Os milagres do Evangelho
Superioridade da natureza de Jesus
1. Os fatos que o Evangelho
relata e que foram até hoje considerados milagrosos pertencem, na sua maioria,
à ordem dos fenômenos psíquicos, isto é, dos que têm como causa primária as
faculdades e os atributos da alma. Confrontando-os com os que ficaram descritos
e explicados no capítulo precedente, reconhecer-se-á sem dificuldade que há
entre eles identidade de causa e de efeito. A História registra outros
análogos, em todos os tempos e no seio de todos os povos, pela razão de que,
desde que há almas encarnadas e desencarnadas, os mesmos efeitos forçosamente
se produziram. Pode-se, é certo, contestar, no que concerne a este ponto, a veracidade
da História; mas, hoje, eles se produzem às nossas vistas e, por assim dizer, à
vontade e por indivíduos que nada têm de excepcionais. O só fato da reprodução
de um fenômeno, em condições idênticas, basta para provar que ele é possível e
se acha submetido a uma lei, não sendo, portanto, miraculoso.
O princípio dos fenômenos
psíquicos repousa, como já vimos, nas propriedades do fluido perispiritual, que
constitui o agente magnético; nas manifestações da vida espiritual durante a
vida corpórea e depois da morte; e, finalmente, no estado constitutivo dos
Espíritos e no papel que eles desempenham como força ativa da natureza.
Conhecidos estes elementos e comprovados os seus efeitos, tem-se, como
consequência, de admitir a possibilidade de certos fatos que eram rejeitados
enquanto se lhes atribuía uma origem sobrenatural.
2. Sem nada prejulgar quanto à
natureza do Cristo, natureza cujo exame não entra no quadro desta obra,
considerando-o apenas um Espírito superior, não podemos deixar de reconhecê-lo
um dos de ordem mais elevada e colocado, por suas virtudes, muitíssimo acima da
humanidade terrestre. Pelos imensos resultados que produziu, a sua encarnação
neste mundo forçosamente há de ter sido uma dessas missões que a Divindade
somente a seus mensageiros diretos confia, para cumprimento de seus desígnios.
Mesmo sem supor que ele fosse o próprio Deus, mas unicamente um enviado de Deus
para transmitir sua palavra aos homens, seria mais do que um profeta, porquanto
seria um Messias divino.
Como homem, tinha a organização dos seres carnais; porém, como Espírito puro, desprendido da matéria, havia de viver mais da vida espiritual, do que da vida corporal, de cujas fraquezas não era passível. A sua superioridade com relação aos homens não derivava das qualidades particulares do seu corpo, mas das do seu Espírito, que dominava de modo absoluto a matéria e da do seu perispírito, tirado da parte mais quintessenciada dos fluidos terrestres (cap. XIV, item 9). Sua alma, provavelmente, não se achava presa ao corpo, senão pelos laços estritamente indispensáveis. Constantemente desprendida, ela decerto lhe dava dupla vista, não só permanente, como de excepcional penetração e superior de muito à que de ordinário possuem os homens comuns. O mesmo havia de dar-se, nele, com relação a todos os fenômenos que dependem dos fluidos perispirituais ou psíquicos. A qualidade desses fluidos lhe conferia imensa força magnética, secundada pelo incessante desejo de fazer o bem.
Agiria como médium nas curas
que operava? Poder-se-á considerá-lo poderoso médium curador? Não, porquanto o
médium é um intermediário, um instrumento de que se servem os Espíritos
desencarnados e o Cristo não precisava de assistência, pois que era ele quem assistia
os outros. Agia por si mesmo, em virtude do seu poder pessoal, como o podem
fazer, em certos casos, os encarnados, na medida de suas forças. Que Espírito,
ao demais, ousaria insuflar-lhe seus próprios pensamentos e encarregá-lo de os
transmitir? Se algum influxo estranho recebia, esse só de Deus lhe poderia vir.
Segundo definição dada por um Espírito, ele era médium de Deus.
Sonhos
3. José, diz o Evangelho, foi
avisado por um anjo, que lhe apareceu em sonho e que lhe aconselhou fugisse
para o Egito com o Menino. (Mateus, 2:19 a 23.)
Os avisos por meio de sonhos
desempenham grande papel nos livros sagrados de todas as religiões. Sem
garantir a exatidão de todos os fatos narrados e sem os discutir, o fenômeno em
si mesmo nada tem de anormal, sabendo-se, como se sabe, que, durante o sono, é
quando o Espírito, desprendido dos laços da matéria, entra momentaneamente na
vida espiritual, onde se encontra com os que lhe são conhecidos. É com
frequência essa a ocasião que os Espíritos protetores aproveitam para se
manifestar a seus protegidos e lhes dar conselhos mais diretos. São numerosos
os casos de avisos em sonho, porém, não se deve inferir daí que todos os sonhos
são avisos, nem, ainda menos, que tem uma significação tudo o que se vê em
sonho. Cumpre se inclua entre as crenças supersticiosas e absurdas a arte de
interpretar os sonhos. (Cap. XIV, itens 27 e 28.)
Estrela dos magos
4. Diz-se que uma estrela
apareceu aos magos que foram adorar a Jesus; que ela lhes ia à frente
indicando-lhes o caminho e que se deteve quando eles chegaram. (Mateus, 2:1 a
12.)
Não se trata de saber se o fato
que Mateus narra é real, ou se não passa de uma figura indicativa de que os
magos foram guiados de forma misteriosa ao lugar onde estava o menino, dado que
não há meio algum de verificação; trata-se de saber se é possível um fato de
tal natureza.
O que é certo é que, naquela
circunstância, a luz não podia ser uma estrela. Na época em que o fato ocorreu,
era possível acreditassem que fosse, porquanto então se cria serem as estrelas
pontos luminosos pregados no firmamento e suscetíveis de cair sobre a Terra;
não hoje, quando se conhece a natureza das estrelas.
Entretanto, por não ter como
causa a que lhe atribuíram, não deixa de ser possível o fato da aparição de uma
luz com o aspecto de uma estrela. Um Espírito pode aparecer sob forma luminosa,
ou transformar uma parte do seu fluido perispirítico em foco luminoso. Muitos
fatos desse gênero, modernos e perfeitamente autênticos, não procedem de outra
causa, que nada apresenta de sobrenatural. (Cap. XIV, itens 13 e seguintes.)
Dupla vista
Entrada de Jesus em Jerusalém
5. Quando eles se aproximaram
de Jerusalém e chegaram a Betfagé, perto do Monte das Oliveiras, Jesus enviou
dois de seus discípulos, dizendo-lhes: “Ide a essa aldeia que está à vossa
frente e, lá chegando, encontrareis amarrada uma jumenta e junto dela o seu
jumentinho; desamarrai-a e trazei-mos. Se alguém vos disser qualquer coisa,
respondei que o Senhor precisa deles e logo deixará que os conduzais.” Ora,
tudo isso se deu, a fim de que se cumprisse esta palavra do profeta: Dizei à
filha de Sião: “Eis o teu rei, que vem a ti, cheio de doçura, montado numa
jumenta e com o jumentinho da que está sob o jugo.” (Zacarias, 9:9 e 10.) Os
discípulos então foram e fizeram o que Jesus lhes ordenara. E, tendo trazido
a jumenta e o jumentinho, a cobriram com suas vestes e o fizeram montar. (Mateus,
21:1 a 7.)
Beijo de Judas
6. “Levantai-vos, vamos, que já
está perto daqui aquele que me há de trair.” Ainda não acabara de dizer essas
palavras e eis que Judas, um dos doze, chegou e com ele uma tropa de gente
armada de espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos
anciãos do povo. Ora, o que o traía lhes dera um sinal para o reconhecerem,
dizendo-lhes: “Aquele a quem eu beijar é esse mesmo o que procurais;
apoderai-vos dele.” Logo, pois, se aproximou de Jesus e lhe disse: “Mestre,
eu te saúdo; e o beijou.” Jesus lhe respondeu: “Meu amigo, que vieste fazer
aqui?” Ao mesmo tempo, os outros, avançando, se lançaram a Jesus e dele se
apoderaram. (Mateus, 26:46 a 50.)
Pesca milagrosa
7. Um dia, estando Jesus à
margem do lago de Genesaré, como a multidão o comprimisse para ouvir a palavra
de Deus viu Ele duas barcas atracadas à borda do lago e das quais os
pescadores haviam desembarcado e lavavam suas redes. Entrou numa dessas
barcas, que era de Simão, e lhe pediu que a afastasse um pouco da margem; e,
tendo-se sentado, ensinava ao povo de dentro da barca. Quando acabou de falar,
disse a Simão: “Avança para o mar e lança as tuas redes de pescar.” Respondeu-lhe Simão: “Mestre, trabalhamos a noite toda e nada apanhamos;
contudo, pois que mandas, lançarei a rede.” Tendo-a lançado, apanharam tão
grande quantidade de peixes, que a rede se rompeu. Acenaram para os
companheiros que estavam na outra barca, a fim de que viessem ajudá-los. Eles
vieram e encheram de tal modo as barcas, que por pouco estas não se afundaram.
(Lucas, 5:1 a 7.)
Vocação de Pedro, André, Tiago, João e Mateus
8. Caminhando ao longo do mar
da Galileia, viu Jesus dois irmãos, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão,
que lançavam suas redes ao mar, pois que eram pescadores; e lhes disse:
“Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens.” Logo eles deixaram suas
redes e o seguiram.
Daí, continuando, viu dois
outros irmãos, Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam numa
barca com Zebedeu, pai de ambos, os quais estavam a consertar suas redes, e os
chamou. Eles imediatamente deixaram as redes e o pai e o seguiram. (Mateus,
4:18 a 22.)
Saindo dali, Jesus, ao passar,
viu um homem sentado à banca dos impostos, chamado Mateus, ao qual disse:
“Segue-me; e o homem logo se levantou e o seguiu.” (Mateus, 4:9.)
9. Nada apresentam de
surpreendentes estes fatos, desde que se conheça o poder da dupla vista e a
causa, muito natural, dessa faculdade. Jesus a possuía em grau elevado e pode dizer-se
que ela constituía o seu estado normal, conforme o atesta grande número de atos
da sua vida, os quais, hoje, têm a explicá-los os fenômenos magnéticos e o
Espiritismo.
A pesca qualificada de
miraculosa igualmente se explica pela dupla vista. Jesus não produziu
espontaneamente peixes onde não os havia; Ele viu, com a vista da alma, como
teria podido fazê-lo um lúcido vígil, o lugar onde se achavam os peixes e disse
com segurança aos pescadores que lançassem aí suas redes.
A acuidade do pensamento e, por
conseguinte, certas previsões decorrem da vista espiritual. Quando Jesus chama
a si Pedro, André, Tiago, João e Mateus, é que lhes conhecia as disposições
íntimas e sabia que eles o acompanhariam e que eram capazes de desempenhar a
missão que tencionava confiar-lhes. E mister se fazia que eles próprios
tivessem intuição da missão que iriam desempenhar para, sem hesitação,
atenderem ao chamamento de Jesus. O mesmo se deu quando, por ocasião da Ceia,
Ele anunciou que um dos doze o trairia e o apontou, dizendo ser aquele que
punha a mão no prato; e deu-se também, quando predisse que Pedro o negaria.
Em muitos passos do Evangelho
se lê: “Mas Jesus, conhecendo- -lhes os pensamentos, lhes diz...” Ora, como
poderia Ele conhecer os pensamentos dos seus interlocutores, senão pelas
irradiações fluídicas desses pensamentos e, ao mesmo tempo, pela vista
espiritual que lhe permitia ler-lhes no foro íntimo?
Muitas vezes, supondo que um
pensamento se acha sepultado nos refolhos da alma, o homem não suspeita que
traz em si um espelho onde se reflete aquele pensamento, um revelador na sua
própria irradiação fluídica, impregnada dele. Se víssemos o mecanismo do mundo invisível
que nos cerca, as ramificações dos fios condutores do pensamento, a ligarem
todos os seres inteligentes, corporais e incorpóreos, os eflúvios fluídicos
carregados das marcas do mundo moral, os quais, como correntes aéreas,
atravessam o espaço, muito menos surpreendidos ficaríamos diante de certos
efeitos que a ignorância atribui ao acaso. (Cap. XIV, itens 15, 22 e
seguintes.)
Curas
Perda de sangue
10. Então, uma mulher, que
havia doze anos sofria de uma hemorragia que sofrera muito nas mãos dos
médicos e que, tendo gasto todos os seus haveres, nenhum alívio conseguira como ouvisse falar de Jesus, veio com a multidão atrás dele e lhe tocou as
vestes, porquanto, dizia: “Se eu conseguir ao menos lhe tocar nas vestes,
ficarei curada.” No mesmo instante o fluxo sanguíneo lhe cessou e ela sentiu
em seu corpo que estava curada daquela enfermidade.
Logo, Jesus, conhecendo em si
mesmo a virtude que dele saíra, se voltou no meio da multidão e disse: “Quem me
tocou as vestes?” Seus discípulos lhe disseram: “Vês que a multidão te aperta
de todos os lados e perguntas quem te tocou?” Ele olhava em torno de si à
procura daquela que o tocara.
A mulher, que sabia o que se
passara em si, tomada de medo e pavor, veio lançar-se-lhe aos pés e lhe
declarou toda a verdade. Disse-lhe Jesus: “Minha filha, tua fé te salvou; vai
em paz e fica curada da tua enfermidade.” (Marcos, 5:25 a 34.)
11. Estas palavras: conhecendo
em si mesmo a virtude que dele saíra, são significativas. Exprimem o movimento
fluídico que se operara de Jesus para a doente; ambos experimentaram a ação que
acabara de produzir-se. É de notar-se que o efeito não foi provocado por nenhum
ato da vontade de Jesus; não houve magnetização, nem imposição das mãos. Bastou
a irradiação fluídica normal para realizar a cura.
Mas por que essa irradiação se
dirigiu para aquela mulher e não para outras pessoas, uma vez que Jesus não
pensava nela e tinha a cercá-lo a multidão?
É bem simples a razão.
Considerado como matéria terapêutica, o fluido tem que atingir a matéria
orgânica, a fim de repará-la; pode então ser dirigido sobre o mal pela vontade
do curador, ou atraído pelo desejo ardente, pela confiança, numa palavra: pela
fé do doente. Com relação à corrente fluídica, o primeiro age como uma bomba
calcante e o segundo como uma bomba aspirante. Algumas vezes, é necessária a
simultaneidade das duas ações; doutras, basta uma só. O segundo caso foi o que
ocorreu na circunstância de que tratamos.
Razão, pois, tinha Jesus para
dizer: “Tua fé te salvou.” Compreende-se que a fé a que Ele se referia não é
uma virtude mística, qual a entendem muitas pessoas, mas uma verdadeira força
atrativa, de sorte que aquele que não a possui opõe à corrente fluídica uma
força repulsiva, ou, pelo menos, uma força de inércia, que paralisa a ação.
Assim sendo, também, se compreende que, apresentando-se ao curador dois doentes
da mesma enfermidade, possa um ser curado e outro não. É este um dos mais
importantes princípios da mediunidade curadora e que explica certas anomalias
aparentes, apontando-lhes uma causa muito natural. (Cap. XIV, itens 31 a 33.)
Cego de Betsaida
12. Tendo chegado a Betsaida,
trouxeram-lhe um cego e lhe pediam que o tocasse. Tomando o cego pela mão, Ele
o levou para fora da cidade, passou-lhe saliva nos olhos e, havendo-lhe imposto
as mãos, lhe perguntou se via alguma coisa. O homem, olhando, disse: “Vejo a
andar homens que me parecem árvores.” Jesus lhe colocou de novo as mãos sobre
os olhos e ele começou a ver melhor. Afinal, ficou tão perfeitamente curado,
que via distintamente todas as coisas. Ele o mandou para casa, dizendo-lhe:
“Vai para tua casa; se entrares
na cidade, a ninguém digas o
que se deu contigo.” (Marcos, 8:22 a 26) 13. Aqui, é evidente o efeito
magnético; a cura não foi instantânea, porém gradual e consequente a uma ação
prolongada e reiterada, se bem que mais rápida do que na magnetização
ordinária. A primeira sensação que o homem teve foi exatamente a que
experimentam os cegos ao recobrarem a vista. Por um efeito de óptica, os
objetos lhes parecem de tamanho exagerado.
Paralítico
14. Tendo subido para uma
barca, Jesus atravessou o lago e veio à sua cidade (Cafarnaum). Como lhe
apresentassem um paralítico deitado em seu leito, Jesus, notando-lhe a fé,
disse ao paralítico: “Meu filho, tem confiança; perdoados te são os teus
pecados.”
Logo alguns escribas disseram
entre si: “Este homem blasfema.” Jesus, tendo percebido o que eles pensavam,
perguntou-lhes: “Por que alimentais maus pensamentos em vossos corações? Pois, que é mais fácil dizer: Teus pecados te são perdoados, ou dizer:
Levanta-te e anda? Ora, para que saibais que o Filho do Homem tem na Terra o
poder de remitir os pecados: Levanta-te, disse então ao paralítico, toma o teu
leito e vai para tua casa.”
O paralítico se levantou
imediatamente e foi para sua casa. Vendo aquele milagre, o povo se encheu de
temor e rendeu graças a Deus, por haver concedido tal poder aos homens.
(Mateus, 9:1 a 8.)
15. Que significariam aquelas
palavras: “Teus pecados te são remitidos” e em que podiam elas influir para a
cura? O Espiritismo lhes dá a explicação, como a uma infinidade de outras
palavras incompreendidas até hoje. Por meio da pluralidade das existências, ele
ensina que os males e aflições da vida são muitas vezes expiações do passado,
bem como que sofremos na vida presente as consequências das faltas que cometemos
em existência anterior e, assim, até que tenhamos pago a dívida de nossas
imperfeições, pois que as existências são solidárias umas com as outras.
Se, portanto, a enfermidade
daquele homem era uma expiação do mal que ele praticara, o dizer-lhe Jesus:
“Teus pecados te são remitidos” equivalia a dizer-lhe: “Pagaste a tua dívida; a
fé que agora possuis elidiu a causa da tua enfermidade; conseguintemente,
mereces ficar livre dela.” Daí o haver dito aos escribas: “Tão fácil é dizer:
Teus pecados te são perdoados, como: Levanta-te e anda.” Cessada a causa, o
efeito tem que cessar. É precisamente o caso do encarcerado a quem se declara:
“Teu crime está expiado e perdoado”, o que equivaleria a se lhe dizer: “Podes sair
da prisão.”
Os dez leprosos
16. Um dia, indo Ele para
Jerusalém, passava pelos confins da Samaria e da Galileia e, estando prestes
a entrar numa aldeia, dez leprosos vieram ao seu encontro e, conservando-se
afastados, clamaram em altas vozes: “Jesus, Senhor nosso, tem piedade de nós.” Dando com eles, disse-lhes Jesus: “Ide mostrar-vos aos sacerdotes.” Quando
iam a caminho, ficaram curados.
Um deles, vendo-se curado,
voltou sobre seus passos, glorificando a Deus em altas vozes; e foi lançar-se
aos pés de Jesus, com o rosto em terra, a lhe render graças. Esse era
samaritano.
Disse então Jesus: “Não foram
curados todos dez? Onde estão os outros nove? Nenhum deles houve que voltasse
e glorificasse a Deus, a não ser este estrangeiro?” E disse a esse:
“Levanta-te; vai; tua fé te salvou.” (Lucas, 17:11 a 19.)
17. Os samaritanos eram cismáticos,
mais ou menos como os protestantes com relação aos católicos, e os judeus os
tinham em desprezo, como heréticos. Curando indistintamente os judeus e os
samaritanos, dava Jesus, ao mesmo tempo, uma lição e um exemplo de tolerância;
e fazendo ressaltar que só o samaritano voltara a glorificar a Deus, mostrava
que havia nele maior soma de verdadeira fé e de reconhecimento, do que nos que
se diziam ortodoxos. Acrescentando: “Tua fé te salvou”, fez ver que Deus
considera o que há no âmago do coração e não a forma exterior da adoração.
Entretanto, também os outros tinham sido curados. Fora mister que tal se
verificasse, para que Ele pudesse dar a lição que tinha em vista e tornar-lhes
evidente a ingratidão. Quem sabe, porém, o que daí lhes haja resultado; quem
sabe se eles terão se beneficiado da graça que lhes foi concedida? Dizendo ao
samaritano: “Tua fé te salvou”, dá Jesus a entender que o mesmo não aconteceu
aos outros.
Mão seca
18. De outra vez entrou Jesus
no templo e aí encontrou um homem que tinha seca uma das mãos. E eles o
observavam para ver se Ele o curaria em dia de sábado, para terem um motivo de
o acusar. Então, disse Ele ao homem que tinha a mão seca: “Levanta-te e
coloca-te ali no meio.” Depois, disse-lhes: “É permitido em dia de sábado
fazer o bem ou mal, salvar a vida ou tirá-la?” Eles permaneceram em silêncio. Ele, porém, encarando-os com indignação, tanto o afligia a dureza de seus
corações, disse ao homem: “Estende a tua mão.” Ele a estendeu e ela se tornou
sã.
Logo os fariseus saíram e se
reuniram contra Ele em conciliábulo com os herodianos, sobre o meio de o
perderem. Mas Jesus se retirou com seus discípulos para o mar, acompanhando-o
grande multidão de povo da Galileia e da Judeia de Jerusalém, da Idumeia e de
além Jordão; e os das cercanias de Tiro e de Sídon, tendo ouvido falar das
coisas que Ele fazia, vieram em grande número ao seu encontro. (Marcos, 3:1 a
8.)
A mulher curvada
19. Todos os dias de sábado
Jesus ensinava numa sinagoga. Um dia, viu ali uma mulher possuída de um
Espírito que a punha doente, havia dezoito anos; era tão curvada, que não podia
olhar para cima. Vendo-a, Jesus a chamou e lhe disse: “Mulher, estás livre da
tua enfermidade.” Impôs-lhe ao mesmo tempo as mãos e ela, endireitando-se,
rendeu graças a Deus.
Mas o chefe da sinagoga,
indignado por haver Jesus feito uma cura em dia de sábado, disse ao povo: “Há
seis dias destinados ao trabalho; vinde nesses dias para serdes curados e não
nos dias de sábado.”
O Senhor, tomando a palavra,
disse-lhe: “Hipócrita, qual de vós não solta da carga o seu boi ou seu jumento
em dia de sábado e não o leva a beber? Por que então não se deveria libertar,
em dia de sábado, dos laços que a prendiam, esta filha de Abraão, que Satanás
conservara atada durante dezoito anos?”
A estas palavras, todos os seus
adversários ficaram confusos e todo o povo encantado de vê-lo praticar tantas
ações gloriosas. (Lucas, 13:10 a 17.) 20. Este fato prova que naquela época a
maior parte das enfermidades era atribuída ao demônio e que todos confundiam,
como ainda hoje, os possessos com os doentes, mas em sentido inverso, isto é,
hoje, os que não acreditam nos maus Espíritos confundem as obsessões com as
moléstias patológicas.
O paralítico da piscina
21. Depois disso, tendo chegado
a festa dos judeus, Jesus foi a Jerusalém. Ora, havia em Jerusalém a piscina
das ovelhas, que se chama em hebreu Betesda, a qual tinha cinco galerias onde, em grande número, se achavam deitados doentes, cegos, coxos e os que
tinham ressecados os membros, todos à espera de que as águas fossem agitadas porque, o anjo do Senhor, em certa época, descia àquela piscina e lhe
movimentava a água e aquele que fosse o primeiro a entrar nela, depois de ter
sido movimentada a água, ficava curado, qualquer que fosse a sua doença.
Ora, estava lá um homem que se
achava doente havia trinta e oito anos. Jesus, tendo-o visto deitado e
sabendo-o doente desde longo tempo, perguntou-lhe: “Queres ficar curado?” O
doente respondeu: “Senhor, não tenho ninguém que me lance na piscina depois que
a água for movimentada; e, durante o tempo que levo para chegar lá, outro desce
antes de mim.” Disse-lhe Jesus: “Levanta-te, toma o teu leito e vai-te.” No
mesmo instante o homem se achou curado e, tomando de seu leito, pôs-se a andar.
Ora, aquele dia era um sábado.
Disseram então os judeus ao que
fora curado: “Não te é permitido levares o teu leito.” Respondeu o homem:
“Aquele que me curou disse: Toma o teu leito e anda.” Perguntaram-lhe eles
então: “Quem foi esse que te disse: ‘Toma o teu leito e anda?’” Mas nem mesmo
o que fora curado sabia quem o curara, porquanto Jesus se retirara do meio da
multidão que lá estava.
Depois, encontrando aquele
homem no templo, Jesus lhe disse: “Vês que foste curado; não tornes de futuro a
pecar, para que te não aconteça coisa pior.” O homem foi ter com os judeus e
lhes disse que fora Jesus quem o curara. Era por isso que os judeus
perseguiam a Jesus, porque Ele fazia essas coisas em dia de sábado. Então,
Jesus lhes disse: “Meu Pai não cessa de trabalhar até ao presente e eu também
trabalho incessantemente.” (João, 5:1 a 17.)
22. “Piscina” (da palavra
latina piscis, peixe), entre os
romanos, eram chamados os reservatórios ou viveiros onde se criavam peixes. Mais
tarde, o termo se tornou extensivo aos tanques destinados a banhos em comum.
A piscina de Betesda, em
Jerusalém, era uma cisterna, próxima ao Templo, alimentada por uma fonte
natural, cuja água parece ter tido propriedades curativas. Era, sem dúvida, uma
fonte intermitente que, em certas épocas, jorrava com força, agitando a água.
Segundo a crença vulgar, esse era o momento mais propício às curas. Talvez que,
na realidade, ao brotar da fonte a água, mais ativas fossem as suas
propriedades, ou que a agitação que o jorro produzia na água fizesse vir à tona
m lodo salutar para certas enfermidades. Tais efeitos são muito naturais e
perfeitamente conhecidos hoje; mas, então, as ciências estavam pouco adiantadas
e à maioria dos fenômenos incompreendidos se atribuíam uma causa sobrenatural.
Os judeus, pois, tinham a agitação da água como devida à presença de um anjo e
tanto mais fundadas lhes pareciam essas crenças, quanto viam que, naquelas
ocasiões, mais curativa se mostrava a água.
Depois de haver curado aquele
paralítico, disse-lhe Jesus: “Para o futuro não tornes a pecar, a fim de que
não te aconteça coisa pior.” Por essas palavras, deu-lhe a entender que a sua
doença era uma punição e que, se ele não se melhorasse, poderia vir a ser de
novo punido e com mais rigor, doutrina essa inteiramente conforme à do
Espiritismo.
23. Jesus como que fazia
questão de operar suas curas em dia de sábado, para ter ensejo de protestar
contra o rigorismo dos fariseus no tocante à guarda desse dia. Queria
mostrar-lhes que a verdadeira piedade não consiste na observância das práticas
exteriores e das formalidades; que a piedade está nos sentimentos do coração.
Justificava-se, declarando: “Meu Pai não cessa de trabalhar até ao presente e
eu também trabalho incessantemente.” Quer dizer: Deus não interrompe suas
obras, nem sua ação sobre as coisas da natureza, em dia de sábado. Ele não
deixa de fazer que se produza tudo quanto é necessário à vossa alimentação e à
vossa saúde; eu lhe sigo o exemplo.
Cego de nascença
24. Ao passar, viu Jesus um
homem que era cego desde que nascera; e seus discípulos lhe fizeram esta
pergunta: “Mestre, foi pecado desse homem, ou dos que o puseram no mundo, que
deu causa a que ele nascesse cego?” Jesus lhes respondeu: “Não é por pecado
dele, nem dos que o puseram no mundo; mas, para que nele se patenteiem as obras
do poder de Deus. É preciso que eu faça as obras daquele que me enviou,
enquanto é dia; vem depois a noite, na qual ninguém pode fazer obras. Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.”
Tendo dito isso, cuspiu no chão
e, havendo feito lama com a sua saliva, ungiu com essa lama os olhos do cego e lhe disse: “Vai lavar-te na piscina de Siloé”, que significa Enviado. Ele
foi, lavou-se e voltou vendo claro. Seus vizinhos e os que o viam antes a pedir
esmolas diziam: “Não é este o que estava assentado e pedia esmola?” Uns
respondiam: “É ele”; outros diziam: “Não, é um que se parece com ele.” O homem,
porém, lhes dizia: “Sou eu mesmo.” Perguntaram-lhe então: “Como se te abriram
os olhos?” Ele respondeu: “Aquele homem que se chama Jesus fez um pouco de
lama e passou nos meus olhos, dizendo: ‘Vai à piscina de Siloé e lava-te.’ Fui,
lavei-me e vejo.” Disseram-lhe: “Onde está Ele?” Respondeu o homem: “Não
sei.” Levaram então aos fariseus o homem que estivera cego. Ora, fora num dia
de sábado que Jesus fizera aquela lama e lhe abrira os olhos.
Também os fariseus o
interrogaram para saber como recobrara a vista. Ele lhes disse: “Ele me pôs
lama nos olhos, eu me lavei e vejo.” Ao que alguns fariseus retrucaram: “Esse
homem não é enviado de Deus, pois que não guarda o sábado.” Outros, porém,
diziam: “Como poderia um homem mau fazer prodígios tais?” Havia, a propósito,
dissensão entre eles.
Disseram de novo ao que fora
cego: “E tu, que dizes desse homem que te abriu os olhos?” Ele respondeu: “Digo
que é um profeta.” Mas os judeus não acreditaram que aquele homem houvesse
estado cego e que houvesse recobrado a vista, enquanto não fizeram vir o pai e
a mãe dele e os interrogaram assim: “É este o vosso filho, que dizeis ter nascido
cego? Como é que ele agora vê?” O pai e a mãe responderam: “Sabemos que esse
é nosso filho e que nasceu cego; não sabemos, porém, como agora vê e tampouco
sabemos quem lhe abriu os olhos. Interrogai-o; ele já tem idade, que responda
por si mesmo.”
Seu pai e sua mãe falavam desse
modo, porque temiam os judeus, visto que estes já haviam resolvido em comum que
quem quer que reconhecesse a Jesus como o Cristo seria expulso da sinagoga. Foi o que obrigou o pai e a mãe do rapaz a responderem: “Ele já tem idade;
interrogai-o.” Chamaram segunda vez o homem que estivera cego e lhe disseram:
“Glorifica a Deus; sabemos que esse homem é um pecador.” Ele lhes respondeu:
“Se é um pecador, não sei, tudo o que sei é que estava cego e agora vejo.” Tornaram a perguntar-lhe: “Que te fez Ele e como te abriu os olhos?” Respondeu o homem: “Já vo-lo disse e bem o ouvistes; por que quereis ouvi-lo
segunda vez? Será que queirais tornar-vos seus discípulos?” Ao que eles o
carregaram de injúrias e lhe disseram: “Sê tu seu discípulo; quanto a nós,
somos discípulos de Moisés. Sabemos que Deus falou a Moisés, ao passo que
este não sabemos donde saiu.”
O homem lhes respondeu: “É de
espantar que não saibais donde Ele é e que me tenha aberto os olhos. Ora,
sabemos que Deus não exalça os pecadores; mas, àquele que o honre e faça a sua
vontade, a esse Deus exalça. Desde que o mundo existe, jamais se ouviu dizer
que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença. Se esse homem não
fosse um enviado de Deus, nada poderia fazer de tudo o que tem feito.”
Disseram-lhe os fariseus: “Tu
és todo pecado, desde o ventre de tua mãe, e queres ensinar-nos a nós?” E o
expulsaram. (João, 9:1 a 34.)
25. Esta narrativa, tão simples
e singela, traz em si evidente o cunho da veracidade. Nada aí há de fantasista,
nem de maravilhoso. É uma cena da vida real apanhada em flagrante. A linguagem
do cego é exatamente a desses homens simples, nos quais o bom senso supre a
falta de saber e que retrucam com bonomia aos argumentos de seus adversários,
expendendo razões a que não faltam justeza, nem oportunidade. O tom dos
fariseus, por outro lado, é o dos orgulhosos que nada admitem acima de suas
inteligências e que se enchem de indignação à só ideia de que um homem do povo
lhes possa fazer observações. Afora a cor local dos nomes, dir-se-ia ser do
nosso tempo o fato.
Ser expulso da sinagoga
equivalia a ser posto fora da Igreja. Era uma espécie de excomunhão. Os
espíritas, cuja doutrina é a do Cristo de acordo com o progresso das luzes
atuais, são tratados como os judeus que reconheciam em Jesus o Messias.
Excomungando-os, a Igreja os põe fora de seu seio, como fizeram os escribas e
os fariseus com os seguidores do Cristo. Assim, aí está um homem que é expulso
porque não pode admitir seja um possesso do demônio aquele que o curara e
porque rende graças a Deus pela sua cura! Não é o que fazem com os espíritas?
Obter dos Espíritos salutares conselhos, a reconciliação com Deus e com o bem,
curas, tudo isso é obra do diabo e sobre os que isso conseguem lança-se
anátema. Não se têm visto padres declararem, do alto do púlpito, que é melhor
uma pessoa conservar-se incrédula do que recobrar a fé por meio do Espiritismo?
Não há os que dizem a doentes que estes não deviam ter procurado curar-se com
os espíritas que possuem esse dom, porque esse dom é satânico? Não há os que
pregam que os necessitados não devem aceitar o pão que os espíritas distribuem,
por ser do diabo esse pão? Que outra coisa diziam ou faziam os padres judeus e
os fariseus? Aliás, fomos avisados de que tudo hoje tem que se passar como ao
tempo do Cristo.
A pergunta dos discípulos: “Foi
algum pecado deste homem que deu causa a que ele nascesse cego?” revela que
eles tinham a intuição de uma existência anterior, pois, do contrário, ela
careceria de sentido, visto que um pecado somente pode ser causa de uma
enfermidade de nascença, se cometido antes do nascimento, portanto, numa
existência anterior. Se Jesus considerasse falsa semelhante ideia, ter-lhes-ia
dito: “Como houvera este homem podido pecar antes de ter nascido?” Em vez
disso, porém, diz que aquele homem estava cego, não por ter pecado, mas para
que nele se patenteasse o poder de Deus, isto é, para que servisse de
instrumento a uma manifestação do poder de Deus. Se não era uma expiação do passado,
era uma provação apropriada ao progresso daquele Espírito, porquanto Deus, que
é justo, não lhe imporia um sofrimento sem utilidade.
Quanto ao meio empregado para a
sua cura, evidentemente aquela espécie de lama feita de saliva e terra nenhuma
virtude podia encerrar, a não ser pela ação do fluido curativo de que fora
impregnada. É assim que as mais insignificantes substâncias, como a água, por
exemplo, podem adquirir qualidades poderosas e efetivas, sob a ação do fluido espiritual
ou magnético, ao qual elas servem de veículo, ou, se quiserem, de reservatório.
Numerosas curas operadas por Jesus
26. Jesus ia por toda a
Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do reino e curando
todos os langores e todas as enfermidades no meio do povo. — Tendo-se a sua
reputação espalhado por toda a Síria; traziam-lhe os que estavam doentes e
afligidos por dores e males diversos, os possessos, os lunáticos, os
paralíticos e Ele a todos curava. Acompanhava-o grande multidão da Galileia,
de Decápolis, de Jerusalém, da Judeia e de além Jordão. (Mateus, 4:23 a 25.)
27. De todos os fatos que dão
testemunho do poder de Jesus, os mais numerosos são, não há contestar, as
curas. Queria Ele provar dessa forma que o verdadeiro poder é o daquele que faz
o bem; que o seu objetivo era ser útil e não satisfazer à curiosidade dos
indiferentes, por meio de coisas extraordinárias.
Aliviando os sofrimentos,
prendia a si as criaturas pelo coração e fazia prosélitos mais numerosos e
sinceros, do que se apenas os maravilhasse com espetáculos para os olhos.
Daquele modo, fazia-se amado, ao passo que se se limitasse a produzir
surpreendentes fatos materiais, conforme os fariseus reclamavam, a maioria das
pessoas não teria visto nele senão um feiticeiro, ou um mágico hábil, que os desocupados
iriam apreciar para se distraírem.
Assim, quando João Batista
manda, por seus discípulos, perguntar-lhe se Ele era o Cristo, a sua resposta
não foi: “Eu o sou”, como qualquer impostor houvera podido dizer. Tampouco lhes
fala de prodígios, nem de coisas maravilhosas; responde-lhes simplesmente: “Ide
dizer a João: os cegos veem, os doentes são curados, os surdos ouvem, o
Evangelho é anunciado aos pobres.” O mesmo era que dizer: “Reconhecei-me pelas
minhas obras; julgai da árvore pelo fruto”, porquanto era esse o verdadeiro
caráter da sua missão divina.
28. O Espiritismo, igualmente,
pelo bem que faz é que prova a sua missão providencial. Ele cura os males
físicos, mas cura, sobretudo, as doenças morais e são esses os maiores
prodígios que lhe atestam a procedência. Seus mais sinceros adeptos não são os
que se sentem tocados pela observação de fenômenos extraordinários, mas os que
dele recebem a consolação para suas almas; os a quem liberta das torturas da
dúvida; aqueles a quem levantou o ânimo na aflição, que hauriram forças na certeza,
que lhes trouxe, acerca do futuro, no conhecimento do seu ser espiritual e de
seus destinos. Esses os de fé inabalável, porque sentem e compreendem.
Os que no Espiritismo
unicamente procuram efeitos materiais, não lhe podem compreender a força moral.
Daí vem que os incrédulos, que apenas o conhecem pelos fenômenos cuja causa
primária não admitem, consideram os espíritas meros prestidigitadores e
charlatães. Não será, pois, por meio de prodígios que o Espiritismo triunfará
da incredulidade será pela multiplicação dos seus benefícios morais, porquanto,
se é certo que os incrédulos não admitem os prodígios, não menos certo é que
conhecem, como toda gente, o sofrimento e as aflições e ninguém recusa alívio e
consolação.
Possessos
29. Vieram em seguida a
Cafarnaum e Jesus, entrando primeiramente, em dia de sábado, na sinagoga, os
instruía. Admiravam-se da sua doutrina, porque Ele os instruía como tendo
autoridade e não como os escribas.
Ora, achava-se na sinagoga um
homem possesso de um Espírito impuro, que exclamou: “Que há entre ti e nós,
Jesus de Nazaré? Vieste para nos perder? Sei quem és: és o santo de Deus.” Jesus, porém, falando-lhe ameaçadoramente, disse: “Cala-te e sai desse homem.” Então, o Espírito impuro, agitando o homem em violentas convulsões, saiu
dele.
Ficaram todos tão surpreendidos
que uns aos outros perguntavam: “Que é isto? Que nova doutrina é esta? Ele dá
ordem com império, até os Espíritos impuros, e estes lhe obedecem.” (Marcos,
1:21 a 27.)
30. Tendo eles saído,
apresentaram-lhe um homem mudo, possesso do demônio. Expulso o demônio, o
mudo falou, e o povo tomado de admiração, dizia: “Jamais se viu coisa
semelhante em Israel.”
Mas os fariseus, ao contrário,
diziam: “É pelo príncipe dos demônios que Ele expele os demônios.” (Mateus,
9:32 a 34.)
31. Quando Ele foi vindo ao
lugar onde estavam os outros discípulos, viu em torno destes uma grande
multidão e muitos escribas que com eles disputavam. Logo que deu com Jesus,
todo o povo se tomou de espanto e temor e correram todos a saudá-lo.
Perguntou Ele então: “Sobre que
disputáveis em assembleia?” Um homem, do meio do povo, tomando a palavra,
disse: “Mestre, trouxe-te meu filho, que está possesso de um Espírito mudo; em todo lugar onde dele se apossa, atira-o por terra e o menino espuma, rilha
os dentes e se torna todo seco. Pedi a teus discípulos que o expulsassem, mas
eles não puderam.”
Disse-lhes Jesus: “Ó gente
incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos suportarei? Trazei-mo.” Trouxeram-lho e ainda não havia ele posto os olhos em Jesus, e o Espírito
entrou a agitá-lo violentamente; ele caiu no chão e se pôs a rolar espumando.
Jesus perguntou ao pai do
menino: “Desde quando isto lhe sucede?” “Desde pequenino, diz o pai. E o
Espírito o tem lançado, muitas vezes, ora à água, ora ao fogo, para fazê-lo
perecer; se alguma coisa puderes, tem compaixão de nós e socorre-nos.”
Respondeu-lhe Jesus: “Se
puderes crer, tudo é possível àquele que crê.” Logo exclamou o pai do menino,
banhado em lágrimas: “Senhor, creio, ajuda-me na minha incredulidade.”
Jesus, vendo que o povo acorria
em multidão, falou em tom de ameaça ao Espírito impuro, dizendo-lhe: “Espírito
surdo e mudo sai desse menino e não entres mais nele.” Então, o Espírito,
soltando grande grito e agitando o menino em violentas convulsões, saiu,
ficando como morto o menino, de sorte que muitos diziam que ele morrera. Mas
Jesus, tomando-lhe as mãos e amparando-o, fê-lo levantar-se.
Quando Jesus voltou para casa,
seus discípulos lhe perguntaram, em particular: “Por que não pudemos nós
expulsar esse demônio?” Ele respondeu: “Os demônios desta espécie não podem
ser expulsos senão pela prece e pelo jejum.” (Marcos, 9:13 a 28.)
32. Apresentaram-lhe então um
possesso cego e mudo e Ele o curou, de modo que o possesso começou a falar e a
ver: Todo o povo ficou presa de admiração e dizia: “Não é esse o filho de
Davi?”
Mas os fariseus, isso ouvindo,
diziam: “Este homem expulsa os demônios com o auxílio de Belzebu, príncipe dos
demônios.”
Jesus, conhecendo-lhes os
pensamentos, disse-lhes: “Todo reino que se dividir contra si mesmo será
arruinado e toda cidade ou casa que se divide contra si mesma não pode
subsistir. Se Satanás expulsa a Satanás, ele está dividido contra si mesmo,
como, pois, o seu reino poderá subsistir? E, se é por Belzebu que eu expulso
os demônios, por quem os expulsarão vossos filhos? Por isso, eles próprios
serão os vossos juízes. Se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é
que o reino de Deus veio até vós.” (Mateus, 12:22 a 28.)
33. Com as curas, as
libertações de possessos figuram entre os mais numerosos atos de Jesus. Alguns
há, entre os fatos dessa natureza, como os acima narrados, no item 30, em que a
possessão não é evidente. Provavelmente, naquela época, como ainda hoje
acontece, atribuía-se à influência dos demônios todas as enfermidades cuja
causa se não conhecia, principalmente a mudez, a epilepsia e a catalepsia.
Outros há, toda- via, em que nada tem de duvidosa a ação dos maus Espíritos,
casos esses que guardam com os de que somos testemunhas tão frisante analogia, que
neles se reconhecem todos os sintomas de tal gênero de afecção. A prova da
participação de uma inteligência oculta, em tal caso, ressalta de um fato
material: são as múltiplas curas radicais obtidas, nalguns centros espíritas,
pela só evocação e doutrinação dos Espíritos obsessores, sem magnetização, nem
medicamentos e, muitas vezes, na ausência do paciente e a grande distância
deste. A imensa superioridade do Cristo lhe dava tal autoridade sobre os
Espíritos imperfeitos, chamados então demônios, que lhe bastava ordenar se
retirassem para que não pudessem resistir a essa injunção. (Cap. XIV, item 46.)
34. O fato de serem alguns maus
Espíritos mandados meter-se em corpos de porcos é o que pode haver de menos
provável. Aliás, seria difícil explicar a existência de tão numeroso rebanho de
porcos num país onde esse animal era tido em horror e nenhuma utilidade
oferecia para a alimentação. Um Espírito, porque mau, não deixa de ser um
Espírito humano, embora tão imperfeito que continue a fazer mal, depois de
desencarnar, como o fazia antes, e é contra todas as leis da natureza que lhe
seja possível fazer morada no corpo de um animal. No fato, pois, a que nos
referimos, temos que reconhecer a existência de uma dessas ampliações tão
comuns nos tempos de ignorância e de superstição; ou, então, será uma alegoria destinada
a caracterizar os pendores imundos de certos Espíritos.
35. Parece que, ao tempo de
Jesus, eram em grande número, na Judeia, os obsidiados e os possessos, donde a
oportunidade que Ele teve de curar a muitos. Sem dúvida, os Espíritos maus
haviam invadido aquele país e causado uma epidemia de possessões. (Cap. XIV,
item 49.)
Sem apresentarem caráter
epidêmico, as obsessões individuais são muitíssimo frequentes e se apresentam
sob os mais variados aspectos que, entretanto, por um conhecimento amplo do
Espiritismo, facilmente se descobrem. Podem, não raro, trazer consequências
danosas à saúde, seja agravando afecções orgânicas já existentes, seja
ocasionando-as. Um dia, virão a ser, incontestavelmente, arroladas entre as
causas patológicas que requerem, pela sua natureza especial, especiais meios de
tratamento. Revelando a causa do mal, o Espiritismo rasga nova senda à arte de
curar e fornece à Ciência meio de alcançar êxito onde até hoje quase sempre vê malogrados
seus esforços, pela razão de não atender à primordial causa do mal. (O livro
dos médiuns, 2a Parte, cap. XXIII.)
36. Os fariseus diziam que por influência dos demônios é que Jesus expulsava os demônios; segundo eles, o bem que Jesus fazia era obra de Satanás; não refletiam que, se Satanás expulsasse a si mesmo, praticaria rematada insensatez. É de notar-se que os fariseus daquele tempo já pretendessem que toda faculdade transcendente e, por esse motivo, reputada sobrenatural, era obra do demônio, pois que, na opinião deles, era do demônio que Jesus recebia o poder de que dispunha. É esse mais um ponto de semelhança daquela com a época atual e tal doutrina é ainda a que a Igreja procura fazer que prevaleça hoje, contra as manifestações espíritas.(1)
(1)
Nota de Allan Kardec: Nem todos os teólogos, porém, adotam opiniões tão
absolutas sobre a doutrina demoníaca. Aqui está uma cujo valor o clero não pode
contestar, emitida por um eclesiástico, Monsenhor Freyssinous, bispo de
Hermópolis, na seguinte passagem das suas Conferências sobre a religião, tomo
2º , p. 341 (Paris, 1825): “Se Jesus operasse seus milagres pelo poder do
demônio, este houvera trabalhado pela destruição do seu império e teria
empregado contra si próprio o seu poder. Certamente, um demônio que procurasse
destruir o reinado do vício para implantar o da virtude, seria um demônio muito
singular. Eis por que Jesus, para repelir a absurda acusação dos judeus, lhes
dizia: “Se opero prodígios em nome do demônio, o demônio está dividido consigo
mesmo, trabalha, conseguintemente, por se destruir a si próprio!” Resposta que
não admite réplica.
É precisamente o argumento que
os espíritas opõem aos que atribuem ao demônio os bons conselhos que os
Espíritos lhes dão. O demônio agiria então como um ladrão profissional que
restituísse tudo o que houvesse roubado e exortasse os outros ladrões a se
tornarem pessoas honestas.
Ressurreições
A filha de Jairo
37. Tendo Jesus passado novamente,
de barca, para a outra margem, logo que desembarcou, grande multidão se lhe
apinhou ao derredor. Então, um chefe de sinagoga, chamado Jairo veio ao seu
encontro e, ao aproximar-se dele, se lhe lançou aos pés, a suplicar com
grande instância, dizendo: “Tenho uma filha que está no momento extremo; vem
impor-lhe as mãos para a curar e lhe salvar a vida.”
Jesus foi com ele, acompanhado
de grande multidão, que o comprimia. Quando Jairo ainda falava, vieram pessoas
que lhe eram subordinadas e lhe disseram: “Tua filha está morta; por que hás de
dar ao Mestre o incômodo de ir mais longe?” Jesus, porém, ouvindo isso, disse
ao chefe da sinagoga: “Não te aflijas, crê apenas.” E a ninguém permitiu que
o acompanhasse, senão a Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago.
Chegando à casa do chefe da
sinagoga, viu Ele uma aglomeração confusa de pessoas que choravam e soltavam
grandes gritos. Entrando, disse-lhes Ele: “Por que fazeis tanto alarido e por
que chorais? Esta menina não está morta, está apenas adormecida.” Zombavam
dele. Tendo feito que toda a gente saísse, chamou o pai e mãe da menina e os
que tinham vindo em sua companhia e entrou no lugar onde a menina se achava
deitada. Tomou-lhe a mão e disse: “Talitha cumi”, isto é: “Minha filha,
levanta-te, Eu to ordeno.” No mesmo instante a menina se levantou e se pôs a
andar, pois contava doze anos, e ficaram todos maravilhados e espantados.
(Marcos, 5:21 a 43.)
O filho da viúva de Naim
38. No dia seguinte, dirigiu-se
Jesus para uma cidade chamada Naim; acompanhavam-no seus discípulos e grande
multidão. Quando estava perto da porta da cidade, aconteceu que levavam a
sepultar um morto, que era filho único de sua mãe e essa mulher era viúva;
estava com ela grande número de pessoas da cidade. Tendo-a visto, o Senhor se
tomou de compaixão para com ela e lhe disse: “Não chores.” Depois,
aproximando-se, tocou o esquife e os que o conduziam pararam. Então, disse Ele:
“Mancebo, levanta-te, Eu o ordeno.” Imediatamente, o moço se sentou e começou
a falar. E Jesus o restituiu à sua mãe.
Todos os que estavam presentes
ficaram tomados de espanto e glorificavam a Deus, dizendo: “Um grande profeta
surgiu entre nós e Deus visitou o seu povo.” O rumor desse milagre que Ele
fizera se espalhou por toda a Judeia e por todas as regiões circunvizinhas.
(Lucas, 7:11 a 17.)
39. Contrário seria às leis da
natureza e, portanto, milagroso, o fato de voltar à vida corpórea um indivíduo
que se achasse realmente morto. Ora, não há mister se recorra a essa ordem de
fatos, para ter-se a explicação das ressurreições que Jesus operou.
Se, mesmo na atualidade, as
aparências enganam por vezes os profissionais, quão mais frequentes não haviam
de ser os acidentes daquela natureza, num país onde nenhuma precaução se tomava
contra eles e onde o sepultamento era imediato (1). É, pois, de todo ponto
provável que, nos dois casos acima, apenas síncope ou letargia houvesse. O próprio
Jesus declara positivamente, com relação à filha de Jairo: “Esta menina,” disse
Ele, “não está morta, está apenas adormecida.”
Dado o poder fluídico que Ele
possuía, nada de espantoso há em que esse fluido vivificante, acionado por uma
vontade forte, haja reanimado os sentidos em torpor; que haja mesmo feito
voltar ao corpo o Espírito, prestes a abandoná-lo, uma vez que o laço
perispirítico ainda se não rompera definitivamente. Para os homens daquela
época, que consideravam morto o indivíduo desde que deixara de respirar, havia ressurreição
em casos tais; mas, o que na realidade havia era cura e não ressurreição, na
acepção legítima do termo.
(1) Nota de Allan Kardec: Uma
prova desse costume se nos depara nos Atos dos Apóstolos, 5:5 e seguintes.
“Ananias, tendo ouvido aquelas
palavras, caiu e rendeu o Espírito e todos os que ouviram falar disso foram
presas de grande temor. Logo, alguns rapazes lhe vieram buscar o corpo e,
tendo-o levado, o enterraram. Passadas umas três horas, sua mulher (Safira),
que nada sabia do que se dera, entrou. E Pedro lhe disse... etc. No mesmo
instante, ela lhe caiu aos pés e rendeu o Espírito. Aqueles rapazes, voltando,
a encontraram morta e, levando-a, enterraram-na junto do marido.”
40. A ressurreição de Lázaro,
digam o que disserem, de nenhum modo infirma este princípio. Ele estava, dizem,
havia quatro dias no sepulcro; sabe-se, porém, que há letargias que duram oito
dias e até mais. Acrescentam que já cheirava mal, o que é sinal de
decomposição. Esta alegação também nada prova, dado que em certos indivíduos há
decomposição parcial do corpo, mesmo antes da morte, havendo em tal caso cheiro
de podridão. A morte só se verifica quando são atacados os órgãos essenciais à
vida.
E quem podia saber que Lázaro
já cheirava mal? Foi sua irmã Maria quem o disse. Mas como o sabia ela? Por
haver já quatro dias que Lázaro fora enterrado, ela o supunha; nenhuma certeza,
entretanto, podia ter. (Cap. XIV, item 29.) (1)
(1) Nota de Allan Kardec: O
fato seguinte prova que a decomposição precede algumas vezes a morte. No
Convento do Bom Pastor, fundado em Toulon, pelo padre Marin, capelão dos
cárceres, e destinado às decaídas que se arrependem, encontrava-se uma rapariga
que suportara os mais terríveis sofrimentos com a calma e a impassibilidade de
uma vítima expiatória. Em meio de suas dores parecia sorrir para uma visão
celestial. Como Santa Teresa, pedia lhe fosse dado sofrer mais, embora suas
carnes já se achassem em frangalhos, com a gangrena a lhe devastar todos os
membros. Por sábia previdência, os médicos tinham recomendado que fizessem a
inumação do corpo, logo após o trespasse. Coisa singular! Mal a doente exalou o
último suspiro, cessou todo o trabalho de decomposição; desapareceram as
exalações cadaverosas, de sorte que durante 36 horas pôde o corpo ficar exposto
às preces e à veneração da comunidade.
Jesus caminha sobre a água
41. Logo, fez Jesus que seus discípulos
tomassem a barca e passassem para a outra margem antes dele, que ficava a
despedir o povo. Depois de o ter despedido, subiu a um monte para orar e,
tendo caído a noite, achou-se Ele sozinho naquele lugar.
Entrementes, a barca era
fortemente açoitada pelas ondas, em meio do mar, por ser contrário o vento. Mas na quarta vigília da noite, Jesus foi ter com eles, caminhando por sobre o
mar. Quando eles o viram andando sobre o mar, turbaram-se e diziam: “É um fantasma
e se puseram a gritar amedrontados.” Jesus então lhes falou, dizendo: “Tranquilizai-vos,
sou eu, não tenhais medo.”
Pedro lhe respondeu: “Senhor,
se és tu, manda que eu vá ao teu encontro, caminhando sobre as águas.”
Disse-lhe Jesus: “Vem.” Pedro, descendo da barca, caminhava sobre a água ao
encontro de Jesus. Mas vindo um grande vento ele teve medo; e como começasse a
submergir, clamou: “Senhor, salva-me.” Logo, Jesus, estendendo-lhe a mão,
disse: “Homem de pouca fé! por que duvidaste?” E, tendo subido para a barca,
cessou o vento. Então, os que estavam na barca, aproximando-se dele, o
adoraram, dizendo: “És verdadeiramente filho de Deus.” (Mateus, 14:22 a 33.)
42. Este fenômeno encontra
explicação natural nos princípios acima expostos, cap. XIV, item 43.
Exemplos análogos provam que
ele nada tem de impossível, nem de miraculoso, pois que se produz sob a ação
das leis da natureza. Pode operar-se de duas maneiras.
Jesus, embora estivesse vivo,
pôde aparecer sobre a água, com uma forma tangível, estando alhures o seu
corpo. É a hipótese mais provável. Fácil é mesmo descobrir-se na narrativa
alguns sinais característicos das aparições tangíveis. (Cap. XIV, itens 35 a
37.)
Por outro lado, também pode ter
sucedido que seu corpo fosse sustentado e neutralizada a sua gravidade pela
mesma força fluídica que mantém no espaço uma mesa, sem ponto de apoio.
Idêntico efeito se produz muitas vezes com os corpos humanos.
Transfiguração
43. Seis dias depois, tendo
chamado de parte a Pedro, Tiago e João, Jesus os levou consigo a um alto monte
afastado e se transfigurou diante deles. Enquanto orava, seu rosto pareceu
inteiramente outro; suas vestes se tornaram brilhantemente luminosas e brancas
qual a neve, como não há pisoeiro na Terra que possa fazer alguma tão alva. E
eles viram aparecer Elias e Moisés, a entreter palestra com Jesus.
Então, disse Pedro a Jesus:
“Mestre, estamos bem aqui; façamos três tendas: uma para ti, outra para Moisés,
outra para Elias.” É que ele não sabia o que dizia, tão espantado estava.
Ao mesmo tempo, apareceu uma nuvem
que os cobriu; e, dessa nuvem, uma voz partiu, fazendo ouvir estas palavras:
“Este é meu Filho bem-amado; escutai-o.”
Logo, olhando para todos os
lados, a ninguém mais viram, senão a Jesus, que ficara a sós com eles.
Quando desciam do monte,
ordenou-lhes Ele que a ninguém falassem do que tinham visto, até que o Filho do
Homem ressuscitasse dentre os mortos. E eles conservaram em segredo o fato,
inquirindo uns dos outros o que teria Ele querido dizer com estas palavras:
“Até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dentre os mortos.” (Marcos, 9:1 a
9.)
44. É ainda nas propriedades do
fluido perispirítico que se encontra a explicação deste fenômeno. A
transfiguração, explicada no cap. XIV, item 39, é um fato muito comum que, em
virtude da irradiação fluídica, pode modificar a aparência de um indivíduo;
mas, a pureza do perispírito de Jesus permitiu que seu Espírito lhe desse excepcional
fulgor. Quanto à aparição de Moisés e Elias cabe inteiramente no rol de todos
os fenômenos do mesmo gênero. (Cap. XIV, itens 35 e seguintes.)
De todas faculdades que Jesus
revelou, nenhuma se pode apontar estranha às condições da humanidade e que se
não encontre comumente nos homens, porque estão todas na ordem da natureza.
Pela superioridade, porém, da sua essência moral e de suas qualidades
fluídicas, aquelas faculdades atingiam nele proporções muito acima das que são
vulgares. Posto de lado o seu envoltório carnal, Ele nos patenteava o estado
dos puros Espíritos.
Tempestade aplacada
45. Certo dia, tendo tomado uma
barca com seus discípulos, disse-lhes Ele: “Passemos à outra margem do lago.”
Partiram então. Durante a travessia, Ele adormeceu. Então, um grande
turbilhão de vento se abateu de súbito sobre o lago, de sorte que, enchendo-se
de água a barca, eles se viam em perigo. Aproximaram-se, pois, dele e o
despertaram, dizendo-lhe: “Mestre, perecemos.” Jesus, levantando- -se, falou,
ameaçador, aos ventos e às ondas agitadas e uns e outras se aplacaram, sobrevindo
grande calma. Ele então lhes disse: “Onde está a vossa fé?” Eles, porém, cheios
de temor e admiração, perguntavam uns aos outros: “Quem é este que assim dá
ordens ao vento e às ondas, e eles lhe obedecem?” (Lucas, 8:22 a 25.)
46. Ainda não conhecemos
bastante os segredos da natureza para dizer se há ou não inteligências ocultas
presidindo à ação dos elementos. Na hipótese de haver, o fenômeno em questão
poderia ter resultado de um ato de autoridade sobre essas inteligências e
provaria um poder que a nenhum homem é dado exercer. Como quer que seja, o fato
de estar Jesus a dormir tranquilamente, durante a tempestade, atesta de sua
parte uma segurança que se pode explicar pela circunstância de que seu Espírito
via não haver perigo nenhum e que a tempestade ia amainar.
Bodas de Caná
47. Este milagre, referido
unicamente no Evangelho de João, é apresentado como o primeiro que Jesus operou
e, nessas condições, devera ter sido um dos mais notados. Entretanto, bem fraca
impressão parece haver produzido, pois que nenhum outro evangelista dele trata.
Fato tão extraordinário era para deixar espantados, no mais alto grau, os
convivas e, sobretudo, o dono da casa, os quais, todavia, parece que não o perceberam.
Considerado em si mesmo, pouca
importância tem o fato, em comparação com os que, verdadeiramente, atestam as
qualidades espirituais de Jesus. Admitido que as coisas hajam ocorrido,
conforme foram narradas, é de notar-se seja esse, de tal gênero, o único
fenômeno que se tenha produzido. Jesus era de natureza extremamente elevada,
para se ater a efeitos puramente materiais, próprios apenas a aguçar a
curiosidade da multidão que, então, o teria nivelado a um mágico. Ele sabia que
as coisas úteis lhe conquistariam mais simpatias e lhe granjeariam mais
adeptos, do que as que facilmente passariam por fruto de grande habilidade e destreza
(Item 27).
Se bem que, a rigor, o fato se
possa explicar, até certo ponto, por uma ação fluídica que houvesse, como o
magnetismo oferece muitos exemplos, mudado as propriedades da água, dando-lhe o
sabor do vinho, pouco provável é se tenha verificado semelhante hipótese, dado que,
em tal caso, a água, tendo do vinho unicamente o sabor, houvera conservado a
sua coloração, o que não deixaria de ser notado. Mais racional é se reconheça
aí uma daquelas parábolas tão frequentes nos ensinos de Jesus, como a do filho
pródigo, a do festim de bodas, do mau rico, da figueira que secou e tantas
outras que, todavia, se apresentam com caráter de fatos ocorridos.
Provavelmente, durante o repasto, terá Ele aludido ao vinho e à água, tirando
de ambos um ensinamento. Justificam esta opinião as palavras que a respeito lhe
dirige o mordomo: “Toda gente serve em primeiro lugar o vinho bom e, depois que
todos o têm bebido muito, serve o menos fino; tu, porém, guardas até agora o
bom vinho.”
Entre duas hipóteses, deve-se preferir
a mais racional e os espíritas não são tão crédulos que por toda parte vejam
manifestações, nem tão absolutos em suas opiniões, que pretendam explicar tudo
por meio dos fluidos.
Multiplicação dos pães
48. A multiplicação dos pães é
um dos milagres que mais têm intrigado os comentadores e alimentado, ao mesmo
tempo, as zombarias dos incrédulos. Sem se darem ao trabalho de lhe perscrutar
o sentido alegórico, para estes últimos ele não passa de um conto pueril.
Entretanto, a maioria das
pessoas sérias há visto na narrativa desse fato, embora sob forma diferente da
ordinária, uma parábola, em que se compara o alimento espiritual da alma ao
alimento do corpo. Pode-se, todavia, perceber nela mais do que uma simples
figura e admitir, de certo ponto de vista, a realidade de um fato material, sem
que, para isso, seja preciso se recorra ao prodígio. É sabido que uma grande
preocupação de espírito, bem como a atenção fortemente presa a uma coisa fazem
esquecer a fome. Ora, os que acompanhavam a Jesus eram criaturas ávidas de
ouvi-lo; nada há, pois, de espantar em que, fascinadas pela sua palavra e
também, talvez, pela poderosa ação magnética que Ele exercia sobre os que o
cercavam, elas não tenham experimentado a necessidade material de comer.
Prevendo esse resultado, Jesus
nenhuma dificuldade teve para tranquilizar os discípulos, dizendo-lhes, na
linguagem figurada que lhe era habitual e admitido que realmente houvessem
trazido alguns pães, que estes bastariam para matar a fome à multidão.
Simultaneamente, ministrava aos referidos discípulos um ensinamento, com o lhes
dizer: “Dai-lhes vós mesmos de comer.” Ensinava-lhes assim que também eles podiam
alimentar por meio da palavra.
Desse modo, a par do sentido
moral alegórico, produziu-se um efeito fisiológico, natural e muito conhecido.
O prodígio, no caso, está no ascendente da palavra de Jesus, poderosa bastante
para cativar a atenção de uma multidão imensa, ao ponto de fazê-la esquecer-se
de comer. Esse poder moral comprova a superioridade de Jesus, muito mais do que
o fato puramente material da multiplicação dos pães, que tem de ser considerada
como alegoria.
Esta explicação, aliás, o
próprio Jesus a confirmou nas duas passagens seguintes.
O fermento dos fariseus
49. Ora, tendo seus discípulos
passado para o outro lado do mar, esqueceram- -se de levar pães. Jesus lhes
disse: “Tende o cuidado de precatar-vos do fermento dos fariseus e dos
saduceus.” Eles, porém, pensavam e diziam entre si: “É porque não trouxemos
pães.”
Jesus, conhecendo-lhes os
pensamentos, disse: “Homens de pouca fé, por que haveis de estar cogitando de
não terdes trazido pães? Ainda não compreendeis e não vos lembrais quantos
cestos levastes? Como não compreendereis que não é do pão que eu vos falava,
quando disse que vos guardásseis do fermento dos fariseus e saduceus?”
Eles então compreenderam que
Ele não lhes dissera que se preservassem do fermento que se põe no pão, mas da
doutrina dos fariseus e dos saduceus. (Mateus, 16:5 a 12.)
O pão do céu
50. No dia seguinte, o povo,
que permanecera do outro lado do mar, notou que lá não chegara outra barca e
que Jesus não entrara na que seus discípulos tomaram, que os discípulos haviam
partido sós e como tinham chegado depois outras barcas de Tiberíades, perto
do lugar onde o Senhor, após render graças, os alimentara com cinco pães; e
como verificassem por fim que Jesus não estava lá, tampouco seus discípulos,
entraram naquelas barcas e foram para Cafarnaum, em busca de Jesus. E,
tendo-o encontrado além do mar, disseram-lhe: “Mestre, quando vieste para cá?”
Jesus lhes respondeu: “Em
verdade, em verdade vos digo que me procurais, não por causa dos milagres que
vistes, mas por que eu vos dei pão a comer e ficastes saciados. Trabalhai por
ter, não o alimento que perece, mas o que dura para a vida eterna e que o Filho
do Homem vos dará, porque foi nele que Deus, o Pai, imprimiu seu selo e seu
caráter.” Perguntaram-lhe eles: “Que devemos fazer para produzir obras de
Deus?” Respondeu-lhes Jesus: “A obra de Deus é que creiais no que Ele
enviou.”
Perguntaram-lhe então: Que
milagre operarás que nos faça crer, vendo-o? Que farás de extraordinário? Nossos pais comeram o maná no deserto, conforme está escrito: Ele lhes deu de
comer o pão do céu.
Jesus lhes respondeu: “Em
verdade, em verdade vos digo que Moisés não vos deu o pão do céu; meu Pai é
quem dá o verdadeiro pão do céu porquanto o pão de Deus é aquele que desceu
do céu e que dá vida ao mundo.”
Disseram eles então: “Senhor,
dá-nos sempre desse pão.”
Jesus lhes respondeu: “Eu sou o
pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome e aquele que em mim crê não
terá sede. Mas eu já vos disse: vós me tendes visto e não credes.
Em verdade, em verdade vos
digo: aquele que crê em mim tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Vossos
pais comeram o maná do deserto e morreram. Aqui está o pão que desceu do céu,
a fim de que quem dele comer não morra.” (João, 6:22 a 36 e 47 a 50.)
51. Na primeira passagem,
lembrando o fato precedentemente operado, Jesus dá claramente a entender que
não se tratara de pães materiais, pois, a não ser assim, careceria de objeto a
comparação por Ele estabelecida com o fermento dos fariseus: “Ainda não
compreendeis, diz Ele, e não vos recordais de que cinco pães bastaram para
cinco mil pessoas e que dois pães foram bastantes para quatro mil? Como não
compreendestes que não era de pão que eu vos falava, quando vos dizia que vos
preservásseis do fermento dos fariseus?” Esse confronto nenhuma razão de ser
teria, na hipótese de uma multiplicação material. O fato fora de si mesmo muito
extraordinário para ter impressionado fortemente a imaginação dos discípulos,
que, entretanto, pareciam não mais lembrar-se dele.
É também o que não menos
claramente ressalta, do que Jesus expendeu sobre o pão do céu, empenhado em
fazer que seus ouvintes compreendessem o verdadeiro sentido do alimento
espiritual. “Trabalhai, diz Ele, não por conseguir o alimento que perece, mas
pelo que se conserva para a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará.” Esse alimento
é a sua palavra, pão que desceu do céu e dá vida ao mundo. “Eu sou, declara
Ele, o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome e aquele que em mim crê
nunca terá sede.”
Tais distinções, porém, eram
por demais sutis para aquelas naturezas rudes, que somente compreendiam as
coisas tangíveis. Para eles, o maná, que alimentara o corpo de seus
antepassados, era o verdadeiro pão do céu; aí é que estava o milagre. Se,
portanto, houvesse ocorrido materialmente o fato da multiplicação dos pães,
como teria Ele impressionado tão fracamente aqueles mesmos homens, a cujo
benefício essa multiplicação se operara poucos dias antes, ao ponto de
perguntarem a Jesus: “Que milagre farás para que, vendo-o, te creiamos? Que
farás de extraordinário?” Eles entendiam por milagres os prodígios que os fariseus
pediam, isto é, sinais que aparecessem no céu por ordem de Jesus, como pela
varinha de um mágico. Ora, o que Jesus fazia era extremamente simples e não se
afastava das leis da natureza; as próprias curas não revelavam caráter muito
singular, nem muito extraordinário. Para eles, os milagres espirituais não
apresentavam grande vulto.
Tentação de Jesus
52. Jesus, transportado pelo
diabo ao pináculo do Templo, depois ao cume de uma montanha e por ele tentado,
constitui uma daquelas parábolas que lhe eram familiares e que a credulidade
pública transformou em fatos materiais.
53. “Jesus não foi arrebatado.
Ele apenas quis fazer que os homens compreendessem que a humanidade se acha
sujeita a falir e que deve estar sempre em guarda contra as más inspirações a
que, pela sua natureza fraca, é impelida a ceder. A tentação de Jesus é, pois,
uma figura e fora preciso ser cego para tomá-la ao pé da letra. Como
pretenderíeis que o Messias, o Verbo de Deus encarnado, tenha estado submetido,
por algum tempo, embora muito curto fosse este, às sugestões do demônio e que,
como o diz o Evangelho de Lucas, o demônio o houvesse deixado por algum tempo,
o que daria a supor que o Cristo continuou submetido ao poder daquela entidade?
Não; compreendei melhor os ensinos que vos foram dados. O Espírito do mal nada
poderia sobre a essência do bem. Ninguém diz ter visto Jesus no cume da
montanha, nem no pináculo do Templo. Certamente, tal fato teria sido de
natureza a se espalhar por todos os povos. A tentação, portanto, não constituiu
um ato material e físico. Quanto ao ato moral, admitiríeis que o Espírito das
trevas pudesse dizer àquele que conhecia sua própria origem e o seu poder: “Adora-me,
que te darei todos os remos da Terra?” Desconheceria então o demônio aquele a
quem fazia tais oferecimentos? Não é provável. Ora, se o conhecia, suas
propostas eram uma insensatez, pois ele não ignorava que seria repelido por
aquele que viera destruir-lhe o império sobre os homens.
“Compreendei, portanto, o
sentido dessa parábola, que outra coisa aí não tendes, do mesmo modo que nos
casos do Filho Pródigo e do Bom Samaritano. Aquela mostra os perigos que correm
os homens, se não resistem à voz íntima que lhes clama sem cessar: ‘Podes ser
mais do que és; podes possuir mais do que possuis; podes engrandecer-te, adquirir
muito; cede à voz da ambição e todos os teus desejos serão satisfeitos’. Ela
vos mostra o perigo e o meio de o evitardes, dizendo às más inspirações:
Retira-te, Satanás ou, por outras palavras: Vai-te, tentação!
“As duas outras parábolas que
lembrei mostram o que ainda pode esperar aquele que, por muito fraco para
expulsar o demônio, lhe sucumbiu às tentações. Mostram a misericórdia do pai de
família, pousando a mão sobre a fronte do filho arrependido e concedendo-lhe,
com amor, o perdão implorado. Mostram o culpado, o cismático, o homem repelido
por seus irmãos, valendo mais, aos olhos do Juiz supremo, do que os que o
desprezam, por praticar ele as virtudes que a lei de amor ensina.
“Pesai bem os ensinamentos que
os Evangelhos contêm; sabei distinguir o que ali está em sentido próprio, ou em
sentido figurado, e os erros que vos hão cegado durante tanto tempo se apagarão
pouco a pouco, cedendo lugar à brilhante luz da Verdade.” João Evangelista, Bordeaux,
1862.
Prodígios por ocasião da morte de Jesus
54. Ora, desde a sexta hora do
dia até a nona, toda a Terra se cobriu de trevas.
Ao mesmo tempo, o véu do Templo
se rasgou em dois, de alto a baixo; a terra tremeu; as pedras se fenderam; os
sepulcros se abriram e muitos corpos de santos, que estavam no sono da morte,
ressuscitaram; e, saindo de seus túmulos após a ressurreição, vieram à cidade
santa e foram vistos por muitas pessoas. (Mateus, 27:45, 51 a 53.)
55. É singular que tais
prodígios, operando-se no momento mesmo em que a atenção da cidade se fixava no
suplício de Jesus, que era o acontecimento do dia, não tenham sido notados,
pois que nenhum historiador os menciona. Parece impossível que um tremor de
terra e o ficar toda a Terra envolta em trevas durante três horas, numa região
onde o céu é sempre de perfeita limpidez, hajam podido passar despercebidos.
A duração de tal obscuridade
teria sido quase a de um eclipse do Sol, mas os eclipses dessa espécie só se
produzem na lua nova, e a morte de Jesus ocorreu em fase de lua cheia, a 14 de
Nissan, dia da Páscoa dos judeus.
O obscurecimento do Sol também
pode ser produzido pelas manchas que se lhe notam na superfície. Em tal caso, o
brilho da luz se enfraquece sensivelmente, porém, nunca ao ponto de determinar
obscuridade e trevas. Admitido que um fenômeno desse gênero se houvesse dado,
ele decorreria de uma causa perfeitamente natural. (1)
Quanto aos mortos que
ressuscitaram, possivelmente algumas pessoas tiveram visões ou viram aparições,
o que não é excepcional. Entretanto, como então não se conhecia a causa desse
fenômeno, supuseram que as figuras vistas saíam dos sepulcros.
Compungidos com a morte de seu
Mestre, os discípulos de Jesus sem dúvida ligaram a essa morte alguns fatos
particulares, aos quais noutra ocasião nenhuma atenção houveram prestado.
Bastou, talvez, que um fragmento de rochedo se haja destacado naquele momento,
para que pessoas inclinadas ao maravilhoso tenham visto nesse fato um prodígio
e, ampliando-o, tenham dito que as pedras se fenderam.
Jesus é grande pelas suas obras
e não pelos quadros fantásticos de que um entusiasmo pouco ponderado entendeu
de cercá-lo.
(1) Nota de Allan Kardec: Há
constantemente, na superfície do Sol, manchas físicas, que lhe acompanham o
movimento de rotação e hão servido para determinar-se a duração desse
movimento. Às vezes, porém, essas manchas aumentam em número, em extensão e em
intensidade. É então que se produz uma diminuição da luz e do calor solares. O
aumento do número das manchas parece coincidir com certos fenômenos
astronômicos e com a posição relativa de alguns planetas, o que lhes determina
o reaparecimento periódico. É muito variável a duração daquele obscurecimento;
por vezes não vai além de duas ou três horas, mas, em 535, houve um que durou
catorze meses.
Aparição de Jesus após sua morte
56. Mas Maria (Madalena) se
conservou fora, perto do sepulcro, a derramar lágrimas. E, estando a chorar,
como se abaixasse para olhar dentro do sepulcro viu dois anjos vestidos de
branco, assentados no lugar onde estivera o corpo de Jesus, um à cabeceira, o
outro do lado dos pés. Disseram-lhe eles: “Mulher, por que choras?” Ela respondeu: “É
que levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram.”
Tendo dito isto, voltou-se e
viu a Jesus de pé, sem saber, entretanto que fosse Jesus. Este então lhe disse:
“Mulher, por que choras? A quem procuras?” Ela, pensando fosse o jardineiro,
lhe disse: “Senhor, se foste tu quem o tirou, dize-me onde o puseste e eu o
levarei.”
Disse-lhe Jesus: “Maria.” Logo
ela se voltou e disse: “Rabboni”, isto é: “Meu Senhor.” Jesus lhe respondeu:
“Não me toques, porquanto ainda não subi para meu Pai; mas vai ter com meus
irmãos e dize-lhes de minha parte: “Subo a meu Pai e vosso Pai, a meu Deus e
vosso Deus.”
Maria Madalena foi então dizer
aos discípulos que vira o Senhor e que este lhe dissera aquelas coisas. (João,
20:11 a 18.)
57. Naquele mesmo dia, indo
dois deles para um burgo chamado Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios
falavam entre si de tudo o que se passara. E aconteceu que, quando
conversavam e discorriam sobre isso, Jesus se lhes juntou e se pôs a caminhar
com eles; seus olhos, porém, estavam tolhidos, a fim de que não o pudessem
reconhecer. Ele disse: “De que vínheis falando a caminhar e por que estais
tão tristes?”
Um deles, chamado Cleofas,
tomando a palavra disse: “Serás em Jerusalém o único estrangeiro que não saiba
do que aí se passou estes últimos dias?” “Que foi?” perguntou Ele.
Responderam-lhe: “A respeito de Jesus de Nazaré, que foi um poderoso profeta
diante de Deus e diante de toda a gente, e acerca do modo por que os príncipes
dos sacerdotes e os nossos senadores o entregaram para ser condenado à morte e
o crucificaram. Ora, nós esperávamos fosse Ele quem resgatasse a Israel, no
entanto, já estamos no terceiro dia depois que tais coisas se deram. É certo
que algumas mulheres das que estavam conosco nos espantaram, pois que, tendo
ido ao seu sepulcro antes do romper do dia, nos vieram dizer que anjos mesmos
lhes apareceram, dizendo-lhes que Ele está vivo. E alguns dos nossos, tendo
ido também ao sepulcro, encontraram todas as coisas conforme as mulheres haviam
referido; mas, quanto a Ele, não o encontraram.”
Disse-lhes então Jesus: “Ó
insensatos, de coração tardo a crer em tudo o que os profetas hão dito! Não era
preciso que o Cristo sofresse todas essas coisas e que entrasse assim na sua
glória?” E, a começar de Moisés, passando em seguida por todos os profetas,
lhes explicava o que em todas as Escrituras fora dito dele.
Ao aproximarem-se do burgo para
onde se dirigiam, Ele deu mostras de que ia mais longe. Os dois o obrigaram a
deter-se, dizendo-lhe: “Fica conosco, que já é tarde e o dia está em declínio.”
Ele entrou com os dois. Estando com eles à mesa tomou do pão, abençoou-o e
lhes deu. Abriram-se-lhes ao mesmo tempo os olhos e ambos o reconheceram;
Ele, porém, lhes desapareceu das vistas. Então, disseram um ao outro: “Não é
verdade que o nosso coração ardia dentro de nós, quando Ele pelo caminho nos
falava, explicando-nos as Escrituras?” E, erguendo-se no mesmo instante, voltaram
a Jerusalém e viram que os onze apóstolos e os que continuavam com eles estavam
reunidos e diziam: “O Senhor em verdade ressuscitou e apareceu a Simão.” Então, também eles narraram o que lhes acontecera em caminho e como o tinham
reconhecido ao partir o pão.
Enquanto assim confabulavam,
Jesus se apresentou no meio deles e lhes disse: “A paz seja convosco; sou eu,
não vos assusteis.” Mas, na perturbação e no medo de que foram tomados, eles
imaginaram estar vendo um Espírito.
E Jesus lhes disse: “Por que
vos turbais? Por que se elevam tantos pensamentos nos vossos corações? Olhai
para as minhas mãos e para os meus pés e reconhecei que sou eu mesmo. Tocai-me
e considerai que um Espírito não tem carne, nem osso, como vedes que eu tenho.” Dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés.
Mas como eles ainda não
acreditavam, tão transportados de alegria e de admiração se achavam,
disse-lhes: “Tendes aqui alguma coisa que se coma?” Eles lhe apresentaram um
pedaço de peixe assado e um favo de mel. Ele comeu diante deles e, tomando os
restos, lhes deu, dizendo: “Eis que, estando ainda convosco, eu vos dizia que
era necessário se cumprisse tudo o que de mim foi escrito na lei de Moisés, nos
profetas e nos Salmos.”
Ao mesmo tempo lhes abriu o
espírito, a fim de que entendessem as Escrituras e lhes disse: “É assim que
está escrito e assim era que se fazia necessário sofresse o Cristo e
ressuscitasse dentre os mortos ao terceiro dia; e que se pregasse em seu nome
a penitência e a remissão dos pecados em todas as nações, a começar por Jerusalém. Ora, vós sois testemunhas dessas coisas. Vou enviar-vos o dom de meu Pai, o
qual vos foi prometido; mas, por enquanto, permanecei na cidade, até que eu vos
haja revestido da força do Alto.” (Lucas, 24:13 a 49.)
58. Ora, Tomé, um dos doze
apóstolos, chamado Dídimo, não se achava com eles quando veio Jesus. Os
outros discípulos então lhe disseram: “Vimos o Senhor.” Ele, porém, lhes disse:
“Se eu não vir nas suas mãos as marcas dos cravos que as atravessaram e não
puser o dedo no buraco feito pelos cravos e minha mão no rasgão do seu lado,
não acreditarei, absolutamente.”
Oito dias depois, estando ainda
os discípulos no mesmo lugar e com eles Tomé, Jesus se apresentou, achando-se
fechadas as portas, e, colocando-se no meio deles, disse-lhes: “A paz seja
convosco.”
Disse em seguida a Tomé: “Põe
aqui o teu dedo e olha minhas mãos; estende também a tua mão e mete-a no meu
lado e não sejas incrédulo, mas fiel.” Tomé lhe respondeu: “Meu Senhor e meu
Deus!” Jesus lhe disse: “Tu creste, Tomé, porque viste; ditosos os que creram
sem ver.” (João, 20: 24 a 29.)
59. Jesus também se mostrou
depois aos seus discípulos à margem do mar de Tiberíades, mostrando-se desta
forma: Simão Pedro e Tomé, chamado Dídimo, Natanael, que era de Caná, na
Galileia, os filhos de Zebedeu e dois outros de seus discípulos estavam juntos. Disse- -lhes Simão Pedro: “Vou pescar.” Os outros disseram: “Também nós vamos
contigo.” Foram-se e entraram numa barca; mas, naquela noite, nada apanharam.
Ao amanhecer, Jesus apareceu à
margem sem que seus discípulos conhecessem que era Ele. Disse-lhes então:
“Filhos, nada tendes que se coma?” Responderam-lhe: “Não.” Disse-lhes Ele:
“Lançai a rede do lado direito da barca e achareis.” Eles a lançaram logo e quase
não a puderam retirar, tão carregada estava de peixes.
Então, o discípulo a quem Jesus
amava disse a Pedro: “É o Senhor.” Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor,
vestiu-se (pois que estava nu) e se atirou ao mar. Os outros discípulos
vieram com a barca, e, como não estavam distantes da praia mais de duzentos
côvados, puxaram daí a rede cheia de peixes. (João, 21:1 a 8.)
60. Depois disso, Ele os
conduziu para Betânia e, tendo levantado as mãos, os abençoou e, tendo-os
abençoado, se separou deles e foi arrebatado ao céu.
Quanto a eles, depois de o
terem adorado, voltaram para Jerusalém, cheios de alegria. Estavam
constantemente no Templo, louvando e bendizendo a Deus. Amém. (Lucas, 24:50 a
53.)
61. Todos os evangelistas
narram as aparições de Jesus, após sua morte, com circunstanciados pormenores
que não permitem se duvide da realidade do fato. Elas, aliás, se explicam
perfeitamente pelas leis fluídicas e pelas propriedades do perispírito e nada
de anômalo apresentam em face dos fenômenos do mesmo gênero, cuja história, antiga
e contemporânea, oferece numerosos exemplos, sem lhes faltar sequer a
tangibilidade. Se notarmos as circunstâncias em que se deram as suas diversas
aparições, nele reconheceremos, em tais ocasiões, todos os caracteres de um ser
fluídico. Aparece inopinadamente e do mesmo modo desaparece; uns o veem, outros
não, sob aparências que não o tornam reconhecível nem sequer aos seus
discípulos; mostra-se em recintos fechados, onde um corpo carnal não poderia
penetrar; sua própria linguagem carece da vivacidade da de um ser corpóreo;
fala em tom breve e sentencioso, peculiar aos Espíritos que se manifestam
daquela maneira; todas as suas atitudes, numa palavra, denotam alguma coisa que
não é do mundo terreno. Sua presença causa simultaneamente surpresa e medo; ao
vê-lo, seus discípulos não lhe falam com a mesma liberdade de antes; sentem que
já não é um homem.
Jesus, portanto, se mostrou com
o seu corpo perispirítico, o que explica que só tenha sido visto pelos que Ele
quis que o vissem. Se estivesse com o seu corpo carnal, todos o veriam, como
quando estava vivo. Ignorando a causa originária do fenômeno das aparições,
seus discípulos não se apercebiam dessas particularidades, a que,
provavelmente, não davam atenção. Desde que viam o Senhor e o tocavam, haviam
de achar que aquele era o seu corpo ressuscitado. (Cap. XIV, itens 14 e 35 a
38.)
62. Ao passo que a
incredulidade rejeita todos os fatos que Jesus produziu, por terem uma
aparência sobrenatural, e os considera, sem exceção, lendários, o Espiritismo
dá explicação natural à maior parte desses fatos. Prova a possibilidade deles,
não só pela teoria das leis fluídicas, como pela identidade que apresentam com
análogos fatos produzidos por uma imensidade de pessoas nas mais vulgares
condições. Por serem, de certo modo, tais fatos do domínio público, eles nada
provam, em princípio, com relação à natureza excepcional de Jesus. (1)
(1) Nota de Allan Kardec: Os
inúmeros fatos contemporâneos de curas, aparições, possessões, dupla vista e
outros, que se encontram relatados na Revista espírita e lembrados nas
observações acima, oferecem, até quanto aos pormenores, tão flagrante analogia
com os que o Evangelho narra, que ressalta evidente a identidade dos efeitos e
das causas. Não se compreende que o mesmo fato tivesse hoje uma causa natural e
que essa causa fosse sobrenatural outrora; diabólica com uns e divina com
outros. Se fora possível pô-los aqui em confronto uns com os outros, a
comparação mais fácil se tornaria; não o permitem, porém, o número deles e os
desenvolvimentos que a narrativa reclamaria.
63. O maior milagre que Jesus
operou, o que verdadeiramente atesta a sua superioridade, foi a revolução que
seus ensinos produziram no mundo, malgrado a exiguidade dos seus meios de ação.
Com efeito, Jesus, obscuro,
pobre, nascido na mais humilde condição, no seio de um povo pequenino, quase
ignorado e sem preponderância política, artística ou literária, apenas durante
três anos prega a sua doutrina; em todo esse curto espaço de tempo é
desatendido e perseguido pelos seus concidadãos; vê-se obrigado a fugir para
não ser lapidado; é traído por um de seus apóstolos, renegado por outro,
abandonado por todos no momento em que cai nas mãos de seus inimigos. Só fazia
o bem e isso não o punha ao abrigo da malevolência, que dos próprios serviços
que Ele prestava tirava motivos para o acusar. Condenado ao suplício que só aos
criminosos era infligido, morre ignorado do mundo, visto que a História daquela
época nada diz a seu respeito. Nada escreveu; entretanto, ajudado por alguns
homens tão obscuros quanto Ele, sua palavra bastou para regenerar o mundo; sua
doutrina matou o paganismo onipotente e se tornou o facho da civilização. Tinha
contra si tudo o que causa o malogro das obras dos homens, razão por que
dizemos que o triunfo alcançado pela sua doutrina foi o maior dos seus
milagres, ao mesmo tempo que prova ser divina a sua missão. Se, em vez de
princípios sociais e regeneradores, fundados sobre o futuro espiritual do
homem, Ele apenas houvesse legado à posteridade alguns fatos maravilhosos,
talvez hoje mal o conhecessem de nome.
Desaparecimento do corpo de Jesus
64. O desaparecimento do corpo
de Jesus após sua morte há sido objeto de inúmeros comentários. Atestam-no os
quatro evangelistas, baseados nas narrativas das mulheres que foram ao sepulcro
no terceiro dia depois da crucificação e lá não o encontraram. Viram alguns,
nesse desaparecimento, um fato milagroso, atribuindo-o outros a uma subtração
clandestina.
Segundo outra opinião, Jesus
não teria tido um corpo carnal, mas apenas um corpo fluídico; não teria sido,
em toda a sua vida, mais do que uma aparição tangível; numa palavra: uma
espécie de agênere. Seu nascimento, sua morte e todos os atos materiais de sua
vida teriam sido apenas aparentes. Assim foi que, dizem, seu corpo, voltado ao
estado fluídico, pôde desaparecer do sepulcro e com esse mesmo corpo é que Ele
se teria mostrado depois de sua morte.
É fora de dúvida que semelhante
fato não se pode considerar radicalmente impossível, dentro do que hoje se sabe
acerca das propriedades dos fluidos; mas, seria, pelo menos, inteiramente
excepcional e em formal oposição ao caráter dos agêneres. (Cap. XIV, item 36.)
Trata-se, pois, de saber se tal hipótese é admissível, se os fatos a confirmam
ou contradizem.
65. A estada de Jesus na Terra
apresenta dois períodos: o que precedeu e o que se seguiu à sua morte. No
primeiro, desde o momento da concepção até o nascimento, tudo se passa, pelo
que respeita à sua mãe, como nas condições ordinárias da vida. Desde o seu
nascimento até a sua morte, tudo, em seus atos, na sua linguagem e nas diversas
circunstâncias da sua vida, revela os caracteres inequívocos da corporeidade.
São acidentais os fenômenos de ordem psíquica que nele se produzem e nada têm
de anômalos, pois que se explicam pelas propriedades do perispírito e se dão,
em graus diferentes, noutros indivíduos. Depois de sua morte, ao contrário,
tudo nele revela o ser fluídico. É tão marcada a diferença entre os dois
estados, que não podem ser assimilados.
O corpo carnal tem as
propriedades inerentes à matéria propriamente dita, propriedades que diferem
essencialmente das dos fluidos etéreos; naquela, a desorganização se opera pela
ruptura da coesão molecular. Ao penetrar no corpo material, um instrumento
cortante lhe divide os tecidos; se os órgãos essenciais à vida são atacados,
cessa-lhes o funcionamento e sobrevém a morte, isto é, a do corpo. Não
existindo nos corpos fluídicos essa coesão, a vida aí já não repousa no jogo de
órgãos especiais e não se podem produzir desordens análogas àquelas. Um instrumento
cortante ou outro qualquer penetra num corpo fluídico como se penetrasse numa
massa de vapor, sem lhe ocasionar qualquer lesão. Tal a razão por que não podem
morrer os corpos dessa espécie e por que os seres fluídicos, designados pelo
nome de agêneres, não podem ser mortos.
Após o suplício de Jesus, seu
corpo se conservou inerte e sem vida; foi sepultado como o são de ordinário os
corpos e todos o puderam ver e tocar. Após a sua ressurreição, quando quis
deixar a Terra, não morreu de novo; seu corpo se elevou, desvaneceu e
desapareceu, sem deixar qualquer vestígio, prova evidente de que aquele corpo
era de natureza diversa da do que pereceu na cruz; donde forçoso é concluir
que, se foi possível que Jesus morresse, é que carnal era o seu corpo.
Por virtude das suas
propriedades materiais, o corpo carnal é a sede das sensações e das dores
físicas, que repercutem no centro sensitivo ou Espírito. Quem sofre não é o
corpo, é o Espírito recebendo o contragolpe das lesões ou alterações dos
tecidos orgânicos. Num corpo sem Espírito, absolutamente nula é a sensação.
Pela mesma razão, o Espírito, sem corpo material, não pode experimentar os
sofrimentos, visto que estes resultam da alteração da matéria, donde também
forçoso é se conclua que, se Jesus sofreu materialmente, do que não se pode
duvidar, é que Ele tinha um corpo material de natureza semelhante ao de toda gente.
66. Aos fatos materiais
juntam-se fortíssimas considerações morais.
Se as condições de Jesus,
durante a sua vida, fossem as dos seres fluídicos, Ele não teria experimentado
nem a dor, nem as necessidades do corpo. Supor que assim haja sido é tirar-lhe
o mérito da vida de privações e de sofrimentos que escolhera, como exemplo de
resignação. Se tudo nele fosse aparente, todos os atos de sua vida, a reiterada
predição de sua morte, a cena dolorosa do Jardim das Oliveiras, sua prece a
Deus para que lhe afastasse dos lábios o cálice de amarguras, sua paixão, sua
agonia, tudo, até o último brado, no momento de entregar o Espírito, não teria
passado de vão simulacro, para enganar com relação à sua natureza e fazer crer
num sacrifício ilusório de sua vida, numa comédia indigna de um homem
simplesmente honesto, indigna, portanto, e com mais forte razão de um ser tão
superior. Numa palavra: Ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e
da posteridade. Tais as consequências lógicas desse sistema, consequências
inadmissíveis, porque o rebaixariam moralmente, em vez de o elevarem.
Jesus, pois, teve, como todo
homem, um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos
materiais e pelos fenômenos psíquicos que lhe assinalaram a existência.
67. Não é nova essa ideia sobre
a natureza do corpo de Jesus. No quarto século, Apolinário, de Laodiceia, chefe
da seita dos apolinaristas, pretendia que Jesus não tomara um corpo como o
nosso, mas um corpo impassível, que descera do céu ao seio da santa virgem e
que não nascera dela; que, assim, Jesus não nascera, não sofrera e não morrera,
senão em aparência. Os apolinaristas foram anatematizados no concílio de
Alexandria, em 360; no de Roma, em 374; e no de Constantinopla,em 381.
Tinham a mesma crença os docetas (do grego dokéō, aparecer), seita numerosa dos Gnósticos, que subsistiu durante os três primeiros séculos.
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