PRIMEIRA PARTE - DOUTRINA
CAPÍTULO I
O PORVIR E O NADA
1. Os questionamentos
apresentados por Kardec já no início do livro, são os mesmos que a humanidade
vem tentando decifrar há séculos. Afinal, todos morrem fisicamente. E para onde
vamos? Que será feito de nós?
Esses questionamentos
apresentam-se ao lado da necessidade e do gosto de viver, pois todos buscamos a
felicidade. Observe-se, por exemplo, que ao falar sobre isso, a maioria das
pessoas foge do assunto e prefere ignorar a questão. Todavia, a Doutrina
Espírita aborda o tema em profundidade e nesta obra magistral da Codificação,
Kardec já inicia direto com tais perguntas, que devem interessar diretamente a
todos nós.
Fico a pensar de que valeriam
todos os esforços empreendidos na presente existência, se tudo se acabasse com
a morte. A própria lógica indica que não é assim. Há algo mais além da
brevidade da existência física.
Faça-se breve comparação com um
filho. A ele dedicamos toda atenção e amor, e nunca ficamos a imaginar que
aquele corpo físico um dia vai morrer também. As alegrias e os cuidados com um
filho indicam, ainda que intuitivamente, que o futuro o aguarda e que devemos
auxiliá-lo a tornar-se uma pessoa digna, honrada, decente, moralizada. Este o
objetivo de viver. Ao mesmo tempo, interessamo-nos em estudar, aprender coisas
novas, aumentamos nosso círculo de amizades e relacionamentos. Como fica isso
no futuro?
E como a Doutrina estimula o questionamento, eis aqui uma bela chance de estudar o empolgante tema. Indagar, raciocinar, pensar, questionar. Afinal, como é? Continuamos a viver após a morte ou não? Como estaremos? Com quem? Em que condições?
Eis as questões com que nos
ocuparemos ao longo do estudo dessa fabulosa obra.
2. Neste item o Codificador
argumenta sobre os prejuízos da crença no “nada”, quando os interesses
voltam-se exclusivamente para a vida presente, com forte estímulo ao egoísmo. A
conclusão dos que seguem a crença no fim de tudo após a morte física, é que é preciso
gozar o máximo, agora, mesmo que em prejuízo de terceiros. Isto gera, sem
dúvida, o desrespeito pela dignidade humana e nos tornamos verdadeiramente
criaturas antissociais, rompendo os laços de solidariedade que devem nortear as
relações humanas.
Nesta crença não há
fundamentação para a fraternidade, nem para o esforço no bem, pois que os laços
entre as criaturas rompem-se com a morte. Noção incompatível com a lógica e o
bom senso. A sequência do estudo nos dará amplo entendimento da questão.
Podemos notar que o Codificador
continua argumentando, na sequencia dos itens, sobre O Porvir e o Nada (que é o
título do capítulo). Neste item há uma comparação diante de uma suposta notícia
para um povo que, em oito dias, será aniquilado.
Que comportamento adotará esse
povo? Haverá algum sentimento de dever, de honra?
Pois bem, o que ocorre
coletivamente, ocorre também todos os dias, individualmente, conforme
ponderações do próprio Codificador, com consequências desastrosas para a vida
social.
Usando um exemplo de ocorrência
na vida de uma pessoa que toma conhecimento, hipoteticamente, dos próprios dias
contados. Manipulado pela doutrina do niilismo, essa pessoa entrega-se a toda
sorte de excessos e desregramentos, procurando gozar dos supostos últimos dias
de vida na Terra.
Como a orientação religiosa tem
se mostrado deficiente, por não se assentar em fatos positivos, desencadeia a
onda de incredulidade e indiferença com os consequentes males sociais daí
decorrentes. Fica evidente, uma vez mais, a necessidade da concordância das
informações fornecidas pela Religião com os dados positivos alcançados pela
Ciência. Faltando estes, desabam quaisquer tentativas de acalmar o intelecto.
3. Kardec levanta a hipótese de
aniquilamento total de um povo num prazo previsto e determinado. E lança
indagações se haveria interesse ou esforço pelo aperfeiçoamento moral, pela
aquisição cultural. Claro que não! A tendência certa seria usufruir ao máximo
os últimos instantes, com total entrega ao desregramento social.
Pois, é exatamente isso,
conforme pondera o Codificador que “O que se não dá coletivamente, a doutrina
do niilismo realiza todos os dias isoladamente, individualmente”. É a consequência
direta do materialismo.
É o que ocorre hoje com a
maioria dos habitantes do planeta. Acreditando-se seres que estão vivendo pela
última e única vez, entregam-se à satisfação desenfreada de prazeres materiais,
despreocupados da maneira como atingem isso e desinformados das consequências
dos desajustes daí consequentes.
E como a religião, em linhas
gerais, tem se mostrado impotente para sustar os surtos de incredulidade, vemos
a questão agravar-se. O falta, conforme texto de Kardec, é a demonstração de
fatos positivos.
4. Já citando o Espiritismo, o
texto conclama ao raciocínio dos ensinos trazidos pela revelação espírita,
através de convite direto para a análise correta dos fatos.
Com grande oportunidade, no
final do item 4, há o destaque da responsabilidade assumida por aqueles que
semeiam ideias de perturbação no seio da sociedade, especialmente nas mentes
juvenis. Essa negação do futuro e da sobrevivência da alma é a causa dos desajustes
sociais que vivemos atualmente e os responsáveis pela defesa e expansão desses
germens de dissolução assumem compromissos perante a própria consciência.
Afinal somos todos responsáveis pelo que fazemos. E a divulgação ou estímulo de
ideias materialistas trazem consequências danosas para a sociedade, tanto em
seu todo, como individualmente considerando. Haja vista os prejuízos que já
podemos observar.
O que precisamos sempre ter em
mente, ainda que sintamos dificuldade em aceitar as ideias espíritas, é que é
preciso ter a mente aberta ao raciocínio. Pensar sobre todas as questões e submetê
ao critério da razão e do bom senso. Inclusive este assunto da vida futura.
Usando o raciocínio, veremos o absurdo da doutrina materialista.
5 a 7. Nestes itens Allan
Kardec comenta sobre uma doutrina que nega ser materialista, mas que admite que
todos somos absorvidos, após a morte física, por um Todo Universal. Seríamos,
então, parte de Deus. Ao nascer, cada indivíduo traz consigo uma parcela desse
todo e na morte, essa parte se perde novamente no Todo. Tal doutrina, conforme
enfatiza o Codificador, é um passo adiante sobre o materialismo, mas suas consequências
são as mesmas, pois leva cada um ao aniquilamento da individualidade. Vale
apenas o presente, porque não há passado nem futuro, estimulando os mesmos
perigos da negação que o materialismo apresenta. E a genialidade de Kardec
indaga, então, que se as partes vieram de um mesmo Todo, como pode haver tanta
diferença entre as partes, da sabedoria à ignorância, da saúde à enfermidade ou
da bondade à maldade? Recomendamos, com ênfase, que possam refletir sobre os
itens ora comentados, lendo-os na íntegra no capítulo I do precioso livro O Céu
e o Inferno.
8 e 9. O pensamento do
Codificador, argumentando sobre as objeções ao sistema de absorção pelo todo
universal é magnífico. Desejamos sugerir ao leitor para atentar aos detalhes
preciosos das argumentações constantes desses dois itens do capítulo I.
Conforme enfatiza no item 9, do ponto de vista moral as consequências também
são ilógicas, pois Deus seria composto de vontades divergentes, o que
naturalmente seria um grande obstáculo para a estabilidade de suas leis.
Mas é no item 8 que ele coloca
esta pérola: “Uma teoria não pode ser aceita como verdadeira senão com a
condição de satisfazer a razão e dar conta de todos os fatos que ela abarca; se
um só fato vier dar-lhe um desmentido, é que ela não está na verdade absoluta”.
Notem que o capítulo em
referência liga-se ao futuro após a morte e Kardec está comentando as várias
teorias apresentadas para tentar explicar o futuro. Cada item, cada comentário,
cada raciocínio leva a refletir seriamente sobre a abundância do conhecimento
que a teoria espírita apresenta; teoria, aliás, baseada em fatos. É que a
Doutrina Espírita solicita-nos raciocínio e reflexão, motivo que nos leva a esses
singelos comentários, sem pretensões, mas motivados de despertar o interesse
pelo estudo da obra.
10. Aqui Kardec inicia
comentando que os sistemas anteriormente citados não satisfazem nem à razão e
nem à aspiração humana de felicidade. E levanta o notável questionamento de que
estamos, pois, diante de três alternativas:
a) O nada absoluto após a
morte, o que seria por si só um absurdo porque não há como conceber o nada;
perguntemo-nos: o que seria o “nada”?
b) A absorção pelo todo, cujo
absurdo foi comentado nos itens anteriores;
c) A individualidade da alma,
antes e depois da morte.
Independente de ser esta última
a posição espírita, abstenhamo-nos da ideia espírita e raciocinemos sobre esta
alternativa. A lógica a ela nos leva. E considere-se que esta crença forma a
base de todas as religiões.
Diante da lógica da alternativa
citada, somos levados a pensar que a situação de cada um depende, pois, das
qualidades pessoais que cada um detém em si mesmo. Seria mesmo inconcebível que
a alma de um selvagem estivesse nas mesmas condições de uma alma virtuosa. Aí
surgem os princípios de justiça, que determinam que cada um torna-se
responsável pelos próprios atos. Para que sejam responsáveis pelos próprios
atos, é necessário que tenham liberdade de escolha entre o bem e o mal.
Se há liberdade de escolha, não
há fatalidade. Somos, pois, os construtores do próprio destino. E essa
construção se dá pelas oportunidades das vidas sucessivas.
11. Neste item o comentário
está em torno do princípio espiritualista, aceito pelas religiões. Este
princípio da imortalidade aceita a destinação feliz ou infeliz para depois da
morte, destinando para gozos e sofrimentos, a depender da conduta adotada
quando da vida na Terra. Surge aí a figura do céu e do inferno.
Ocorre que elas diferem, como
pondera Kardec, sobre a natureza desses gozos ou sofrimentos experimentados. E
sobretudo sobre as condições em que possam merecer.
Desta dificuldade surgem as
diferentes interpretações religiosas que, muitas vezes, apresentam deveres
particulares impostos como meio de ganhar o céu e evitar o inferno, como,
inclusive, está no texto original do livro.
12. Durante muito tempo a
religião foi confundida com práticas exteriores e mesmo hoje tais práticas
escravizam o pensamento.
13. Este item é de profunda
reflexão. A existência de incrédulos é consequência do não acompanhamento,
pelas religiões, do movimento progressivo da humanidade. Sempre que há
imposição irracional, surge a incredulidade. Somos criaturas pensantes e
imposições dogmáticas agridem aqueles que já aprenderam a refletir.
Aí surge a lógica da Doutrina
Espírita. Apresentando um futuro em condições lógicas, dignas, e principalmente
justo, dentro de uma lógica que admite raciocinar sobre o futuro e seus
desdobramentos, pode ser aceito com mais facilidade.
14. Por falta de base para
estudar e definir o futuro, a imaginação constrói sistemas que ficam
ultrapassados diante do progresso inevitável das ideias.
A Doutrina Espírita tem porém,
sobre o futuro, uma concepção baseada na observação e nos fatos e jamais na
imaginação. Isto lhe garante autenticidade. Isto descarta opiniões divergentes
sobre sistemas imaginados e facilita a unificação das ideias, pois que,
repetimos, baseados na observação e em fatos observáveis.
CAPÍTULO II
TEMOR DA MORTE
1 a 9. Remontando às antigas ideias
dos povos sobre o entendimento do que seria o “céu”, Kardec faz uma síntese
sobre tais ideias e aborda sobre o erro humano de antigamente considerar a
Terra como o centro do universo. Ideia, aliás, que as conquistas da ciência
colocaram por terra.
3. Por exemplo, analisando as
conquistas da ciência, coloca a Terra em sua real situação: ela não é, senão,
um ponto imperceptível na imensidão do universo. E, raciocina sobre a grandeza
de Deus que não situou exclusivamente na Terra seus filhos. E afirma: ”Tudo, ao
contrário, anuncia que a vida está por toda parte, que a Humanidade é infinita
como o Universo. Deus não poderia tê-los criado sem objetivo; deve tê-los
povoado de seres capazes de governá-los”.
Esta multiplicidade, pois, de
planetas habitados, derruba qualquer ideia de céu situado ”acima” das paisagens
humanas.
E, no item 4, coloca novamente
em questão a limitação dos conhecimentos humanos e a tola pretensão de querer
resolver todas as questões sob a ótica de tais limitados conhecimentos, diante
da grandeza da criação de Deus.
Com a ideia anterior,
equivocada, de que a Terra seria o centro do universo, o céu seria morada dos
eleitos e exclusivamente vinculada à Terra. As conquistas da Ciência mostraram
que não.
O azul do céu é apenas consequência
das condições do planeta, pois o universo estende-se infinitamente para todos
os lados, não havendo, pois, “em baixo” ou “em cima”, para indicar um céu de
eleitos. O céu, da paz, é muito mais uma condição interior do ser do que uma
região localizada.
10. Este item, único, está com
o subtítulo por que os espíritas não temem a morte?
O subtítulo é bem chamativo e
utiliza-se da revelação trazida, em detalhes, pelos próprios espíritos, sobre o
futuro e suas condições, para aquele que já passou pelo fenômeno biológico da
morte. Sempre caminhando pelo raciocínio, Kardec convida a pensar, afirmando
que ”para os espíritas a alma não é mais uma abastração” e que ”o temor da
morte não tem mais razão de ser; encara-se a sua chegada a sangue frio, como
uma libertação, como a porta da vida e não como a porta do nada” .
CAPÍTULO III
O CÉU
1 a 4. Este capítulo, é dividido
em dois subtítulos: Causas do temor da morte, apresenta reflexões de
profundidade e nos leva a analisar as causas do pavor que a morte tem causado
em todos os tempos.
Allan Kardec leva o leitor a
amplos raciocínios, partindo do conhecido para alcançar aquilo que o homem,
erroneamente, considera um mistério indecifrável.
Já no item 2, o Codificador
afirma que o temor da morte é efeito da sabedoria do Providencia e também consequência
do instinto de conservação, comum a todos os seres vivos.
Mas no item 3 leva-nos a
raciocinar que “à medida que compreende melhor a vida futuro, o medo da morte
diminui”.
No item 4, todavia, Allan
Kardec já convida o leitor a livrar-se do medo da morte com o esclarecimento
que o próprio raciocínio pode trazer, utilizando-se da lógica espírita.
Nos itens seguintes, 5, 6 e 7,
o Codificador, sempre utilizando-se de sua lucidez e competência, continua com
o raciocínio que ajuda a entender a questão.
Finalmente, no item 8, ele cita
as tradições humanas, hábitos e costumes que transformaram a morte em algo
lúgubre, feio e principalmente assustador.
E conclui o item 9, indagando
se uma alma que ama consegue ser feliz, vendo o ser amado no chamado inferno?
5 a 7. Na continuidade do
capítulo que Kardec nominou O Céu, a partir do item 5, o Codificador traz
importantes explicações sobre a constituição real do ser humano, justamente
para levar o raciocínio do leitor ao entendimento da questão em estudo no
capítulo.
O segundo parágrafo, por
exemplo, do item 5, apresenta a realidade da existência de dois mundos, o
corpóreo e o espiritual, fazendo comentários que o leitor não pode deixar de
ler.
Mas é exatamente no item 6, que
encontramos essa pérola: A felicidade está na razão direta do progresso
realizado, de sorte que, de dois Espíritos, um pode não ser tão feliz quanto
outro, unicamente por não possuir o mesmo adiantamento intelectual e moral, sem
que por isso precisem estar, cada qual, em lugar distinto. Ainda que juntos,
pode um estar em trevas, enquanto que tudo resplandece para o outro, tal como
um cego e um vidente que se dão as mãos; este percebe a luz da qual aquele não
recebe a mínima impressão.
E é com essa explicação que ele
faz uma comparação notável sobre a audição musical, tomando-a por exemplo entre
duas pessoas: uma com o ouvido educado para a música e outro sem qualquer
contato com a música, nos efeitos diferentes que em cada um produzirá.
8 a 11. Allan Kardec apresenta
uma monumental síntese sobre as vidas sucessivas, através da reencarnação. Numa
sequencia lógica o autor leva o leitor a raciocinar com clareza sobre a lógica
das vidas sucessivas, fazendo considerações simples, mas diretas, objetivas. Ao
mesmo tempo em que aborda a finalidade da encarnação, necessária para o
progresso intelectual e moral – exatamente pelo convívio com outros seres – o
Codificador analisa a questão da multiplicidade das existências, o intervalo
entre as encarnações e chega à questão dos planetas superiores à Terra.
É sempre muito salutar
acompanhar o raciocínio de Kardec. A clareza de suas observações, sempre
alicerçadas no bom senso e numa análise bastante ponderada e ao mesmo tempo
muito direta, facilita o raciocínio de fatos patentes, sem qualquer misticismo
ou mistérios.
Por tudo isso, a fabulosa obra
da Codificação, O Céu e o Inferno, vai se desdobrando com uma sequencia muito
bem elaborada para levar o leitor a raciocinar mesmo, o que vai facilitar o
entendimento global e particular dos princípios doutrinários. Tudo isso para
que a aceitação esteja absolutamente embasada em reflexões demoradas e sempre,
repetimos, alicerçadas na lógica e no bom senso.
CAPÍTULOS IV, V e VI
O capítulo IV trata de O
Inferno, o V aborda O Purgatório e o VI traz à análise o tema Doutrina das
Penas Eternas.
Nos três casos Allan Kardec
traz antecedentes históricos do desenvolvimento da crença nos três temas. No
primeiro caso, o Codificador aborda a questão da intuição nas penas eternas,
sua ligação com o inferno cristão e pagão, que comenta isoladamente – nos dois
casos, aborda os limbos, em comentários de muita lucidez que convidam o leitor
a amplo raciocínio sobre a impossibilidade e absurdo da existência do que a
crença sem raciocínio resolveu denominar inferno.
Já no segundo caso, logo no
primeiro parágrafo, ele afirma: “O Evangelho não faz nenhuma menção ao
purgatório, que não foi admitido pela Igreja senão no ano 593. E, seguramente,
um dogma mais racional e mais conforme a justiça de Deus do que o do inferno,
uma vez que estabelece penas menos rigorosas e resgatáveis, por faltas de uma
menor gravidade (…)”.
Mas é no item 8, após valiosas
ponderações que encontramos: “(…) O Espiritismo não vem, pois, negar a
penalidade futura: ao contrário, vem constatá-la. O que ele destrói é o inferno
localizado, com as suas fornalhas e as suas penas irremissíveis. Não nega o
purgatório, uma vez que prova que nele estamos; define-o e o precisa,
explicando as causas das misérias terrestres (…)”
É que, verdadeiramente, as consequências
de nossos erros, tropeços e equívocos ficam gravados na própria consciência,
trazendo o sofrimento do remorso, do arrependimento, e da reparação,
constituindo aí sim o inferno ou purgatório interiores.
No capítulo VI está a Doutrina
das Penas Eternas, com ampla abordagem sobre o tema. Kardec, neste capítulo,
fala sobre os argumentos a favor das penas eternas (colecionados através do
tempo, na história humana) e da impossibilidade material das penas eternas,
provando-a com fatos positivos, entre outros dois subtemas.
CAPÍTULO VII
AS PENAS FUTURAS SEGUNDO O ESPIRITISMO
Este capítulo é um dos mais
ricos da obra.
Seus 3 subtítulos, em quase
duas dezenas de páginas, trazem substanciosos ensinos para nosso estudo e
reflexão.
O primeiro deles, A CARNE É
FRACA, traz excelente abordagem do Codificador sobre a realidade de que o
comandante do corpo é o espírito e não ao contrário como comumente se afirma.
Já o segundo subtítulo,
PRINCIPIOS DA DOUTRINA ESPIRITA SOBRE AS PENAS FUTURAS, deixa bem claro que a
questão das penas e sofrimentos futuros não é resultado da elaboração mental de
uma pessoa, mas sim fruto dos ensinos que os próprios espíritos trouxeram. Aqui
apresentamos breve resumo, daí ser muito interessante que o estudioso e leitor
atento não deixem de ler os originais, na íntegra, aqui referidos.
Todavia, o que mais nos
impressiona é a exatidão, clareza, objetividade com que se apresenta o terceiro
subtítulo, o CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA. O código, deduzido da observação dos
fatos apresentados pelos próprios espíritos, está resumido em 33 itens de
valorosa profundidade. Cada um, por si só, já comporta outras tantas
observações, estudos e pesquisas para ampliação de cada item. É simplesmente
fabulosa a perspectiva de abordagem e raciocínios que cada item propicia. A
clareza do texto, aliada à dedução que cada estudioso poderá fazer, (em cada
item, é bom que se repita), na lógica usada, representam autêntico roteiro de
vida para melhorarmos o próprio comportamento e principalmente compreendermos
as situações dolorosas que muitas vezes se apresentam à nossa volta. E, sem
dúvida, deduzir das consequências de tantos outros fatos.
O sofrimento existe mesmo como
fruto da ignorância de princípios sábios e bondosos que nos norteiam a vida.
Daí a importância de se ler e estudar referido código.
CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA
O Espiritismo não vem, pois,
com a sua autoridade particular, formular um código de fantasia; sua lei, no
que diz respeito ao futuro da alma, deduzida da observação tomada sobre os
fatos, pode se resumir nos pontos seguintes:
1º A alma ou Espírito sofre, na
vida espiritual, as consequências de todas as imperfeições das quais não se
despojou, durante a vida corporal. Seu estado, feliz ou infeliz, é inerente ao
grau de sua depuração ou de suas imperfeições.
2º A felicidade perfeita está
ligada à perfeição, quer dizer, à depuração completa do Espírito. Toda
imperfeição é, ao mesmo tempo, uma causa de sofrimento e de privação de prazer,
do mesmo modo que, toda qualidade adquirida, é uma causa de prazer e de
atenuação dos sofrimentos.
3º Não há uma única imperfeição
da alma que não carregue consigo as suas consequências deploráveis,
inevitáveis, e uma única boa qualidade que não seja a fonte de um prazer. A
soma das penas, assim, é proporcional à soma das imperfeições, do mesmo modo
que a dos gozos está em razão da soma das qualidades.
A alma que tem dez
imperfeições, por exemplo, sofre mais do que aquela que não as tem senão três
ou quatro; quando, dessas dez imperfeições, não lhe restar senão a quarta parte
ou a metade, sofrerá menos, e, quando não lhe restar nenhuma delas, não sofrerá
mais de qualquer coisa e será perfeitamente feliz. Tal, sobre a Terra, aquele
que tem várias enfermidades sofre mais do que aquele que não tem senão uma, ou
que não tem nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez qualidades goza
mais do que aquela que as tem menos.
4º Em virtude da lei do progresso,
tendo, toda alma, a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta, e de se
desfazer do que ela tem de mau, segundo os seus esforços e a sua vontade, disso
resulta que o futuro não está fechado para nenhuma criatura. Deus não repudia
nenhum dos seus filhos; recebe-os, em seu seio, à medida que atingem a
perfeição, deixando, assim, a cada um, o mérito das suas obras.
5º Estando o sofrimento ligado
à imperfeição, do mesmo modo que o prazer está à perfeição, a alma carrega,
consigo mesma, o seu próprio castigo, por toda parte onde se encontre; para
isso, não tem necessidade de um lugar circunscrito. O inferno, pois, está por
toda parte onde haja almas sofredoras, do mesmo modo que o céu está por toda
parte onde haja almas felizes.
6º O bem e o mal que se faz são
o produto das boas e das más qualidades que se possui. Não fazer o bem que se
poderia fazer é, pois, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é
uma fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não apenas por todo o mal que
fez, mas por todo o bem que poderia fazer, e não fez, durante a sua vida
terrestre.
7º O Espírito sofre pelo
próprio mal que ele fez, de maneira que, estando a sua atenção incessantemente
centrada sobre as consequências desse mal, compreende melhor os seus inconvenientes
e está estimulado a dele se corrigir.
8º Sendo a justiça de Deus
infinita, tem uma conta rigorosa do bem e do mal; se não há uma única ação má,
um único mau pensamento que não tenha as suas consequências fatais, não há uma
única boa ação, um único bom movimento da alma, o mais leve mérito, em uma
palavra, que seja perdido, mesmo entre os mais perversos, pois é um começo de
progresso.
9º Toda falta cometida, todo
mal realizado, é uma dívida contraí- da que deve ser paga; se não for numa
existência, será na seguinte ou nas seguintes, porque todas as existências são
solidárias, umas com as outras. Aquilo que se paga na existência presente não
deverá ser pago por segunda vez.
10º O Espírito sofre a pena das
suas imperfeições, seja no mundo espiritual, seja no mundo corporal. Todas as
misérias, todas as vicissitudes que suportamos na vida corporal, são consequências
de nossas imperfeições, de expiações de faltas cometidas, seja na existência
presente, seja nas precedentes.
Pela natureza dos sofrimentos e
das vicissitudes que se experimentam na vida corporal, pode-se julgar da
natureza das faltas cometidas, em uma precedente existência, e das imperfeições
que lhes são causa.
11º A expiação varia segundo a
natureza e a gravidade das faltas; a mesma falta pode, assim, dar lugar a
expiações diferentes, segundo as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, nas
quais foram cometidas.
12º Não há, sob o aspecto da
natureza e da duração do castigo, nenhuma regra absoluta e uniforme; a única
lei geral é que toda falta recebe a sua punição, e toda boa ação a sua
recompensa, segundo o seu valor.
13º A duração do castigo está
subordinada à melhoria do Espírito culpado. Nenhuma condenação, por tempo
determinado, é pronuncia- da contra ele. O que Deus exige para pôr termo aos
seus sofrimentos, é uma melhoria séria, efetiva, e um retorno sincero ao bem.
O Espírito é, assim, sempre, o
árbitro da sua própria sorte; pode prolongar os seus sofrimentos pelo seu
endurecimento no mal, abrandá-los ou abreviá-los por seus esforços para fazer o
bem.
Uma condenação, por um tempo
determinado qualquer, teria o duplo inconveniente ou de continuar a ferir o
Espírito que teria se melhorado, ou de cessar quando este ainda estaria no mal.
Deus, que é justo, pune o mal quando ele existe; e cessa de punir quando o mal
não existe mais (1); ou, se se quer, sendo o mal moral, por si mesmo, uma causa
de sofrimento, o sofrimento dura tão longo tempo quanto o mal subsista; a sua
intensidade diminui à medida que o mal se enfraquece.
14º Estando a duração do
castigo subordinada ao melhoramento, disso resulta que o Espírito culpado que
não se melhora nunca, sofrerá sempre, e que, para ele, a pena seria eterna.
15º Uma condição inerente à
inferioridade dos Espíritos é a de não ver o termo de sua situação, e de crer
que sofrerão sempre. É, para eles, um castigo que lhes parece que será eterno
(2).
(1) Ver acima, capítulo VI, n. 25, citação de Ezequiel.
(2) Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se: o limite das neves
perpétuas; os gelos eternos dos polos; diz-se, também o secretário perpétuo da
Academia, o que não quer dizer que o será perpetuamente, mas, unicamente, por
um tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, no sentido de
indeterminado. Nessa acepção, pode-se dizer que as penas são eternas, se se
entende que não têm uma duração limitada; são eternas para o Espírito que não lhes
vê o fim.
16º O arrependimento é o
primeiro passo para a melhoria; mas só ele não basta, é preciso, ainda, a
expiação, a reparação.
Arrependimento, expiação e
reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta
e suas consequências.
O arrependimento abranda as
dores da expiação, no que traz a esperança e prepara os caminhos da
reabilitação; mas unicamente a reparação pode anular o efeito, em destruindo a
causa; o perdão seria uma graça e não uma anulação.
17º O arrependimento pode
ocorrer em qualquer parte e em qualquer tempo; se é tardio, o culpado sofre por
mais tempo.
A expiação consiste nos
sofrimentos físicos e morais, que são a consequência da falta cometida, seja
desde a vida presente, seja, depois da morte, na vida espiritual, seja em nova
existência corporal, até que os traços da falta tenham se apagado.
A reparação consiste em fazer o
bem àquele a quem se fez o mal. Aquele que não reparar os seus erros nesta
vida, por impossibilidade ou má vontade, se reencontrará, numa existência
ulterior, em contato com as mesmas pessoas que tiveram do que se lastimar dele,
e em condições escolhidas por ele mesmo, de maneira a poder provar-lhes o seu
devotamento, e fazer-lhes tanto bem quanto lhes haja feito de mal.
Nem todas as faltas acarretam
um prejuízo direto e efetivo; nesse caso, a reparação se cumpre: fazendo o que
se devia fazer e não se fez, cumprindo os deveres que foram negligenciados ou
desconhecidos, as missões em que se faliu; praticando o bem em sentido
contrário àquilo que se fez de mal; quer dizer, sendo humilde onde se foi
orgulhoso, brando onde se foi duro, caridoso onde se foi egoísta, benevolente
se foi malévolo, trabalhador se foi preguiçoso, útil se foi inútil, moderado se
foi dissoluto, de bom exemplo se deu maus exemplos, etc. É assim que o Espírito
progride, aproveitando o seu passado (1).
18º Os Espíritos imperfeitos
estão excluídos dos mundos felizes, onde perturbariam a harmonia; permanecem
nos mundos inferiores, onde expiam as suas faltas pelas tribulações da vida, e
se purificam das
(1) A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa justiça,
que se pode considerar como sendo a verdadeira lei de reabilitação moral dos
Espíritos. É uma doutrina que nenhuma religião ainda proclamou.
Entretanto, algumas pessoas a
repelem, porque achariam mais cômodo poder apagar as suas faltas pelo simples
arrependimento, que não custa senão palavras, e com a ajuda de algumas
fórmulas; permita-lhes se crerem quites: verão, mais tarde, se isso lhes basta.
Poder-se-ia perguntar se esse princípio não é consagrado pela lei humana, e se
a justiça de Deus pode ser inferior à dos homens. Se se dariam por satisfeitos
com um indivíduo que, tendo-o arruinado por abuso de confiança, se limitasse a
dizer-lhe que o lamenta infinitamente. Por que recuariam diante de uma
obrigação que todo homem honesto far-se-ia um dever cumpri-la, na medida das
suas forças?
Quando essa perspectiva da
reparação estiver inculcada na crença das massas, será um freio bem mais
poderoso do que o do inferno e das penas eternas, porque diz respeito à
atualidade da vida, e o homem compreenderá a razão de ser das circunstâncias
penosas em que está colocado.
Suas imperfeições, até que
mereçam se encarnar nos mundos mais avançados, moral e fisicamente.
Se se pode conceber um lugar de
castigo circunscrito, é nesses mundos de expiação, porque é ao redor desses
mundos que pululam os Espíritos imperfeitos desencarnados, à espera de uma nova
existência que, lhes permitindo reparar o mal que fizeram, ajudará o seu
adiantamento.
19º Tendo o Espírito o seu
livre-arbítrio, seu progresso é, algumas vezes, lento, e sua obstinação no mal
muito tenaz. Pode nisso persistir anos e séculos; mas chega sempre um momento
no qual a sua teimosia, em afrontar a justiça de Deus, se dobra diante do
sofrimento, e no qual, malgrado a sua fanfarrice, reconhece a força superior
que o domina. Desde que se manifestam nele os primeiros clarões do
arrependimento, Deus lhe faz entrever a esperança.
Nenhum Espírito está nas
condições de não se melhorar nunca; de outro modo, estaria fatalmente destinado
a uma eterna inferioridade, e escaparia da lei do progresso que rege,
providencialmente, todas as criaturas.
20º Quaisquer que sejam a
inferioridade e a perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. Todos
têm o seu anjo guardião, que vela por eles, espreita os movimentos da sua alma,
e se esforça em suscitar, neles, bons pensamentos, o desejo de progredir e de
reparar, numa nova existência, o mal que fizeram. Entretanto, o guia protetor
age, o mais frequentemente, de maneira oculta, sem exercer nenhuma pressão. O
Espírito deve se melhorar em razão da sua própria vontade, e não em consequência
de um constrangimento qualquer. Age bem ou mal em virtude do seu
livre-arbítrio, mas sem estar fatalmente impulsionado num sentido ou no outro.
Se fez mal, sofre-lhe as consequências por tão longo tempo quanto tenha
permanecido no mau caminho; desde que dê um passo em direção do bem, sente-lhe
imediatamente os efeitos.
Nota. – Seria um erro crer que,
em virtude da lei do progresso, a certeza de chegar, cedo ou tarde, à perfeição
e à felicidade, é um encorajamento para que persevere no mal, sob a condição de
se arrepender mais tarde: primeiro, porque o Espírito inferior não vê o fim da
sua situação; em segundo lugar, porque sendo o Espírito o artífice da sua
própria infelicidade, acaba por compreender que depende dele fazê-la cessar, e
que, quanto mais tempo persistir no mal, por mais tempo será infeliz; que o seu
sofrimento durará sempre se não lhe colocar um fim. Seria, pois, de sua parte,
um cálculo falso, do qual seria a primeira vítima. Se, ao contrário, segundo o
dogma das penas irremissíveis, toda a esperança lhe estivesse para sempre
sustada, não teria nenhum interesse em se voltar para o bem, que lhe seria sem
proveito.
Diante dessa lei, cai
igualmente a objeção tirada da presciência divina. Deus, criando uma alma,
sabe, com efeito, em virtude do seu livre-arbítrio, se ela tomará o bom ou o
mau caminho; sabe que será punida se fizer o mal; mas sabe, também, que esse
castigo temporário é um meio para que compreenda seu erro e a faça entrar no
bom caminho, aonde chegará cedo ou tarde. Segundo a doutrina das penas eternas,
sabe que falirá, e estará antecipadamente conde- nada a torturas sem fim.
21º Ninguém é responsável senão
pelas suas faltas pessoais; ninguém sofrerá as penas das faltas dos outros, a
menos que lhes haja dado lugar, seja provocando-as com o seu exemplo, seja não
as impedindo quando tinha esse poder.
Assim é que, por exemplo, o
suicida é sempre punido; mas aquele que, pela sua dureza, leva um indivíduo ao
desespero, e daí a se destruir, sofre uma pena ainda maior.
22º Embora a diversidade das
penas seja infinita, há as que são inerentes à inferioridade dos Espíritos, e
cujas consequências, salvo algumas nuanças, são quase idênticas.
A punição mais imediata,
sobretudo entre aqueles que são apega- dos à vida material, negligenciando o
progresso espiritual, consiste na lentidão da separação da alma e do corpo, nas
angústias que acompanham a morte e o despertar na outra vida, na duração da
perturbação, que pode persistir por meses e anos. Entre aqueles, ao contrário,
cuja consciência é pura, que, em sua vida, se identificaram com a vida
espiritual e se desligaram das coisas materiais, a separação é rápida, sem
abalos, o despertar pacífico e a perturbação quase nenhuma.
23º Um fenômeno, muito frequente
entre os Espíritos de uma certa inferioridade moral, consiste em se crerem
ainda vivos, e essa ilusão pode se prolongar durante anos, durante os quais
sofrem todas as necessidades, todos os tormentos e todas as perplexidades da
vida.
24º Para o criminoso, a visão
incessante das suas vítimas e das circunstâncias do crime é um cruel suplício.
25º Certos Espíritos são
mergulhados em espessas trevas; outros estão num isolamento absoluto, no meio
do espaço, atormentados pela ignorância da sua posição e da sua sorte. Os mais
culpados sofrem torturas tanto mais pungentes quanto não lhes veem o fim.
Muitos estão privados de ver os seres que lhe são caros. Todos, geralmente,
suportam, com relativa intensidade, os males, as dores e as necessidades que
fizeram os outros experimentarem, até que o arrependimento e o desejo de
reparação, vêm e trazem um abrandamento, fazendo-os entrever a possibilidade de
colocarem, por si mesmos, um fim a essa situação.
26º É um suplício para o
orgulhoso ver, acima dele, na glória, cercado de festas, aqueles que havia
desprezado na Terra, ao passo que está relegado às últimas posições; para o
hipócrita, se ver traspassado pela luz que põe a nu os seus mais secretos
pensamentos, que todo o mundo pode ler: nenhum meio há, para ele, de se
esconder e se dissimular; para o sensual, ter todas as tentações sem poder
satisfazê-las; para o avaro, ver o seu ouro dilapidado e não poder retê-lo;
para o egoísta, ser abandonado por todos e sofrer tudo o que os outros sofreram
por ele: terá sede, e ninguém lhe dará de beber; terá fome, e ninguém lhe dará
de comer; nenhuma só mão amiga vem apertar a sua, nenhuma voz complacente vem
consolá-lo; não pensou senão em si, durante a sua vida, e ninguém pensa nele e
o lamenta depois da sua morte.
27º O meio de evitar ou atenuar
as consequências dos defeitos na vida futura é deles se desfazer, o mais
possível, na vida presente; é reparar o mal para não ter que repará-lo, mais
tarde, de maneira mais terrível. Quanto mais se tarda, em se desfazer dos
defeitos, mais as suas consequências são penosas, e mais rigorosa deve ser a
reparação que se deve cumprir.
28º A situação do Espírito,
desde a sua entrada na vida espiritual, é aquela que ele se preparou, pela vida
corporal. Mais tarde, uma nova encarnação lhe é dada para a expiação e a
reparação, por meio de novas provas; mas a aproveita mais ou menos, em virtude
do seu livre-arbítrio; se não a aproveita, é uma tarefa a recomeçar, cada vez
em condições mais penosas; de sorte que aquele que sofre muito na Terra,
pode-se dizer que tinha muito a expiar; os que gozam de uma felicidade
aparente, malgrado os seus vícios e a sua inutilidade, estejam certos de
pagá-la caro numa existência ulterior. Foi nesse sentido que Jesus disse:
“Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.” (O Evangelho Segundo o
Espiritismo, cap. V.)
29º A misericórdia de Deus, sem
dúvida, é infinita, mas não é cega. O culpado ao qual perdoa, não está
exonerado, e, enquanto não tenha satisfeito à justiça, sofre as consequências
das suas faltas. Por misericórdia infinita, é preciso entender que Deus não é
inexorável, e que deixa sempre aberta a porta de retorno ao bem.
30º Sendo as penas temporárias,
e subordinadas ao arrependi- mento e à reparação, que dependem da livre vontade
do homem, são, ao mesmo tempo, os castigos e os remédios que devem curar as
feridas do mal. Os Espíritos em punição estão, pois, não como forçados condena-
dos a determinado tempo, mas iguais a doentes no hospital, que sofrem da doença
que, frequentemente, decorre das suas faltas, e os meios dolorosos de que
necessita, mas que têm a esperança de sarar, e que saram tanto mais depressa
quanto sigam exatamente as prescrições do médico, que vela por eles com
solicitude. Se prolongam os seus sofri- mentos, por suas faltas, o médico nada
tem com isso.
31º Às penas que o Espírito
sofre na vida espiritual, vêm se juntar as da vida corporal, que são a consequência
das imperfeições do homem, de suas paixões, do mau uso das suas faculdades, e a
expiação das faltas presentes e passadas. É na vida corporal que o Espírito
repara o mal das suas existências anteriores, que põe em prática as resoluções
tomadas na vida espiritual. Assim se explicam essas misérias e essas
vicissitudes que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser, e são de toda
justiça desde que são a quitação do passado e servem para o nosso adiantamento
(1).
(1) Ver atrás, cap. VI, o Purgatório, nºs. 3 e seguintes; e, adiante,
cap. XX: Exemplos de expiações terrestres. – O Evangelho Segundo o Espiritismo,
cap. V: Bem- aventurados os aflitos.
32º Deus, diz-se, não provaria
maior amor pelas suas criaturas, se as tivesse criado infalíveis e, consequentemente,
isentas das vicissitudes relativas à imperfeição?
Seria necessário, para isso,
que criasse seres perfeitos, nada tendo a adquirir, nem em conhecimentos e nem
em moralidade. Sem nenhuma dúvida, poderia fazê-lo; se não o fez, foi porque,
na Sua sabedoria, quis que o progresso fosse a lei geral.
Os homens são imperfeitos, e,
como tais, sujeitos às vicissitudes mais ou menos penosas; é um fato que é
preciso aceitar, uma vez que existe. Disso inferir que Deus não é bom e nem
justo, seria uma revolta contra ele.
Haveria injustiça se tivesse
criado seres privilegiados, uns mais favorecidos do que os outros, gozando, sem
trabalho, a felicidade que os outros alcançam com dificuldade, ou não podem
jamais alcançá-la. Mas onde a sua justiça brilha é na igualdade absoluta, que
preside à criação de todos os Espíritos; todos têm um mesmo ponto de partida;
nenhum que seja, na sua formação, é melhor dotado do que os outros; nenhum cuja
marcha ascensional seja facilitada por exceção; os que chegaram ao objetivo
passaram, como quaisquer outros, pela fieira das provas e da inferioridade.
Isto admitido, o que de mais
justo do que a liberdade de ação deixada a cada um? O caminho da felicidade
está aberto a todos; o objetivo é o mesmo para todos; as condições, para
alcançá-lo, são as mesmas para todos; a lei, gravada em todas as consciências,
é ensinada a todos. Deus fez da felicidade o prêmio do trabalho e não do favor,
a fim de que cada um dela tivesse o mérito; ninguém está livre de trabalhar ou
de nada fazer para o seu adiantamento; aquele que trabalha muito, e depressa,
disso é mais cedo recompensado; aquele que se extravia do caminho ou perde o
seu tempo, retarda a sua chegada, e isso não pode atribuir senão a si mesmo. O
bem e o mal são voluntários e facultativos; sendo o homem livre, não é impelido
nem para um e nem para o outro.
33º Malgrado a diversidade dos
gêneros e dos graus de sofrimento dos Espíritos imperfeitos, o código penal da
vida futura pode se resumir nestes três princípios:
O sofrimento está ligado à
imperfeição.
Toda imperfeição e toda falta
que lhe é consequente carrega consigo o seu próprio castigo, por suas consequências
naturais e inevitáveis, como a doença é a consequência dos excessos, o tédio a
da ociosidade, sem que haja uma condenação especial para cada falta e cada
indivíduo.
Todo homem, podendo se desfazer
das suas imperfeições, por efeito da sua vontade, pode se poupar dos males que
são as suas consequências, e assegurar a sua felicidade futura.
Tal é a lei da justiça divina:
a cada um segundo as suas obras, no céu como na Terra.
CAPÍTULO VIII
OS ANJOS
Interessante o Codificador do
Espiritismo ter se preocupado com o tema Anjos. Nada mais natural num livro intitulado
O Céu e o Inferno. Numa mentalidade arraigada e cultivada de que após a morte
nos transformamos em “anjos” ou “demônios”, o assunto é bem pertinente.
O Espiritismo, todavia,
transformou o conceito. Nada de privilégios ou conquistas vazias, nem seres
distantes ou privilegiados.
O capítulo apresenta o tema
analisado segundo os dogmas da Igreja. Inclusive, Kardec apresenta resumo da
pastoral do Monsenhor Gousset, cardeal-arcebispo de Reims, para a quaresma de
1864, onde estão bem definidos os dogmas da Igreja no tocante à crença nos
anjos.
Logo em seguida, no subtítulo
seguinte, Kardec apresenta sua Refutação sobre o mesmo resumo transcrito. Em 9
itens seu raciocínio muito claro declara sobre a injustiça da existência de
seres privilegiados, com vivências felizes, conhecimento pleno e sem méritos
dessas virtudes e felicidades supremas. Muito oportuno que meditemos sobre os
itens do citado subtítulo.
Na sequencia está a visão
espírita sobre os anjos. Há uma justiça plena no Universo. Aqueles que vivem na
felicidade suprema, no conhecimento pleno e perfeitamente identificados com o
Criador, assim estão por méritos próprios, conquistados ao longo do caminho
evolutivo.
Não há qualquer privilégio na
Criação, este o ponto essencial. O que nos conduz é um processo evolutivo
contínuo que nos possibilita alcançar posições ou estágios, inclusive o dos
chamados anjos, que precisamos compreender bem para evitar equívocos de
entendimento. Por isso, o capítulo específico cujo conteúdo é de grande valor
para nossas reflexões.
CAPÍTULO IX
OS DEMÔNIOS
Neste capítulo Kardec procede
de forma similar ao anterior, contudo o tema passa dos anjos aos demônios.
Dividindo este em três partes, o autor pretende esclarecer a crença nos
demônios, a perspectiva da igreja – do período – sobre os mesmos e, por fim, a
visão espírita.
No primeiro item: “A origem
da crença nos demônios”, o autor realiza uma análise sobre diferentes
credos, especialmente aqueles considerados por ele como primitivos. Segundo
Allan Kardec, os sistemas religiosos menos complexos eram baseados em teogonias
que tinham por princípio as condicionantes materiais para a perpetuação da vida
humana. Ou seja, a atribuição de poderes divinos, ou superiores, era feita
através da necessidade do uso de determinados recursos, por exemplo, sol,
chuva, permanência de rios, estações do ano etc.
Da mesma forma que alguns
fenômenos eram associados ao bem, outros eram associados ao mal, tais como, a
tempestade, o vendaval, as enchentes etc. Assim, criou-se a dualidade entre
forças do bem e do mal na crença popular. A necessidade da personificação
simbólica levou ao estabelecimento de figuras centrais dentro de cada uma
dessas duas forças: Oromaze e Arimane entre os persas, Jeová e Satã entre os
hebreus e assim sucessivamente. Cada lado também deveria ter seu séquito, que
na religião cristã foram respectivamente os anjos e os demônios.
No segundo item: “Os
demônios segundo a igreja”, é preciso fazer dois esclarecimentos, primeiro
é o de que a igreja de referência é a católica, o segundo é o de que o autor
aludi, logicamente, à crença do século XIX, sendo possível, portanto, que haja
alguma discrepância com a crença atual, possivelmente atualizada em sua
prática. Para Allan Kardec, a crença nos demônios, defendida pela igreja, é
inconsistente com descrição de um Deus justo e bom.
Segundo o autor, a ideia de que
o Criador teria originado uma criatura destinada ao mal retira a plenitude da
bondade divina, pois que sendo Ele perfeitamente bom, jamais poderia conceber
uma criatura plenamente má. Por outro lado, a crença de que os demônios seriam
constituídos bons, contudo se revoltado contra um aspecto da criação se
tornando contrários ao Altíssimo é incoerente, pois retira a característica de
onisciência divina. Isto é, se as criaturas advindas de Deus fossem
potencialmente más, cabíveis de uma insurreição, o Criador deveria pressupor
tal ocorrência e, consequentemente, permiti-la. Se assim o fizesse, a punição
aos demônios, através de sua exclusão do paraíso e a criação de um lugar de
penas eternas seria injusta.
Deste modo, o autor revela
críticas à crença nos demônios, segundo a visão da igreja. Para Kardec, a
crença nesta mitologia seria a negação da perfectibilidade divina e
inconsistente com a doutrina pregada por Jesus Cristo. Tendo em vista que esta
defende o perdão das ofensas, seria ilógico que a maior autoridade dentro do
cristianismo – Deus – não cumprisse essa premissa.
No terceiro item: “Os
demônios segundo o espiritismo”, o autor procura legitimar, especialmente
através do método comparativo, a explicação espírita. Segundo Allan Kardec, não
há diferentes tipos criados por Deus, não há seres privilegiados ou condenados.
Todos são perfectíveis, ou seja, potencialmente perfeitos. Todos os espíritos
seriam criados iguais e seguiriam uma escala evolutiva, uma lei natural. Ao fim
dessa escala se encontrariam os seres mais próximos da perfeição, que
poderíamos associar aos anjos e na base aqueles mais imperfeitos, possivelmente
equiparados aos demônios.
Todavia, cabe esclarecer que
pela crença espírita estes espíritos mais imperfeitos são suscetíveis à
perfeição e os meios para alçar tal estado está sempre disponível, sendo cada
indivíduo responsável pelo seu tempo em percorrer a escala evolutiva. Para
além, todas as possíveis penas pelas quais estes espíritos passam estariam
relacionadas às consequências de suas ações e à inferioridade de seus
sentimentos e vícios.
CAPÍTULO X
INTERVENÇÃO DOS DEMÔNIOS NAS MODERNAS MANIFESTAÇÕES
Neste capítulo o autor pretende
esclarecer o ponto acerca da crença na intervenção dos demônios nas
manifestações modernas, isto é, nas manifestações espíritas. Para Allan Kardec,
um misto de ignorância e superstição causou a confusão entre as manifestações
de espíritos e a intervenção dos demônios. A ignorância fez com que se
acreditassem que tais manifestações fossem sobrenaturais e a superstição se
manifestou através de crenças absurdas.
Kardec destaca que algumas
crenças nos demônios se fortaleceram de tal forma que o papel de Deus acabou em
segundo plano. Cada nova descoberta científica, cada avanço tecnológico era
apontado como coisa de Satã, guardando para este poderes imensuráveis. As
manifestações espíritas, para o autor, nada têm de sobrenatural, ao contrário,
obedecem a leis que desconhecíamos até então. As experiências espíritas se
voltavam a perceber de que ordem seriam essas inteligências que se
manifestavam. Tais comunicações revelaram muito sobre a continuidade da vida,
demonstrando que não existem seres de natureza diferente – superiores ou
inferiores.
O autor crítica a postura
irredutível da igreja com relação ao apego a velhos dogmas, pois que Deus não
seria tão sábio se revelasse toda a sua lei para homens ignorantes que não
podiam compreendê-la. A revelação das informações, deve acompanhar o
desenvolvimento do conhecimento humano, caso contrário, a religião cairia na
incredulidade.
Kardec ainda enfrenta e
argumenta contra a crença de que os espíritos seriam demônios. Para tal se
utiliza de um argumento baseado na bondade divina: ora, seria bom um deus que
permitisse aos demônios enganar e trapacear a consciência humana, sem dotar os
anjos dos mesmos poderes? Haveria justiça nisso? Permitiria Deus que uma
faculdade tão benéfica aos homens de fé, como a comunicação com o outro mundo
fosse utilizada apenas para o mal?
O autor ainda esclarece a
diferença entre magias e oráculo das manifestações. Explica que as primeiras
eram feitas com base em interesses individuais e por razões muitas vezes
orgulhosas e egoístas, mas nas atuais manifestações já se compreende que os
espíritos nada mais são que a alma daqueles que desencarnaram, e as informações
nada tem de adivinhações ou previsões, antes são lições valiosas para nosso
melhoramento moral. Ora, de nada valeria aos espíritos maus ensinar aos homens
valiosas lições do bem, incentivar a caridade, a indulgência e o amor ao
próximo. Vale lembrar as palavras de Jesus: “Reconhecereis a árvore pelo seu
fruto; uma árvore má não pode dar bons frutos.”.
A crença nos espíritos não
rompe com os ensinos cristãos, não atesta um deus vingativo e sem piedade.
Portanto, nada tem de demoníacas, para o autor, tais manifestações.
CAPÍTULO XI
DA PROIBIÇÃO DE EVOCAR OS MORTOS
Da mesma forma que no capítulo
anterior, neste Kardec pretende responder às críticas levantadas, especialmente
pela igreja, contra as manifestações dos espíritos. Segundo o autor, nada há
nos evangelhos que legitime tal crítica. Os críticos utilizavam, então, a proibição
de Moisés e é a essa crítica que Allan Kardec procura responder nesta parte da
obra.
O autor lembra que a lei de
Moisés acerca das evocações também diz respeito a outros costumes da época e se
levarmos a proibição daquele momento para o presente, devemos fazer o restante
com os outros preceitos da lei. Para Allan Kardec devemos ter em mente que
Moisés falou para homens e mulheres de seu tempo, de forma que eles pudessem
entender e acreditar, contudo, devemos utilizar o nosso bom senso acerca dessas
leituras e ver o teor dessas proibições. Para além, nas proibições de Moisés
está evidente que a interdição das evocações deve ser realizada por causa do
uso que se fazia dela: as adivinhações e previsões; nenhuma dessas é praticada
pelos sérios adeptos do espiritismo. O objetivo do espiritismo com as
manifestações é exclusivamente moral e consolador, segundo Kardec.
O próprio Moisés havia
diferenciado suas leis permanentes daquelas próprias de seu tempo, segundo o
autor, diferenciando entre todas as regras o decálogo. Kardec ainda lembra que
Jesus atualizou a lei mosaica, não alterou o decálogo, mas jamais repetiu ou impôs
uma proibição em relação a comunicação com os espíritos.
Há ainda mais um fator, segundo
o autor, nas evocações espíritas: elas não se dão por mera curiosidade, mas com
sentimento de afeto e simpatia; nenhum espírito é constrangido a se manifestar,
eles o fazem pela sua própria vontade. Nesse sentido, as invocações dos
espíritos nada têm de diferente das invocações dos santos em orações católicas,
pedindo fortalecimento e auxílio. Para Allan Kardec, rejeitar as comunicações
do além-túmulo é se recusar ao conhecimento da vida futura e ao aprendizado das
consequências de nossas más ações, é refutar a possibilidade de aprendermos com
os erros de outros que já passaram pelo que nós hoje sofremos.
Fonte: Caminhos do amor. Resenha da primeira parte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário