quais a Terra é dos menos consideráveis, simples ponto imperceptível.
Vê-se, só por este fato, que
Jesus tinha razão de declarar a seus discípulos: “Há muitas coisas que não vos
posso dizer, porque não as compreenderíeis”, dado que o progresso das ciências
era indispensável para uma interpretação legítima de algumas de suas palavras.
Certamente, os apóstolos, Paulo e os primeiros discípulos teriam estabelecido
de modo muito diverso alguns dogmas se tivessem os conhecimentos astronômicos,
geológicos, físicos, químicos, fisiológicos e psicológicos que hoje possuímos.
Daí vem o ter Jesus adiado a completação de seus ensinos e anunciado que todas
as coisas haviam de ser restabelecidas.
66. Moralmente, um juízo
definitivo e sem apelação não se concilia com a bondade infinita do Criador,
que Jesus nos apresenta de contínuo como um bom Pai, que deixa sempre aberta
uma senda para o arrependimento e que está pronto sempre a estender os braços
ao filho pródigo. Se Jesus entendesse o juízo naquele sentido, desmentiria suas
próprias palavras.
Além disso, se o juízo final
houvesse de apanhar de improviso os homens, em meio de seus trabalhos
ordinários, e grávidas as mulheres, caberia perguntar-se com que fim Deus, que
não faz coisa alguma inútil ou injusta, faria nascessem crianças e criaria
almas novas naquele momento supremo, no termo fatal da humanidade. Seria para
submetê-las a julgamento logo ao saírem do ventre materno, antes de terem
consciência de si mesmas, quando, a outros, milhares de anos foram concedidos
para se inteirarem do que respeita à própria individualidade? Para que lado, direito
ou esquerdo, iriam essas almas, que ainda não são nem boas nem más e para as
quais, no entanto, todos os caminhos de ulterior progresso se encontrariam
desde então fechados, visto que a humanidade não mais existiria? (Cap. II, item
19.)
Conservem-nas os que se
contentam com semelhantes crenças; estão no seu direito e ninguém nada tem que
dizer a isso; mas, não achem mau que nem toda gente partilhe delas.
67. O juízo, pelo processo da
emigração, conforme ficou explicado acima (item 63), é racional; funda-se na
mais rigorosa justiça, visto que conserva para o Espírito, eternamente, o seu
livre-arbítrio; não constitui privilégio para ninguém; a todas as suas
criaturas, sem exceção alguma, concede Deus igual liberdade de ação para
progredirem; o próprio aniquilamento de um mundo, acarretando a destruição do
corpo, nenhuma interrupção ocasionará à marcha progressiva do Espírito. Tais as
consequências da pluralidade dos mundos e da pluralidade das existências.
Segundo essa interpretação, não
é exata a qualificação de juízo final, pois que os Espíritos passam por
análogas fieiras a cada renovação dos mundos por eles habitados, até que
atinjam certo grau de perfeição. Não há, portanto, juízo final propriamente
dito, mas juízos gerais em todas as épocas de renovação parcial ou total da
população dos mundos, por efeito das quais se operam as grandes emigrações e
imigrações de Espíritos.
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