Na bibliografia relacionada à prece é mais conhecido o trabalho do Rhys
Davis, que recolheu textos de budismo arcaico, a compilação de Zimmern e de
Gressmann para a religião assírio-babilônia, a espécie de breviário de Neumann,
limitado à prece dos monges da Índia e de diversas tentativas de se recolherem
às preces cristãs. Como não poderia deixar de acontecer, essa preocupação se
fez sentir no espírito de Allan Kardec, que nos ofereceu o legado famoso de
suas preces, cujas edições não conhecem limite.
Mas esta é a primeira vez que se tenta reunir preces psicografadas, e, o que é melhor, devidas à atividade mediúnica deste que é reconhecido como o mais famoso psicógrafo do mundo: Francisco Cândido Xavier.
Para quem tenha dúvidas quanto ao caráter religioso do Espiritismo, este é
também um livro para afastar vacilações, já que a prece é o fenômeno central da
vida religiosa. No dizer de Deissmann "a prece caracteriza uma religião,
uma época religiosa, um homem religioso, de maneira mais eficaz que a
mitologia, a legenda, o dogma, a moral ou a teologia".
Ora, este livro é um vasto panorama em que os Espíritos oram. E sendo o
Espiritismo a religião dos Espíritos, aqui se encontram os elementos mais
válidos para caracterizá-lo, mesmo porque neste contexto não se encontram,
obviamente, preces litúrgicas, porém alitúrgicas e pessoais, conservando, em
ritmos sugestivos e vários, o diálogo eterno entre o homem e Deus, entre a
mente fixada em seu espaço e em seu tempo e as energias cósmicas.
Reunimos textos de poetas e escritores famosos já desencarnados, com
Humberto de Campos, Ruy e João de Deus, mas, igualmente a contribuição de
ignoradas Entidades, tais Aparecida e Aniceto, em expressões desde as mais
singelas às mais complexas pelo sentido religioso, de sorte que, lendo estas
páginas, nos sentiremos como que suspensos nos fios de um mistério infinito em
meio ao qual as vozes que se erguem identificam-se por toda parte reconhecemos
essa substância central do fato religioso, isto é, a forma pela qual a prece
encontra sua expressão na latente confiança em uma intervenção providencial.
Um duplo valor, documentário e poético, justifica esta antologia, um
itinerário formoso e inesperado entre almas imobilizadas no instante mesmo em
que estabelecem seu colóquio com Deus.
"A prece - escreveu Heiler - é o coração, o ponto central da religião
e não é nos dogmas, nas instituições, nos ritos, nas idéias morais que podemos
descobrir a substância da vida religiosa, mas nesse conjunto de reações
individuais da alma religiosa em face do cosmos, sentimento do infinito do
espaço e do tempo, da ordem e da harmonia do cosmos, do reconhecimento ao mesmo
tempo pleno de terror e de maravilha do caráter limitado da criatura".
A caracterização e análise de tais sensações, de seu valor emocional, da
aparição de elementos éticos e normativos, de elementos de devoção e de
elementos racionais na consciência religiosa, a definição consequente de
relações entre emotividade e racionalidade moral, tais são os elementos que
podemos encontrar aqui.
A prece abre um circuito emocional entre os dois termos fundamentais da
experiência religiosa, Deus e o homem e, por tal motivo, julgamos preferível a
organização dos capítulos entre "Meditações" de Emmanuel, contendo
valores de movimento, de posição e de orientação da prece.
Esse esforço se concretiza com o apêndice em que os Espíritos exprimem
forças positivas, determinadas, prestes a se efetivarem, oferecendo elementos
para a observação e o estudo constante em regras de comportamento, propondo a
concordância entre a intenção e a ação.
Foi puramente ocasional que as preces reunidas nesta "Antologia"
se distingam pelo caráter verbal e poético. Comentando o poder comunicativo da
palavra, de que a prece se serve, já Di Nola dizia, concordando com os
Evangelhos que os logos, verbum, é energia oculta de onde o mundo tira sua
forma harmônica, constituindo, ao mesmo tempo, imploração que persuade e se
insinua, injunção indiscutível, pranto aflitivo, exuberância de um grito de
alegria e glória.
Uma pesquisa linguística, ainda que limitada, nos leva à uma confirmação da
função da prece, pois que prece é pedido nas palavras prex, precor, da raiz
indo-européia perek (pedir), representativa do conceito de pedir com palavras
para obter, comum no sânscrito prât (prece), no úmbrio persuinu alemão fraga
(pedido), no irlandês arco (eu oro). Outras vezes representa-se o conceito de
prece supplicatio correspondente ao grego proschineo, que vem da raiz pel
(dobrar), evidente na palavra supplice - subplico, do grego ichesia que,
segundo a conjectura etimológica mais provável, vem do radical seich (estender
a mão).
A prece espírita é pessoal, individual, alitúrgica. É evidente que a
relação homem-Deus está toda inteira contida na intimidade da alma individual,
é uma predisposição, uma inclinação do espírito a solicitar, a glorificar, a se
abandonar, é, no dizer de Agostinho, a sede que só encontra alívio na paz da
fonte divina. Assim sendo, considerar a prece nesse estado de intimidade, tal
como a inexprimível. As experiências contidas neste livro auxiliam, porém, a compreender
como é possível passar de uma forma preliminar de prece elaborada à prece
pessoal propriamente dita, emocional e mental. A própria necessidade vital
de se extravasar, de se manifestar, leva o indivíduo a dar expressão ao
seu impulso interior, na tentativa de defini-lo.
O apêndice deste livro, no qual abnegadas Entidades assinam estudos
diversos sobre a prece, leva-nos a concebe-la como uma pura condição espiritual
do exercício, de atos de pacificação e passividade numa sucessão gradual de
aperfeiçoamento e de conquistas interiores.
No que concerne aos Espíritos que assinam as diferentes páginas,
interessa-nos sobretudo a compreensão do processo de formação de uma
consciência inteiramente livre e marcada pelos caracteres de personalidades
altamente religiosas. De sorte que, como contexto, esta obra concerne
particularmente à psicologia religiosa, à história de grandes consciências que
se sublimaram e passam a exercer decisiva influência no desenvolvimento do
movimento espírita, que deve levar de volta ao Cristianismo à sua verdadeira
perspectiva. O estudo de cada uma das preces aqui contidas, sob os recursos de
compreensão oferecidos pelo Espiritismo, esclarece todos os mecanismos
psicológicos nos quais ela tem sua origem, no quadro de experiências
nitidamente espirituais e que promove o impulso à prece como uma manifestação
puramente interior.
Por outro lado revela aqui que a prece não pode assumir caráter estático e
tradiconal se quiser manter seu poder natural de sugestão. Neste sentido é
lícito considerar que a Prece Dominical, proposta por Jesus, é uma eficácia
inicial, determinando, no exercício da prece, condições de emoção e
contacto com os níveis superiores da realidade, com a finalidade, entretanto,
de que, de tal esforço, resulte a centelha inicial da prece pessoal e, conforme
o próprio Cristo propõe, individual.
Enquanto as liturgias oficiais entram em decadência, o Espiritismo
esforça-se, por um novo caminho, a motivar a predisposição religiosa natural do
espírito humano. Eis o que nos levou a realizar esta "Antologia" na
qual o leitor poderá, através de fácil leitura, estabelecer relação com a carga
emotiva de inteligências realmente voltadas para uma "re-ligação" e
dispostas, conforme a passagem de Paulo, o Apóstolo, a vivificar a letra pelo
espírito.
Eis que porque nestas páginas agita-se a labareda, em mais puro estado, da grande religião do Consolador Prometido, elaborada na divina ambição de fazer com que se comunique o Eu e o Outro, o Sujeito e o Objeto, o Ser Humano e o Ser Cósmico.
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