Obras póstumas - Parte 2.I

Previsões concernentes ao espiritismo

Minha primeira iniciação no espiritismo

A minha primeira iniciação no Espiritismo Foi em 1854 que pela primeira vez ouvi falar das mesas girantes. Encontrei um dia o magnetizador, Sr. Fortier, a quem eu conhecia desde muito tempo e que me disse: “Já sabe da singular propriedade que se acaba de descobrir no Magnetismo? Parece que já não são somente as pessoas que se podem magnetizar, mas também as mesas, conseguindo-se que elas girem e caminhem à vontade.” “É, com efeito, muito singular” — respondi —; “mas, a rigor, isso não me parece radicalmente impossível. O fluido magnético, que é uma espécie de eletricidade, pode perfeitamente atuar sobre os corpos inertes e fazer que eles se movam.” Os relatos, que os jornais publicaram, de experiências feitas em Nantes, em Marselha e em algumas outras cidades, não permitiam dúvidas acerca da realidade do fenômeno.

Algum tempo depois, encontrei-me novamente com o Sr. Fortier, que me disse: “Temos uma coisa muito mais extraordinária; não só se consegue que uma mesa se mova, magnetizando-a, como também que fale. Interrogada, ela responde.” “Isto agora” — repliquei-lhe —, “é outra questão. Só acreditarei quando o vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar, nervos para sentir e que possa tornar-se sonâmbula. Até lá, permita que eu não veja no caso mais do que um conto para fazer-nos dormir em pé”.

Era lógico este raciocínio: eu concebia o movimento por efeito de uma força mecânica, mas, ignorando a causa e a lei do fenômeno, afigurava-se-me absurdo atribuir-se inteligência a uma coisa puramente material. Achava-me na posição dos incrédulos atuais, que negam porque apenas veem um fato que não compreendem. Há 50 anos, se a alguém dissessem, pura e simplesmente, que se podia transmitir um despacho telegráfico a 500 léguas e receber a resposta dentro de uma hora, esse alguém se riria e não teriam faltado excelentes razões científicas para provar que semelhante coisa era materialmente impossível. Hoje, quando já se conhece a lei da eletricidade, isso a ninguém espanta, nem sequer ao camponês. O mesmo se dá com todos os fenômenos espíritas. Para quem quer que não conheça a lei que os rege, eles parecem sobrenaturais, maravilhosos e, por conseguinte, impossíveis e ridículos. Uma vez conhecida a lei, desaparece a maravilha, o fato deixa de ter o que repugne à razão, porque se prende à possibilidade de ele produzir-se.

Eu estava, pois, diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às Leis da Natureza e que a minha razão repelia. Ainda nada vira, nem observara; as experiências, realizadas em presença de pessoas honradas e dignas de fé, confirmavam a minha opinião, quanto à possibilidade do efeito puramente material; a ideia, porém, de uma mesa falante ainda não me entrara na mente.

No ano seguinte, estávamos em começo de 1855, encontrei-me com o Sr. Carlotti, amigo de 25 anos, que me falou daqueles fenômenos durante cerca de uma hora, com o entusiasmo que consagrava a todas as ideias novas. Ele era corso, de temperamento ardoroso e enérgico, e eu sempre lhe apreciara as qualidades que distinguem uma grande e bela alma, porém desconfiava da sua exaltação. Foi o primeiro que me falou na intervenção dos Espíritos e me contou tantas coisas surpreendentes que, longe de me convencer, me aumentou as dúvidas. “Um dia, o senhor será dos nossos”, concluiu. “Não direi que não”, respondi-lhe; “veremos isso mais tarde.”

Passado algum tempo, pelo mês de maio de 1855, fui à casa da sonâmbula Sra. Roger, em companhia do Sr. Fortier, seu magnetizador. Lá encontrei o Sr. Pâtier e a Sra. Plainemaison, que daqueles fenômenos me falaram no mesmo sentido em que o Sr. Carlotti se pronunciara, mas em tom muito diverso. O Sr. Pâtier era funcionário público, já de certa idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo; sua linguagem pausada, isenta de todo entusiasmo, produziu em mim viva impressão e, quando me convidou a assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, à Rua Grange-Batelière, (18), aceitei imediatamente. A reunião foi marcada para terça-feira18 de maio às oito horas da noite.

Foi aí que, pela primeira vez, presenciei o fenômeno das mesas que giravam, saltavam e corriam em condições tais que não deixavam lugar para qualquer dúvida. Assisti então a alguns ensaios, muito imperfeitos, de escrita mediúnica numa ardósia, com o auxílio de uma cesta. Minhas ideias estavam longe de precisar-se, mas havia ali um fato que necessariamente decorria de uma causa. Eu entrevia, naquelas aparentes futilidades, no passatempo que faziam daqueles fenômenos, qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim estudar a fundo.

Bem depressa, ocasião se me ofereceu de observar mais atentamente os fatos, como ainda o não fizera. Numa das reuniões da Sra. Plainemaison, travei conhecimento com a família Baudin, que residia então à Rua Rochechouart. O Sr. Baudin me convidou para assistir às sessões hebdomadárias que se realizavam em sua casa e às quais me tornei desde logo muito assíduo.

(18) N.E.: A data ficou em branco no manuscrito.

Eram bastante numerosas essas reuniões; além dos frequentadores habituais, admitiam-se todos os que solicitavam permissão para assistir a elas. Os médiuns eram as duas senhoritas Baudin, que escreviam numa ardósia com o auxílio de uma cesta, chamada carrapeta e que se encontra descrita em O livro dos médiuns. Esse processo, que exige o concurso de duas pessoas, exclui toda possibilidade de intromissão das ideias do médium.

Aí, tive ensejo de ver comunicações contínuas e respostas a perguntas formuladas, algumas vezes, até, perguntas mentais, que acusavam, de modo evidente, a intervenção de uma inteligência estranha. Eram geralmente frívolos os assuntos tratados. Os assistentes se ocupavam, principalmente, de coisas respeitantes à vida material, ao futuro, numa palavra, de coisas que nada tinham de realmente sério; a curiosidade e o divertimento eram os móveis capitais de todos. Dava o nome de Zéfiro o Espírito que costumava manifestar-se, nome perfeitamente acorde com o seu caráter e com o da reunião. Entretanto, era muito bom e se dissera protetor da família. Se com frequência fazia rir, também sabia, quando preciso, dar ponderados conselhos e manejar, se ensejo se apresentava, o epigrama, espirituoso e mordaz. Relacionamo-nos de pronto e ele me ofereceu constantes provas de grande simpatia. Não era um Espírito muito adiantado, porém, mais tarde, assistido por Espíritos Superiores, me auxiliou nos meus trabalhos. Depois, disse que tinha de reencarnar e dele não mais ouvi falar.

Foi nessas reuniões que comecei os meus estudos sérios de Espiritismo, menos, ainda, por meio de revelações do que de observações. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão.

Foi assim que procedi sempre em meus trabalhos anteriores, desde a idade de 15 a 16 anos. Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas ideias e nas crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspeção, e não levianamente; ser positivista, e não idealista, para não me deixar iludir.

Um dos primeiros resultados que colhi das minhas observações foi que os Espíritos, nada mais sendo do que as almas dos homens, não possuíam nem a plena sabedoria, nem a ciência integral; que o saber de que dispunham se circunscrevia ao grau, que haviam alcançado, de adiantamento, e que a opinião deles só tinha o valor de uma opinião pessoal. Reconhecida desde o princípio, esta verdade me preservou do grave escolho de crer na infalibilidade dos Espíritos e me impediu de formular teorias prematuras, tendo por base o que fora dito por um ou alguns deles.

O simples fato da comunicação com os Espíritos, dissessem eles o que dissessem, provava a existência do Mundo Invisível ambiente. Já era um ponto essencial, um imenso campo aberto às nossas explorações, a chave de inúmeros fenômenos até então inexplicados. O segundo ponto, não menos importante, era que aquela comunicação permitia se conhecessem o estado desse mundo, seus costumes, se assim nos podemos exprimir. Vi logo que cada Espírito, em virtude da sua posição pessoal e de seus conhecimentos, me desvendava uma face daquele mundo, do mesmo modo que se chega a conhecer o estado de um país, interrogando habitantes seus de todas as classes, não podendo um só, individualmente, informar-nos de tudo. Compete ao observador formar o conjunto, por meio dos documentos colhidos de diferentes lados, colecionados, coordenados e comparados uns com outros. Conduzi-me, pois, com os Espíritos, como houvera feito com homens. Para mim, eles foram, do menor ao maior, meios de me informar, e não reveladores predestinados.

Tais as disposições com que empreendi meus estudos e neles prossegui sempre. Observar, comparar e julgar, essa a regra que constantemente segui. Até ali, as sessões em casa do Sr. Baudin nenhum fim determinado tinham tido. Tentei lá obter a resolução dos problemas que me interessavam, do ponto de vista da Filosofia, da Psicologia e da natureza do Mundo Invisível. Levava para cada sessão uma série de questões preparadas e metodicamente dispostas. Eram sempre respondidas com precisão, profundeza e lógica. A partir de então, as sessões assumiram caráter muito diverso.

Entre os assistentes contavam-se pessoas sérias, que tomaram por elas vivo interesse e, se me acontecia faltar, ficavam sem saberem o que fazer. As perguntas fúteis haviam perdido, para a maioria, todo atrativo. Eu, a princípio, cuidara apenas de instruir-me; mais tarde, quando vi que aquilo constituía um todo e ganhava as proporções de uma doutrina, tive a ideia de publicar os ensinos recebidos, para instrução de toda a gente. Foram aquelas mesmas questões que, sucessivamente desenvolvidas e completadas, constituíram a base de O livro dos espíritos.

No ano seguinte, em 1856, frequentei ao mesmo tempo as reuniões espíritas que se celebravam à Rua Tiquetone, em casa do Sr. Roustan e Srta. Japhet, sonâmbula. Eram sérias essas reuniões e se realizavam com ordem. As comunicações eram transmitidas por intermédio da Srta. Japhet, médium, com auxílio da cesta de bico.

Estava concluído, em grande parte, o meu trabalho e tinha as proporções de um livro. Eu, porém, fazia questão de submetê-lo ao exame de outros Espíritos, com o auxílio de diferentes médiuns. Lembrei-me de fazer dele objeto de estudo nas reuniões do Sr. Roustan. Ao cabo de algumas sessões, disseram os Espíritos que preferiam revê-lo na intimidade e marcaram para tal efeito certos dias nos quais eu trabalharia em particular com a Srta. Japhet, a fim de fazê-lo com mais calma e também de evitar as indiscrições e os comentários prematuros do público.

Não me contentei, entretanto, com essa verificação; os Espíritos assim mo haviam recomendado. Tendo-me as circunstâncias posto em relação com outros médiuns, sempre que se apresentava ocasião, eu a aproveitava para propor algumas das questões que me pareciam mais espinhosas. Foi assim que mais de dez médiuns prestaram concurso a esse trabalho. Da comparação e da fusão de todas as respostas, coordenadas, classificadas e muitas vezes retocadas no silêncio da meditação, foi que elaborei a primeira edição de O livro dos espíritos, entregue à publicidade em 18 de abril de 1857.

Pelos fins desse mesmo ano, às duas Srtas. Baudin se casaram; as reuniões cessaram e a família se dispersou. Mas, então, já as minhas relações começavam a dilatar-se e os Espíritos me multiplicaram os meios de instrução, tendo em vista meus ulteriores trabalhos.

11 de dezembro de 1855

(Em casa do Sr. Baudin – Médium: Sra. Baudin)

Meu Espírito protetor

Pergunta (Ao Espírito Z) – No mundo dos Espíritos algum haverá que seja para mim um bom gênio?

Resposta – Sim.

P. – Será o Espírito de algum parente, ou de algum amigo?

R. – Nem uma coisa, nem outra.

P. – Quem foi ele na Terra?

R. – Um homem justo de muita sabedoria.

P. – Que devo fazer, para lhe granjear a benevolência?

R. – Todo o bem possível.

P. – Por que sinais poderei reconhecer a sua intervenção?

R. – Pela satisfação que experimentarás.

P. – Terei algum meio de o invocar e qual esse meio?

R. – Ter fé viva e chamá-lo com instância.

P. – Reconhecê-lo-ei, depois da minha morte, no mundo dos Espíritos?

R. – Sobre isso não pode haver dúvida; será ele quem virá receber-te e felicitar-te, se houveres desempenhado bem a tua tarefa.

Nota – Vê-se, por estas perguntas, que eu era ainda muito noviço acerca das coisas do Mundo Espiritual.

P. – O Espírito de minha mãe me vem visitar algumas vezes?

R. – Vem e te protege quanto lhe é possível.

P. – Vejo-a frequentemente em sonho. Será uma lembrança e um efeito da minha imaginação?

R. – Não; é mesmo ela que te aparece; deves compreendê-lo pela emoção que sentes.

Nota – Isto é perfeitamente exato. Quando minha mãe me aparecia em sonho, eu experimentava uma emoção indescritível, o que o médium não podia saber.

P. – Quando, faz algum tempo, evocamos S. e lhe perguntamos se poderia ser o gênio protetor de um de nós, ele respondeu: “Mostre-se um de vós digno disso, e estarei com esse; Z. vo-lo dirá”. Julgas que eu poderei merecer esse favor?

R. – Se o quiseres.

P. – Que me é necessário para isso?

R. – Fazer todo o bem que possas e suportar com coragem as penas da vida.

P. – Pela natureza da minha inteligência, terei aptidão para penetrar, tanto quanto ao homem for permitido fazê-lo, as grandes verdades acerca do nosso destino futuro?

R. – Sim, tens a aptidão necessária, mas o resultado dependerá da tua perseverança no trabalho.

P. – Poderei concorrer para a propagação dessas verdades?

R. – Sem dúvida.

P. – Por que meios?

R. – Sabê-lo-ás mais tarde; enquanto esperas, trabalha.

25 de março de 1856

(Em casa do Sr. Baudin – Médium: Srta. Baudin)

Meu guia espiritual

Morava eu, por essa época, na Rua dos Mártires, no  8, no segundo andar, ao fundo. Uma noite, estando no meu gabinete a trabalhar, pequenas pancadas se fizeram ouvir na parede que me separava do aposento vizinho. A princípio, nenhuma atenção lhes dei; como, porém, elas se repetissem mais fortes, mudando de lugar, procedi a uma exploração minuciosa dos dois lados da parede, escutei para verificar se provinham do outro pavimento e nada descobri. O que havia de singular era que, de cada vez que eu me punha a investigar, o ruído cessava, para recomeçar logo que eu retomava o trabalho. Minha mulher chegou da rua por volta das dez horas; veio ao meu gabinete e, ouvindo as pancadas, me perguntou o que era. “Não sei”, respondi-lhe, “há uma hora que isto dura.” Investigamos juntos, sem melhor êxito. O ruído continuou até a meia-noite, quando fui deitar-me.

No dia seguinte, como houvesse sessão em casa do Sr. Baudin, narrei o fato e pedi que mo explicassem.

Pergunta – Ouvistes, sem dúvida, o relato que acabo de fazer; poderíeis dizer-me qual a causa daquelas pancadas que se fizeram ouvir com tanta persistência?

Resposta – Era o teu Espírito familiar.

P. – Com que fim foi ele bater daquele modo?

R. – Queria comunicar-se contigo.

P. – Poderíeis dizer-me quem é ele?

R. – Podes perguntar-lhe a ele mesmo, pois que está aqui.

Nota – Nessa época, ainda se não fazia distinção nenhuma entre as diversas categorias de Espíritos simpáticos. Dava-se-lhes a todos a denominação de Espíritos familiares.

P. – Meu Espírito familiar, quem quer que tu sejas, agradeço-te o me teres vindo visitar. Consentirás em dizer-me quem és?

R. – Para ti, chamar-me-ei A Verdade e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.

P. – Ontem, quando bateste, estando eu a trabalhar, tinhas alguma coisa de particular a dizer-me?

R. – O que eu tinha a dizer-te era sobre o trabalho a que te aplicavas; desagradava-me o que escrevias e quis fazer que o abandonasses.

Nota – O que eu estava escrevendo dizia respeito, precisamente, aos estudos que empreendera acerca dos Espíritos e de suas manifestações.

P. – A tua desaprovação era referente ao capítulo que eu escrevia ou ao conjunto do trabalho?

R. – Ao capítulo de ontem; submeto-o ao teu juízo; se o releres, reconhecerás tuas faltas e as corrigirás.

P. – Eu mesmo não me sentia satisfeito com esse capítulo e o refiz hoje. Está melhor?

R. – Está melhor, mas ainda não satisfaz. Relê da 3a  a 30a  linha e com um grave erro depararás.

P. – Rasguei o que escrevera ontem.

R. – Não importa! Isso não impediu que a falta continuasse. Relê e verás.

P. – O nome Verdade, que adotaste, constitui uma alusão à verdade que eu procuro?

R. – Talvez; pelo menos, é um guia que te protegerá e ajudará.

P. – Poderei evocar-te em minha casa?

R. – Sim, para te assistir pelo pensamento, mas, para respostas escritas em tua casa, só daqui a muito tempo poderás obtê-las.

Nota – Com efeito, durante cerca de um ano, nenhuma comunicação escrita obtive em minha casa e sempre que ali se encontrava um médium, com quem eu esperava conseguir qualquer coisa, uma circunstância imprevista a isso se opunha. Somente fora de minha casa lograva eu receber comunicações.

P. – Poderias vir mais amiúde e não apenas de mês em mês?

R. – Sim, mas não prometo senão uma vez mensalmente, até nova ordem.

P. – Terás animado na Terra alguma personagem conhecida?

R. – Já te disse que, para ti, sou a Verdade; isto, para ti, quer dizer discrição; nada mais saberás a respeito.

Nota – À noite, de regresso a casa, dei-me pressa em reler o que escrevera. Quer no papel que eu lançara à cesta, quer em nova cópia que fizera, se me deparou, na 30a  linha, um erro grave, que me espantei de haver cometido. Desde então, nenhuma outra manifestação do mesmo gênero das anteriores se produziu. Tendo-se tornado desnecessárias, por se acharem estabelecidas as minhas relações com o meu Espírito protetor, elas cessaram. O intervalo de um mês, que ele assinara para suas comunicações, só raramente foi mantido, no princípio. Mais tarde, deixou de o ser, em absoluto. Fora sem dúvida um aviso de que eu tinha de trabalhar por mim mesmo e para não estar constantemente a recorrer ao seu auxílio diante da menor dificuldade.

9 de abril de 1856

(Em casa do Sr. Baudin – Médium: Srta. Baudin)

Pergunta (à Verdade) – Criticaste outro dia o trabalho que eu havia feito e tiveste razão. Reli-o e encontrei na 30a  linha um erro contra o qual protestaste por meio das pancadas que me fizeste ouvir. Isso me levou a descobrir outros defeitos e a refazer o trabalho. Estás agora satisfeito?

Resposta – Acho-o melhor, mas aconselho-te que esperes um mês para divulgá-lo.

P. – Que queres dizer, falando em divulgá-lo? Não tenho, bem sabes, a intenção de publicá-lo já, se é que o haja de publicar.

R. – Quero dizer: mostrá-lo a terceiros. Busca um pretexto para recusar isso aos que te pedirem para vê-lo. Daqui até lá melhorarás o trabalho. Faço-te esta recomendação para te poupar à crítica; precato o teu amor-próprio.

P. – Disseste que serás para mim um guia, que me ajudará e protegerá. Compreendo essa proteção e o seu objetivo, dentro de certa ordem de coisas, mas poderias dizer-me se essa proteção também alcança as coisas materiais da vida?

R. – Nesse mundo, a vida material é muito de ter-se em conta; não te ajudar a viver seria não te amar.

Nota – A proteção desse Espírito, cuja superioridade eu então estava longe de imaginar, jamais, de fato, me faltou. A sua solicitude e a dos bons Espíritos que agiam sob suas ordens, se manifestou em todas as circunstâncias da minha vida, quer a me remover dificuldades materiais, quer a me facilitar a execução dos meus trabalhos, quer, enfim, a me preservar dos efeitos da malignidade dos meus antagonistas, que foram sempre reduzidos à impotência. Se as tribulações inerentes à missão que me cumpria desempenhar não me puderam ser evitadas, foram sempre suavizadas e largamente compensadas por muitas satisfações morais gratíssimas.

30 de abril de 1856

(Em casa do Sr. Roustan – Médium: Srta. Japhet)

Primeira revelação da minha missão

Eu assistia, desde algum tempo, às sessões que se realizavam em casa do Sr. Roustan e começara aí a revisão do meu trabalho, que posteriormente formaria O livro dos espíritos. (Veja-se a Introdução). Numa dessas sessões, muito íntima, a que, apenas assistiam sete ou oito pessoas, falavam estas de diferentes coisas relativas aos acontecimentos capazes de acarretar uma transformação social, quando o médium, tomando da cesta, espontaneamente escreveu isto:

“Quando o bordão soar, abandoná-lo-eis; apenas aliviareis o vosso semelhante; individualmente o magnetizareis, a fim de curá-lo. Depois, cada um no posto que lhe foi preparado, porque de tudo se fará mister, pois que tudo será destruído, ao menos temporariamente. Deixará de haver religião e uma se fará necessária, mas verdadeira, grande, bela e digna do Criador... Seus primeiros alicerces já foram colocados... Quanto a ti, Rivail, a tua missão é aí (Livre, a cesta se voltou rapidamente para o meu lado, como o teria feito uma pessoa que me apontasse com o dedo). A ti, M..., a espada que não fere, porém mata; contra tudo o que é, serás tu o primeiro a vir. Ele, Rivail, virá em segundo lugar: é o obreiro que reconstrói o que foi demolido”.

Nota – Foi essa a primeira revelação positiva da minha missão e confesso que, quando vi a cesta voltar-se bruscamente para o meu lado e designar-me nominativamente, não me pude forrar a certa emoção.

O Sr. M..., que assistia àquela reunião, era um moço de opiniões radicalíssimas, envolvido nos negócios políticos e obrigado a não se colocar muito em evidência. Acreditando que se tratava de uma próxima subversão, aprestou-se a tomar parte nela e a combinar planos de reforma. Era, aliás, homem brando e inofensivo.

7 de maio de 1856

(Em casa do Sr. Roustan – Médium: Srta. Japhet)

Minha missão

Pergunta (a Hahnemann) – Outro dia, disseram-me os Espíritos que eu tinha uma importante missão a cumprir e me indicaram o seu objeto. Desejaria saber se confirmas isso.

Resposta – Sim e, se observares as tuas aspirações e tendências e o objeto quase constante das tuas meditações, não te surpreenderás com o que te foi dito. Tens que cumprir aquilo com que sonhas desde longo tempo. É preciso que nisso trabalhes ativamente, para estares pronto, pois mais próximo do que pensas vem o dia.

P. – Para desempenhar essa missão tal como a concebo, são-me necessários meios de execução que ainda não se acham ao meu alcance.

R. – Deixa que a Providência faça a sua obra e serás satisfeito.

Acontecimentos

Pergunta – A comunicação há dias dada faz presumir, ao que parece, acontecimentos muito graves. Poderás dar-nos algumas explicações a respeito?

Resposta – Não podemos precisar os fatos. O que podemos dizer é que haverá muitas ruínas e desolações, pois são chegados os tempos preditos de uma renovação da Humanidade.

P. – Quem causará essas ruínas? Será um cataclismo?

R. – Nenhum cataclismo de ordem material haverá, como o entendeis, mas flagelos de toda espécie assolarão as nações; a guerra dizimará os povos; as instituições vetustas se abismarão em ondas de sangue. Faz-se mister que o velho mundo se esboroe, para que uma nova era se abra ao progresso.

P. – A guerra não se circunscreverá então a uma região?

R. – Não, abrangerá a Terra.

P. – Nada, entretanto, neste momento, parece pressagiar uma tempestade próxima.

R. – As coisas estão por fio de teia de aranha, meio partido.

P. – Poder-se-á, sem indiscrição, perguntar donde partirá a primeira centelha?

R. – Da Itália.

12 de maio de 1856

(Sessão pessoal em casa do Sr. Baudin)

Acontecimentos

Pergunta (à Verdade) – Que pensas de M...? É homem que venha a influir nos acontecimentos?

Resposta – Muito ruído. Ele tem boas ideias; é homem de ação, mas não é uma cabeça.

P. – Dever-se-á tomar ao pé da letra o que foi dito, isto é, que lhe cabe o papel de destruir o que existe?

R. – Não; pretendeu-se apenas personificar nele o partido cujas ideias ele representa.

P. – Posso manter com ele relações de amizade?

R. – Por enquanto, não; correrias perigos inúteis.

P. – Dispondo de um médium, diz M... que lhe determinaram a marcha dos acontecimentos, para, por assim dizer, uma data fixa. Será verdade?

R. – Sim, determinaram-lhe épocas, mas foram Espíritos levianos que lhe responderam, Espíritos que não sabem mais do que ele e que lhe exploram a exaltação. Sabes que não devemos precisar as coisas futuras. Os acontecimentos pressentidos certamente se darão em tempo próximo, mas que não pode ser determinado.

P. – Disseram os Espíritos que os tempos são chegados em que tais coisas têm de acontecer: em que sentido se devem tomar essas palavras?

R. – Tratando-se de coisas de tanta gravidade, que são alguns anos a mais ou a menos? Elas nunca ocorrem bruscamente, como o chispar de um raio; são longamente preparadas por acontecimentos parciais que lhes servem como que de precursores, quais os rumores surdos que precedem a erupção de um vulcão. Pode-se, pois, dizer que os tempos são chegados, sem que isso signifique que as coisas sucederão amanhã. Significa unicamente que vos achais no período em que se verificarão.

P. – Confirmas o que foi dito, isto é, que não haverá cataclismos?

R. – Sem dúvida, não tendes que temer nem um dilúvio, nem o abrasamento do vosso planeta, nem outros fatos desse gênero, porquanto não se pode denominar cataclismos a perturbações locais que se têm produzido em todas as épocas. Apenas haverá um cataclismo de natureza moral, de que os homens serão os instrumentos.

10 de junho de 1856

(Em casa do Sr. Roustan – Médium: Srta. Japhet)

O livro dos espíritos

Pergunta (a Hahnemann) – Pois que dentro em breve teremos acabado a primeira parte do livro, lembrei-me de que, para andarmos mais depressa, eu poderia pedir a B... que me ajudasse, como médium; que achas?

Resposta – Acho que será melhor não te servires dele. — Por quê? — Porque a verdade não pode ser interpretada pela mentira.

P. – Mesmo que o Espírito familiar de B... seja afeito à mentira, isso não obstaria a que um bom Espírito se comunicasse pelo médium, desde que se não evocasse outro Espírito.

R. – Sim, mas aqui o médium secunda o Espírito e, quando o Espírito é velhaco, ele se presta a auxiliá-lo. Aristo, seu intérprete, e B... acabarão mal.

Nota – B..., bem moço, era um médium escrevente muito maleável, mas assistido por um Espírito muito orgulhoso e arrogante, que dava o nome de Aristo e que lhe lisonjeava o amor-próprio. As previsões de Hahnemann se realizaram. O moço, julgando ter na sua faculdade um meio de enriquecer, já atendendo a consultas médicas, já realizando inventos e descobertas produtivas, somente colheu decepções e mistificações. Passado algum tempo, ninguém mais ouviu falar dele.

12 de junho de 1856

(Em casa do Sr. C... – Médium: Srta. Aline C...)

Minha missão

Pergunta (à Verdade) – Bom Espírito, eu desejara saber o que pensas da missão que alguns Espíritos me assinaram. Dize-me, peço-te, se é uma prova para o meu amor-próprio. Tenho, como sabes, o maior desejo de contribuir para a propagação da verdade, mas, do papel de simples trabalhador ao de missionário em chefe, a distância é grande e não percebo o que possa justificar em mim graça tal, de preferência a tantos outros que possuem talento e qualidades de que não disponho.

Resposta – Confirmo o que te foi dito, mas recomendo-te muita discrição, se quiseres sair-te bem. Tomarás mais tarde conhecimento de coisas que te explicarão o que ora te surpreende. Não esqueças que podes triunfar, como podes falir. Neste último caso, outro te substituiria, porquanto os desígnios de Deus não assentam na cabeça de um homem. Nunca, pois, fales da tua missão; seria a maneira de a fazeres malograr-se. Ela somente pode justificar-se pela obra realizada e tu ainda nada fizeste. Se a cumprires, os homens saberão reconhecê-lo, cedo ou tarde, visto que pelos frutos é que se verifica a qualidade da árvore.

P. – Nenhum desejo tenho certamente de me vangloriar de uma missão na qual dificilmente creio. Se estou destinado a servir de instrumento aos desígnios da Providência, que ela disponha de mim. Nesse caso, reclamo a tua assistência e a dos bons Espíritos, no sentido de me ajudarem e ampararem na minha tarefa.

R. – A nossa assistência não te faltará, mas será inútil se, de teu lado, não fizeres o que for necessário. Tens o teu livre-arbítrio, do qual podes usar como o entenderes. Nenhum homem é constrangido a fazer coisa alguma.

P. – Que causas poderiam determinar o meu malogro? Seria a insuficiência das minhas capacidades?

R. – Não, mas a missão dos reformadores é prenhe de escolhos e perigos. Previno-te de que é rude a tua, porquanto se trata de abalar e transformar o mundo inteiro. Não suponhas que te baste publicar um livro, dois livros, dez livros, para em seguida ficares tranquilamente em casa. Tens que expor a tua pessoa. Suscitarás contra ti ódios terríveis; inimigos encarniçados se conjurarão para tua perda; ver-te-ás a braços com a malevolência, com a calúnia, com a traição mesma dos que te parecerão os mais dedicados; as tuas melhores instruções serão desprezadas e falseadas; por mais de uma vez sucumbirás sob o peso da fadiga; numa palavra: terás de sustentar uma luta quase contínua, com sacrifício de teu repouso, da tua tranquilidade, da tua saúde e até da tua vida, pois, sem isso, viverias muito mais tempo. Ora bem! não poucos recuam quando, em vez de uma estrada florida, só veem sob os passos urzes, pedras agudas e serpentes. Para tais missões, não basta a inteligência. Faz-se mister, primeiramente, para agradar a Deus, humildade, modéstia e desinteresse, visto que Ele abate os orgulhosos, os presunçosos e os ambiciosos. Para lutar contra os homens, são indispensáveis coragem, perseverança e inabalável firmeza. Também são de necessidade prudência e tato, a fim de conduzir as coisas de modo conveniente e não lhes comprometer o êxito com palavras ou medidas intempestivas. Exigem-se, por fim, devotamento, abnegação e disposição a todos os sacrifícios. Vês, assim, que a tua missão está subordinada a condições que dependem de ti. Espírito Verdade

Eu – Espírito Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo, sem restrição e sem ideia preconcebida.

Senhor! pois que te dignaste lançar os olhos sobre mim para cumprimento dos teus desígnios, faça-se a tua vontade! Está nas tuas mãos a minha vida; dispõe do teu servo. Reconheço a minha fraqueza diante de tão grande tarefa; a minha boa vontade não desfalecerá, as forças, porém, talvez me traiam. Supre à minha deficiência; dá-me as forças físicas e morais que me forem necessárias. Ampara-me nos momentos difíceis e, com o teu auxílio e dos teus celestes mensageiros, tudo envidarei para corresponder aos teus desígnios.

Nota – Escrevo esta nota a 1o  de janeiro de 1867, dez anos e meio depois que me foi dada a comunicação acima e atesto que ela se realizou em todos os pontos, pois experimentei todas as vicissitudes que me foram preditas. Andei em luta com o ódio de inimigos encarniçados, com a injúria, a calúnia, a inveja e o ciúme; libelos infames se publicaram contra mim; as minhas melhores instruções foram falseadas; traíram-me aqueles em quem eu mais confiança depositava, pagaram-me com a ingratidão aqueles a quem prestei serviços. A Sociedade de Paris se constituiu foco de contínuas intrigas urdidas contra mim por aqueles mesmos que se declaravam a meu favor e que, de boa fisionomia na minha presença, pelas costas me golpeavam. Disseram que os que se me conservavam fiéis estavam à minha soldada e que eu lhes pagava com o dinheiro que ganhava do Espiritismo. Nunca mais me foi dado saber o que é o repouso; mais de uma vez sucumbi ao excesso de trabalho, tive abalada a saúde e comprometida a existência.

Graças, porém, à proteção e assistência dos bons Espíritos que incessantemente me deram manifestas provas de solicitude, tenho a ventura de reconhecer que nunca senti o menor desfalecimento ou desânimo e que prossegui, sempre com o mesmo ardor, no desempenho da minha tarefa, sem me preocupar com a maldade de que era objeto. Segundo a comunicação do Espírito Verdade, eu tinha de contar com tudo isso e tudo se verificou.

Mas também, a par dessas vicissitudes, que de satisfações experimentei, vendo a obra crescer de maneira tão prodigiosa! Com que compensações deliciosas foram pagas as minhas tribulações! Que de bênçãos e de provas de real simpatia recebi da parte de muitos aflitos a quem a Doutrina consolou! Este resultado não mo anunciou o Espírito Verdade que, sem dúvida intencionalmente, apenas me mostrara as dificuldades do caminho. Qual não seria, pois, a minha ingratidão, se me queixasse! Se dissesse que há uma compensação entre o bem e o mal, não estaria com a verdade, porquanto o bem, refiro-me às satisfações morais, sobrelevaram de muito o mal. Quando me sobrevinha uma decepção, uma contrariedade qualquer, eu me elevava pelo pensamento acima da Humanidade e me colocava antecipadamente na região dos Espíritos e desse ponto culminante, donde divisava o da minha chegada, as misérias da vida deslizavam por sobre mim sem me atingirem. Tão habitual se me tornara esse modo de proceder, que os gritos dos maus jamais me perturbaram.

17 de junho de 1856

(Em casa do Sr. Baudin – Médium: Srta. Baudin)

O livro dos espíritos

Pergunta (à Verdade) – Uma parte da obra foi revista, quererás ter a bondade de dizer o que dela pensas?

Resposta – O que foi revisto está bem, mas, quando a obra estiver acabada, deverás tornar a revê-la, a fim de ampliá-la em certos pontos e abreviá-la noutros.

P. – Entendes que deva ser publicada antes que os acontecimentos preditos se tenham realizado?

R. – Uma parte, sim; tudo não, pois, afirmo-te, vamos ter capítulos muito espinhosos. Por muito importante que seja esse primeiro trabalho, ele não é, de certo modo, mais do que uma introdução. Assumirá proporções que longe estás agora de suspeitar. Tu mesmo compreenderás que certas partes só muito mais tarde e gradualmente poderão ser dadas a lume, à medida que as novas ideias se desenvolverem e enraizarem. Dar tudo de uma vez fora imprudente. Importa dar tempo a que a opinião se forme. Toparás com alguns impacientes que procurarão empurrar-te para diante: não lhes dês ouvidos. Vê, observa, sonda o terreno, dispõe-te a esperar e faze como o general cauteloso que não ataca, senão quando chega o momento favorável.

Nota (Escrita em janeiro de 1867) – Na época em que essa comunicação foi dada, eu apenas tinha em vista O livro dos espíritos e longe estava, como disse o Espírito, de imaginar as proporções que tomaria o conjunto do trabalho. Os acontecimentos preditos só decorridos muitos anos teriam de verificar-se, tanto que neste momento ainda não se deram. As obras que até agora apareceram foram publicadas sucessivamente e eu fui induzido a elaborá-las, à medida que as novas ideias se desenvolveram. Das que restam por fazer, a mais importante, a que se poderá considerar a cúpula do edifício e que, com efeito, encerra os capítulos mais espinhosos, não poderia ser publicada, sem prejuízo, antes do período dos desastres. Eu, então, um único livro via e não compreendia que esse pudesse cindir-se, enquanto o Espírito aludia aos que teriam de seguir-se e cuja publicação prematura apresentaria inconvenientes.

“Dispõe-te a esperar”, disse o Espírito; “não dês ouvidos aos impacientes que procurem empurrar-te para diante.” Os impacientes não faltaram e, se eu os escutara, teria atirado o navio em cheio nos arrecifes. Coisa estranha! ao passo que uns me incitavam a andar mais depressa, outros me acusavam de não ir tão devagar quanto devia. Não dei ouvidos nem a uns, nem a outros, tomando sempre por bússola a marcha das ideias.

De que confiança no futuro não me enchia eu, à proporção que via realizar-se o que fora predito e que comprovava a profundeza e a sabedoria das instruções dos meus protetores invisíveis!

11 de setembro de 1856

(Em casa do Sr. Baudin – Médium: Srta. Baudin)

O livro dos espíritos

Depois de haver eu procedido à leitura de alguns capítulos de O livro dos espíritos, concernentes às leis morais, o médium espontaneamente escreveu:

“Compreendeste bem o objetivo do teu trabalho. O plano está bem concebido. Estamos satisfeitos contigo. Continua, mas lembra-te, sobretudo quando a obra se achar concluída, de que te recomendamos que a mandes imprimir e propagar. É de utilidade geral. Estamos satisfeitos e nunca te abandonaremos. Crê em Deus e avante.” Muitos Espíritos

6 de maio de 1857

(Em casa da Sra. De Cardonne)

A tiara espiritual

Eu tivera ocasião de conhecer a Sra. de Cardonne nas sessões do Sr. Roustan. Alguém me disse, creio que foi o Sr. Carlotti, que ela possuía notável talento para ler nas mãos. Nunca acreditei que as linhas da mão tenham uma significação qualquer, mas sempre acreditei que, para certas pessoas dotadas de uma espécie de segunda vista, podia isso constituir meio de estabelecerem uma relação que lhes permitisse, como aos sonâmbulos, dizer algumas vezes coisas verdadeiras. Os sinais da mão nada mais são, nesse caso, do que um pretexto, um meio de fixar a atenção, de desenvolver a lucidez, como o são as cartas, a borra de café, os espelhos ditos mágicos, para os indivíduos que dispõem dessa faculdade. A experiência me confirmou de novo a justeza dessa opinião. Seja como for, aquela senhora, tendo-me convidado a ir visitá-la, acedi ao seu convite e eis aqui um resumo do que ela me disse:

“Nascestes com grande abundância de recursos e de meios intelectuais... extraordinária força de raciocínio... Formou-se o vosso gosto; governado pela cabeça, moderais a inspiração pelo raciocínio; subordinas o instinto, a paixão, a intuição ao método, à teoria. Tivestes sempre pendor para as ciências morais... Amor da verdade absoluta... Amor da Arte definida.

Tem número, medida e cadência o vosso estilo, mas, por vezes, trocaríeis um pouco da sua precisão por uma certa poesia.

Como filósofo idealista, estivestes sujeito à opinião de outrem; como filósofo crente, experimentais agora a necessidade de formar seita.

Benevolência judiciosa; necessidade imperiosa de aliviar, de socorrer, de consolar; necessidade de independência.

Muito demoradamente vos corrigis da subitânea impulsão do vosso humor.

Éreis singularmente apto para a missão que vos está confiada, porquanto o vosso feitio é mais para vos tornardes o centro de imensos desenvolvimentos do que capaz de trabalhos insulados... Vossos olhos têm o olhar do pensamento.

Vejo aqui o sinal da tiara espiritual... É bem pronunciado... Vede” (Olhei e nada vi de particular).

“Que entendeis”, perguntei-lhe, “por tiara espiritual? Querereis dizer que serei papa? Se tal houvesse de acontecer, não seria decerto nesta existência.”

Resposta – Deveis notar que eu disse tiara espiritual, o que significa: autoridade moral e religiosa, e não soberania efetiva.

Reproduzi pura e simplesmente as palavras daquela senhora, por ela mesma transcritas. Não me compete julgar se são exatas sobre todos os pontos. Algumas, reconheço-as verdadeiras, porque estão de acordo com o meu caráter e com as disposições do meu espírito. Há, porém, uma passagem evidentemente errônea, a em que ela diz, a propósito do meu estilo, que eu às vezes trocaria algo da minha precisão por um pouco de poesia. Nenhum instinto poético existe em mim; o que procuro, acima de tudo, o que me agrada, o que aprecio nos outros é a clareza, a limpidez, a precisão e, longe de sacrificar esta à poesia, o que se me poderia reprochar fora o sacrificar o sentimento poético à sequidão da forma positiva. Preferi sempre o que fala à inteligência ao que apenas fala à imaginação.

Quanto à tiara espiritual, O livro dos espíritos acabava de aparecer; a Doutrina estava em seus primórdios e não podia ainda prejulgar dos resultados que ulteriormente daria. Nenhuma importância, pois, liguei a essa revelação e me limitei a anotá-la a título informativo.

No ano seguinte a Sra. de Cardonne deixou Paris e não tornei a vê-la, senão oito anos depois, em 1866, quando as coisas já tinham caminhado bastante. Disse-me ela:

— Lembra-se da minha predição acerca da tiara espiritual? Aí a tem realizada.

— Como realizada? Que eu o saiba, não me acho no trono de Pedro.

— Não, decerto, mas também não foi isso o que lhe anunciei. O senhor não é, de fato, o chefe da Doutrina, reconhecido pelos espíritas do mundo inteiro? Não são os seus escritos que fazem lei? Não se contam por milhões os seus correligionários? Em matéria de Espiritismo, haverá alguém cujo nome tenha mais autoridade do que o seu? Os títulos de sumo sacerdote, de pontífice, mesmo de papa, não lhe são dados espontaneamente? São-no, sobretudo, pelos seus adversários e por ironia, bem o sei, mas nem por isso o fato deixa de indicar de que gênero é a influência que eles lhe reconhecem, porque pressentem qual o papel que lhe cabe. Assim, esses títulos lhe ficarão.

Em suma, o senhor conquistou, sem a buscar, uma posição moral que ninguém lhe pode tirar, dado que, sejam quais forem os trabalhos que se elaborem depois dos seus, ou concomitantemente com eles, o senhor será sempre o proclamado fundador da Doutrina. Logo, em realidade, está com a tiara espiritual, isto é, com a supremacia moral. Reconheça, portanto, que eu disse a verdade.

Acredita agora, mais um pouco, nos sinais das mãos?” — Menos que nunca e estou convencido de que, se a senhora viu alguma coisa, não foi na minha mão, mas no seu próprio espírito e vou prová-lo.

Admito que nas mãos, como nos pés, nos braços e nas outras partes do corpo, existem certos sinais fisiognomônicos, mas cada órgão apresenta sinais particulares, conforme o uso a que é sujeito e conforme as suas relações com o pensamento. Os sinais das mãos não podem ser os mesmos que os dos pés, dos braços, da boca, dos olhos etc.

Quanto ao pregueado da palma das mãos, a maior ou menor acentuação que apresentam resulta da natureza da pele e da maior ou menor quantidade de tecido celular. Como essas partes em nenhuma correlação fisiológica estão com os órgãos das faculdades intelectuais e morais, não podem ser a expressão dessas faculdades. Mesmo admitindo-se que haja essa correlação, elas poderiam fornecer indicações sobre o estado atual do indivíduo, mas não poderiam constituir sinais de presságios de coisas futuras, nem de acontecimentos passados e independentes da vontade do mesmo indivíduo. Na primeira hipótese, eu, a rigor, compreenderia que, com o auxílio de tais lineamentos, se pudesse dizer que uma pessoa possui esta ou aquela aptidão, este ou aquele pendor; o mais vulgar bom senso, porém, repeliria a ideia de que se possa ver ali se ela foi casada ou não, quantas vezes e o número de filhos que teve, se é viúva ou não, e outras coisas semelhantes, como o pretende a maioria dos quiromantes.

Entre as linhas das mãos, há uma que toda gente conhece e que representa bem um M. Se é bastante acentuada, pressagia, dizem, uma vida infeliz (malheureuse); porém, a palavra malheur (infelicidade) é francesa e ninguém se lembra de que, nas outras línguas, a palavra que a essa corresponde não começa pela mesma letra, donde se segue que a linha em questão deveria apresentar formas diferentes, de acordo com as línguas dos povos.

Quanto à tiara espiritual, é, evidentemente, uma coisa especial, excepcional e, até certo ponto, individual e eu estou convencido de que a senhora não encontrou essa expressão no vocabulário de nenhum tratado de quiromancia. Como então lhe veio ela à mente? Pela intuição, pela inspiração, por essa espécie de presciência peculiar à dupla vista de que muitas pessoas são dotadas sem o suspeitarem. Sua atenção estava concentrada nos lineamentos da mão, a senhora fixou o pensamento num sinal em que outra pessoa teria visto coisa muito diversa, ou a que a senhora mesmo atribuiria significação diferente, se se tratasse de outro indivíduo.

17 de janeiro de 1857

(Em casa do Sr. Baudin – Médium: Srta. Baudin)

Primeira notícia de uma nova encarnação

O Espírito prometera escrever-me uma carta por ocasião da entrada do ano. Tinha, dizia, qualquer coisa de particular a me dizer. Havendo-lha eu pedido numa das reuniões ordinárias, respondeu que a daria na intimidade ao médium, para que este ma transmitisse. É esta a carta:

“Caro amigo, não te quis escrever terça-feira última diante de toda a gente, porque há certas coisas que só particularmente se podem dizer.

Eu queria, primeiramente, falar-te da tua obra, a que mandaste imprimir (O livro dos espíritos entrara para o prelo). Não te afadigues tanto, da manhã à noite; passarás melhor e a obra nada perderá por esperar.

Segundo o que vejo, és muito capaz de levar a bom termo a tua empresa e tens que fazer grandes coisas. Nada, porém, de exagero em coisa alguma. Observa e aprecia tudo judiciosa e friamente. Não te deixes arrastar pelos entusiastas, nem pelos muito apressados. Mede todos os teus passos, a fim de chegares ao fim com segurança. Não creias em mais do que aquilo que vejas; não desvies a atenção de tudo o que te pareça incompreensível; virás a saber a respeito mais do que qualquer outro, porque os assuntos de estudo serão postos sob as tuas vistas.

Mas ah! a verdade não será conhecida de todos, nem crida, senão daqui a muito tempo! Nessa existência não verás mais do que a aurora do êxito da tua obra. Terás que voltar, reencarnado noutro corpo, para completar o que houveres começado e, então, dada te será a satisfação de ver em plena frutificação a semente que houveres espalhado pela Terra.

Surgirão invejosos e ciosos que procurarão infamar-te e fazer-te oposição: não desanimes; não te preocupes com o que digam ou façam contra ti; prossegue em tua obra; trabalha sempre pelo progresso da Humanidade, que serás amparado pelos bons Espíritos, enquanto perseverares no bom caminho.

Lembras-te de que, há um ano, prometi a minha amizade aos que, durante o ano, tivessem tido um proceder sempre correto? Pois bem! declaro que és um dos que escolhi entre todos.

Teu amigo que te quer e protege.”

Nota – Já tive ocasião de dizer que Z. não era um Espírito superior, porém muito bom e muito benfazejo. Talvez fosse mais adiantado do que o deixava supor o nome que tomara. Legitimavam essa suposição o caráter sério e a sabedoria de suas comunicações, conforme as circunstâncias. Sob a capa daquele nome, ele se permitia usar de uma linguagem familiar apropriada ao meio onde se manifestava e dizer, como frequentemente sucedia, duras verdades, sob a forma leve do epigrama. Como quer que seja, dele guardei sempre grata recordação e muito reconhecimento pelas boas advertências que sempre me deu e pelo devotamento que me testemunhou. Desapareceu com a dispersão da família Baudin, dizendo que em breve reencarnaria.

15 de novembro de 1857

(Em casa do Sr. Dufaux – Médium: Sra. E. Dufaux)

A Revista Espírita

Pergunta – Tenho a intenção de publicar um jornal espírita: julgais que o conseguirei e me aconselhais a fazê-lo? A pessoa a quem me dirigi, Sr. Tiedman, não parece resolvida a me prestar o seu concurso pecuniário.

Resposta – Consegui-lo-ás, com perseverança. A ideia é boa; preciso se faz, porém, deixá-la amadurecer mais.

P. – Temo que outros me tomem a dianteira.

R. – Importa andar depressa.

P. – Não quero outra coisa, mas falta-me tempo. Tenho dois empregos que me são necessários, como o sabeis. Desejara renunciar a eles, a fim de me consagrar inteiramente à minha tarefa, sem outras preocupações.

R. – Por enquanto, não deves abandonar coisa alguma; há sempre tempo para tudo; move-te e conseguirás.

P. – Devo agir sem o concurso do Sr. Tiedman?

R. – Age com ou sem o seu concurso; não te consumas por sua causa. Podes prescindir dele.

P. – Eu pretendia publicar um primeiro número como ensaio, a fim de lançar o jornal e marcar data, e continuar mais tarde, se for possível. Que vos parece?

R. – A ideia é boa, mas um só número não bastará; entretanto, é conveniente, e mesmo necessário, para abrir caminho. Será preciso que lhe dispenses muito cuidado, a fim de assentares as bases de um bom êxito durável. A apresentá-lo defeituoso, melhor será nada fazer, porquanto a primeira impressão pode decidir do seu futuro. De começo, deves cuidar de satisfazer à curiosidade; reunir o sério ao agradável: o sério para atrair os homens de Ciência, o agradável para deleitar o vulgo. Esta parte é essencial, porém a outra é mais importante, visto que sem ela o jornal careceria de fundamento sólido. Em suma, é preciso evitar a monotonia por meio da variedade, congregar a instrução sólida ao interesse que, para os trabalhos ulteriores, será poderoso auxiliar.

Nota – Apressei-me a redigir o primeiro número e fi-lo circular a 1o  de janeiro de 1858, sem haver dito nada a quem quer que fosse. Não tinha um único assinante e nenhum fornecedor de fundos. Publiquei-o correndo eu, exclusivamente, todos os riscos e não tive de que me arrepender, porquanto o resultado ultrapassou a minha expectativa. A partir daquela data, os números se sucederam sem interrupção e, como previa o Espírito, esse jornal se tornou um poderoso auxiliar meu. Reconheci mais tarde que fora para mim uma felicidade não ter tido quem me fornecesse fundos, pois assim me conservara mais livre, ao passo que outro interessado houvera querido talvez impor-me suas ideias e sua vontade e criar-me embaraços. Sozinho, eu não tinha que prestar contas a ninguém, embora, pelo que respeitava ao trabalho, me fosse pesada a tarefa.

1º  de abril de 1858

Fundação da Sociedade Espírita de Paris

Se bem não haja aqui nenhum caso de previsão, menciono, para conservá-lo em lembrança, o da fundação da Sociedade, por motivo do papel que ela representou na marcha do Espiritismo e das comunicações a que deu lugar.

Havia cerca de seis meses, eu realizava, em minha casa, à Rua dos Mártires, uma reunião com alguns adeptos, às terças-feiras. A Srta. E. Dufaux era a médium principal. Conquanto o local não comportasse mais de 15 ou 20 pessoas, até 30 lá se juntavam às vezes. Apresentavam grande interesse tais reuniões, pelo caráter sério de que se revestiam e pelas questões que ali se tratavam. Lá não raro compareciam príncipes estrangeiros e outras personagens de alta distinção.

Nada cômoda pela sua disposição, a sala onde nos reuníamos se tornou em breve muito acanhada. Alguns dos frequentadores deliberaram cotizar-se para alugar uma que mais conviesse. Então, fazia-se necessária uma autorização legal, a fim de se evitar que a autoridade nos fosse perturbar. O Sr. Dufaux, que se dava pessoalmente com o prefeito de Polícia, encarregou-se de tratar do caso. A autorização também dependia do Ministro do Interior. Coube então ao general X..., que era, sem que ninguém o soubesse, simpático às nossas ideias, embora sem as conhecer inteiramente, obter a autorização. Esta, graças à sua influência, pôde ser concedida em quinze dias, quando, de ordinário, leva três meses para ser dada.

A Sociedade ficou, em consequência, legalmente constituída e passamos a reunir-nos todas as terças-feiras no compartimento que ela alugara, no Palais Royal, galeria de Valois. Aí esteve um ano, de 1o  de abril de 1858 a 1o  de abril de 1859. Não tendo permanecido lá por mais tempo, entrou a reunir-se às sextas-feiras num dos salões do restaurante Douix, no mesmo Palais Royal, galeria Montpensier, de 1o  de abril de 1859 a 1o  de abril de 1860, época em que se instalou num local seu, à rua e passagem Sant’Ana, 59.

Formada a princípio de elementos pouco homogêneos e de pessoas de boa vontade, que eram aceitas com facilidade um tanto excessiva, a Sociedade se viu sujeita a muitas vicissitudes, que não foram dos menores percalços da minha tarefa.

24 de janeiro de 1860

(Em casa do Sr. Forbes – Médium: Sra. Forbes)

Duração dos meus trabalhos

Segundo a minha maneira de apreciar as coisas, calculava eu que ainda me faltavam cerca de dez anos para conclusão dos meus trabalhos, mas a ninguém falara disso. Achei-me, pois, muito surpreendido, ao receber de um dos meus correspondentes de Limoges uma comunicação dada espontaneamente, em que o Espírito, falando de meus trabalhos, dizia que dez anos se passariam antes que eu os terminasse.

Pergunta (à Verdade) – Como é que um Espírito, comunicando-se em Limoges, onde nunca fui, pôde dizer precisamente o que eu pensava acerca da duração dos meus trabalhos?

Resposta – Nós sabemos o que te resta a fazer e, por conseguinte, o tempo aproximado de que precisas para acabar a tua tarefa. É, portanto, muito natural que alguns Espíritos o tenham dito em Limoges e algures, para darem uma ideia da amplitude da coisa, pelo trabalho que exige. Entretanto, não é absoluto o prazo de dez anos; pode ser prolongado por alguns mais, em virtude de circunstâncias imprevistas e independentes da tua vontade.

Nota (Escrita em dezembro de 1866) – Tenho publicado quatro volumes substanciosos, sem falar de coisas acessórias. Os Espíritos instam para que eu publique A gênese em 1867, antes das perturbações. Durante o período da grande perturbação terei de trabalhar nos livros complementares da Doutrina, que não poderão aparecer senão depois da forte tormenta e para os quais me são precisos de três a quatro anos. Isso nos leva, o mais cedo, a 1870, isto é, cerca de 10 anos.

28 de janeiro de 1860

(Em casa do Sr. Solichon – Médium: Srta. Solichon)

Acontecimentos. Papado

Pergunta (ao Espírito Ch.) – Foste embaixador em Roma e a esse tempo predisseste a queda do governo papal. Que pensas hoje a esse respeito?

Resposta – Creio que se aproxima o tempo em que a minha profecia se cumprirá, porém, não sem grandes dores. Tudo se complica; exacerbam- -se as paixões e uma coisa que se poderia fazer sem comoção, empolgou a todos, e de tal maneira que a cristandade inteira será abalada.

P. – Consentirias em dar-nos a tua opinião sobre o poder temporal do Papa?

R. – Penso que o poder temporal do Papa não é necessário à sua grandeza, nem ao seu poder moral; ao contrário, quanto menos súditos ele contar, mais venerado será. Aquele que é o representante de Deus na Terra está colocado muito alto para não precisar do realce do poder terreno. Dirigir a Terra espiritualmente, tal a missão do pai dos cristãos.

P. – Achas que o Papa e o Sacro Colégio, mais bem esclarecidos, farão tudo por evitar o cisma e a guerra intestina, embora seja apenas moral?

R. – Não o creio; todos esses homens são obstinados, ignorantes, habituados a todos os gozos profanos; necessitam de dinheiro para satisfazê-los e recearão que a nova ordem de coisas não permita que o ganhem suficientemente. Por isso levam tudo ao extremo, pouco se incomodando com o que venha a acontecer, por demasiadamente cegos para compreenderem as consequências da sua maneira de proceder.

P. – Nesse conflito não será de temer-se que a infeliz Itália sucumba e seja posta sob o cetro da Áustria?

R. – Não, é impossível. A Itália sairá vitoriosa da luta e a liberdade raiará para essa terra gloriosa. Ela nos salvou da barbárie, foi nossa mestra em tudo o que a inteligência tem de mais nobre e de mais elevado. Não recairá absolutamente sob o jugo dos que a rebaixaram.

12 de abril de 1860

(Em casa do Sr. Dehau – Médium: Sr. Crozet)

(Comunicação espontânea obtida na minha ausência)

Minha missão

Pela sua firmeza e perseverança, o vosso Presidente desmanchou os projetos dos que procuravam destruir-lhe o crédito e arruinar a Sociedade, na esperança de desfecharem na Doutrina um golpe fatal. Honra lhe seja! Fique ele certo de que estamos a seu lado e que os Espíritos de sabedoria se sentirão felizes por poderem assisti-lo em sua missão. Quantos desejariam desempenhar a sombra dessa missão, para receberem a sombra dos benefícios que decorrem dela!

Ela, porém, é perigosa e, para cumpri-la, são necessárias uma fé e uma vontade inabaláveis, assim como abnegação e coragem para afrontar as injúrias, os sarcasmos, as decepções e não se alterar com a lama que a inveja e a calúnia atirem. Nessa posição, o menos que pode acontecer a quem a ocupa é ser tratado de louco e de charlatão. Deixai que falem, deixai que pensem livremente: tudo, exceto a felicidade eterna, dura pouco. Tudo vos será levado em conta e ficai sabendo que, para ser-se feliz, é preciso que se haja contribuído para a felicidade dos pobres seres de que Deus povoou a vossa terra. Permaneça, pois, tranquila e serena a vossa consciência: é o precursor da felicidade celeste.

  

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