CREDO ESPÍRITA
Preâmbulo
Os
males da Humanidade provêm da imperfeição dos homens; pelos seus vícios é que
eles se prejudicam uns aos outros. Enquanto forem viciosos, serão infelizes,
porque a luta dos interesses gerará constantes misérias.
Sem
dúvida, boas leis contribuem para melhorar o estado social, mas são impotentes
para tornar venturosa a Humanidade, porque mais não fazem do que comprimir as
paixões ruins, sem as eliminar. Em segundo lugar, porque são mais repressivas
do que moralizadoras e só reprimem os mais salientes atos maus, sem lhes
destruir as causas. Aliás, a bondade das leis guarda relação com a bondade dos
homens; enquanto estes se conservarem dominados pelo orgulho e pelo egoísmo,
farão leis em benefício de suas ambições pessoais. A lei civil apenas modifica
a superfície; somente a lei moral pode penetrar o foro íntimo da consciência e
reformá-lo.
Reconhecido,
pois, que o atrito oriundo do contato dos vícios é que faz infortunados os
homens, o único remédio para seus males está em se melhorarem eles moralmente.
Uma vez que nas imperfeições se encontra a causa dos males, a felicidade
aumentará na proporção em que as imperfeições diminuírem.
Por
melhor que seja uma instituição social, sendo maus os homens, eles a falsearão
e lhe desfigurarão o espírito para a explorarem em proveito próprio. Quando os
homens forem bons, organizarão boas instituições, que serão duráveis, porque
todos terão interesse em conservá-las.
A questão social não tem, pois, por ponto de partida a forma de tal ou qual instituição; ela está toda no melhoramento moral dos indivíduos e das massas. Aí é que se acha o princípio, a verdadeira chave da felicidade do gênero humano, porque então os homens não mais cogitarão de se prejudicarem reciprocamente. Não basta se cubra de verniz a corrupção, é indispensável extirpar a corrupção.
O
princípio do melhoramento está na natureza das crenças, porque estas constituem
o móvel das ações e modificam os sentimentos. Também está nas ideias inculcadas
desde a infância e que se identificam com o Espírito; está ainda nas ideias que
o desenvolvimento ulterior da inteligência e da razão podem fortalecer, nunca
destruir. É pela educação, mais do que pela instrução, que se transformará a
Humanidade.
O
homem que se esforça seriamente por se melhorar assegura para si a felicidade,
já nesta vida. Além da satisfação que proporciona à sua consciência, ele se
isenta das misérias materiais e morais, que são a consequência inevitável das
suas imperfeições. Terá calma, porque as vicissitudes só de leve o roçarão.
Gozará de saúde, porque não estragará o seu corpo com os excessos. Será rico,
porque rico é sempre todo aquele que sabe contentar-se com o necessário. Terá a
paz do espírito, porque não experimentará necessidades fictícias, nem será
atormentado pela sede das honrarias e do supérfluo, pela febre da ambição, da
inveja e do ciúme. Indulgente para com as imperfeições alheias, menos
sofrimentos lhe causarão elas, que, antes, lhe inspirarão piedade, e não
cólera. Evitando tudo o que possa prejudicar o seu próximo, por palavras e por
atos, procurando, ao invés, fazer tudo o que possa ser útil e agradável aos
outros, ninguém sofrerá com o seu contato. Garante a sua felicidade na vida
futura, porque quanto mais ele se depurar, tanto mais se elevará na hierarquia
dos seres inteligentes e cedo abandonará esta terra de provações, por mundos
superiores, porquanto o mal que haja reparado nesta vida não terá que o reparar
em outras existências; porquanto, na erraticidade, só encontrará seres amigos e
simpáticos e não será atormentado pela visão incessante dos que contra ele
tenham motivos de queixa.
Vivam
juntos alguns homens, animados desses sentimentos, e serão tão felizes quanto o
comporta a nossa terra. Ganhem assim, passo a passo, esses sentimentos todo um
povo, toda uma raça, toda a Humanidade e o nosso globo tomará lugar entre os
mundos ditosos.
Será
isto uma utopia, uma quimera? Sê-lo-á para aquele que não crê no progresso da alma;
não o será, para aquele que crê na sua perfectibilidade indefinita.
O
progresso geral é a resultante de todos os progressos individuais, mas o
progresso individual não consiste apenas no desenvolvimento da inteligência, na
aquisição de alguns conhecimentos. Nisso mais não há do que uma parte do
progresso, que não conduz necessariamente ao bem, pois que há homens que usam
mal do seu saber. O progresso consiste, sobretudo, no melhoramento moral, na
depuração do Espírito, na extirpação dos maus germens que em nós existem. Esse
o verdadeiro progresso, o único que pode garantir a felicidade ao gênero
humano, por ser o oposto mesmo do mal. Muito mal pode fazer o homem de
inteligência mais cultivada; aquele que se houver adiantado moralmente só o bem
fará. É, pois, do interesse de todos o progresso moral da Humanidade.
Mas
que importam a melhora e a felicidade das gerações futuras, àquele que acredita
que tudo se acaba com a vida? Que interesse tem ele em se aperfeiçoar, em se
constranger, em domar suas paixões inferiores, em se privar do que quer que
seja em benefício de outrem? Nenhum. A própria lógica lhe diz que seu interesse
está em gozar depressa e por todos os meios possíveis, visto que amanhã,
talvez, ele nada mais será.
A
doutrina do niilismo é a paralisia do progresso humano, porque circunscreve as
vistas do homem ao imperceptível ponto da presente existência; porque lhe
restringe as ideias e as concentra forçosamente na vida material. Com essa
doutrina, o homem nada sendo antes, nem depois, cessando com a vida todas as
relações sociais, a solidariedade é vã palavra, a fraternidade uma teoria sem
base, a abnegação em favor de outrem mero embuste, o egoísmo, com a sua máxima
— cada um por si, um direito natural; a vingança, um ato de razão; a
felicidade, privilégio do mais forte e dos mais astuciosos; o suicídio, o fim
lógico daquele que, baldo de recursos e de expedientes, nada mais espera e não
pode safar-se do tremedal. Uma sociedade fundada sobre o niilismo traria em si
o gérmen de sua próxima dissolução.
Outros,
porém, são os sentimentos daquele que tem fé no futuro; que sabe que nada do
que adquiriu em saber e em moralidade lhe estará perdido; que o trabalho de
hoje dará seus frutos amanhã; que ele próprio fará parte das gerações
porvindouras, mais adiantadas e mais ditosas. Sabe que, trabalhando para os
outros, trabalha para si mesmo. Sua visão não se detém na Terra, abrange a
infinidade dos mundos que lhe servirão um dia de morada; entrevê o glorioso
lugar que lhe caberá, como o de todos os seres que alcançam a perfeição.
Com
a fé na vida futura, dilata-se-lhe o círculo das ideias; o porvir lhe pertence;
o progresso pessoal tem um fim, uma utilidade real. Da continuidade das
relações entre os homens nasce a solidariedade; a fraternidade se funda numa
Lei da Natureza e no interesse de todos.
A
crença na vida futura é, pois, elemento de progresso, porque estimula o
Espírito; somente ela pode dar ao homem coragem nas suas provas, porque lhe
fornece a razão de ser dessas provas, perseverança na luta contra o mal, porque
lhe assina um objetivo. A formar essa crença no espírito das massas é,
portanto, o em que devem aplicar-se os que a possuem.
Entretanto,
ela é inata no homem. Todas as religiões a proclamam. Por que, então, não deu,
até hoje, os resultados que se deviam esperar? É que, em geral, a apresentam em
condições que a razão não pode aceitar. Conforme a pintam, ela rompe todas as
relações com o presente; desde que tenha deixado a Terra, a criatura se torna
estranha à Humanidade: nenhuma solidariedade existe entre os mortos e os vivos;
o progresso é puramente individual; cada um, trabalhando para o futuro,
unicamente para si trabalha, só em si pensa e isso mesmo para uma finalidade
vaga, que nada tem de definido, nada de positivo, sobre que o pensamento se
firme com segurança; enfim, porque é mais uma esperança que uma certeza
material. Daí resulta, para uns, a indiferença, para outros, uma exaltação
mística que, isolando da Terra o homem, é essencialmente prejudicial ao
progresso real da Humanidade, porquanto negligencia os cuidados que reclama o progresso
material, para o qual a Natureza lhe impõe o dever de contribuir.
Todavia,
por muito incompletos que sejam os resultados, não deixam de ser efetivos.
Quantos homens não se sentiram encorajados e sustentados na senda do bem por
essa vaga esperança! Quantos não se detiveram no declive do mal, pelo temor de
comprometer o seu futuro! Quantas virtudes nobres essa crença não desenvolveu!
Não desdenhemos as crenças do passado, por imperfeitas que sejam, quando
conduzem ao bem: elas estavam em correspondência com o grau de adiantamento da
Humanidade. Porém, tendo progredido, a Humanidade reclama crenças em harmonia
com as novas ideias. Se os elementos da fé permanecem estacionários e ficam
distanciados pelo espírito, perdem toda influência; e o bem que hajam
produzido, em certo tempo, não pode prosseguir, porque aqueles elementos já não
se acham à altura das circunstâncias.
Para
que a doutrina da vida futura doravante dê os frutos que se devem esperar, é
preciso, antes de tudo, que satisfaça completamente à razão; que corresponda à
ideia que se faz da sabedoria, da justiça e da bondade de Deus; que não possa
ser desmentida de modo algum pela Ciência. É preciso que a vida futura não
deixe no espírito nem dúvida, nem incerteza; que seja tão positiva quanto a
vida presente, que é a sua continuação, do mesmo modo que o amanhã é a
continuação do dia anterior. É necessário seja vista, compreendida e, por assim
dizer, tocada com o dedo. Faz-se mister, enfim, que seja evidente a
solidariedade entre o passado, o presente e o futuro, através das diversas
existências.
Tal
a ideia que da vida futura apresenta o Espiritismo. O que a essa ideia dá força
é que ela absolutamente não é uma concepção humana com o mérito apenas de ser
mais racional, sem contudo oferecer mais certeza do que as outras. É o
resultado de estudos feitos sobre os testemunhos oferecidos por Espíritos de
diferentes categorias, nas suas manifestações, que permitiram se explorasse a
vida extracorpórea em todas as suas fases, desde o extremo superior ao extremo
inferior da escala dos seres. As peripécias da vida futura, por conseguinte, já
não constituem uma simples teoria, ou uma hipótese mais ou menos provável:
decorrem de observações. São os habitantes do Mundo Invisível que vêm, eles
próprios, descrever os seus respectivos estados e há situações que a mais
fecunda imaginação não conceberia, se não fossem patenteadas aos olhos do
observador.
Ministrando
a prova material da existência e da imortalidade da alma, iniciando-nos em os
mistérios do nascimento, da morte, da vida futura, da vida universal,
tornando-nos palpáveis as inevitáveis consequências do bem e do mal, a Doutrina
Espírita, melhor do que qualquer outra, põe em relevo a necessidade da melhoria
individual. Por meio dela, sabe o homem donde vem, para onde vai, por que está
na Terra; o bem tem um objetivo, uma utilidade prática. Ela não se limita a
preparar o homem para o futuro, forma-o também para o presente, para a
sociedade. Melhorando-se moralmente, os homens prepararão na Terra o reinado da
paz e da fraternidade.
A
Doutrina Espírita é assim o mais poderoso elemento de moralização, por se
dirigir simultaneamente ao coração, à inteligência e ao interesse pessoal bem
compreendido.
Por
sua mesma essência, o Espiritismo participa de todos os ramos dos conhecimentos
físicos, metafísicos e morais. São inúmeras as questões que ele envolve, as
quais, no entanto, podem resumir-se nos pontos seguintes que, considerados
verdades inconcussas, formam o programa das crenças espíritas.
Princípios
fundamentais da Doutrina Espírita, reconhecidos como verdades adquiridas
A
morte corpórea de Allan Kardec interrompeu as Obras póstumas desse eminente
Espírito. Este volume termina com um ponto de interrogação e muitos leitores
desejariam vê-lo respondido logicamente, como o sabia fazer o douto professor
em matéria de Espiritismo. Sem dúvida, assim deveria ser.
No
Congresso Espírita e Espiritualista Internacional de 1890, declararam seus
membros que, desde 1869, estudos perseverantes haviam revelado coisas novas e
que, segundo o ensinamento preconizado por Allan Kardec, alguns dos princípios
do Espiritismo, sobre os quais o mestre baseava seu ensino, tinham de ser
revistos e postos de acordo com os progressos da Ciência, em geral, nos últimos
20 anos.
Essa
corrente de ideias, comum aos membros daquele Congresso, vindos de todas as
partes da Terra, provou que um volume novo precisava ser elaborado, para
conjugar o ensino de Allan Kardec com o que nos proporciona constantemente a
pesquisa da verdade.
Essa
será a obra da Comissão de propaganda. Muito contamos com os bons conselhos dos
irmãos que no Congresso demonstraram a sua competência acerca das mais altas
questões filosóficas, para auxiliarem a Comissão nessa elaboração de um
trabalho coletivo e incessantemente progressivo. Esse volume terá por sua vez
que ser revisto, quando um novo Congresso assim o decidir. “A Ciência”, disse
Allan Kardec, “tem por finalidade constituir a verdadeira gênese, segundo as
Leis da Natureza.
As
descobertas da Ciência, longe de rebaixá-lo, glorificam a Deus. Elas somente
destroem o que os homens construíram sobre as ideias falsas que hão feito de
Deus.
O
Espiritismo, avançando com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se
novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se
modificará nesse ponto; se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” (A
gênese, cap. I – Caráter da Revelação Espírita). P.-G. Leymarie
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