Confrontando-se os textos desses evangelistas, neste ponto de suas narrativas, notam-se divergências Tão sem importância, porém, são elas, bem como as controvérsias a que tem dado lugar, que Paulo aconselhou a Timóteo se não ocupasse com tais genealogias (1a Epístola a Timóteo, 1, 4 e 5).
Com
efeito, Jesus, Espírito perfeito e imaculado, cuja perfeição se perde na noite
das eternidades, protetor e governador do nosso planeta, a cuja formação
presidiu, é estranho e anterior às gerações humanas que sucessivamente o têm
habitado. (João, capítulo 8, versículo 58). Jesus apareceu na Terra, é
verdade, mas com um corpo fluídico, de natureza perispirítica visível e
tangível, sob a aparência da corporeidade humana, por efeito de incorporação,
segundo as leis dos homens superiores.
Assim,
a genealogia humana que lhe foi atribuída correspondeu às necessidades da
época, tendo-se em vista o desempenho de sua missão, que objetivava a
regeneração da nossa Humanidade.
Ela
foi devida à necessidade de se materializarem todos os fatos, para que se
tornassem acessíveis à matéria, pois que era preciso falar aos homens uma linguagem
que eles pudessem compreender e, sobretudo, que fosse escutada, no meio que
estava preparado havia tantos séculos.
Segundo
as tradições hebraicas e as interpretações dadas às profecias da antiga lei,
encontramos na Gênese (capítulo 3, versículo 15), que, dirigindo-se à
serpente, símbolo do Espírito do mal, chamado depois “príncipe do mundo” (João,
capítulo 14, versículo 30), Deus disse: “Porei inimizades entre ti e a mulher;
entre a tua posteridade e a sua. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições
ao seu calcanhar.”
Essa posteridade da mulher, prometida pelo Pai celestial, com poder de pisar a cabeça da serpente, encerra figuradamente a promessa de um libertador, que viria ao mundo, nascendo de uma mulher, por precisar revestir- se dos andrajos da nossa mortalidade, aparecer como uma criatura humana, como frágil criancinha, submetido às limitações da carne.
Era
necessário que Jesus se assemelhasse aos homens (exceto no pecado), a fim de
que sua morte apresentasse valor idêntico ao da nossa morte e a sua justiça
equivalesse à nossa justiça.
Os
crentes do Antigo Testamento não conheceram o Salvador, mas esperavam o seu advento e nenhum esperou em
vão, dos que nele depositaram suas esperanças. Era o Céu que teria de descer à
Terra, para que a Terra pudesse elevar-se ao Céu. Era o Filho de Deus
fazendo-se homem, para que os homens pudessem tornar-se filhos de Deus.
Isaías
confirmou essa promessa na profecia seguinte (capítulo 7, versículo 14): O mesmo Senhor vos dará este sinal: Eis que
uma virgem conceberá e parirá um filho, que será chamado Emmanuel.
O
libertador prometido, o Cristo, tinha que nascer em Belém, tendo por pai um
descendente de David, sendo, pois, pela descendência, um filho de David.
Maria,
Espírito perfeito, e José, também Espírito perfeito, porém menos elevado que o
de Maria, ambos purificados, inferiores, portanto, a Jesus, encarnaram para
assistir a este em sua missão.
Maria,
conseguintemente, tinha que figurar como mãe, e José como pai de Jesus. E não
devemos estranhar que as coisas se passassem assim, quando sabemos que elas iam
dar-se entre os hebreus, que se achavam metidos às leis de Moisés e a tradições
que datavam de séculos, que se perdiam na noite
dos tempos. Forçoso era, conseguintemente, que, para lhes guiar as
inteligências, o caminho seguido fosse o que eles tinham o hábito de trilhar.
Tendo isto em atenção é que devemos
entender o que é dito sobre a criação do primeiro homem, sobre a formação do
globo terráqueo, sobre o paraíso terrestre, etc. Se, então, á cerca desses
pontos e de outros, a verdade fosse proclamada abertamente, dar-me-ia à letra
da Gênese formal desmentido, que houvera revoltado as massas, inquietado os
fracos e retardado a marcha da Humanidade.
Assim,
figuradamente, a genealogia de Jesus remonta a Adão, como remonta a Deus a
criação do corpo formado de limo. Acompanhemos a sua genealogia espiritual e
remontaremos a Deus, Criador imediato e único que tudo o que é puro e perfeito.
Mas,
se a criação do primeiro homem é apenas um símbolo, uma figura exigida pelo
estado das inteligências daquelas épocas remotas; se a genealogia humana de
Jesus é também meramente simbólica, qual a realidade quanto à criação do
Espírito e do corpo do homem do nosso planeta; e qual a realidade quanto à
genealogia espiritual de Jesus, Espírito de pureza perfeita e imaculada?
São
questões complexas estas, que demandam extensos e amplos esclarecimentos, sobre
os quais, portanto, apenas de leve tocaremos, somente para dar uma ideia do
assunto aos que desejem iniciar-se no conhecimento das coisas santas, únicos
para quem escrevemos.
Na
criação, tudo, tudo tem uma origem comum. Tudo vem do infinitamente pequeno
para o infinitamente grande, até Deus, ponto de partida e de reunião de tudo.
Tudo provém de Deus e para Deus volta.
O
fluído universal, que o toca de perto e dele parte, é o instrumento e o meio de
toda a criação espiritual, material e fluídica.
O
Espírito, em sua origem, como essência espiritual e princípio de inteligência,
se forma da quintessência dos fluídos que no seu conjunto constituem o que
chamamos — o todo universal e que as irradiações divinas animam, para lhes dar
o ser e compor os germes de toda a criação, da criação de todos os mundos, de
todos os reinos da natureza, de todas as criaturas, assim no estado material,
como também no estado fluídico. Tudo se origina desses germes fecundados pela
Divindade e progride para a harmonia universal.
Os
princípios latentes, em multidão inumerável, aguardam no estado cataléptico que
Deus lhes dê destino e os aproprie ao fluído a que devam servir, segundo as leis naturais, imutáveis e
eternas por Ele mesmo estabelecidas.
Tais
princípios sofrem passivamente, através das eternidades e sob a vigilância dos
Espíritos prepostos, as transformações que os hão de desenvolver, passando
sucessivamente pelos reinos mineral, vegetal e animal e pelas formas e espécies
intermediárias existentes entre esses reinos.
Assim,
numa progressão contínua, eles chegam ao período preparatório do estado de
Espírito formado e, vencido esse período, ganham o estado de criaturas
possuidoras de livre-arbítrio, com inteligência capaz de raciocínio, independentes
e responsáveis pelos seus atos.
Alcançada
a condição de Espírito formado, de Espírito pronto para ser humanizado, o
Espírito se encontra num estado de inocência completa, tendo abandonado, com os
seus últimos invólucros animais, os instintos oriundos das exigências da
animalidade.
É a
estátua que acabou de receber as formas. Cobre-se então de fluídos que lhe
comporão o que chamamos — perispírito e que é um corpo fluídico que se torna
para o Espírito o instrumento e o meio, ou de seu progresso até à perfeição, ou
de sua queda. Ainda, ruim neste último caso, o perispírito lhe será também
instrumento de progresso, de reerguimento, mediante encarnações e reencarnações
sucessivas, expiatórias a princípio e por fim gloriosas, até que atinja aquela
perfeição moral.
Sirvamo-nos
de uma comparação material, para dar ideia do perispírito num Espírito
encarnado. Ele é como, uma laranja, a película fina que lhe cobre os gomos e
que, a seu turno, se acha ligado à casca, que é o envoltório exterior da fruta,
como o corpo de carne o é do Espírito naquela condição.
Pois
bem, sobre esse perispírito, de natureza semimaterial, se refletem o atraso e o
progresso do Espírito. No primeiro caso, ele é opaco, pesado e grosseiro. A
medida que o Espírito progride, se eleva, vai-se tornando fluído cada vez mais
fluídico, mais etéreo, mais sutil. inseparável da alma, ainda quando
desprendida está do corpo físico, acompanha-a eternamente, caracterizando-lhe a
individualidade.
Participando,
ao mesmo tempo, da natureza da alma e da do corpo, o perispírito desempenha o
papel de mediador, transmitindo àquela as impressões recebidas pelos sentidos e
comunicando ao corpo a vontade do Espírito. No momento em que se desprende do
invólucro corpóreo e o abandona à decomposição no sepulcro, o Espírito, envolto
no seu perispírito, como num manto, qual o que cobria a arca santa e se chamava
propiciatório, subirá a escada que Jacob viu em sonho, para receber as graças
que dimanam de Sião.
A
elevação dos sentimentos, a pureza da vida, os nobres impulsos para o bem
constituem o objeto de seus anelos. As provas e sofrimentos pacientemente
suportáveis lhe apuram cada vez mais o perispírito, tornando-o apto a galgar
aquela escada até ao topo, onde encontrará a Jesus, cofre de todas as
esperanças, âncora única de salvação.
Atentemos
nessa escada de que fala a Gênese (capítulo 23o, versículo 12) e semelhante à
qual nada, jamais, o mundo viu. É tal a sua extensão, que liga a nossa
habitação manchada pelo pecado à morada do Eterno! Apoiada no terreno que os nossos pés pisam, ela se
eleva, distende, atravessa os céus e chega ao trono do Altíssimo. Essa a imagem
daquele que, o mais elevado entre os mais altos e o mais baixo entre os
pequeninos, teve o direito de se proclamar um com Jeová e cujo maior gozo
consistiu em pertencer à posteridade, cognominando-se de Filho do Homem.
Jesus
o filho diletíssimo do Pai celestial, que nele pusera toda a sua complacência,
como o declarou a voz do céu que se fez ouvir após o seu batismo (MATEUS,
capítulo 3, versículos 13 ao 17; MARCOS, capítulo 1, versículos 9 ao 11;
LUCAS, capítulo 3, versículos 21 ao 22), não teve genealogia humana, porque a
eternidade é o tempo de seu nascimento, o céu sua habitação, sendo infinito o
seu braço. Seus olhos tudo veem, seus ouvidos tudo ouvem. Conforme o quer, tudo
por Ele passará, por Ele — a porta estreita, para chegar aos umbrais do
infinito! Por diadema, tem a glória celeste e o brilho desse diadema é a
redenção da Humanidade. Um Salvador que de tal grandeza não fosse nos não
poderia salvar das consequências do pecado.
Posto
na Terra com um corpo animal, o homem ressuscitará em corpo espiritual. Assim
como há o corpo animal, também há o corpo espiritual. Era deste gênero o que
Jesus trazia e que aos olhos do homem parecia material.
No
Cristianismo se encontram incontestavelmente traços acentuados dessa crença.
PAULO, na sua 1a Epístola aos Coríntios, disse (capítulo 15, 39 ao 54): Nem
toda carne é a mesma carne... Há corpos celestes e corpos. O primeiro homem,
Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. O
primeiro homem) formado da terra, é terreno; o segundo homem do céu, é
celeste... Porque uma trombeta soará e os mortos ressuscitarão incorruptíveis.
E quando este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a
palavra que está escrita: “Tragada foi a morte na vitória, o que quer dizer: o
homem não mais encarnará, terá vida em si mesmo, será Espírito Vivificante.
Porém,
já na Gênese (capítulo 2, versículo 1), deparamos essas ideias: “O Senhor Deus
formou, pois, do limo da terra o homem lhe inspirou no rosto um sopro de vida,
e foi feito o homem em alma vivificante.”
Saindo
puro e inocente das mãos de Deus, o Espírito viveu no “paraíso” até que,
transviando-se, incorreu em faltas que só por meio de encarnações e reencarnações
no mundo poderia remir, em tantas gerações quantas sejam necessárias à
reparação das iniquidades. (Êxodo, capítulo 20, versículo 5).
Cometido
o pecado, expirou a inocência em Adão, ou Seja — na legião de Espíritos de que
Adão é o símbolo, verificou-se a encarnação dos que se tornaram culpados, o
sepultamento deles na carne. Daí vem o dizer-se que em Adão todos morremos. Não
é que soframos a consequência do seu pecado, ou sejamos todos responsáveis
pelos seus atos, conforme erradamente se entendeu a princípio, do que resultou
o dogma absurdo do pecado original. Tanto assim não é que, num dos livros de
Moisés (o Deuteronômio, capítulo 24, versículo 16), se lê: “Porque não se
farão morrer os pais pelos filhos, nem os filhos pelos pais; mas, cada um
morrerá pelo seu pecado.
Todos
morremos em Adão, porque, pecadores que somos, para progredirmos, temos que
morrer, isto é, que encarnar e reencarnar, temos que tomar a forma material que
nos faz descendentes do “primeiro homem”, tem o nosso Espírito que se encerrar
no sepulcro da carne. Essa a morte de que falava o Divino Mestre, como se vê
em: MATEUS, capítulo 8, versículo 22; LUCAS, capítulo 9, versículo 60; PAULO,
1a epístola aos Coríntios, capítulo 15,
versículo 22. Essa a morte de que o tornam livres os que se fazem eleitos (Isaías,
9, 2; MATEUS, capítulo 4, versículo 16).
Assim,
Adão, feito de limo, de barro, é uma figura, um símbolo e também uma lição para
abater o orgulho humano, o nosso maior inimigo. Do mesmo modo, a sua expulsão
do paraíso, para sofrer as consequências de suas faltas, é uma figura,
representativa da lei das encarnações e reencarnações, que serão tantas, para
cada Espírito, quantas se tornem precisas a que ele através de várias gerações,
expie e repare suas iniquidades e, progredindo moral e intelectualmente, se
regenere, se redima, ressuscite. Para ele, então, a morte terá sido tragada na
vitória.
Deu-se
a morte de Adão, isto é, dos Espíritos de que ele é o símbolo, quando estes,
por se haverem tornado pecaminosos, tiveram que mergulhar na carne, em forma
humana, qual a de todos os que habitam este planeta, mundo atrasado, cárcere de
criminosos, onde a vida decorre sujeita às contingências do trabalho árduo, das
fadigas e das misérias sem conta que nos consomem.
Jesus
não tem genealogia, porque seu Espírito, puríssimo, imaculado, não precisava,
nem podia cobrir-se do barro podre, de que é formado o corpo humano.
Muitas
provas temos disso e o apóstolo PAULO, em sua Epístola aos hebreus (capítulo
7o, versículo 3), o proclama nestes termos: — o Filho de Deus, sem pai, sem
mãe, sem genealogia, que não tem princípio de seus dias, nem fim de vida.
Ainda
mais: pelas próprias palavras de Jesus se prova que nenhuma
genealogia
humana lhe é aplicável.
Vide:
MATEUS, capítulo 22, versículos 41 ao 45; LUCAS, capítulo 20, versículos 41
ao 44. Salmo, 110, 1. – Isaías, 62, 1. – Mateus, 22, 41 ao 45. – Marcos, 12o 35 ao 37. – Lucas, 20, 41 ao 44. – Atos, 2, 34.
Elucidações evangélicas. FEB, pág. 61.
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