A Gênese, os Milagres e as
Predições segundo o Espiritismo, ou simplesmente A Gênese, como costuma ser
abreviado, é o título da tradução da obra original em francês La Genèse, les
Miracles et les Predictions selon le Spiritisme de autoria de Allan Kardec, é o
quinto livro da coleção conhecida como obras básicas do Espiritismo então
desenvolve com mais profundidade o aspecto científico dos conceitos
doutrinários da Revelação Espírita, abordando, entre outros temas, a essência
de Deus, a Criação do Universo e seu processo de expansão, a origem dos
Espíritos e a comparação com a teoria bíblica da gênese, o caráter dos
milagres, a natureza das profecias e as predições para o futuro da humanidade.
Contexto histórico
A Gênese é o quinto e último
livro publicado por Allan Kardec, cuja primeira edição foi lançada pouco mais
de um ano antes da desencarnação do autor, tendo já decorridos onze anos da
primeira obra básica do Espiritismo — O Livro dos Espíritos — e uma década
ininterrupta de edições da Revista Espírita. Portanto, o livro é, de alguma
forma, uma síntese mais apurada e amadurecida da compreensão espírita quanto à
natureza física e espiritual, levando em consideração as revelações da
espiritualidade e o desenvolvimento da ciência humana.
Quando da sua publicação,
estava muito em voga a discussão sobre a origem do universo e, por conseguinte,
dos seres vivos. A teoria evolucionista por meio de seleção natural de Charles
Darwin — publicada em A Origem das Espécies, de 1859 — ainda não estava bem
consolidada e enfrentava certa resistência, inclusive dentro do meio
científico. Fora do círculo acadêmico, no meio popular do Ocidente, por
consequência do secular predomínio do catecismo católico e do recrudescimento
da interpretação muito literal das igrejas protestantes, a concepção clássica
da origem e desenvolvimento do mundo e dos seres humanos era aquela baseada no
primeiro livro da Bíblia — Gênesis, atribuída a Moisés. Qualquer suposição
teórica fora da versão bíblica obviamente sofria forte preconceito.
No bojo das controvérsias sobre a gênese do Universo e da vida inteligente estavam também outras questões correlacionadas e igualmente efervescente que colocavam em choque as religiões — e por extensão toda a ideia de Deus e espiritualidade — e a ciência clássica; dentre essas questões estavam a dos milagres (que as igrejas tomavam como uma expressão da grandeza de Deus, o que era visto pelos céticos como um completo absurdo) e a das profecias e predições (impossíveis para os cientistas tradicionais e defendidas pelos religiosos também como algo miraculoso e necessário para provar a superioridade da divindade). Em resposta a estas controvérsias, este livro vem defender a veracidade de certas profecias e outros atos históricos (especialmente os da tradição bíblica) tidos como miraculosos, refutando assim a negação extrema da ciência positivista, mas também, a partir de uma análise racional e lógica, contrariando a ideia mística sustentada pelas religiões tradicionais, compreendendo a naturalidade de tais fenômenos, razão pela qual a própria descrição da obra na sua folha de rosto coloca em destaque: “Deus prova a sua grandeza e seu poder pela imutabilidade das suas leis, e não pela suspensão delas.”
Diante desse cenário,
portanto, os propósitos de A Gênese eram revolucionários, e por demais
desafiadores. Tanto que o Espírito São Luiz, protetor da Sociedade Parisiense
de Estudos Espíritas, prenunciou, através de uma comunicação mediúnica recebida
em 18 de dezembro de 1857, um mês antes de a obra ser trazida à lume:
“Esta
obra vem na hora certa, na medida em que a doutrina está hoje bem estabelecida
do ponto de vista moral e religioso. Seja qual for a direção que tome de agora
em diante, tem precedentes muito arraigados no coração dos adeptos, para que
ninguém possa temer que ela se desvie de seu caminho;
(...)
“A
religião, antagonista da Ciência, respondia pelo mistério a todas as questões
da filosofia céptica. Ela violava as leis da Natureza e as adaptava à sua
fantasia, para daí extrair uma explicação incoerente de seus ensinamentos. Vós,
ao contrário, vos sacrificais à Ciência; aceitais todos os seus ensinamentos
sem exceção e lhe abris horizontes que ela supunha intransponíveis. Tal será o
efeito desta nova obra; não poderá senão assegurar mais os fundamentos da
crença espírita nos corações que já a possuem, e fará dar um passo à frente
para a unidade a todos os dissidentes, à exceção, entretanto, dos que o são por
interesse ou por amor-próprio; esses o veem com despeito sobre bases cada vez
mais inabaláveis, que os lançam para trás e os rechaçam na sombra (...)
“A
questão de origem que se prende à Gênese é para todos uma questão apaixonada.
Um livro escrito sobre esta matéria deve, em consequência, interessar a todos
os espíritos sérios. Por esse livro, como vos disse, o Espiritismo entra numa
nova fase e esta preparará as vias da fase que mais tarde se abrirá, porque
cada coisa deve vir a seu tempo. Antecipar o momento propício é tão prejudicial
quanto deixá-lo escapar.” (São Luís, Revista Espírita, Allan Kardec - Fevereiro
de 1868: "Apreciação da obra A Gênese")
Estava claramente
estabelecido que A Gênese viria para sancionar o fundamento da lógica e da
razão sobre os conceitos espíritas e absolutamente afastar qualquer ideia de
superstição, milagre e fantasias sobrenaturais, isto é, fora das leis da
natureza criada por Deus.
Anúncio e repercussão
da obra
Através da Revista Espírita,
edição de janeiro de 1868 — o mês de lançamento do livro — Allan Kardec
anunciava aquela nova obra. Logo mais, pela mesma revista, vamos encontrar o
autor relatando as primeiras repercussões do livro. Já na edição do mês
seguinte, por exemplo, Kardec noticia que a vendagem da primeira edição estava
quase completa e já providenciava a segunda edição, ou, melhor dizendo, a
segunda impressão, já que não faria qualquer alteração. E o sucesso continua de
maneira fenomenal, pois um mês depois, já na Revista Espírita de março daquele
ano, é anunciada a terceira edição.
O alcance e a boa recepção
que o livro aqui tratado teve prontamente podem ser ilustrados pelo depoimento
feito por um capitão do exército na África, conforme certo artigo na Revista
Espírita:
“O
Espiritismo se espalha no norte da África e ganhará o centro, se os franceses
para ali se dirigirem. Ei-lo que penetra em Laghouat, nas bordas do Saara, a 33
graus de latitude (...)
“Desde
alguns anos entrego-me ao estudo da Anatomia, da Fisiologia e da Psicologia
comparadas. A mesma corrente de ideias arrastou-me para o estudo dos animais.
Pude dar-me conta, pela observação, de que todos os órgãos, todos os aparelhos
se simplificam, quando descem para as raças e espécies inferiores. Como a
Natureza é bela para estudar! (...)
“Vossa
última obra A Gênese, que acabo de reler, e sobre diversos capítulos da qual me
detive particularmente, desvenda-nos os mistérios da Criação e desfere um
terrível golpe nos preconceitos. Essa leitura fez-me imenso bem e me abriu
novos horizontes. Eu já compreendia a nossa origem e via em meu corpo material
o último elo da animalidade na Terra; sabia que o espírito, durante sua
gestação corporal, toma uma parte ativa na construção do seu ninho e apropria o
seu invólucro às suas novas necessidades. Esta teoria da origem do homem poderá
parecer, aos orgulhosos, atentatória à grandeza e à dignidade humanas, mas será
aceita no futuro graças à sua simplicidade e à sua empolgante amplitude (...)
“Não
mais deve haver véu entre a Natureza e o homem, e nada deve ficar oculto. A
Terra é o nosso domínio, cabendo a nós estudar as suas leis; a ignorância e a
preguiça é que criaram os mistérios. Quanto Deus nos parece maior na harmonia e
na unidade de suas leis! (...)” (Revista Espírita, Nov. de 1868: 'Os lazeres de
um Espírita no Deserto'
Folha de rosto da obra original em francês
Versões e polêmicas
sobre alterações
Enquanto encarnado, Allan
Kardec publicou quatro edições de A Gênese, todas no mesmo ano de 1868 e todas
com o mesmo conteúdo. No entanto, logo após sua passagem à vida espiritual,
sabe-se que a Livraria Espírita (idealizada por Kardec) publicou uma quinta
edição que, por sua vez, trazia alterações, tal como grafado na folha de rosto
desta mesma impressão: "Revisada, corrigida e ampliada". Nesta nova
versão, muitos trechos, em diversos capítulos, receberam substanciais
alterações, em que linhas ou parágrafos inteiros foram suprimidos, outros foram
deslocados e renumerados, ao passo que noutras partes da obra conteúdos foram
acrescentados. Além disso, em todo as seções do livro são encontrados correções
ortográficas.
Todavia, doze anos após o
lançamento da quinta edição, Henri Sausse denuncia, através do artigo "Uma
infâmia", publicado no periódico O Espiritismo (Le Spiritisme), que esta
versão se tratava de uma adulteração, valendo-se de uma informação obtida
através de uma terceira pessoa, dando conta de que as "correções"
desta nova versão haviam sido feitas por Pierre-Gaëtan Leymarie. No artigo,
Sausse, muito indignado, especifica os trechos que sofreram modificações:
“Descobri,
comparando os textos da primeira e da quinta edição, que 126 trechos tinham sido
modificados, acrescentados ou suprimidos. Desse número, onze (11) forma objetos
de uma revisão parcial. Cinquenta (50) foram acrescidos e sessenta e cinco (65)
foram suprimidos, e não conto os números dos parágrafos trocados de lugar nem
os títulos que foram adicionados.
Todas
as partes desse livro sofreram mutilações mais ou menos graves, mas o capítulo
XVIII: Os tempos são chegados, é o que foi mais maltratado; as modificações
feitas nele o tornam quase irreconhecível.
Agora,
digam-me, quem são os culpados?
Qual
o motivo dessas manobras?” (Henri Sausse, O Espiritismo - Dez. de 1884: 'Uma
infâmia')
Então sob o comando de
Leymarie, a Sociedade Anônima respondeu ao artigo de Henri Sausse negando a
violação e atribuindo ao legítimo autor da obra as modificações daquela edição
revisada. Como a Sociedade Anônima detinha os direitos autorais da obra e
garantia que a autoria das alterações pertencia a Kardec, foi a partir da
versão desta 5ª edição que foram autorizadas as traduções oficiais da obra, tal
como se efetuou para o inglês, espanhol, italiano, português etc. Sem uma prova
documental, as denúncias de Henri Sausse ficaram sem muito efeito prático e
caíram no esquecimento.
Passado um século,
especificamente em 1998, o estudioso espírita Carlos de Brito Imbassahy (filho
do renomado advogado, jornalista e escritor espírita Carlos Imbassahy, de quem
herdou uma robusta biblioteca) tendo em mãos um velho exemplar em francês da 3ª
edição desta obra, verificou a diferença de trechos de seu conteúdo com relação
às edições comuns brasileiras; supondo erro de tradução, ele trabalhou numa
tradução e levantou a suspeita de que as alterações houvessem sido promovidas
intencionalmente pela FEB. As suspeitas, no entanto, não renderam e o caso
silenciou-se.
Em 2017, contudo, justamente
às vésperas da celebração jubilar em comemoração aos 150 anos de lançamento da
referida obra, a questão voltou à tona: um trabalho de pesquisa realizado pela
pesquisadora espírita brasileira Simoni Privato Goidanich resultou no livro O
Legado de Allan Kardec (originalmente publicado em espanhol, pela Confederação
Espiritista Argentina: El Legado de Allan Kardec) apresentando uma tese de que
a quinta edição revisada havia sido registrada e publicada pela Sociedade
Anônima em 1872, portanto, três anos após a desencarnação de Allan Kardec, e,
sem o menor indício de que tais alterações tenham sido efetivadas pelo
codificador espírita. Essa tese propõe também que houve uma premeditada
elaboração para distorcer certos conceitos espíritas, atendendo a outras ideias
espiritualistas, e notadamente à doutrina conhecida de Jean-Baptiste Roustaing
— conhecida como Roustainguismo —, muito por influência do Sr. Guérin, o
testamentário de Roustaing e amigo de ocasião de Leymarie.
“Apesar
da indignação no movimento espírita, a Sociedade Anônima permaneceu dominada
por Guérin, com a colaboração de Leymarie, e foi transformada em um instrumento
de propaganda, na França e no exterior, da teoria exposta na obra de
Roustaing.” (O Legado de Allan Kardec, Simoni Privato Goidanich - cap. 15)
A Confederação Espiritista
Argentina passou a adotar a versão antiga como o conteúdo definitivo da obra,
produzindo uma edição especial lançada em 2018, em espanhol (La Génesis, los
Milagros y las Predicciones según el Espiritismo) traduzida pelo seu então
presidente Gustavo N. Martinez, que também fez questão de homenagear José María
Fernández Colavida (1819-1888), o grande líder espírita na Espanha — chamado
"O Kardec espanhol" — que, pelo que se sabe, foi o tradutor primeiro
das obras de Kardec para o idioma espanhol, tomando por base o conteúdo
original da 1ª edição.
A Gênese em espanhol editada pela Confederação Espiritista Argentina |
No Brasil, a União das Sociedades Espíritas - USE e a Fundação Espírita André Luiz - FEAL aderiram à campanha que propunha rejeitar a edição revisada. Em 2018, especialmente motivada pelos desdobramentos da pesquisa realizada por Simoni Privato Goidanich e em comemoração ao aniversário jubilar de 150 anos do lançamento do livro, a FEAL publicou uma edição de A Gênese com base na primeira versão, a partir da tradução de Carlos de Brito Imbassahy, e defendendo a tese de adulteração.
Entretanto, novos achados
históricos referentes à polêmica vieram se sobrepor àquele contexto apresentado
em O Legado de Allan Kardec, a começar pela descoberta de uma 5º edição (versão
revisada) datada de 1869, devidamente catalogada numa biblioteca universitária
na Suíça, que, combinados com outros dados (por exemplo, menção a esta edição
presente em uma reimpressão de O Livro dos Médiuns de julho de 1869) resultam
na compreensão que A Gênese revisada teria sido publicada em um ou em até três
meses (entre abril e junho de 1869) posteriormente à morte de Kardec, e bem
antes de Leymarie (então apontado como o principal articulador das ditas
adulterações) assumir a condução das instituições espíritas responsáveis pelas
publicações kardecistas (o que só viria a acontecer em julho de 1871, quando
foi admitido membro diretor da Sociedade Anônima (entidade criada para
administrar os bens legados por Kardec à propagação do Espiritismo). Como é
sabido, esta edição "revisada, corrigida e aumentada" de A Gênese foi
lançada pela Livraria Espírita, cuja direção estava a cargo de Edouard Mathieu
Bittard, supervisionado diretamente pela viúva Kardec, que, aliás, notificou os
confrades através da Revista Espírita de maio de 1869 que seria ela quem
cuidaria pessoalmente das "reimpressões" e das "publicações
novas" das obras espíritas de seu marido. A propósito, Amélie Boudet era a
legítima herdeira dos direitos autorais das obras literárias de Kardec.
Manuscritos de Allan Kardec e outros documentos então descobertos nessa nova fase de pesquisa também vieram evidenciar que o legítimo autor da obra — Kardec — trabalhara a revisão do conteúdo original e justamente quando estava preparando o lançamento desta edição revisada acabou surpreendido pela sua hora fatal. Entre esses documentos constam transcrições, feitas por Kardec, de mensagens mediúnicas assinadas por Espíritos amigos lhe inspirando correções para a nova edição. Em 22 de fevereiro de 1868, por exemplo, apenas um mês seguinte ao lançamento da edição original, o Mestre espírita recebeu uma comunicação, psicografada na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas pelo médium Desliens, intitulada "Conselhos sobre a Gênese", que se crê ditada pelo Espírito do Dr. Demeure, da qual extraímos o seguinte trecho:
“Permita-me
alguns conselhos pessoais sobre o seu livro A Gênese. Penso, como você, que
deve sofrer certas reorganizações que a tornarão valiosa sob o aspecto
metódico; mas eu recomendo vivamente que você também revise certas comparações
dos primeiros capítulos que, sem serem imprecisas, podem levar à ambiguidade, e
das quais alguém poderiam tirar vantagens de você exaltando palavras.
“[...]
É apenas uma questão de detalhes, sem dúvida, mas os detalhes também são
importantes; por isso achei útil chamar sua atenção para esse lado.
“[...]
Minha opinião é que não há absolutamente nada para tirar da doutrina; tudo é
útil e satisfatório em todos os aspectos; mas também acredito que você poderia,
sem inconvenientes, condensar ainda mais certas ideias que não precisam de
desenvolvimento para serem entendidas, já tendo sido esboçadas em outro lugar.”
(Fonte: Espiritismo em Movimento)
De fato, vê-se que vários
textos contidos em A Gênese de 1868 foram reproduzidos nas edições seguintes da
Revista Espírita com várias modificações, as mesmas de que se serviu a edição
revisada, corrigida e aumentada da Gênese de 1869.
Dentre outras tantas
evidências encontradas nestes novos achados historiográficos, publicações
vieram mostrar que o próprio Henri Sausse reconheceu a autenticidade kardequiana
na edição revisada.
Leia O caso A Gênese.
Dentre as quais as traduções
brasileiras, destacamos as produções assinadas por: Guillon Ribeiro e Evandro
Noleto Bezerra, pela editora da Federação Espírita Brasileira; João Teixeira de
Paula, com a coautoria de José Herculano Pires, pela LAKE Editora; Salvador
Gentile, Boa Nova Editora; Louis Neilmoris, versão numa linguagem simplificada,
editada pela Luz Espírita.
Por padrão, mas não por
exclusivismo, o Portal Luz Espírita adota e distribui livremente uma edição
própria, traduzida por Ery Lopes, edição essa que dispensa os direitos
autorais.
Estrutura da obra
A obra, além de conter uma
introdução, é estruturada em três seções principais, a saber: “A Gênese segundo
o Espiritismo”, “Os milagres segundo o Espiritismo” e “As predições segundo o
Espiritismo”.
Introdução:
como o próprio título diz, traz uma apresentação do livro, seus objetivos e a
sua essência, que é justamente tratar os três pontos principais — a origem do
universo, a questão dos milagres e as profecias — à luz dos ensinamentos da
revelação espírita, que tem por base a lógica e a razão e a refutação de toda e
qualquer exploração de fenômenos de caráter sobrenatural, místico, mágico,
supersticioso. Para tanto, o Espiritismo toma como fundamento a existência de
dois elementos primordiais: o elemento espiritual e o elemento material. A
partir deste ponto de vista, todos os fenômenos reais pertencem às leis da
natureza, estabelecidas conforme a bondade, a justiça e a sabedoria de Deus,
não cabendo o sobrenatural — que seria uma manifestação fora da ordem natural
das coisas, tal qual o milagre, a magia.
“Ao
demonstrar a existência do mundo espiritual e suas relações com o mundo
material, o Espiritismo fornece a chave para uma imensidade de fenômenos
incompreendidos, e por isso mesmo considerados inadmissíveis por uma certa
classe de pensadores. Esses fatos ocorrem fartamente nas Escrituras, e é por
falta de conhecer a lei que os regem que, girando sempre em torno das mesmas
ideias, os comentadores dos dois campos opostos — uns desconsiderando os dados
positivos da ciência, e os outros desconsiderando o princípio espiritual — não
puderam chegar a uma solução racional.” (A Gênese, os Milagres e
as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – Introdução)
A
gênese segundo o Espiritismo: nessa seção, a obra
analisa um dos temas mais polêmicos no tocante às teorias religiosas desde há
muito: a gênese de tudo, ou seja, a origem do Universo, da matéria e dos seres
vivos, o que tem implicação direta com o próprio sentido da nossa existência e,
por conseguinte, a destinação da alma após a morte física.
Entretanto, antes de
adentrar propriamente na questão a que se destina essa seção, Kardec começa o
capítulo I estabelecendo os parâmetros necessários para a compreensão dos
conceitos propostos pelo Espiritismo pelo que designou de "Caráter da
revelação espírita", distinguindo a Doutrina dos Espíritos do padrão das
revelações religiosas tradicionais, cujo caráter é de dogmatismo: imposição de
conceitos ditos absolutamente verdadeiros e sagrados, e por isso, não sujeitos
ao questionamento — por mais absurdos que sejam eles. O autor ressalta que o
Espiritismo é sim uma revelação, necessária inclusive, mas assentada sob os
fundamentos da razão e da experimentação científica:
“Assim
como a ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio
material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do
princípio espiritual; ora, como este último princípio é uma das forças da
natureza, que reage incessantemente sobre o princípio material e
reciprocamente, segue-se daí que o conhecimento de um não pode estar completo
sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a ciência se completam um ao
outro; a ciência sem o Espiritismo fica na impossibilidade de explicar certos
fenômenos somente pelas leis da matéria; o Espiritismo sem a ciência careceria
de apoio e comprovação...” (Idem, - Cap. I, item 16)
Estabelecidos esses
parâmetros, desenvolve-se então a tese espírita sobre as evidências da
existência de Deus, características aceitáveis sobre a sua natureza, seu modo
de conduzir as coisas (providência divina) e os meios de se visualizar a
divindade (cap. II). Para tanto, a obra cumpre uma lacuna comum a todas as
doutrinas tradicionais especialmente em resposta aos incrédulos: Como conciliar
Deus com o mal no mundo?, explicando categoricamente o entendimento sobre o bem
e o mal (cap. III).
Estabelecidos esses
parâmetros, desenvolve-se então a tese espírita sobre as evidências da
existência de Deus, características aceitáveis sobre a sua natureza, seu modo
de conduzir as coisas (providência divina) e os meios de se visualizar a
divindade (cap. II). Para tanto, a obra cumpre uma lacuna comum a todas as
doutrinas tradicionais especialmente em resposta aos incrédulos: "Como
conciliar Deus com o mal no mundo?", explicando categoricamente o entendimento
sobre o bem e o mal (Cap. III). Também discorre sobre "O papel da ciência
na gênese" (Cap. IV) pelo que registra o confronto histórico entre
religião e ciência no tocante às explicações acerca das coisas e observa o
escopo das descobertas cientificas para a solidificação da compreensão dos
elementos materiais e espirituais.
A obra também aprecia as
diversas teorias da origem e desenvolvimento do nosso mundo, dos seres
orgânicos e da gênese espiritual (cap. V a IX) e ainda a compara com a teoria
bíblica (cap. XII).
Os
milagres segundo o Espiritismo: nessa seção, a obra trata
da conceituação clássica do termo milagre e a analisa mediante os fundamentos
espíritas, que são incompatíveis com a ideia sobrenatural que se convencionou
dar a certos fenômenos (cap. XIII). Para tanto, Kardec destrincha a natureza
dos fluidos (cap. XIV), que são a chave para a compreensão dos fenômenos
promovidos pelos Espíritos em nosso ambiente material. Em vista disso, a obra
igualmente pondera sobre o modo de ação e a qualidade dos fluidos nas
manifestações, em particular na ação magnética, por exemplo, na operação de
curas (passe).
“Os
efeitos da ação fluídica sobre os enfermos são extremamente variados, de acordo
com as circunstâncias; algumas vezes essa ação é lenta e requer um tratamento
prolongado, como no magnetismo comum; de outras vezes é rápida, como uma
corrente elétrica. Há pessoas dotadas de um poder tal que operam curas
instantâneas em certos doentes simplesmente pela imposição das mãos, ou até
mesmo só por um ato da vontade. Entre os dois polos extremos dessa faculdade há
infinitos níveis. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e só
se diferem pela intensidade e pela rapidez da ação. O princípio é sempre o
mesmo: é o fluido que desempenha o papel de agente terapêutico e cujo efeito é
subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais.” (Idem, - Cap. XIV,
item 32)
Uma vez definida a
inconsistência da crença no milagre, o Kardec faz considerações sobre os feitos
de Jesus, ditos milagrosos, conforme as narrações evangélicas (cap. XV), que
estão sintetizadas na seguinte citação:
“Os
fatos relatados no Evangelho, e que até hoje têm sido considerados milagrosos,
pertencem na sua maioria à ordem dos fenômenos psíquicos, isto é, dos que têm
como causa primária as capacidades e os atributos da alma. Confrontando-os com
os que foram descritos e explicados no capítulo anterior, reconheceremos sem
dificuldade que há entre eles identidade de causa e de efeito. A História nos
mostra fatos semelhantes em todos os tempos e em todos os povos, pela razão de
que, desde que haja almas encarnadas e desencarnadas, os mesmos efeitos puderam
se produzir. É certo que, no que se refere a este ponto, podemos contestar a
veracidade da História; mas hoje eles se produzem sob os nossos olhos e, por
assim dizer, à vontade, e por indivíduos que nada têm de excepcional. Só o fato
da reprodução de um fenômeno, em condições idênticas, basta para provar que ele
é possível e está submetido a uma lei, e que, portanto, não é miraculoso.” (Idem,
- Cap. XV, item 1)
As
predições segundo o Espiritismo: nessa seção a obra aborda
a natureza da predição, profecia, presciência, considerando as possibilidades
de se conhecer o que convencionamos por "futuro", bem como o alcance
da visão de quem propõe tal previdência (cap. XVI), o que também está
relacionada à questão das possibilidades e fatalidades dos eventos. Analisa
também a destinação, utilidade e permissibilidade das revelações espirituais,
em obediência aos desígnios de Deus.
No capítulo XVII, Kardec examina
as predições atribuídas a Jesus narradas nos evangelhos bíblicos.
No fechamento da obra, o
capítulo "Os tempos chegaram" esboça uma espécie de previsão a
respeito dos novos tempos marcados pela divindade para o futuro da Humanidade,
assim como examina os sinais precursores desses novos tempos (muito mais morais
do que físicos) que serão estabelecidos pela nova geração, caracterizada assim:
“A
nova geração, encarregada de fundar a era do progresso moral, se distingue por
uma inteligência e uma razão geralmente precoces, juntamente com o sentimento
inato do bem e de crenças espiritualistas — que é o sinal indubitável de certo
grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de
Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, já tendo progredido,
estejam dispostos a assimilar todas as ideias progressistas e estejam aptos a
ajudar o movimento regenerador.”
Idem,
- Cap. XVIII, item 27
Com tudo isso, A Gênese, os
Milagres e as Predições segundo o Espiritismo é um livro tão esclarecedor
quanto motivador para aquele que tem certa compreensão do Espiritismo, pois ele
evidencia a onipotência, sabedoria, justiça e bondade — o que dá à humanidade a
certeza de que há uma ordem universal e que as virtudes espirituais se
sobrepõem aos valores matérias circunstanciais em nosso mundo ainda um tanto
atrasado; ela nos permite prever as benesses dos novos tempos na Terra, cujos
sinais já estão aos nossos olhos, predestinados a se sucederem em um futuro
próximo, para o qual todos nós somos chamados a contribuir e para o qual o
Espiritismo é a doutrina que melhor nos conduz.
Fonte: Luz espírita.
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