Uranografia geral
O espaço e o tempo
1.
Já muitas definições de espaço foram dadas, sendo a principal esta: o espaço é
a extensão que separa dois corpos, na qual certos sofistas deduziram que onde
não haja corpos não haverá espaço. Nisto foi que se basearam alguns doutores em
Teologia para estabelecer que o espaço é necessariamente finito, alegando que
certo número de corpos finitos não poderiam formar uma série infinita e que,
onde acabassem os corpos, igualmente o espaço acabaria. Também definiram o
espaço como o lugar onde se movem os mundos, o vazio onde a matéria atua etc.
Deixemos todas essas definições, que nada definem, nos tratados onde repousam.
Espaço
é uma dessas palavras que exprimem uma ideia primitiva e axiomática, de si
mesma evidente, e a respeito dela as diversas definições que se possam dar nada
mais fazem do que obscurecê-la. Todos sabemos o que é o espaço e eu apenas
quero firmar que ele é infinito, a fim de que os nossos estudos ulteriores não
encontrem uma barreira opondo-se às investigações do nosso olhar.
Ora,
digo que o espaço é infinito, pela razão de ser impossível imaginar-se-lhe um
limite qualquer e porque, apesar da dificuldade com que topamos para conceber o
infinito, mais fácil nos é avançar eternamente pelo espaço, em pensamento, do
que parar num ponto qualquer, depois do qual não mais encontrássemos extensão a
percorrer.
Para figurarmos, quanto no-lo permitam as nossas limitadas faculdades, a infinidade do espaço, suponhamos que, partindo da Terra, perdida no meio do infinito, para um ponto qualquer do universo, e isso com a velocidade prodigiosa da centelha elétrica, que percorre milhares de léguas por segundo, e que mal tendo deixado este globo já tenhamos percorrido milhões de léguas, nos achamos num lugar donde apenas divisamos a Terra sob o aspecto de pálida estrela. Passado um instante, seguindo sempre a mesma direção, chegamos a essas estrelas longínquas que mal percebeis da vossa estação terrestre. Daí, não só a Terra nos desaparece inteiramente do olhar nas profundezas do céu, como também o próprio Sol, com todo o seu esplendor, se há eclipsado pela extensão que dele nos separa. Animados sempre da mesma velocidade do relâmpago, a cada passo que avançamos na extensão, transpomos sistemas de mundos, ilhas de luz etérea, estradas estelíferas, paragens suntuosas onde Deus semeou mundos na mesma profusão com que semeou as plantas nas pradarias terrenas.
Ora,
há apenas poucos minutos que caminhamos e já centenas de milhões e milhões de
léguas nos separam da Terra, bilhões de mundos nos passaram sob as vistas e,
entretanto, escutai! em realidade, não avançamos um só passo que seja no
universo.
Se
continuarmos durante anos, séculos, milhares de séculos, milhões de períodos
cem vezes seculares e sempre com a mesma velocidade do relâmpago, nem um passo
teremos avançado, qualquer que seja o lado para onde nos dirijamos e qualquer
que seja o ponto para onde nos encaminhemos, a partir desse grãozinho invisível
donde saímos e a que chamamos Terra.
Eis
aí o que é o espaço!
2.
Como a palavra espaço, tempo é também um termo já por si mesmo definido. Dele
se faz ideia mais exata, relacionando-o com o todo infinito.
O
tempo é a sucessão das coisas. Está ligado à eternidade, do mesmo modo que as
coisas estão ligadas ao infinito. Suponhamo-nos na origem do nosso mundo, na
época primitiva em que a Terra ainda não se movia sob a divina impulsão; numa
palavra: no começo da Gênese. O tempo então ainda não saíra do misterioso berço
da natureza e ninguém pode dizer em que época de séculos nos achamos, porquanto
o pêndulo dos séculos ainda não foi posto em movimento.
Mas
silêncio! soa na sineta eterna a primeira hora de uma Terra insulada, o planeta
se move no espaço e desde então há tarde e manhã. Para lá da Terra, a
eternidade permanece impassível e imóvel, embora o tempo marche com relação a
muitos outros mundos. Para a Terra, o tempo a substitui e durante uma
determinada série de gerações contar-se-ão os anos e os séculos.
Transportemo-nos
agora ao último dia desse mundo, à hora em que, curvado sob o peso da vetustez,
ele se apagará do livro da vida para aí não mais reaparecer. Interrompe-se
então a sucessão dos eventos; cessam os movimentos terrestres que mediam o
tempo e o tempo acaba com eles.
Esta
simples exposição das coisas que dão nascimento ao tempo, que o alimentam e
deixam que ele se extinga, basta para mostrar que, visto do ponto em que
houvemos de colocar-nos para os nossos estudos, o tempo é uma gota de água que
cai da nuvem no mar e sua queda é medida.
Tantos
mundos na vasta amplidão, quantos tempos diversos e incompatíveis. Fora dos
mundos, somente a eternidade substitui essas efêmeras sucessões e enche tranquilamente
da sua luz imóvel a imensidade dos céus. Imensidade sem limites e eternidade
sem limites, tais as duas grandes propriedades da natureza universal.
O
olhar do observador, que atravessa, sem jamais encontrar o que o detenha, as
incomensuráveis distâncias do espaço, e o do geólogo, que remonta além dos
limites das idades, ou que desce às profundezas da eternidade de fauces
escancaradas, em que ambos um dia se perderão, atuam em concordância, cada um
na sua direção, para adquirir esta dupla noção do infinito: extensão e duração.
Dentro
desta ordem de ideias, fácil nos será conceber que, sendo o tempo apenas a
relação das coisas transitórias e dependendo unicamente das coisas que se
medem, se tomássemos os séculos terrestres por unidade e os empilhássemos aos
milhares, para formar um número colossal, esse número nunca representaria mais
que um ponto na eternidade, do mesmo modo que milhares de léguas adicionadas a
milhares de léguas não dão mais que um ponto na extensão.
Assim,
por exemplo, estando os séculos fora da vida etérea da alma, poderíamos
escrever um número tão longo quanto o equador terrestre e supormo-nos
envelhecidos desse número de séculos, sem que na realidade nossa alma conte um
dia a mais. E juntando a esse número indefinível de séculos uma série de
números semelhantes, longa como daqui ao Sol, ou ainda mais consideráveis, se
imaginássemos viver durante uma sucessão prodigiosa de períodos seculares
representados pela adição de tais números, quando chegássemos ao termo, o
inconcebível amontoado de séculos que nos passaria sobre a cabeça seria como se
não existisse: diante de nós estaria sempre toda a eternidade.
O
tempo é apenas uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias; a
eternidade não é suscetível de medida alguma, do ponto de vista da duração;
para ela, não há começo, nem fim: tudo lhe é presente. Se séculos de séculos
são menos que um segundo relativamente à eternidade, que vem a ser a duração da
vida humana?!
A matéria
3. À
primeira vista, não há o que pareça tão profundamente variado, nem tão
essencialmente distinto, como as diversas substâncias que compõem o mundo.
Entre os objetos que a Arte ou a natureza nos fazem passar diariamente ante o
olhar, haverá duas que revelem perfeita identidade, ou somente paridade de
composição? Quanta dessemelhança, sob os aspectos da solidez, da
compressibilidade, do peso e das múltiplas propriedades dos corpos, entre os
gases atmosféricos e um filete de ouro, entre a molécula aquosa da nuvem e a do
mineral que forma a carcaça óssea do globo! que diversidade entre o tecido
químico das variadas plantas que adornam o reino vegetal e o dos representantes
não menos numerosos da animalidade na Terra!
Entretanto,
podemos estabelecer como princípio absoluto que todas as substâncias conhecidas
e desconhecidas, por mais dessemelhantes que pareçam, quer do ponto de vista da
constituição íntima, quer pelo prisma de suas ações recíprocas, são, de fato,
apenas modos diversos sob que a matéria se apresenta; variedades em que ela se
transforma sob a direção das forças inumeráveis que a governam.
4. A
Química, cujos progressos foram tão rápidos depois da minha época, em que seus
próprios adeptos ainda a relegavam para o domínio secreto da magia; esta nova
ciência que se pode considerar, com justiça, filha do século da observação e
baseada unicamente, de maneira bem mais sólida do que suas irmãs mais velhas,
no método experimental; a Química, digo, fez tábua rasa dos quatro elementos
primitivos que os antigos concordaram em reconhecer na natureza; mostrou que o
elemento terrestre mais não é do que a combinação de diversas substâncias variadas
ao infinito; que o ar e a água são igualmente decomponíveis e produtos de certo
número de equivalentes de gás; que o fogo, longe de ser também um elemento
principal, é apenas um estado da matéria, resultante do movimento universal a
que esta se acha submetida e de uma combustão sensível ou latente.
Em
compensação, a Química fez surgir considerável número de princípios, até então
desconhecidos, que lhe pareceram formar, por determinadas combinações, as
diversas substâncias, os diversos corpos que ela estudou e que atuam
simultaneamente, segundo certas leis e em certas proporções, nos trabalhos que
se realizam dentro do grande laboratório da natureza. Deu a esses princípios o
nome de corpos simples, indicando de tal modo que os considera primitivos e
indecomponíveis e que nenhuma operação, até hoje, pôde reduzi-los a frações
relativamente mais simples do que eles próprios. (1)
(1) Os
principais corpos simples são: entre os não metálicos, o oxigênio, o
hidrogênio, o azoto [nitrogênio], o cloro, o carbono, o fósforo, o enxofre, o
iodo; entre os metálicos, o ouro, a prata, a platina, o mercúrio, o chumbo, o
estanho, o zinco, o ferro, o cobre, o arsênico, o sódio, o potássio, o cálcio,
o alumínio etc.
5.
Mas onde param as apreciações do homem, mesmo ajudadas pelos mais
impressionantes sentidos artificiais, prossegue a obra da natureza; onde o
vulgo toma a aparência como realidade, onde o prático levanta o véu e percebe o
começo das coisas, o olhar daquele que pode apreender o modo de agir da
natureza apenas vê, nos materiais constitutivos do mundo, a matéria cósmica
primitiva, simples e una, diversificada em certas regiões na época do seu
aparecimento, repartida em corpos solidários entre si durante a sua vida, e que
um dia os materiais se desmembram, por efeitos da decomposição no receptáculo
da imensidão.
6.
Há questões que nós mesmos, Espíritos amantes da Ciência, não podemos
aprofundar e sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais
ou menos hipotéticas. Sobre essas questões, calar-me-ei ou justificarei a minha
maneira de ver. A com que nos ocupamos, porém, não pertence a esse número.
Àqueles, portanto, que fossem tentados a enxergar nas minhas palavras
unicamente uma teoria ousada, direi: abarcai, se for possível, com olhar
investigador, a multiplicidade das operações da natureza e reconhecereis que,
se se não admitir a unidade da matéria, impossível será explicar, já não direi
somente os sóis e as esferas, mas, sem ir tão longe, a germinação de uma
semente na terra, ou a produção dum inseto.
7.
Se se observa tão grande diversidade na matéria, é porque, sendo em número
ilimitado as forças que hão presidido às suas transformações e as condições em
que estas se produziram, também as várias combinações da matéria não podiam
deixar de ser ilimitadas.
Logo,
quer a substância que se considere pertença aos fluidos propriamente ditos,
isto é, aos corpos imponderáveis, quer revista os caracteres e as propriedades
ordinárias da matéria, não há, em todo o universo, senão uma única substância
primitiva; o cosmo ou matéria cósmica dos uranógrafos. transurânicos (porque
são mais pesados que o elemento urânio), foram sintetizados em laboratório. A
Classificação distribui os elementos de acordo com as suas propriedades,
agrupando os metais, os não metais, os semimetais e os gases nobres. O elemento
químico hidrogênio, por suas características especiais, é classificado à parte.
Também se sabe que os elementos químicos são decomponíveis em subpartículas, as
mais importantes são o próton, o nêutron e o elétron.
As leis e as forças
8.
Se um desses seres desconhecidos que consomem a sua efêmera existência no fundo
das tenebrosas regiões do oceano; se um desses poligástricos, uma dessas
nereidas — miseráveis animálculos que da natureza mais não conhecem do que os
peixes ictiófagos e as florestas submarinas — recebesse de repente o dom da
inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de basear suas apreciações
num raciocínio conjetural extensivo à universalidade das coisas, que ideia
faria da natureza viva que se desenvolve no meio por ele habitado e do mundo
terrestre que escapa ao campo de suas observações?
Se,
agora, por um efeito maravilhoso do seu novo poder, esse mesmo ser chegasse a
se elevar acima das suas trevas eternas, à superfície do mar, não distante das
margens opulentas de uma ilha de esplêndida vegetação, banhada pelo sol
fecundante, dispensador de calor benéfico, que juízo faria ele então das suas
antecipadas teorias sobre a criação universal, teoria que se apagaria logo
diante de uma apreciação mais ampla, mas ainda relativamente tão incompleta
quanto a primeira? Tal é, ó homens, a imagem da vossa ciência toda
especulativa. (1)
(1) Tal
também a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, após se haverem
despojado do envoltório carnal, contemplam, desdobrados às suas vistas, os
horizontes desse mundo. Compreendem, então, quão ocas eram as teorias com que
pretendiam tudo explicar por meio exclusivamente da matéria. Contudo, esses
horizontes ainda lhes ocultam mistérios que só posteriormente se lhes
desvendam, à medida que, depurando-se, eles se elevam. Desde, porém, os seus
primeiros momentos no outro mundo, veem-se forçados a reconhecer a própria
cegueira e quão longe estavam da verdade.
9.
Vindo, pois, tratar aqui da questão das leis e das forças que regem o universo,
eu, que apenas sou, como vós, um ser relativamente ignorante em face da ciência
real, malgrado a aparente superioridade que, com relação aos meus irmãos da
Terra, me advém da possibilidade de estudar problemas naturais que lhes são
interditos na posição em que eles se encontram como habitantes da Terra, trago
por único objetivo dar-vos uma noção geral das leis universais, sem explicar
pormenorizadamente o modo de ação e a natureza das forças especiais que lhes
são dependentes.
10.
Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos. Esse fluido é o
éter ou matéria cósmica primitiva, geradora do mundo e dos seres. Ao éter são
inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis
imutáveis e necessárias que regem o mundo. Essas múltiplas forças,
indefinidamente variadas segundo as combinações da matéria, localizadas segundo
as massas, diversificadas em seus modos de ação, segundo as circunstâncias e os
meios, são conhecidas na Terra sob os nomes de gravidade, coesão, afinidade, atração,
magnetismo, eletricidade ativa. Os movimentos vibratórios do agente são
conhecidos sob os nomes de som, calor, luz etc. Em outros mundos, as formas se
apresentam sob outros aspectos, revelam outros caracteres desconhecidos na
Terra e, na imensa amplidão dos céus, forças em número indefinito se têm
desenvolvido numa escala inimaginável, cuja grandeza tão incapazes somos de
avaliar, como o é o crustáceo, no fundo do oceano, para apreender a
universalidade dos fenômenos terrestres. (1)
Ora,
assim como só há uma substância simples, primitiva, geradora de todos os
corpos, mas diversificada em suas combinações, também todas essas forças
dependem de uma lei universal diversificada em seus efeitos e que, pelos
desígnios eternos, foi soberanamente imposta à criação, para lhe imprimir
harmonia e estabilidade.
(1) Tudo
reportamos ao que conhecemos e do que escapa à percepção dos nossos sentidos
não compreendemos, como não compreende o cego de nascença os efeitos da luz e da
utilidade dos olhos. Possível é, pois, que noutros meios, o fluido cósmico
possua propriedades, seja suscetível de combinações de que não fazemos nenhuma
ideia, produza efeitos apropriados a necessidades que desconhecemos, dando
lugar a percepções novas ou a outros modos de percepção. Não compreendemos, por
exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem a luz. Quem nos diz, porém,
que não existam outros agentes, afora a luz, aos quais são adequados organismos
especiais? A vista sonambúlica, que nem a distância, nem os obstáculos
materiais, nem a obscuridade detêm, nos oferece um exemplo disso. Suponhamos
que, num mundo qualquer, os seres sejam normalmente o que só excepcionalmente o
são os nossos sonâmbulos; eles, sem precisarem da nossa luz, nem dos nossos
olhos, verão o que não podemos ver. O mesmo se dá com todas as outras
sensações. As condições de vitalidade e de perceptibilidade, as sensações e as
necessidades variam de conformidade com os meios.
11.
A natureza jamais se encontra em oposição a si mesma. Uma só é a divisa do
brasão do universo: unidade-variedade. Remontando à escala dos mundos,
encontra-se unidade de harmonia e de criação, ao mesmo tempo que uma variedade
infinita no imenso jardim de estrelas. Percorrendo os degraus da vida, desde o
último dos seres até Deus, patenteia-se a grande lei de continuidade.
Considerando as forças em si mesmas, pode-se formar com elas uma série, cuja
resultante, confundindo-se com a geratriz, é a lei universal.
Não
podeis apreciar esta lei em toda a sua extensão, por serem restritas e
limitadas as forças que a representam no campo das vossas observações.
Entretanto, a gravitação e a eletricidade podem ser consideradas como uma larga
aplicação da lei primordial, que impera para lá dos céus.
Todas
essas forças são eternas — explicaremos este termo — e universais como a
criação. Sendo inerentes ao fluido cósmico, elas atuam necessariamente em tudo
e em toda parte, modificando suas ações pela simultaneidade ou pela
sucessividade, predominando aqui, apagando-se ali, pujantes e ativas em certos
pontos, latentes ou ocultas noutros, mas, afinal, preparando, dirigindo,
conservando e destruindo os mundos em seus diversos períodos de vida,
governando os maravilhosos trabalhos da natureza, onde quer que eles se
executem, assegurando para sempre o eterno esplendor da criação.
A criação primária
12.
Depois de termos considerado o universo sob os pontos de vista gerais da sua
composição, das suas leis e das suas propriedades, podemos estender os nossos
estudos ao modo de formação que deu origem aos mundos e aos seres. Desceremos,
em seguida, à criação da Terra, em particular, e ao seu estado atual na
universalidade das coisas e daí, tomando esse globo por ponto de partida e por
unidade relativa, procederemos aos nossos estudos planetários e siderais.
13.
Se bem compreendemos a relação, ou, antes, a oposição entre a eternidade e o
tempo, se nos familiarizamos com a ideia de que o tempo não é mais do que uma
medida relativa da sucessão das coisas transitórias, ao passo que a eternidade
é essencialmente una, imóvel e permanente, insuscetível de qualquer medida, do
ponto de vista da duração, compreenderemos que para ela não há começo, nem fim.
Doutro
lado, se fazemos ideia exata — embora necessariamente muito fraca — da
infinidade do poder divino, compreenderemos como é possível que o universo haja
existido sempre e sempre exista. Desde que Deus existiu, suas perfeições
eternas falaram. Antes que houvessem nascido os tempos, a eternidade
incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o espaço, eterno quanto ela.
14.
Existindo, naturalmente, desde toda a eternidade, Deus criou por toda esta
eternidade e não poderia ser de outro modo, visto que, por mais longínqua que
seja a época a que recuemos, pela imaginação, os supostos limites da Criação,
haverá sempre, além desse limite, uma eternidade — ponderai bem esta ideia —,
uma eternidade durante a qual as divinas hipóstases, as volições infinitas
teriam permanecido sepultadas em muda letargia inativa e infecunda, uma
eternidade de morte aparente para o Pai eterno que dá vida aos seres; de mutismo
indiferente para o Verbo que os governa; de esterilidade fria e egoísta para o
Espírito de amor e vivificação.
Compreendamos
melhor a grandeza da ação divina e a sua perpetuidade sob a mão do Ser
absoluto! Deus é o Sol dos seres, é a Luz do mundo. Ora, a aparição do Sol dá
instantaneamente nascimento a ondas de luz que se vão espalhando por todos os
lados na extensão. Do mesmo modo, o universo, nascido do eterno, remonta aos
períodos inimagináveis do infinito de duração, ao fiat lux! do início.
15.
O começo absoluto das coisas remonta, pois, a Deus. As sucessivas aparições
delas no domínio da existência constituem a ordem da criação perpétua.
Que
mortal poderia dizer das magnificências desconhecidas e soberbamente veladas
sob a noite das idades que se desdobraram nesses tempos antigos, em que nenhuma
das maravilhas do universo atual existia; nessa época primitiva em que,
tendo-se feito ouvir a voz do Senhor, os materiais que no futuro haviam de
agregar-se por si mesmos e simetricamente, para formar o templo da natureza, se
encontraram de súbito no seio dos vácuos infinitos; quando aquela voz
misteriosa, que toda criatura venera e estima como a de uma mãe, produziu notas
harmoniosamente variadas, para irem vibrar juntas e modular o concerto dos céus
imensos!
O
mundo, ao nascer, não foi estabelecido na sua virilidade e na sua plenitude de
vida, não. O poder criador nunca se contradiz e, como todas as coisas, o
universo nasceu criança. Revestido das leis mencionadas acima e da impulsão
inicial inerente à sua formação mesma, a matéria cósmica primitiva fez que
sucessivamente nascessem turbilhões, aglomerações desse fluido difuso,
amontoados de matéria nebulosa que se cindiram por si próprios e se modificaram
ao infinito para gerar, nas regiões incomensuráveis da amplidão, diversos
centros de criações simultâneas ou sucessivas.
Em
virtude das forças que predominaram sobre um ou sobre outro deles e das
circunstâncias ulteriores que presidiram aos seus desenvolvimentos, esses centros
primitivos se tornaram focos de uma vida especial: uns, menos disseminados no
espaço e mais ricos em princípios e em forças atuantes, começaram desde logo a
sua particular vida astral; os outros, ocupando ilimitada extensão, cresceram com
lentidão extrema, ou de novo se dividiram em outros centros secundários.
16.
Transportando-nos a alguns milhões de séculos somente, além da época atual,
verificamos que a nossa Terra ainda não existe, que mesmo o nosso sistema solar
ainda não começou as evoluções da vida planetária; entretanto, já esplêndidos
sóis iluminam o éter; já planetas habitados dão vida e existência a uma
multidão de seres, nossos predecessores na carreira humana; que as produções
opulentas de uma natureza desconhecida e os maravilhosos fenômenos do céu desdobram,
sob outros olhares, os quadros da imensa Criação. Que digo! já deixaram de
existir esplendores que outrora fizeram palpitar o coração de outros mortais,
sob o pensamento da potência infinita! E nós, pobres seres pequeninos, que
viemos após uma eternidade de vida, nós nos cremos contemporâneos da Criação!
Ainda
uma vez, compreendamos melhor a natureza. Saibamos que atrás de nós, como à
nossa frente, está a eternidade, que o espaço é teatro de inimaginável sucessão
e simultaneidade de criações. Tais nebulosas, que mal percebemos nos mais
longínquos pontos do céu, são aglomerados de sóis em vias de formação; tais
outras são vias lácteas de mundos habitados; outras, finalmente, sedes de
catástrofes e de deperecimento. Saibamos que, assim como estamos colocados no
meio de uma infinidade de mundos, também estamos no meio de uma dupla infinidade
de durações, anteriores e ulteriores; que a criação universal não se acha
restrita a nós, que não nos é lícito aplicar essa expressão à formação isolada
do nosso pequenino globo.
A criação universal
17.
Após haver remontado, tanto quanto o permitia a nossa fraqueza, em direção à
fonte oculta donde dimanam os mundos, como de um rio as gotas de água,
consideremos a marcha das criações sucessivas e dos seus desenvolvimentos
seriais.
A
matéria cósmica primitiva continha os elementos materiais, fluídicos e vitais
de todos os universos que estadeiam suas magnificências diante da eternidade.
Ela é a mãe fecunda de todas as coisas, a primeira avó e, sobretudo, a eterna
geratriz. Absolutamente não desapareceu essa substância donde provêm as esferas
siderais; não morreu essa potência, pois que ainda, incessantemente, dá à luz
novas criações e incessantemente recebe, reconstituídos, os princípios dos
mundos que se apagam do livro eterno.
A
substância etérea, mais ou menos rarefeita, que se difunde pelos espaços
interplanetários; esse fluido cósmico que enche o mundo, mais ou menos rarefeito,
nas regiões imensas, ricas de aglomerações de estrelas; mais ou menos
condensado onde o céu astral ainda não brilha; mais ou menos modificado por
diversas combinações, de acordo com as localidades da extensão, nada mais é do
que a substância primitiva onde residem as forças universais, donde a natureza
há tirado todas as coisas. (1)
(1) Se
perguntásseis qual o princípio dessas forças e como pode esse princípio estar
na substância mesma que o produz, responderíamos que a mecânica numerosos
exemplos nos oferece desse fato. A elasticidade, que faz com que uma mola se
distenda, não está na própria mola e não depende do modo de agregação das
moléculas? O corpo que obedece à força centrífuga recebe a sua impulsão do
movimento primitivo que lhe foi impresso.
18.
Esse fluido penetra os corpos, como um oceano imenso. É nele que reside o
princípio vital que dá origem à vida dos seres e a perpetua em cada globo,
conforme a condição deste, princípio que, em estado latente, se conserva
adormecido onde a voz de um ser não o chama. Toda criatura, mineral, vegetal,
animal ou qualquer outra — porquanto há muitos outros reinos naturais, de cuja
existência nem sequer suspeitais — sabe, em virtude desse princípio vital e
universal, apropriar as condições de sua existência e de sua duração.
As
moléculas do mineral têm uma certa soma dessa vida, do mesmo modo que a semente
do embrião, e se grupam, como no organismo, em figuras simétricas que
constituem os indivíduos.
Muito
importa nos compenetremos da noção de que a matéria cósmica primitiva se achava
revestida, não só das leis que asseguram a estabilidade dos mundos, como também
do universal princípio vital que forma gerações espontâneas em cada mundo, à
medida que se apresentam as condições da existência sucessiva dos seres e
quando soa a hora do aparecimento dos filhos da vida, durante o período criador.
Efetua-se
assim a criação universal. É, pois, exato dizer-se que, sendo as operações da
natureza a expressão da vontade divina, Deus há criado sempre, cria
incessantemente e nunca deixará de criar.
19.
Até aqui, porém, temos guardado silêncio sobre o mundo espiritual, que também
faz parte da Criação e cumpre seus destinos conforme as augustas prescrições do
Senhor.
Acerca
do modo da criação dos Espíritos, entretanto, não posso ministrar mais que um
ensino muito restrito, em virtude da minha própria ignorância e também porque
tenho ainda de calar-me no que concerne a certas questões, se bem já me haja
sido dado aprofundá-las.
Aos
que desejem religiosamente conhecer e se mostrem humildes perante Deus, direi,
rogando-lhes, todavia, que nenhum sistema prematuro baseiem nas minhas
palavras: O Espírito não chega a receber a iluminação divina, que lhe dá,
simultaneamente com o livre-arbítrio e a consciência, a noção de seus altos destinos,
sem haver passado pela série divinamente fatal dos seres inferiores, entre os
quais se elabora lentamente a obra da sua individualização. Unicamente a datar
do dia em que o Senhor lhe imprime na fronte o seu tipo augusto, o Espírito
toma lugar no seio das humanidades.
De
novo peço: não construais sobre as minhas palavras os vossos raciocínios, tão
tristemente célebres na história da Metafísica. Eu preferiria mil vezes
calar-me sobre tão elevadas questões, tão acima das nossas meditações
ordinárias, a vos expor a desnaturar o sentido de meu ensino e a vos lançar,
por culpa minha, nos inextricáveis dédalos do deísmo ou do fatalismo.
Os sóis e os planetas
20.
Sucedeu que, num ponto do universo, perdido entre as miríades de mundos, a
matéria cósmica se condensou sob a forma de imensa nebulosa, animada esta das
leis universais que regem a matéria. Em virtude dessas leis, notadamente da
força molecular de atração, tomou ela a forma de um esferoide, a única que pode
assumir uma massa de matéria insulada no espaço.
O
movimento circular produzido pela gravitação, rigorosamente igual, de todas as
zonas moleculares em direção ao centro, logo modificou a esfera primitiva, a
fim de a conduzir, de movimento em movimento, à forma lenticular. Falamos do
conjunto da nebulosa.
21.
Novas forças surgiram em consequência desse movimento de rotação: a força
centrípeta e a força centrífuga, a primeira tendendo a reunir todas as partes
no centro, tendendo a segunda a afastá-las dele. Ora, acelerando-se o
movimento, à medida que a nebulosa se condensa, e aumentando o seu raio, à
medida que ela se aproxima da forma lenticular, a força centrífuga,
incessantemente desenvolvida por essas duas causas, logo predominou sobre a
atração central.
Assim
como um movimento demasiado rápido da funda lhe quebra a corda, indo o projetil
cair longe, também a predominância da força centrífuga destacou o círculo
equatorial da nebulosa e desse anel uma nova massa se formou, isolada da
primeira, mas, todavia, submetida ao seu império. Aquela massa conservou o seu
movimento equatorial que, modificado, se lhe tornou movimento de translação em
torno do astro solar. Ademais, o seu novo estado lhe dá um movimento de rotação
em torno do próprio centro.
22.
A nebulosa geratriz, que deu origem a esse novo mundo, condensou-se e retomou a
forma esférica; mas, como o primitivo calor, desenvolvido por seus diversos
movimentos, só com extrema lentidão se enfraqueceu, o fenômeno que acabamos de
descrever se reproduzirá muitas vezes e durante longo período, enquanto a
nebulosa não se haja tornado bastante densa, bastante sólida, para oferecer
resistência eficaz às modificações de forma, que o seu movimento de rotação
sucessivamente lhe imprime.
Ela,
pois, não terá dado nascimento a um só astro, mas a centenas de mundos
destacados do foco central, saídos dela pelo modo de formação mencionado acima.
Ora, cada um de seus mundos, revestido, como o mundo primitivo, das forças
naturais que presidem à criação dos universos gerará sucessivamente novos
globos que desde então lhe gravitarão em torno, como ele, juntamente com seus
irmãos, gravita em torno do foco que lhes deu existência e vida. Cada um desses
mundos será um Sol, centro de um turbilhão de planetas sucessivamente
destacados do seu equador. Esses planetas receberão uma vida especial,
particular, embora dependente do astro que os gerou.
23.
Os planetas são, assim, formados de massas de matéria condensada, porém, ainda
não solidificada, destacadas da massa central pela ação de força centrífuga e
que tomam, em virtude das leis do movimento, a forma esferoidal, mais ou menos
elíptica, conforme o grau de fluidez que conservaram. Um desses planetas será a
Terra que, antes de se resfriar e revestir de uma crosta sólida, dará
nascimento à Lua, pelo mesmo processo de formação astral a que ela própria
deveu a sua existência. A Terra, doravante inscrita no livro da vida, berço de
criaturas cuja fraqueza as asas da divina Providência protege, nova corda
colocada na harpa infinita e que, no lugar que ocupa, tem de vibrar no concerto
universal dos mundos.
Os satélites
24.
Antes que as massas planetárias houvessem atingido um grau de resfriamento,
bastante a lhes operar a solidificação, massas menores, verdadeiros glóbulos
líquidos, se desprenderam de algumas no plano equatorial, plano em que é maior
a força centrífuga, e, por efeito das mesmas leis, adquiriram um movimento de
translação em torno do planeta que as gerou, como sucedeu a estes com relação
ao astro central que lhes deu origem.
Foi
assim que a Terra deu nascimento à Lua, cuja massa, menos considerável, teve
que sofrer um resfriamento mais rápido. Ora, as leis e as forças que presidiram
ao fato de ela se destacar do equador terreno, e o seu movimento de translação
no mesmo plano, agiram de tal sorte que esse mundo, em vez de revestir a forma
esferoidal, tomou a de um globo ovoide, isto é, a forma alongada de um ovo, com
o centro de gravidade fixado na parte inferior.
25.
As condições em que se efetuou a desagregação da Lua pouco lhe permitiram
afastar-se da Terra e a constrangeram a conservar-se perpetuamente suspensa no
seu firmamento, como uma figura ovoide, cujas partes mais pesadas formaram a
face inferior voltada para a Terra e as partes menos densas lhe constituíram o
vértice, se com essa palavra se designar a face que, do lado oposto à Terra, se
eleva para o céu. É o que faz que esse astro nos apresente sempre a mesma face.
Para melhor compreender-se o seu estado geológico, pode ele ser comparado a um
globo de cortiça, tendo formada de chumbo a face voltada para a Terra.
Daí,
duas naturezas essencialmente distintas na superfície do mundo lunar: uma, sem
qualquer analogia com o nosso, porquanto lhe são desconhecidos os corpos
fluidos e etéreos; a outra, leve, relativamente à Terra, pois que todas as
substâncias menos densas se encaminharam para esse hemisfério. A primeira,
perpetuamente voltada para a Terra, sem águas e sem atmosfera, a não ser, aqui
e ali, nos limites desse hemisfério terrestre; a outra, rica de fluidos,
perpetuamente oposta ao nosso mundo. (1)
(1) Esta
teoria da Lua, nova inteiramente, explica, pela lei da gravitação, o motivo por
que esse astro apresenta sempre a mesma face para a Terra. Tendo o centro de
gravidade num dos pontos de sua superfície, em vez de estar no centro da
esfera, e sendo, em consequência, atraído para a Terra por uma força maior do
que a que atrai as partes mais leves, a Lua pode ser tida como uma dessas
figuras chamadas vulgarmente joão-teimoso, que se levantam constantemente sobre
a sua base, ao passo que os planetas, cujo centro de gravidade está a distâncias
iguais da superfície, giram regularmente sobre o próprio eixo. Os fluidos
vivificantes, gasosos ou líquidos, por virtude da sua leveza específica, se
encontrariam acumulados no hemisfério superior, perenemente oposto à Terra. O
hemisfério inferior, o único que vemos, seria desprovido de tais fluidos e, por
isso, impróprio à vida que, entretanto, reinaria no outro. Se, pois, o
hemisfério superior é habitado, seus habitantes jamais viram a Terra, a menos
que excursionem pelo outro hemisfério, o que lhes seria impossível, desde que
este carece das condições indispensáveis à vitalidade.
Por
muito racional e científica que seja essa teoria, como ainda não foi confirmada
por nenhuma observação direta, somente a título de hipótese pode ser aceita e
como ideia capaz de servir de baliza à Ciência. Não se pode, porém, deixar de
convir em que é a única, até o presente, que dá uma explicação satisfatória das
particularidades que apresenta o globo lunar.
26.
O número e o estado dos satélites de cada planeta têm variado de acordo com as
condições especiais em que eles se formaram. Alguns não deram origem a nenhum
astro secundário, como se verifica com Mercúrio, Vênus e Marte, ao passo que
outros, como a Terra, Júpiter, Saturno etc., formaram um ou vários desses
astros secundários.
27.
Além de seus satélites ou luas, o planeta Saturno apresenta o fenômeno especial
do anel que, visto de longe, parece cercá-lo de uma como auréola branca. Essa
formação é para nós uma nova prova da universalidade das leis naturais. Esse
anel é, com efeito, o resultado de uma separação que se operou no equador de
Saturno, ainda nos tempos primitivos, do mesmo modo que uma zona equatorial se escapou
da Terra para formar o seu satélite. A diferença consiste em que o anel de
Saturno se formou, em todas as suas partes, de moléculas homogêneas,
provavelmente já em certo estado de condensação, e pode, dessa maneira,
continuar o seu movimento de rotação no mesmo sentido e em tempo quase igual ao
do que anima o planeta. Se um dos pontos desse anel houvesse ficado mais denso
do que outro, uma ou muitas aglomerações de substância se teriam subitamente operado
e Saturno contaria muitos satélites a mais. Desde a época da sua formação, esse
anel se solidificou, do mesmo modo que os outros corpos planetários.
Os cometas
28.
Astros errantes, ainda mais do que os planetas que conservaram a denominação
etimológica, os cometas serão os guias que nos ajudarão a transpor os limites
do sistema a que pertence a Terra e nos levarão às regiões longínquas da
extensão sideral.
Mas,
antes de explorarmos os domínios celestes, com o auxílio desses viajantes do
universo, bom será demos a conhecer, tanto quanto possível, a natureza
intrínseca deles e o papel que lhes cabe na economia planetária.
29. Alguns
hão visto, nesses astros dotados de cabeleira, (1) mundos nascentes, a
elaborarem, no primitivo caos em que se acham, as condições de vida e de
existência, que tocam em partilha às terras habitadas; outros imaginaram que
esses corpos extraordinários eram mundos em estado de destruição e, para
muitos, a singular aparência que têm foi motivo de apreciações errôneas acerca
da natureza deles, isso a tal ponto que não houve, inclusive na astrologia
judiciária, quem não os considerasse como pressagiadores de desgraças,
enviados, por desígnios providenciais, à Terra, espantada e tremente.
(1)
Nuvem luminosa de gás e poeira, de aparência tênue e brumosa, que envolve o
núcleo de um astro; coma.
30.
A lei de variedade se aplica em tão larga escala nos trabalhos da natureza, que
admira hajam os naturalistas, os astrônomos e os filósofos fabricado tantos
sistemas para assimilar os cometas aos astros planetários e para somente verem
neles astros em graus mais ou menos adiantados de desenvolvimento ou de
caducidade. Entretanto, os quadros da natureza deveriam bastar amplamente para
afastar o observador da preocupação de perquirir relações inexistentes e deixar
aos cometas o papel modesto, porém, útil, de astros errantes, que servem de
desbravadores dos impérios solares. Porque, os corpos celestes de que tratamos são
coisa muito diversa dos corpos planetários; não têm por destinação, como estes,
servir de habitação a humanidades. Eles vão sucessivamente de sóis em sóis,
enriquecendo-se, às vezes, pelo caminho, de fragmentos planetários reduzidos ao
estado de vapor, buscar, nos seus centros, os princípios vivificantes e
renovadores que derramam sobre os mundos terrestres. (Cap. IX, item 12.)
31.
Se, quando um desses astros se aproxima do nosso pequenino globo, para lhe
atravessar a órbita e voltar ao seu apogeu, (1) situado a uma distância
incomensurável do Sol, o acompanhássemos, pelo pensamento, para visitar com ele
as regiões siderais, transporíamos a prodigiosa extensão de matéria etérea que
separa das estrelas mais próximas o Sol e, observando os movimentos combinados
desse astro, que se suporia desgarrado no deserto infinito, ainda aí encontraríamos
uma prova eloquente da universalidade das leis da natureza, que atuam a
distâncias que a mais ativa imaginação mal pode conceber.
Aí,
a forma elíptica toma a forma parabólica e a marcha se torna tão lenta que o
cometa não chega a percorrer mais que alguns metros, no mesmo em que no seu
perigeu (2) percorria muitos milhares de léguas. Talvez um sol mais poderoso,
mais importante do que aquele que o cometa acaba de deixar, exerça sobre esse
cometa uma atração preponderante e o receba na categoria de seus súditos.
Então, na vossa pequenina Terra, em vão as crianças admiradas lhe aguardarão o
retorno, que haviam predito, baseando-se em observações incompletas. Nesse
caso, nós, que pelo pensamento acompanhamos a essas regiões desconhecidas o
cometa errante, depararemos com uma nação nova, que os olhares terrenos não
podem encontrar, inimaginável para os Espíritos que habitam a Terra,
inconcebível mesmo para as suas mentes, porquanto ela será teatro de
inexploradas maravilhas.
Chegamos
ao mundo astral, nesse mundo deslumbrante dos vastos sóis que irradiam pelo
espaço infinito e que são as flores brilhantes do magnífico jardim da criação.
Lá chegados, apenas saberemos o que é a Terra.
(1) Posição
orbital apresentada por um satélite terrestre (a Lua ou satélite artificial)
quando, em sua revolução, se encontra mais afastado da Terra.
(2) Ponto
da órbita de um astro ou satélite em torno da Terra, no qual ele se encontra
mais próximo de nosso planeta.
A Via Láctea
32.
Pelas belas noites estreladas e sem luar, toda gente há contemplado essa faixa
esbranquiçada que atravessa o céu de uma extremidade a outra e que os antigos
cognominaram de Via Láctea, por motivo da sua aparência leitosa. Esse clarão
difuso o olho do telescópio o tem longamente explorado nos modernos tempos;
essa estrada de poeira de ouro, esse regato de leite da mitologia antiga se
transformou num vasto campo de desconhecidas maravilhas. As pesquisas dos
observadores conduziram ao conhecimento da sua natureza e revelaram que, ali,
onde o olhar errante apenas percebia uma fraca luminosidade, há milhões de sóis
mais luminosos e mais importantes do que o que nos clareia a Terra.
33.
Com efeito, a Via Láctea é uma campina semeada de flores solares e planetárias,
que brilham em toda a sua enorme extensão. O nosso Sol e todos os corpos que o
acompanham fazem parte desse conjunto de globos radiosos que formam a Via
Láctea. Malgrado, porém, as suas proporções gigantescas, relativamente à Terra,
e à grandeza do seu império, ele, o Sol, ocupa inapreciável lugar em tão vasta
criação. Podem contar-se por uma trintena de milhões os sóis que, à sua
semelhança, gravitam nessa imensa região, afastados uns dos outros de mais de
cem mil vezes o raio da órbita terrestre. (mais de 3 trilhões e 400 bilhões de
léguas).
34.
Por esse cálculo aproximativo se pode julgar da extensão de tal região sideral
e da relação que existe entre o nosso sistema planetário e a universalidade dos
sistemas que o ocupam. Pode-se igualmente julgar da exiguidade do domínio solar
e, a fortiori, do nada que é a nossa pequenina Terra. Que seria, então, se se
considerassem os seres que a povoam!
Digo
— “do nada” — porque as nossas determinações se aplicam não só à extensão
material, física, dos corpos que estudamos — o que pouco seria — mas, também e
sobretudo, ao estado moral deles como habitação e ao grau que ocupam na eterna
hierarquia dos seres. A criação se mostra aí em toda a sua majestade,
engendrando e propagando, em torno do mundo solar e em cada um dos sistemas que
o rodeiam por todos os lados, as manifestações da vida e da inteligência.
35.
Assim, fica-se conhecendo a posição que o nosso Sol ou a Terra ocupam no mundo
das estrelas. Ainda maior peso ganharão estas considerações, se refletirmos
sobre o estado mesmo da Via Láctea que, na imensidade das criações siderais,
não representa mais do que um ponto insensível e inapreciável, vista de longe,
porquanto ela não é mais do que uma nebulosa estelar, entre os milhões das que
existem no espaço. Se ela nos parece mais vasta e mais rica do que outras, é
pela única razão de que nos cerca e se desenvolve em toda a sua extensão sob os
nossos olhares, ao passo que as outras, sumidas nas profundezas insondáveis,
mal se deixam entrever.
36.
Ora, sabendo-se que a Terra nada é, ou quase nada, no sistema solar; que este
nada é, ou quase nada, na Via Láctea; esta por sua vez é nada, ou quase nada,
na universalidade das nebulosas e essa própria universalidade é bem pouca coisa
dentro do imensurável infinito, começa-se a compreender o que é o globo
terrestre.
As estrelas fixas
37.
As estrelas chamadas “fixas” e que constelam os dois hemisférios do firmamento
não se acham de todo isentas de qualquer atração exterior, como geralmente se
supõe. Longe disso: elas pertencem todas a uma mesma aglomeração de astros
estelares, aglomeração que não é senão a grande nebulosa de que fazemos parte e
cujo plano equatorial, projetado no céu, recebeu o nome de Via Láctea. Todos os
sóis que a constituem são solidários; suas múltiplas influências reagem
perpetuamente umas sobre as outras e a gravitação universal as grupa todas numa
mesma família.
38.
Esses diversos sóis estão na sua maioria, como o nosso, cercados de mundos
secundários, que eles iluminam e fecundam por intermédio das mesmas leis que
presidem à vida do nosso sistema planetário. Uns, como Sírio, são milhares de
vezes mais magníficos em dimensões e em riquezas do que o nosso e muito mais
importante é o papel que desempenham no universo. Também planetas em muito
maior número e muito superiores aos nossos os cercam. Outros são muito
dessemelhantes pelas suas funções astrais. É assim que certo número desses
sóis, verdadeiros gêmeos da ordem sideral, são acompanhados de seus irmãos da
mesma idade, e formam, no espaço, sistemas binários, aos quais a natureza
outorgou funções inteiramente diversas das que tocaram ao nosso Sol (1). Lá, os
anos não se medem pelos mesmos períodos, nem os dias pelos mesmos sóis e esses
mundos, iluminados por um duplo facho, foram dotados de condições de existência
inimagináveis por parte dos que ainda não saíram deste pequenino mundo
terrestre.
Outros
astros, sem cortejo, privados de planetas, receberam os melhores elementos de
habitabilidade concedidos a alguns. Na sua imensidade, as leis da natureza se
diversificam e, se a unidade é a grande expressão do universo, a variedade
infinita é igualmente seu eterno atributo.
(1) É
a que se dá, em Astronomia, o nome de “estrelas duplas”. São dois sóis, um dos
quais gira em torno do outro, como um planeta em torno do seu sol. De que
singular e magnífico espetáculo não gozarão os habitantes dos mundos que formam
esses sistemas iluminados por duplo sol! Mas, também, quão diferentes não hão
de ser neles as condições da vitalidade!
39.
Malgrado o prodigioso número dessas estrelas e de seus sistemas, malgrado as
distâncias incomensuráveis que as separam, elas pertencem todas à mesma
nebulosa estelar que os olhos dos mais possantes telescópios mal conseguem
atravessar e que as concepções da mais ousada imaginação apenas logram
alcançar, nebulosa que, entretanto, é simplesmente uma unidade na ordem das
nebulosas que compõem o mundo astral.
40.
As estrelas chamadas fixas não estão imóveis na amplidão. As constelações que
se figuraram na abóbada do firmamento não são reais criações simbólicas. A
distância a que se acham da Terra e a perspectiva sob a qual se mede, da
estação terrena, o universo, constituem as duas causas dessa dupla ilusão de
óptica. (Cap. V, item 12.)
41.
Vimos que a totalidade dos astros que cintilam na cúpula azulada se acha
encerrada numa aglomeração cósmica, numa mesma nebulosa a que chamais Via
Láctea, mas, por pertencerem todos ao mesmo grupo, não se segue que esses
astros não estejam animados todos de movimento de translação no espaço, cada um
com o seu. Em parte nenhuma existe o repouso absoluto. Eles têm a regê-los as
leis universais da gravitação e rolam no espaço ilimitado sob a impulsão
incessante dessa força imensa. Rolam, não segundo roteiros traçados pelo acaso,
mas segundo órbitas fechadas, cujo centro um astro superior ocupa. Para tornar,
por meio de um exemplo, mais compreensíveis as minhas palavras, falarei de modo
especial do vosso Sol.
42.
Sabe-se, em consequência de modernas observações, que ele não é fixo, nem
central, como se acreditava nos primeiros tempos da nova astronomia; que avança
pelo espaço, arrastando consigo o seu vasto sistema de planetas, de satélites e
de cometas.
Ora,
não é fortuita esta marcha e ele não vai, errando pelos vácuos infinitos,
transviar seus filhos e seus súditos, longe das regiões que lhe estão
assinadas. Não, sua órbita é determinada e, em concorrência com outros sóis da
mesma ordem e rodeados todos de certo número de terras habitadas, ele gravita
em torno de um sol central. Seu movimento de gravitação, como o dos sóis seus
irmãos, é inapreciável a observações anuais, porque somente grande número de
períodos seculares seriam suficientes para marcar um desses anos astrais.
43.
O sol central, de que acabamos de falar, também é um globo secundário
relativamente a outro, ainda mais importante, ao derredor daquele ele perpetua
uma marcha lenta e compassada, na companhia de outros sóis da mesma ordem.
Poderíamos
comprovar esta subordinação sucessiva de sóis a sóis, até que a nossa
imaginação cansasse de subir a uma tal hierarquia, porquanto, não o esqueçamos,
em números redondos, uma trintena de milhões de sóis se pode contar na Via
Láctea, subordinados uns aos outros, como rodas gigantescas de uma engrenagem
imensa.
44.
E esses astros, em números incontáveis, vivem vida solidária. Assim como, na
economia do vosso mundinho terrestre, nada se acha isolado, também nada o está
no universo incomensurável.
De
longe, ao olhar investigador do filósofo que pudesse abarcar o quadro que o
espaço e o tempo desdobram, esses sistemas de sistemas pareceriam uma poeira de
grãos de ouro levantada em turbilhão pelo sopro divino, que faz voem nos céus
os mundos siderais, como voam os grãos de areia no dorso do deserto.
Em
parte nenhuma há imobilidade, nem silêncio, nem noite! O grande espetáculo que
então se nos desdobraria ante os olhos seria a criação real, imensa e cheia da
vida etérea, que no seu imenso conjunto o olhar infinito do Criador abrange.
Mas,
até aqui, temos falado de uma única nebulosa, que com os milhões de sóis, e os
seus milhões de terras habitadas, forma apenas, como já o dissemos, uma ilha no
arquipélago infinito.
Os desertos do espaço
45.
Inimaginável deserto, sem limites, se estende para lá da aglomeração de
estrelas de que vimos de tratar, e a envolve. A solidões sucedem solidões e
incomensuráveis planícies do vácuo se distendem pela amplidão afora. Os
amontoados de matéria cósmica se encontram isolados no espaço como ilhas
flutuantes de enormíssimo arquipélago. Se quisermos, de alguma forma, apreciar
a distância enorme que separa o aglomerado de estrelas, de que fazemos parte,
dos outros aglomerados mais próximos, precisamos saber que essas ilhas
estelares se encontram disseminadas e raras no vastíssimo oceano dos céus, e
que a extensão que as separa, umas das outras, é incomparavelmente maior do que
as que lhes medem as respectivas dimensões.
Ora,
a nebulosa estelar mede, como já vimos, em números redondos, mil vezes a
distância das estrelas mais aproximadas, tomada por unidade essa distância,
isto é, alguns cem mil trilhões de léguas. A distância que existe entre elas,
sendo muito mais vasta, não poderia ser expressa por números acessíveis à
compreensão do nosso espírito. Só a imaginação, em suas concepções mais altas,
é capaz de transpor tão prodigiosa imensidade, essas solidões mudas e baldas de
toda aparência de vida, e de encarar, de certa maneira, a ideia dessa
infinidade relativa.
46.
Todavia, o deserto celeste, que envolve o nosso universo sideral e que parece
estender-se como os afastados confins do nosso mundo astral, é abrangido pela
visão e o poder infinito do Altíssimo que, além desses céus dos nossos céus,
desenvolveu a trama da sua criação ilimitada.
47.
Além de tão vastas solidões, com efeito, rebrilham mundos em sua magnificência,
tanto quanto nas regiões acessíveis às investigações humanas; para lá desses
desertos, vagam, no éter límpido esplêndidos oásis, que sem cessar renovam as
cenas admiráveis da existência e da vida. Sucedem-se lá os agregados longínquos
de substância cósmica, que o profundo olhar do telescópio percebe através das
regiões transparentes do nosso céu e a que dais o nome de nebulosas
irresolúveis, as quais vos parecem ligeiras nuvens de poeira branca, perdidas
num ponto desconhecido do espaço etéreo. Lá se revelam e desdobram novos
mundos, cujas condições variadas e diversas das que são peculiares ao vosso
globo lhes dão uma vida que as vossas concepções não podem imaginar, nem os vossos
estudos comprovar. É lá que em toda a sua plenitude resplandece o poder
criador. Àquele que vem das regiões que o vosso sistema ocupa, outras leis se
deparam em ação e suas forças regem as manifestações da vida. E os novos caminhos
que se nos apresentam em tão singulares regiões abrem-nos surpreendentes
perspectivas. (1)
(1) Dá-se,
em Astronomia, o nome de nebulosas irresolúveis àquelas em que ainda se não
puderam distinguir as estrelas que as compõem. Foram, a princípio, consideradas
acervos de matéria cósmica em vias de condensação para formar mundos; hoje,
porém, geralmente se entende que essa aparência é devida ao afastamento e que,
com instrumentos bastante poderosos, todas seriam resolúveis.
Uma
comparação familiar pode dar ideia, embora muito imperfeita, das nebulosas
resolúveis: são os grupos de centelhas projetadas pelas bombas dos fogos de
artifício, no momento de explodirem. Cada uma dessas centelhas figurará uma
estrela e o conjunto delas a nebulosa, ou grupo de estrelas reunidas num ponto
do espaço e submetidas a uma lei comum de atração e de movimento. Vistas de certa
distância, mal se distinguem essas centelhas, tendo o grupo por elas formado a
aparência de uma nuvenzinha de fumaça. Não seria exata esta comparação, se se
tratasse de massas de matéria cósmica condensada.
A
nossa Via Láctea é uma dessas nebulosas. Conta perto de 30 milhões de estrelas
ou sóis que ocupam nada menos de algumas centenas de trilhões de léguas de
extensão e, entretanto, não é a maior. Suponhamos apenas uma média de 20
planetas habitados circulando em torno de cada sol: teremos 600 milhões de
mundos só para o nosso grupo. Se nos pudéssemos transportar da nossa nebulosa
para outra, aí estaríamos como em meio da nossa Via Láctea, porém com um céu
estrelado de aspecto inteiramente diverso e este, malgrado as suas dimensões
colossais, nos pareceria, de longe, um pequenino floco lenticular perdido no
infinito.
Mas,
antes de atingirmos a nova nebulosa, seríamos qual viajante que deixa uma
cidade e percorre vasto país inabitado, antes que chegue a outra cidade.
Teríamos transposto incomensuráveis espaços desprovidos de estrelas e de
mundos, o que Galileu denominou os desertos do espaço. À medida que
avançássemos, veríamos a nossa nebulosa afastar-se atrás de nós, diminuindo de
extensão às nossas vistas, ao mesmo tempo que, diante de nós, se apresentaria
aquela para a qual nos dirigíssemos, cada vez mais distinta, semelhante à massa
de centelhas de bomba de fogos de artifício.
Transportando-nos
pelo pensamento às regiões do espaço além do arquipélago da nossa nebulosa, veremos
em torno de nós milhões de arquipélagos semelhantes e de formas diversas,
contendo cada um milhões de sóis e centenas de milhões de mundos habitados.
Tudo
o que nos possa identificar com a imensidade da extensão e com a estrutura do
universo é de utilidade para a ampliação das ideias, tão restringidas pelas
crenças vulgares. Deus avulta aos nossos olhos, à medida que melhor
compreendemos a grandeza de suas obras e nossa infimidade. Estamos longe, como
se vê, da crença que a gênese moisaica implantou e que fez da nossa pequenina,
imperceptível Terra, a criação principal de Deus e dos seus habitantes os
únicos objetos da sua solicitude. Compreendemos a vaidade dos homens que creem
que tudo no universo foi feito para eles e dos que ousam discutir a existência
do Ente supremo. Dentro de alguns séculos, causará espanto que uma religião
feita para glorificar a Deus o tenha rebaixado a tão mesquinhas proporções e
que haja repelido, como concepção do espírito do mal.
Eterna sucessão dos
mundos
48.
Vimos que uma única lei, primordial e geral, foi outorgada ao universo, para
lhe assegurar eternamente a estabilidade, e que essa lei geral nos é
perceptível aos sentidos por muitas ações particulares que nomeamos forças
diretrizes da natureza. Vamos agora mostrar que a harmonia do mundo inteiro,
considerada sob o duplo aspecto da eternidade e do espaço, é garantida por essa
lei suprema.
49.
Com efeito, se remontarmos à origem primária das primitivas aglomerações da
substância cósmica, notaremos que, sob o império dessa lei, a matéria sofre as
transformações necessárias, que levam do gérmen ao fruto maduro, e que, sob a
impulsão das diversas forças nascidas dessa lei, ela percorre a escala das
revoluções periódicas. Primeiramente, centro fluídico dos movimentos; em
seguida, gerador dos mundos; mais tarde, núcleo central e atrativo das esferas
que lhe nasceram do seio.
Já
sabemos que essas leis presidem à história do Cosmo; o que agora importa saber
é que elas presidem igualmente à destruição dos astros, porquanto a morte não é
apenas uma metamorfose do ser vivo, mas também uma transformação da matéria
inanimada. Se é exato dizer-se, em sentido literal, que a vida só é acessível à
foice da morte, não menos exato é dizer-se que para a substância é de toda
necessidade sofrer as transformações inerentes à sua constituição.
50.
Temos aqui um mundo que, desde o primitivo berço, percorreu toda a extensão dos
anos que a sua organização especial lhe permitia percorrer. Extinguiu-se-lhe o
foco interior da existência, seus elementos perderam a virtude inicial; os
fenômenos da natureza, que reclamavam, para se produzirem, a presença e a ação
das forças outorgadas a esse mundo, já não mais podem produzir-se, porque a
alavanca da atividade delas já não dispõe do ponto de apoio que lhe era
indispensável.
Ora,
dar-se-á que essa terra extinta e sem vida vai continuar a gravitar nos espaços
celestes, sem uma finalidade, e passar como cinza inútil pelo turbilhão dos
céus? Dar-se-á permaneça inscrita no livro da vida universal, quando já se
tornou letra morta e vazia de sentido? Não. aumentar a nossa admiração pela sua
onipotência, iniciando-nos nos grandiosos mistérios da criação. Ainda maior
será o espanto, quando souberem que essas descobertas foram repelidas porque emancipariam
o espírito dos homens e tirariam a preponderância dos que se diziam
representantes de Deus na Terra. As mesmas leis que a elevaram acima do caos
tenebroso e que a galardoaram com os esplendores da vida, as mesmas forças que
a governaram durante os séculos da sua adolescência, que lhe firmaram os primeiros
passos na existência e que a conduziram à idade madura e à velhice, vão também
presidir à desagregação de seus elementos constitutivos, a fim de os restituir
ao laboratório onde a potência criadora haure incessantemente as condições da
estabilidade geral. Esses elementos vão retornar à massa comum do éter, para se
assimilarem a outros corpos, ou para regenerarem outros sóis. E a morte não
será um acontecimento inútil, nem para a Terra que consideramos, nem para suas
irmãs. Noutras regiões, ela renovará outras criações de natureza diferente e,
lá onde os sistemas de mundos se desvaneceram, em breve renascerá outro jardim
de flores mais brilhantes e mais perfumadas.
51.
Desse modo, a eternidade real e efetiva do universo se acha garantida pelas
mesmas leis que dirigem as operações do tempo. Desse modo, mundos sucedem a
mundos, sóis a sóis, sem que o imenso mecanismo dos vastos céus jamais seja
atingido nas suas gigantescas molas.
Onde
os vossos olhos admiram esplêndidas estrelas na abóbada da noite, onde o vosso
espírito contempla irradiações magníficas que resplandecem nos espaços
distantes, de há muito o dedo da morte extinguiu esses esplendores, de há muito
o vazio sucedeu a esses deslumbramentos e já recebem mesmo novas criações ainda
desconhecidas. A distância imensa a que se encontram esses astros, por efeito
da qual a luz que nos enviam gasta milhares de anos a chegar até nós, faz com
que somente hoje recebamos os raios que eles nos enviaram longo tempo antes da criação
da Terra e com que ainda os admiremos durante milhares de anos após a sua desaparição
real. (1)
Que são os seis mil anos da humanidade histórica, diante dos períodos seculares? Segundos em vossos séculos. Que são as vossas observações astronômicas, diante do estado absoluto do mundo? A sombra eclipsada pelo Sol.
(1) Há
aqui um efeito do tempo que a luz gasta para atravessar o espaço. Sendo de
70.000 léguas por segundo a sua velocidade, ela nos chega do Sol em 8 minutos e
13 segundos. Daí resulta que, se um fenômeno se passa na superfície do Sol, não
o percebemos senão 8 minutos mais tarde e, pela mesma razão, ainda o veremos 8
minutos depois da sua cessação. Se, em virtude do seu afastamento, a luz de uma
estrela consome mil anos para nos chegar, só mil anos depois da sua formação
veremos essa estrela. (Veja-se, para explicação e descrição completa desse
fenômeno, a Revista espírita de março e maio de 1867, resenha de Lúmen, por C.
Flammarion.)
52.
Logo, reconheçamos, aqui como nos nossos outros estudos, que a Terra e o homem
são nada em confronto com o que existe e que as mais colossais operações do
nosso pensamento ainda se estendem apenas sobre um campo imperceptível, diante
da imensidade e da eternidade de um universo que nunca terá fim.
E,
quando esses períodos da nossa imortalidade nos houverem passado sobre as
cabeças, quando a história atual da Terra nos aparecer qual sombra vaporosa no
fundo da nossa lembrança; quando, durante séculos incontáveis, houvermos
habitado esses diversos degraus da nossa hierarquia cosmológica; quando os mais
longínquos domínios das idades futuras tiverem sido por nós perlustrados em
inúmeras peregrinações, teremos diante de nós a sucessão ilimitada dos mundos e
por perspectiva a eternidade imóvel.
A vida universal
53.
Essa imortalidade das almas, tendo por base o sistema do mundo físico, pareceu
imaginária a certos pensadores prevenidos; qualificaram-na ironicamente de
imortalidade viajora e não compreenderam que só ela é verdadeira ante o
espetáculo da criação. Entretanto, pode-se tornar compreensível toda a sua
grandeza, quase diríamos: toda a sua perfeição.
54.
Que as obras de Deus sejam criadas para o pensamento e a inteligência; que os
mundos sejam moradas de seres que as contemplam e lhes descobrem, sob o véu, o
poder e a sabedoria daquele que as formou, são questões que já nos não oferecem
dúvida; mas, que sejam solidárias as almas que os povoam, é o que importa
saber.
55.
Com efeito, a inteligência humana encontra dificuldade em considerar esses
globos radiosos que cintilam na amplidão como simples massas de matéria inerte
e sem vida. Custa-lhe a pensar que não haja, nessas regiões distantes,
magníficos crepúsculos e noites esplendorosas, sóis fecundos e dias
transbordantes de luz, vales e montanhas, onde as produções múltiplas da
natureza desenvolvam toda a sua luxuriante pompa. Custa-lhe a imaginar, digo,
que o espetáculo divino em que a alma pode retemperar-se como em sua própria
vida, seja baldo da existência e carente de qualquer ser pensante que o possa
conhecer.
56.
Mas a essa ideia eminentemente justa da Criação, faz-se mister acrescentar a da
humanidade solidária e é nisso que consiste o mistério da eternidade futura. Uma
mesma família humana foi criada na universalidade dos mundos e os laços de uma
fraternidade que ainda não sabeis apreciar foram postos a esses mundos. Se os
astros que se harmonizam em seus vastos sistemas são habitados por
inteligências, não o são por seres desconhecidos uns dos outros, mas, ao
contrário, por seres que trazem marcado na fronte o mesmo destino, que se hão
de encontrar temporariamente segundo suas funções de vida e suas mútuas
simpatias. É a grande família dos Espíritos que povoam as terras celestes; é a
grande irradiação do Espírito divino que abrange a extensão dos céus e que
permanece como tipo primitivo e final da perfeição espiritual.
57.
Por que singular aberração se há podido crer fosse mister negar à imortalidade
as vastas regiões do éter, quando a encerravam dentro de um limite inadmissível
e de uma dualidade absoluta? O verdadeiro sistema do mundo deveria, então,
preceder à verdadeira doutrina dogmática e a Ciência preceder à Teologia? Esta
se transviará tanto que irá colocar sua base sobre a Metafísica? A resposta é
fácil e nos mostra que a nova filosofia se assentará triunfante nas ruínas da
antiga, porque sua base se terá erguido vitoriosa sobre os antigos erros.
Diversidade dos
mundos
58.
Acompanhando-nos em nossas excursões celestes, visitastes conosco as regiões
imensas do espaço. Debaixo das nossas vistas, os sóis sucederam aos sóis, os
sistemas aos sistemas, as nebulosas às nebulosas; diante dos nossos passos,
desenrolou-se o panorama esplêndido da harmonia do Cosmo e antegozamos a ideia
do infinito, que somente de acordo com a nossa perfectibilidade futura
poderemos compreender em toda a sua extensão. Os mistérios do éter nos
desvendaram o seu enigma até aqui indecifrável e, pelo menos, concebemos a
ideia da universalidade das coisas. Cumpre que agora nos detenhamos a refletir.
59.
É belo, sem dúvida, haver reconhecido quanto é ínfima a Terra e medíocre a sua
importância na hierarquia dos mundos; é belo haver abatido a presunção humana,
que nos é tão cara, e nos termos humilhado ante a grandeza absoluta; ainda mais
belo, no entanto, será que interpretemos em sentido moral o espetáculo de que
fomos testemunhas. Quero falar do poder infinito da natureza e da ideia que
devemos fazer do seu modo de ação nos diversos domínios do vasto universo.
60.
Acostumados, como estamos, a julgar das coisas pela nossa insignificante e
pobre habitação, imaginamos que a natureza não pode ou não teve de agir sobre
os outros mundos, senão segundo as regras que lhe conhecemos na Terra. Ora,
precisamente neste ponto é que importa reformemos a nossa maneira de ver.
Lançai
por um instante o olhar sobre uma região qualquer do vosso globo e sobre uma
das produções da vossa natureza. Não reconhecereis aí o cunho de uma variedade
infinita e a prova de uma atividade sem par? Não vedes na asa de um passarinho
das Canárias, na pétala de um botão de rosa entreaberto a prestigiosa
fecundidade dessa bela natureza? Apliquem-se aos seres que adejam nos ares os
vossos estudos, desçam eles à violeta dos prados, mergulhem nas profundezas do
oceano, em tudo e por toda a parte lereis esta verdade universal: A natureza
onipotente age conforme os lugares, os tempos e as circunstâncias; ela é una em
sua harmonia geral, mas múltipla em suas produções; brinca com um Sol, como com
uma gota de água; povoa de seres vivos um mundo imenso com a mesma facilidade
com que faz se abra o ovo posto pela borboleta.
61.
Ora, se é tal a variedade que a natureza nos há podido evidenciar em todos os
sítios deste pequeno mundo tão acanhado, tão limitado, quão mais ampliado não
deveis considerar esse modo de ação, ponderando nas perspectivas dos mundos
enormes! quão mais desenvolvida e pujante não a deveis reconhecer, operando
nesses mundos maravilhosos que, muito mais do que a Terra, lhe atestam a
inapreciável perfeição! Não vejais, pois, em torno de cada um dos sóis do
espaço, apenas sistemas planetários semelhantes ao vosso sistema planetário;
não vejais, nesses planetas desconhecidos, apenas os três reinos que se
estadeiam ao vosso derredor. Pensai, ao contrário, que, assim como nenhum rosto
de homem se assemelha a outro rosto em todo o gênero humano, também uma
portentosa diversidade, inimaginável, se acha espalhada pelas moradas eternas
que vogam no seio dos espaços.
Do
fato de que a vossa natureza animada começa no zoófito para terminar no homem,
de que a atmosfera alimenta a vida terrestre, de que o elemento líquido a
renova incessantemente, de que as vossas estações fazem se sucedam nessa vida
os fenômenos que as distinguem, não concluais que os milhões e milhões de
terras que rolam pela amplidão sejam semelhantes à que habitais. Longe disso,
aquelas diferem, de acordo com as diversas condições que lhes foram prescritas
e de acordo com o papel que a cada uma coube no cenário do mundo. São pedrarias
variegadas de um imenso mosaico, as diversificadas flores de admirável parque.
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