Teoria da presciência
1. Como é possível o
conhecimento do futuro? Compreende-se a possibilidade da previsão dos
acontecimentos que devam resultar do estado presente; porém, não a dos que
nenhuma relação guardem com esse estado, nem, ainda menos, a dos que são
comumente atribuídos ao acaso. Não existem as coisas futuras, dizem; elas ainda
se encontram no nada; como, pois, se há de saber que se darão? São, no entanto,
em grande número os casos de predições realizadas, donde forçosa se torna a
conclusão de que ocorre aí um fenômeno para cuja explicação falta a chave,
porquanto não há efeito sem causa. É essa causa que vamos tentar descobrir e é
ainda o Espiritismo, já de si mesmo chave de tantos mistérios, que no-la
fornecerá, mostrando-nos, ao demais, que o próprio fato das predições não se
produz com exclusão das leis naturais.
Tomemos, para comparação, um
exemplo nas coisas usuais. Ele nos ajudará a compreender o princípio que
teremos de desenvolver.
2. Suponhamos um homem colocado
no cume de uma alta montanha, a observar a vasta extensão da planície em
derredor. Nessa situação, o espaço de uma légua pouca coisa será para ele, que
poderá facilmente apanhar, de um golpe de vista, todos os acidentes do terreno,
de um extremo a outro da estrada que lhe esteja diante dos olhos. O viajor, que
pela primeira vez percorra essa estrada, sabe que, caminhando, chegará ao fim
dela. Constitui isso uma simples previsão da consequência que terá a sua
marcha. Entretanto, os acidentes do terreno, as subidas e descidas, os cursos
de água que terá de transpor, os bosques que haja de atravessar, os precipícios
em que poderá cair, as casas hospitaleiras onde lhe será possível repousar, os
ladrões que o espreitem para roubá-lo, tudo isso independe da sua pessoa; é
para ele o desconhecido, o futuro, porque a sua vista não vai além da pequena
área que o cerca. Quanto à duração, mede-a pelo tempo que gasta em perlustrar o
caminho. Tirai-lhe os pontos de referência e a duração desaparecerá. Para o homem
que está em cima da montanha e que o acompanha com o olhar, tudo aquilo está
presente. Suponhamos que esse homem desce do seu ponto de observação e, indo ao
encontro do viajante, lhe diz: “Em tal momento, encontrarás tal coisa, serás
atacado e socorrido.” Estará predizendo o futuro, mas, futuro para o viajante,
não para ele, autor da previsão, pois que, para ele, esse futuro é presente.
3. Se, agora, sairmos do âmbito das coisas puramente materiais e entrarmos, pelo pensamento, no domínio da vida espiritual, veremos o mesmo fenômeno produzir-se em maior escala. Os Espíritos desmaterializados são como o homem da montanha; o espaço e a duração não existem para eles. Mas a extensão e a penetração da vista são proporcionadas à depuração deles e à elevação que alcançaram na hierarquia espiritual. Com relação aos Espíritos inferiores, aqueles são quais homens munidos de possantes telescópios, ao lado de outros que apenas dispõem dos olhos. Nos Espíritos inferiores, a visão é circunscrita, não só porque eles dificilmente podem afastar-se do globo a que se acham presos, como também porque a grosseria de seus perispíritos lhes vela as coisas distantes, do mesmo modo que um nevoeiro as oculta aos olhos do corpo.
Bem se compreende, pois, que,
de conformidade com o grau de sua perfeição, possa um Espírito abarcar um
período de alguns anos, de alguns séculos, mesmo de muitos milhares de anos,
porquanto, que é um século em face do infinito? Diante dele, os acontecimentos
não se desenrolam sucessivamente, como os incidentes da estrada diante do viajor:
ele vê simultaneamente o começo e o fim do período; todos os eventos que, nesse
período, constituem o futuro para o homem da Terra são o presente para ele, que
poderia então vir dizer-nos com certeza: Tal coisa acontecerá em tal época,
porque essa coisa ele a vê como o homem da montanha vê o que espera o viajante
no curso da viagem. Se assim não procede, é porque poderia ser prejudicial ao
homem o conhecimento do futuro, conhecimento que lhe pearia o livre-arbítrio,
paralisá-lo-ia no trabalho que lhe cumpre executar a bem do seu progresso. O se
lhe conservarem desconhecidos o bem e o mal com que topará constitui para o
homem uma prova.
Se tal faculdade, mesmo
restrita, se pode contar entre os atributos da criatura, em que grau de
potencialidade não existirá no Criador, que abrange o infinito? Para o Criador,
o tempo não existe: o princípio e o fim dos mundos lhe são o presente. Dentro
desse panorama imenso, que é a duração da vida de um homem, de uma geração, de
um povo?
4. Entretanto, como o homem tem
de concorrer para o progresso geral, como certos acontecimentos devem resultar
da sua cooperação, pode convir que, em casos especiais, ele pressinta esses
acontecimentos, a fim de lhes preparar o encaminhamento e de estar pronto a agir,
em chegando a ocasião. Por isso é que Deus, às vezes, permite se levante uma
ponta do véu; mas, sempre com fim útil, nunca para satisfação de vã
curiosidade. Tal missão pode, pois, ser conferida, não a todos os Espíritos,
porquanto muitos há que do futuro não conhecem mais do que os homens, porém a
alguns Espíritos bastante adiantados para desempenhá-la. Ora, é de notar-se que
as revelações dessa espécie são sempre feitas espontaneamente e jamais, ou,
pelo menos, muito raramente, em resposta a uma pergunta direta.
5. Pode também semelhante
missão ser confiada a certos homens, desta maneira:
Aquele a quem é dado o encargo
de revelar uma coisa oculta recebe, à sua revelia e por inspiração dos
Espíritos que a conhecem, a revelação dela e a transmite maquinalmente, sem se
aperceber do que faz. É sabido, ao demais, que, assim durante o sono, como em
estado de vigília, nos êxtases da dupla vista, a alma se desprende e adquire,
em grau mais ou menos alto, as faculdades do Espírito livre. Se for um Espírito
adiantado, se, sobretudo, houver recebido, como os profetas, uma missão
especial para esse efeito, gozará, nos momentos de emancipação da alma, da
faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou menos extenso, e verá,
como presente, os sucessos desse período. Pode então revelá-los no mesmo
instante, ou conservar lembrança deles ao despertar. Se os sucessos hajam de
permanecer secretos, ele os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga intuição do
que lhe foi revelado, bastante para o guiar instintivamente.
6. É assim que em certas
ocasiões essa faculdade se desenvolve providencialmente, na iminência de
perigos, nas grandes calamidades, nas revoluções, e é assim também que a
maioria das seitas perseguidas adquire numerosos videntes. É ainda por isso que
se veem os grandes capitães avançar resolutamente contra o inimigo, certos da
vitória; que homens de gênio, como, por exemplo, Cristóvão Colombo, caminham
para uma meta, anunciando previamente, por assim dizer, o instante em que a alcançarão.
É que eles viram, essa meta, que, para seus Espíritos, deixou de ser o
desconhecido.
Nada, pois, tem de sobrenatural
o dom da predição, mais do que uma imensidade de outros fenômenos. Ele se funda
nas propriedades da alma e na lei das relações do mundo visível com o mundo
invisível, que o Espiritismo veio dar a conhecer.
A teoria da presciência talvez
não resolva de modo absoluto todos os casos que se possam apresentar de
revelação do futuro, mas não se pode deixar de convir em que lhe estabelece o
princípio fundamental.
7. Muitas vezes, as pessoas
dotadas da faculdade de prever, seja no estado de êxtase, seja no de
sonambulismo, veem os acontecimentos como que desenhados num quadro, o que
também se poderia explicar pela fotografia do pensamento. Atravessando o
pensamento o espaço, como os sons atravessam o ar, um sucesso que esteja no dos
Espíritos que trabalham para que ele se dê, ou no dos homens cujos atos devam provocá-lo,
pode formar uma imagem para o vidente; mas, como a sua realização pode ser
apressada ou retardada por um concurso de circunstâncias, este último vê o
fato, sem poder, todavia, determinar o momento em que se dará. Não raro
acontece que aquele pensamento não passa de um projeto, de um desejo, que se
não concretizem em realidade, donde os frequentes erros de fato e de data nas
previsões. (Cap. XIV, itens 13 e seguintes.)
8. Para compreendermos as
coisas espirituais, isto é, para fazermos delas ideia tão clara como a que
fazemos de uma paisagem que tenhamos ante os olhos, falta-nos em verdade um
sentido, exatamente como ao cego de nascença falta um que lhe faculte
compreender os efeitos da luz, das cores e da vista, sem o contato. Daí se
segue que somente por esforço da imaginação e por meio de comparações com
coisas materiais que nos sejam familiares chegamos a consegui-lo. As coisas
materiais, porém, não nos podem dar das coisas espirituais senão ideias muito
imperfeitas, razão por que não se devem tomar ao pé da letra essas comparações
e crer, por exemplo, que a extensão das faculdades perceptivas dos Espíritos depende
da efetiva elevação deles, nem que eles precisem estar em cima de uma montanha
ou acima das nuvens para abrangerem o tempo e o espaço.
Tal faculdade lhes é inerente
ao estado de espiritualização, ou, se o preferirem, de desmaterialização. Quer
isto dizer que a espiritualização produz um efeito que se pode comparar, se bem
muito imperfeitamente, ao da visão de conjunto que tem o homem colocado sobre a
montanha. Esta comparação objetivava simplesmente mostrar que acontecimentos pertencentes
ainda, para uns, ao futuro, estão, para outros, ao presente e podem assim ser
preditos, o que não implica que o efeito se produza de igual maneira.
Para, portanto, gozar dessa
percepção, não precisa o Espírito transportar-se a um ponto qualquer do espaço.
Pode possuí-la em toda a sua plenitude aquele que na Terra se acha ao nosso
lado, tanto quanto se achasse a mil léguas de distância, ao passo que nós nada
vemos além do nosso horizonte visual. Não se operando a visão, nos Espíritos,
do mesmo modo, nem com os mesmos elementos que no homem, muito diverso é o
horizonte visual dos primeiros. Ora, é precisamente esse o sentido que nos
falece para o concebermos. O Espírito, ao lado do encarnado, é como o vidente
ao lado do cego.
9. Devemos, além disso,
ponderar que essa percepção não se limita ao que diz respeito à extensão; que
ela abrange a penetração de todas as coisas. É, repetimo-lo, uma faculdade
inerente e proporcionada ao estado de desmaterialização. A encarnação
amortece-a, sem, contudo, a anular completamente, porque a alma não fica
encerrada no corpo como numa caixa. O encarnado a possui, embora sempre em grau
menor do que quando se acha completamente desprendido; é o que confere a certos
homens um poder de penetração que a outros falece inteiramente; maior agudeza
de visão moral; compreensão mais fácil das coisas extra materiais.
O Espírito encarnado não
somente percebe, como também se lembra do que viu no estado de Espírito livre e
essa lembrança é como um quadro que se lhe desenha na mente. Na encarnação, ele
vê, mas vagamente, como através de um véu; no estado de liberdade, vê e concebe
claramente. O princípio da visão não lhe é exterior, está nele; essa a razão
por que não precisa da luz exterior. Por efeito do desenvolvimento moral,
alarga-se o círculo das ideias e da concepção; por efeito da desmaterialização
gradual do perispírito, este se purifica dos elementos grosseiros que lhe
alteravam a delicadeza das percepções, o que torna fácil compreender-se que a
ampliação de todas as faculdades acompanha o progresso do Espírito.
10. O grau da extensão das
faculdades do Espírito é que, na encarnação, o torna mais ou menos apto a
conceber as coisas espirituais.
Essa aptidão, todavia, não é
corolário forçoso do desenvolvimento da inteligência; a ciência vulgar não a
dá, tanto assim que há homens de grande saber tão cegos para as coisas
espirituais, quanto outros o são para as coisas materiais; são-lhes
refratários, porque não as compreendem, o que significa que ainda não
progrediram em tal sentido, ao passo que outros, de instrução e inteligência
vulgares, as aprendem com a maior facilidade, o que prova que já tinham de tais
coisas uma intuição prévia. É, para estes, uma lembrança retrospectiva do que
viram e souberam, quer na erraticidade, quer em suas existências anteriores, como
alguns têm a intuição das línguas e das ciências de que já foram conhecedores.
11. Quanto ao futuro do
Espiritismo, os Espíritos, como se sabe, são unânimes em afirmar o seu triunfo
próximo, a despeito dos obstáculos que lhe criem. Fácil lhes é essa previsão,
primeiramente, porque a sua propagação é obra pessoal deles: concorrendo para o
movimento, ou dirigindo-o, eles naturalmente sabem o que devem fazer; em
segundo lugar, basta-lhes entrever um período de curta duração: veem, nesse
período, ao longo do caminho, os poderosos auxiliares que Deus lhe suscita e
que não tardarão a manifestar-se.
Transportem-se os espíritas,
embora sem serem Espíritos desencarnados, a trinta anos apenas para diante, ao
seio da geração que surge; daí considerem o que se passa hoje com o
Espiritismo; acompanhem-lhe a marcha progressiva e verão consumir-se em vãos
esforços os que se creem destinados a derrocá-lo. Verão que esses tais pouco a
pouco desaparecem de cena e que, paralelamente, a árvore cresce e alonga cada
dia mais as suas raízes.
12. As mais das vezes, os
acontecimentos vulgares da vida privada são consequência da maneira de proceder
de cada um: este, de acordo com as suas capacidades, com a sua habilidade, com
a sua perseverança, prudência e energia, terá êxito naquilo em que outro verá
malogrados todos os seus esforços, por efeito da sua inaptidão, de sorte que se
pode dizer que cada um é o artífice do seu próprio futuro, futuro que jamais se
encontra sujeito a uma cega fatalidade, independente da sua personalidade.
Conhecendo-se o caráter de um indivíduo, facilmente se lhe pode predizer a
sorte que o espera no caminho por onde haja ele enveredado.
13. Os acontecimentos que
envolvem interesses gerais da humanidade têm a regulá-los a Providência. Quando
uma coisa está nos desígnios de Deus, ela se cumpre a despeito de tudo, ou por
um meio, ou por outro. Os homens concorrem para que ela se execute; nenhum,
porém, é indispensável, pois, do contrário, o próprio Deus estaria à mercê das
suas criaturas. Se faltar aquele a quem incumba a missão de a executar, outro será
dela encarregado. Não há missão fatal; o homem tem sempre a liberdade de
cumprir ou não a que lhe foi confiada e que ele voluntariamente aceitou. Se não
o faz, perde os benefícios que daí lhe resultariam e assume a responsabilidade
dos atrasos que possam resultar da sua negligência ou da sua má vontade. Se se
tornar um obstáculo a que ela se cumpra, está em Deus afastá-lo com um sopro.
14. Pode, portanto, ser certo o
resultado final de um acontecimento, por se achar este nos desígnios de Deus;
como, porém, quase sempre, os pormenores e o modo de execução se encontram
subordinados às circunstâncias e ao livre-arbítrio dos homens, podem ser
eventuais as sendas e os meios. Está nas possibilidades dos Espíritos
prevenir-nos do conjunto, se convier que sejamos avisados; mas, para
determinarem lugar e data, fora mister conhecessem previamente a decisão que
tomará este ou aquele indivíduo. Ora, se essa decisão ainda não lhe estiver na
mente, poderá, tal venha ela a ser, apressar ou demorar a realização do fato, modificar
os meios secundários de ação, embora o mesmo resultado chegue sempre a
produzir-se. É assim, por exemplo, que, pelo conjunto das circunstâncias, podem
os Espíritos prever que uma guerra se acha mais ou menos próxima, que é
inevitável, sem, contudo, poderem predizer o dia em que começará, nem os
incidentes pormenorizados que possam ser modificados pela vontade dos homens.
15. Para determinação da época
dos acontecimentos futuros, será preciso, ao demais, se leve em conta uma
circunstância inerente à natureza mesma dos Espíritos.
O tempo, como o espaço, não
pode ser avaliado senão com o auxílio de pontos de referências que o dividam em
períodos que se contem. Na Terra, a divisão natural do tempo em dias e anos tem
a marcá-la o levantar e o pôr do sol, assim como a duração do movimento de
translação do planeta terreno. As unidades de medida do tempo necessariamente
variam conforme os mundos, pois que são diferentes os períodos astronômicos. Assim,
por exemplo, em Júpiter, os dias equivalem a dez das horas terrestres e os anos
a mais de doze anos nossos.
Há, pois, para cada mundo, um
modo diferente de computar-se a duração, de acordo com a natureza das
revoluções astrais que nele se efetuam. Já haverá aí uma dificuldade para que
Espíritos que não conheçam o nosso mundo determinem datas com relação a nós.
Além disso, fora dos mundos, não existem tais meios de apreciação. Para um
Espírito, no espaço, não há levantar nem pôr de sol a marcar os dias, nem
revolução periódica a marcar os anos; só há, para ele, a duração e o espaço
infinitos. (Cap. VI, itens 1 e seguintes.) Aquele, portanto, que jamais
houvesse vindo à Terra nenhum conhecimento possuiria dos nossos cálculos que, aliás,
lhe seriam completamente inúteis. Mais ainda: aquele que jamais houvesse
encarnado em nenhum mundo, nenhuma noção teria das frações da duração. Quando
um Espírito estranho à Terra vem aqui manifestar-se, não pode assinar datas aos
acontecimentos, senão identificando-se com os nossos usos; ora, isso sem dúvida
lhe é possível, porém, as mais das vezes, ele nenhuma utilidade descobre nessa
identificação.
16. Os Espíritos, que formam a
população invisível do nosso globo, onde eles já viveram e onde continuam a
imiscuir-se na nossa vida, estão naturalmente identificados com os nossos
hábitos, cuja lembrança conservam na erraticidade. Poderão, por conseguinte,
com maior facilidade, determinar datas aos acontecimentos futuros, desde que os
conheçam; mas, além de que isso nem sempre lhes é permitido, eles se veem
impedidos pela razão de que, sempre que as circunstâncias de minúcias estão
subordinadas ao livre-arbítrio e à decisão eventual do homem, nenhuma data
precisa existe realmente, senão depois que o acontecimento se tenha dado.
Eis aí por que as predições
circunstanciadas não podem apresentar cunho de certeza e somente como prováveis
devem ser acolhidas, mesmo que não tragam eiva que as torne legitimamente
suspeitas. Por isso mesmo, os Espíritos verdadeiramente ponderados nada nunca
predizem para épocas determinadas, limitando-se a prevenir-nos do seguimento
das coisas que convenha conheçamos. Insistir por obter informes precisos é
expor-se às mistificações dos Espíritos levianos que predizem tudo o que se
queira, sem se preocuparem com a verdade, divertindo-se com os terrores e as decepções
que causem.
17. A forma geralmente
empregada até agora nas predições faz delas verdadeiros enigmas, as mais das
vezes indecifráveis. Essa forma misteriosa e cabalística, de que Nostradamus
nos oferece o tipo mais completo, lhes dá certo prestígio perante o vulgo, que
tanto mais valor lhes atribui, quanto mais incompreensíveis se mostrem. Pela
sua ambiguidade, elas se prestam a interpretações muito diferentes, de tal
sorte que, conforme o sentido que se atribua a certas palavras alegóricas ou
convencionais, conforme a maneira por que se efetue o cálculo, singularmente
complicado, das datas e, com um pouco de boa vontade, nelas se encontra quase
tudo o que se queira. Seja como for, não se pode deixar de convir em que
algumas apresentam caráter sério e confundem pela sua veracidade. É provável
que a forma velada tenha tido, em certo tempo, sua razão de ser e mesmo sua necessidade.
Hoje, as circunstâncias são
outras; o positivismo do século dar-se-ia mal com a linguagem sibilina. Daí vem
que presentemente as predições já não se revestem dessas formas singulares;
nada têm de místicas as que os Espíritos fazem; eles usam a linguagem de toda
gente, como o teriam feito quando vivos na Terra, porque não deixaram de
pertencer à humanidade. Avisam-nos das coisas futuras, pessoais ou gerais,
quando necessário, na medida da perspicácia de que são dotados, como o fariam
conselheiros e amigos. Suas previsões, pois, são antes advertências, do que
predições propriamente ditas, as quais implicariam numa fatalidade absoluta.
Além disso, quase sempre motivam a opinião que manifestam, por não quererem que
o homem anule a sua razão sob uma fé cega e desejarem que este último lhe
aprecie a exatidão.
18. A humanidade contemporânea
também conta seus profetas. Mais de um escritor, poeta, literato, historiador
ou filósofo hão traçado, em seus escritos, a marcha futura de acontecimentos a
cuja realização agora assistimos.
Essa aptidão, sem dúvida,
decorre, muitas vezes, da retidão do juízo, no deduzir as consequências lógicas
do presente; mas, doutras vezes, também resulta de uma especial clarividência
inconsciente, ou de uma inspiração vinda do exterior. O que tais homens fizeram
quando vivos, podem, com razão mais forte e maior exatidão, fazer no estado de
Espíritos livres, quando não têm a visão espiritual obscurecida pela matéria.
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