BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO
O que se deve entender por pobres de espírito
1. Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que deles é o reino dos
céus. (S. Mateus 5:3)
2. A incredulidade zombou desta
máxima: Bem-aventurados os pobres de espírito, como tem zombado de muitas
outras coisas que não compreende. Por pobres de espírito Jesus não entende os homens
desprovidos de inteligência, mas os humildes, tanto que diz ser para estes o
reino dos céus e não para os orgulhosos. Os homens de saber e de espírito, no
entender do mundo, formam geralmente tão alto conceito de si próprios e da sua
superioridade, que consideram as coisas divinas como indignas de lhes merecer a
atenção. Concentrando sobre si mesmos os seus olhares, eles não os podem elevar
até Deus. Essa tendência, de se acreditarem superiores a tudo, muito amiúde os
leva a negar aquilo que, estando-lhes acima, os depreciaria, a negar até mesmo
a Divindade. Ou, se condescendem em admiti-la, contestam-lhe um dos mais belos
atributos: a ação providencial sobre as coisas deste mundo, persuadidos de que
eles são suficientes para bem governá-lo. Tomando a inteligência que possuem
para medida da inteligência universal, e julgando-se aptos a tudo compreender,
não podem crer na possibilidade do que não compreendem. Consideram sem apelação
as sentenças que proferem.
Se se recusam a admitir o mundo
invisível e uma potência extra-humana, não é que isso lhes esteja fora do alcance;
é que o orgulho se lhes revolta à ideia de uma coisa acima da qual não possam
colocar-se e que os faria descer do pedestal onde se contemplam. Daí o só terem
sorrisos de mofa para tudo o que não pertence ao mundo visível e tangível. Eles
se atribuem espírito e saber em tão grande cópia, que não podem crer em coisas,
segundo pensam, boas apenas para gente simples, tendo por pobres de espírito os
que as tomam a sério.
Entretanto, digam o que disserem, forçoso lhes será entrar, como os outros, nesse mundo invisível de que escarnecem. É lá que os olhos se lhes abrirão e eles reconhecerão o erro em que caíram. Deus, porém, que é justo, não pode receber da mesma forma aquele que lhe desconheceu a majestade e outro que humildemente se lhe submeteu às leis, nem os aquinhoar em partes iguais.
Dizendo que o reino dos céus é
dos simples, quis Jesus significar que a ninguém é concedida entrada nesse
reino, sem a simplicidade de coração e humildade de espírito; que o ignorante
possuidor dessas qualidades será preferido ao sábio que mais crê em si do que
em Deus. Em todas as circunstâncias, Jesus põe a humildade na categoria das
virtudes que aproximam de Deus e o orgulho entre os vícios que dele afastam a
criatura, e isso por uma razão muito natural: a de ser a humildade um ato de
submissão a Deus, ao passo que o orgulho é a revolta contra ele. Mais vale,
pois, que o homem, para felicidade do seu futuro, seja pobre em espírito,
conforme o entende o mundo, e rico em qualidades morais.
Aquele que se eleva será rebaixado
3. Por essa ocasião, os
discípulos se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram: “Quem é o maior no reino
dos céus?” Jesus, chamando a si um menino, o colocou no meio deles e respondeu:
“Digo-vos, em verdade, que, se não vos converterdes e tornardes quais crianças,
não entrareis no reino dos céus. Aquele, portanto, que se humilhar e se tornar
pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus e aquele que recebe em
meu nome a uma criança, tal como acabo de dizer, é a mim mesmo que recebe.” (S.
Mateus, 18:1 a 5.)
4. Então, a mãe dos filhos de
Zebedeu se aproximou dele com seus dois filhos e o adorou, dando a entender que
lhe queria pedir alguma coisa. Disse-lhe ele: “Que queres?” “Manda, disse ela,
que estes meus dois filhos tenham assento no teu reino, um à tua direita e o
outro à tua esquerda.” Mas, Jesus lhe respondeu: “Não sabes o que pedes; podeis
vós ambos beber o cálice que eu vou beber?” Eles responderam: “Podemos.” Jesus
lhes replicou: “É certo que bebereis o cálice que eu beber; mas, pelo que
respeita a vos sentardes à minha direita ou à minha esquerda, não me cabe a mim
vo-lo conceder; isso será para aqueles a quem meu Pai o tem preparado.” Ouvindo
isso, os dez outros apóstolos se encheram de indignação contra os dois irmãos. Jesus,
chamando-os para perto de si, lhes disse: “Sabeis que os príncipes das nações
as dominam e que os grandes as tratam com império. Assim não deve ser entre
vós; ao contrário, aquele que quiser tornar-se o maior, seja vosso servo; e
aquele que quiser ser o primeiro entre vós seja vosso escravo; do mesmo modo
que o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida
pela redenção de muitos.” (S. Mateus, 20:20 a 28.)
5. Jesus entrou em dia de
sábado na casa de um dos principais fariseus para aí fazer a sua refeição. Os
que lá estavam o observaram. Então, notando que os convidados escolhiam os
primeiros lugares, propôs-lhes uma parábola, dizendo: “Quando fordes convidados
para bodas, não tomeis o primeiro lugar, para que não suceda que, havendo entre
os convidados uma pessoa mais considerada do que vós, aquele que vos haja
convidado venha a dizer-vos: dai o vosso lugar a este, e vos vejais
constrangidos a ocupar, cheios de vergonha, o último lugar. Quando fordes
convidados, ide colocar-vos no último lugar, a fim de que, quando aquele que
vos convidou chegar, vos diga: meu amigo, venha mais para cima. Isso então será
para vós um motivo de glória, diante de todos os que estiverem convosco à mesa;
porquanto todo aquele que se eleva será rebaixado e todo aquele que se abaixa
será elevado.” (S. Lucas, 14:1 e 7 a 11.)
6. Estas máximas decorrem do
princípio de humildade que Jesus não cessa de apresentar como condição
essencial da felicidade prometida aos eleitos do Senhor e que ele formulou
assim: “Bem-aventurados os pobres de espírito, pois que o reino dos céus lhes
pertence.” Ele toma uma criança como tipo da simplicidade de coração e diz:
“Será o maior no reino dos céus aquele que se humilhar e se fizer pequeno como
uma criança, isto é, que nenhuma pretensão alimentar à superioridade ou à
infalibilidade.
A mesma ideia fundamental se
nos depara nesta outra máxima: Seja vosso servidor aquele que quiser tornar-se
o maior, e nesta outra: Aquele que se humilhar será exaltado e aquele que se
elevar será rebaixado.
O Espiritismo sanciona pelo
exemplo a teoria, mostrando-nos na posição de grandes no mundo dos Espíritos os
que eram pequenos na Terra; e bem pequenos, muitas vezes, os que na Terra eram
os maiores e os mais poderosos. E que os primeiros, ao morrerem, levaram
consigo aquilo que faz a verdadeira grandeza no céu e que não se perde nunca:
as virtudes, ao passo que os outros tiveram de deixar aqui o que lhes
constituía a grandeza terrena e que se não leva para a outra vida: a riqueza, os
títulos, a glória, a nobreza do nascimento. Nada mais possuindo senão isso
chegam ao outro mundo privados de tudo, como náufragos que tudo perderam, até
as próprias roupas. Conservaram apenas o orgulho que mais humilhante lhes torna
a nova posição, porquanto veem colocados acima de si e resplandecentes de
glória os que eles na Terra espezinharam.
O Espiritismo aponta-nos outra
aplicação do mesmo princípio nas encarnações sucessivas, mediante as quais os
que, numa existência, ocuparam as mais elevadas posições, descem, em existência
seguinte, às mais ínfimas condições, desde que os tenham dominado o orgulho e a
ambição. Não procureis, pois, na Terra, os primeiros lugares, nem vos colocar
acima dos outros, se não quiserdes ser obrigados a descer. Buscai, ao
contrário, o lugar mais humilde e mais modesto, porquanto Deus saberá dar-vos
um mais elevado no céu, se o merecerdes.
Mistérios ocultos aos doutros e aos prudentes
7. Disse, então, Jesus estas palavras: “Graças te rendo, meu Pai, Senhor
do céu e da Terra, por haveres ocultado estas coisas aos doutos e aos prudentes
e por as teres revelado aos simples e aos pequenos.” (S. Mateus, 11:25.)
8. Pode parecer singular que
Jesus renda graças a Deus, por haver revelado estas coisas aos simples e aos
pequenos, que são os pobres de espírito, e por as ter ocultado aos doutos e aos
prudentes, mais aptos, na aparência, a compreendê-las. É que cumpre se entenda
que os primeiros são os humildes, são os que se humilham diante de Deus e não
se consideram superiores a toda a gente. Os segundos são os orgulhosos,
envaidecidos do seu saber mundano, os quais se julgam prudentes porque negam e
tratam a Deus de igual para igual, quando não se recusam a admiti-lo,
porquanto, na antiguidade, douto era sinônimo de sábio. Por isso é que Deus
lhes deixa a pesquisa dos segredos da Terra e revela os do céu aos simples e
aos humildes que diante dele se prostram.
9. O mesmo se dá hoje com as
grandes verdades que o Espiritismo revelou. Alguns incrédulos se admiram de que
os Espíritos tão poucos esforços façam para os convencer. A razão está em que
estes últimos cuidam preferentemente dos que procuram, de boa-fé e com
humildade, a luz, do que daqueles que se supõem na posse de toda a luz e
imaginam, talvez, que Deus deveria dar-se por muito feliz em atraí-los a si,
provando-lhes a sua existência.
O poder de Deus se manifesta
nas mais pequeninas coisas, como nas maiores. Ele não põe a luz debaixo do
alqueire, por isso que a derrama em ondas por toda a parte, de tal sorte que só
cegos não a veem. A esses não quer Deus abrir à força os olhos, dado que lhes
apraz tê-los fechados. A vez deles chegará, mas é preciso que, antes, sintam as
angústias das trevas e reconheçam que é a Divindade e não o acaso quem lhes
fere o orgulho. Para vencer a incredulidade, Deus emprega os meios mais
convenientes, conforme os indivíduos. Não é à incredulidade que compete
prescrever-lhe o que deva fazer, nem lhe cabe dizer: “Se me queres convencer,
tens de proceder dessa ou daquela maneira, em tal ocasião e não em tal outra,
porque essa ocasião é a que mais me convém.”
Não se espantem, pois, os
incrédulos de que nem Deus, nem os Espíritos, que são os executores da sua
vontade, se lhes submetam às exigências. Inquiram de si mesmos o que diriam, se
o último de seus servidores se lembrasse de lhes prescrever fosse o que fosse.
Deus impõe condições e não aceita as que lhe queiram impor; escuta, bondoso, os
que a ele se dirigem humildemente e não os que se julgam mais do que ele.
10. Perguntar-se-á: não poderia
Deus tocá-los pessoalmente, por meio de manifestações retumbantes, diante das
quais se inclinassem os mais obstinados incrédulos? É fora de toda dúvida que o
poderia; mas, então, que mérito teriam eles e, ao demais, de que serviria? Não
se veem todos os dias criaturas que não cedem nem à evidência, chegando até a
dizer: “Ainda que eu visse, não acreditaria, porque sei que é impossível?”
Esses, se se negam assim a reconhecer a verdade, é que ainda não trazem maduro
o espírito para compreendê-la, nem o coração para senti-la. O orgulho é a
catarata que lhes tolda a visão. De que vale apresentar a luz a um cego?
Necessário é que, antes, se lhe destrua a causa do mal. Daí vem que, médico
hábil, Deus primeiramente corrige o orgulho. Ele não deixa ao abandono aqueles
de seus filhos que se acham perdidos, porquanto sabe que cedo ou tarde os olhos
se lhes abrirão. Quer, porém, que isso seja por sua própria vontade, quando,
vencidos pelos tormentos da incredulidade, eles venham de si mesmos
lançar-se-lhe nos braços e pedir-lhe perdão, quais filhos pródigos.
Instruções dos Espíritos
O orgulho e a humildade
11. Que a paz do Senhor seja
convosco, meus queridos amigos! Aqui venho para encorajar-vos a seguir o bom
caminho.
Aos pobres Espíritos que
habitaram outrora a Terra, conferiu Deus a missão de vos esclarecer. Bendito
seja ele, pela graça que nos concede: a de podermos auxiliar o vosso
aperfeiçoamento. Que o Espírito Santo me ilumine e ajude a tornar compreensível
a minha palavra, outorgando-me o favor de pô-la ao alcance de todos! Oh! vós,
encarnados, que vos achais em prova e buscais a luz, que a vontade de Deus
venha em meu auxílio para fazê-la brilhar aos vossos olhos!
A humildade é virtude muito
esquecida entre vós. Bem pouco seguidos são os exemplos que dela se vos têm
dado. Entretanto, sem humildade, podeis ser caridosos com o vosso próximo? Oh!
não, pois que este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que todos são
irmãos, que se devem auxiliar mutuamente, e os induz ao bem. Sem a humildade,
apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis um
vestuário para ocultar as deformidades do vosso corpo. Lembrai-vos daquele que
nos salvou; lembrai-vos da sua humildade, que tão grande o fez, colocando-o
acima de todos os profetas.
O orgulho é o terrível
adversário da humildade. Se o Cristo prometia o reino dos céus aos mais pobres,
é porque os grandes da Terra imaginam que os títulos e as riquezas são
recompensas deferidas aos seus méritos e se consideram de essência mais pura do
que a do pobre. Julgam que os títulos e as riquezas lhes são devidos, pelo que,
quando Deus lhos retira, o acusam de injustiça. Oh! irrisão e cegueira! Pois,
então, Deus vos distingue pelos corpos? O envoltório do pobre não é o mesmo que
o do rico? Terá o Criador feito duas espécies de homens? Tudo o que Deus faz é
grande e sábio; não lhe atribuais nunca as ideias que os vossos cérebros
orgulhosos engendram.
Ó rico! Enquanto dormes sob
dourados tetos, ao abrigo do frio, ignoras que jazem sobre a palha milhares de
irmãos teus, que valem tanto quanto tu? Não é teu igual o infeliz que passa
fome? Ao ouvires isso, bem o sei, revolta-se o teu orgulho. Concordarás em
dar-lhe uma esmola, mas em lhe apertar fraternalmente a mão, nunca. “Pois quê!
dirás, eu, de sangue nobre, grande da Terra, igual a este miserável coberto de
andrajos! Vã utopia de pseudofilósofos! Se fôssemos iguais, por que o teria
Deus colocado tão baixo e a mim tão alto?” É exato que as vossas vestes não se
assemelham; mas, despi-vos ambos: que diferença haverá entre vós? A nobreza do
sangue, dirás; a química, porém, ainda nenhuma diferença descobriu entre o
sangue de um grão-senhor e o de um plebeu; entre o do senhor e o do escravo.
Quem te garante que também tu já não tenhas sido miserável e desgraçado como
ele? Que também não hajas pedido esmola? Que não a pedirás um dia a esse mesmo
a quem hoje desprezas? São eternas as riquezas? Não desaparecem quando se
extingue o corpo, envoltório perecível do teu Espírito? Ah! lança sobre ti um
pouco de humildade! Põe os olhos, afinal, na realidade das coisas deste mundo,
sobre o que dá lugar ao engrandecimento e ao rebaixamento no outro; lembra-te
de que a morte não te poupará, como a nenhum homem; que os teus títulos não te preservarão
do seu golpe; que ela te poderá ferir amanhã, hoje, a qualquer hora. Se te
enterras no teu orgulho, oh! quanto então te lamento, pois bem digno de
compaixão serás.
Orgulhosos! Que éreis antes de
serdes nobres e poderosos? Talvez estivésseis abaixo do último dos vossos
criados. Curvai, portanto, as vossas frontes altaneiras, que Deus pode fazer se
abaixem, justo no momento em que mais as elevardes. Na balança divina, são
iguais todos os homens; só as virtudes os distinguem aos olhos de Deus. São da
mesma essência todos os Espíritos e formados de igual massa todos os corpos. Em
nada os modificam os vossos títulos e os vossos nomes. Eles permanecerão no
túmulo e de modo nenhum contribuirão para que gozeis da ventura dos eleitos.
Estes, na caridade e na humildade é que têm seus títulos de nobreza.
Pobre criatura! és mãe, teus
filhos sofrem; sentem frio; têm fome, e tu vais, curvada ao peso da tua cruz,
humilhar-te, para lhes conseguires um pedaço de pão! Oh! inclino-me diante de
ti. Quão nobremente santa és e quão grande aos meus olhos! Espera e ora; a
felicidade ainda não é deste mundo. Aos pobres oprimidos que nele confiam,
concede Deus o reino dos céus.
E tu, donzela, pobre criança
lançada ao trabalho, às privações, por que esses tristes pensamentos? Por que
choras? Dirige a Deus, piedoso e sereno, o teu olhar: ele dá alimento aos
passarinhos; tem-lhe confiança: ele não te abandonará. O ruído das festas, dos
prazeres do mundo, faz bater-te o coração; também desejaras adornar de flores
os teus cabelos e misturar-te com os venturosos da Terra. Dizes de ti para
contigo que, como essas mulheres que vês passar, despreocupadas e risonhas,
também poderias ser rica. Oh! cala-te, criança! Se soubesses quantas lágrimas e
dores inomináveis se ocultam sob esses vestidos recamados, quantos soluços são
abafados pelos sons dessa orquestra rumorosa, preferirias o teu humilde retiro
e a tua pobreza. Conserva-te pura aos olhos de Deus, se não queres que o teu
anjo guardião para o seu seio volte, cobrindo o semblante com as suas brancas
asas e deixando-te com os teus remorsos, sem guia, sem amparo, neste mundo,
onde ficarias perdida, a aguardar a punição no outro.
Todos vós que dos homens
sofreis injustiças, sede indulgentes para as faltas dos vossos irmãos,
ponderando que também vós não vos achais isentos de culpas; é isso caridade,
mas é igualmente humildade. Se sofreis pelas calúnias, abaixai a cabeça sob
essa prova. Que vos importam as calúnias do mundo? Se é puro o vosso proceder,
não pode Deus vo-las compensar? Suportar com coragem as humilhações dos homens
é ser humilde e reconhecer que somente Deus é grande e poderoso.
Oh! meu Deus, será preciso que
o Cristo volte segunda vez à Terra para ensinar aos homens as tuas leis, que
eles olvidam? Terá que de novo expulsar do templo os vendedores que conspurcam
a tua casa, casa que é unicamente de oração? E, quem sabe? ó homens! se o não
renegaríeis como outrora, caso Deus vos concedesse essa graça! Chamar-lhe-íeis
blasfemador, porque abateria o orgulho dos modernos fariseus. É bem possível
que o fizésseis perlustrar novamente o caminho do Gólgota.
Quando Moisés subiu ao monte
Sinai para receber os mandamentos de Deus, o povo de Israel, entregue a si
mesmo, abandonou o Deus verdadeiro. Homens e mulheres deram o ouro e as joias
que possuíam, para que se construísse um ídolo que entraram a adorar. Vós
outros, homens civilizados, os imitais. O Cristo vos legou a sua doutrina;
deu-vos o exemplo de todas as virtudes e tudo abandonastes, exemplos e
preceitos. Concorrendo para isso com as vossas paixões, fizestes um Deus a
vosso jeito: segundo uns, terrível e sanguinário; segundo outros, alheado dos
interesses do mundo. O Deus que fabricastes é ainda o bezerro de ouro que cada
um adapta aos seus gostos e às suas ideias.
Despertai, meus irmãos, meus
amigos. Que a voz dos Espíritos ecoe nos vossos corações. Sede generosos e
caridosos, sem ostentação, isto é, fazei o bem com humildade. Que cada um
proceda pouco a pouco à demolição dos altares que todos ergueram ao orgulho.
Numa palavra: sede verdadeiros cristãos e tereis o reino da verdade. Não
continueis a duvidar da bondade de Deus, quando dela vos dá ele tantas provas.
Vimos preparar os caminhos para que as profecias se cumpram. Quando o Senhor
vos der uma manifestação mais retumbante da sua clemência, que o enviado
celeste já vos encontre formando uma grande família; que os vossos corações,
mansos e humildes, sejam dignos de ouvir a palavra divina que ele vos vem
trazer; que ao eleito somente se deparem em seu caminho as palmas que aí
tenhais deposto, volvendo ao bem, à caridade, à fraternidade. Então, o vosso
mundo se tornará o paraíso terrestre. Mas, se permanecerdes insensíveis à voz
dos Espíritos enviados para depurar e renovar a vossa sociedade civilizada,
rica de ciências, mas, no entanto, tão pobre de bons sentimentos, ah! então não
nos restará senão chorar e gemer pela vossa sorte. Mas, não, assim não será.
Voltai para Deus, vosso pai, e todos nós que houvermos contribuído para o
cumprimento da sua vontade entoaremos o cântico de ação de graças,
agradecendo-lhe a inesgotável bondade e glorificando-o por todos os séculos dos
séculos. Assim seja. (Lacordaire. Constantina, 1863).
12. Homens, por que vos
queixais das calamidades que vós mesmos amontoastes sobre as vossas cabeças?
Desprezastes a santa e divina moral do Cristo; não vos espanteis, pois, de que
a taça da iniquidade haja transbordado de todos os lados.
Generaliza-se o mal-estar. A
quem inculpar, senão a vós que incessantemente procurais esmagar-vos uns aos
outros? Não podeis ser felizes, sem mútua benevolência; mas, como pode a
benevolência coexistir com o orgulho? O orgulho, eis a fonte de todos os vossos
males. Aplicai-vos, portanto, em destruí-lo, se não lhe quiserdes perpetuar as
funestas consequências. Um único meio se vos oferece para isso, mas infalível:
tomardes para regra invariável do vosso proceder a lei do Cristo, lei que
tendes repelido ou falseado em sua interpretação.
Por que haveis de ter em maior
estima o que brilha e encanta os olhos, do que o que toca o coração? Por que
fazeis do vício na opulência objeto das vossas adulações, ao passo que
desdenhais do verdadeiro mérito na obscuridade? Apresente-se em qualquer parte
um rico debochado, perdido de corpo e alma, e todas as portas se lhe abrem,
todas as atenções são para ele, enquanto ao homem de bem, que vive do seu
trabalho, mal se dignam todos de saudá-lo com ar de proteção. Quando a
consideração dispensada aos outros se mede pelo ouro que possuem ou pelo nome
de que usam, que interesse podem eles ter em se corrigirem de seus defeitos?
Dar-se-ia o inverso, se a
opinião geral fustigasse o vício dourado, tanto quanto o vício em andrajos;
mas, o orgulho se mostra indulgente para com tudo o que o lisonjeia. Século de
cupidez e de dinheiro, dizeis. Sem dúvida; mas por que deixastes que as
necessidades materiais sobrepujassem o bom-senso e a razão? Por que há de cada
um querer elevar-se acima de seu irmão? Desse fato sofre hoje a sociedade as
consequências.
Não esqueçais que tal estado de
coisas é sempre sinal certo de decadência moral. Quando o orgulho chega ao
extremo, tem-se um indício de queda próxima, porquanto Deus nunca deixa de
castigar os soberbos. Se por vezes consente que eles subam, é para lhes dar
tempo à reflexão e a que se emendem, sob os golpes que de quando em quando lhes
desfere no orgulho para os advertir. Mas, em lugar de se humilharem, eles se
revoltam. Então, cheia a medida, Deus nos abate completamente e tanto mais
horrível lhes é a queda, quanto mais alto hajam subido.
Pobre raça humana, cujo egoísmo
corrompeu todas as sendas, toma novamente coragem, apesar de tudo. Em sua
misericórdia infinita, Deus te envia poderoso remédio para os teus males, um
inesperado socorro à tua miséria. Abre os olhos à luz: aqui estão as almas dos
que já não vivem na Terra e que te vêm chamar ao cumprimento dos deveres reais.
Eles te dirão, com a autoridade da experiência, quanto as vaidades e as
grandezas da vossa passageira existência são mesquinhas a par da eternidade.
Dir-te-ão que, lá, o maior é aquele que haja sido o mais humilde entre os
pequenos deste mundo; que aquele que mais amou os seus irmãos será também o
mais amado no céu; que os poderosos da Terra, se abusaram da sua autoridade,
ver-se-ão reduzidos a obedecer aos seus servos; que, finalmente, a humildade e
a caridade, irmãs que andam sempre de mãos dadas, são os meios mais eficazes de
se obter graça diante do Eterno. (Adolfo, bispo de Argel. Marmande, 1862).
Missão do homem inteligente na Terra
13. Não vos ensoberbeis de
vosso saber, porquanto ele tem limites muito estreitos no mundo em que
habitais. Suponhamos sejais sumidades em inteligência neste planeta: nenhum
direito tendes de envaidecer-vos. Se Deus, em seus desígnios, vos fez nascer
num meio onde pudestes desenvolver a vossa inteligência, é que quer a utilizeis
para o bem de todos; é uma missão que vos dá, pondo-vos nas mãos o instrumento
com que podeis desenvolver, por vossa vez, as inteligências retardatárias e
conduzi-las a ele. A natureza do instrumento não está a indicar a que
utilização deve prestar-se? A enxada que o jardineiro entrega a seu ajudante
não mostra a este último que lhe cumpre cavar a terra? Que diríeis, se esse
ajudante, em vez de trabalhar, erguesse a enxada para ferir o seu patrão?
Diríeis que é horrível e que ele merece expulso. Pois bem: não se dá o mesmo
com aquele que se serve da sua inteligência para destruir a ideia de Deus e da
Providência entre seus irmãos? Não levanta ele contra o seu senhor a enxada que
lhe foi confiada para arrotear o terreno? Tem ele direito ao salário prometido?
Não merece, ao contrário, ser expulso do jardim? Sê-lo-á, não duvideis, e
atravessará existências miseráveis e cheias de humilhações, até que se curve
diante daquele a quem tudo deve.
A inteligência é rica de
méritos para o futuro, mas sob a condição de ser bem empregada. Se todos os
homens que a possuem dela se servissem de conformidade com a vontade de Deus,
fácil seria, para os Espíritos, a tarefa de fazer que a humanidade avance.
Infelizmente, muitos a tornam instrumento de orgulho e de perdição contra si
mesmos. O homem abusa da inteligência como de todas as suas outras faculdades
e, no entanto, não lhe faltam ensinamentos que o advirtam de que uma poderosa
mão pode retirar o que lhe concedeu. (Ferdinando, Espírito protetor. Bordéus,
1862).
Nenhum comentário:
Postar um comentário