PROFISSÃO DE FÉ
ESPÍRITA RACIOCINADA
I – Deus
1.
Há um Deus, inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.
A
prova da existência de Deus temo-la neste axioma: Não há efeito sem causa.
Vemos constantemente uma imensidade de efeitos, cuja causa não está na
Humanidade, pois que a Humanidade é impotente para produzi-los, ou, sequer,
para os explicar. A causa está acima da Humanidade. É a essa causa que se chama
Deus, Jeová, Alá, Brahma, Fo-Hi, Grande Espírito etc.
Tais
efeitos absolutamente não se produzem ao acaso, fortuitamente e em desordem.
Desde a organização do mais pequenino inseto e da mais insignificante semente,
até a lei que rege os mundos que circulam no espaço, tudo atesta uma ideia
diretora, uma combinação, uma previdência, uma solicitude que ultrapassam todas
as combinações humanas. A causa é, pois, soberanamente inteligente.
2.
Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e
bom.
Deus é eterno. Se
tivesse tido começo, alguma coisa houvera existido antes dele, ou Ele teria
saído do nada, ou, então, um ser anterior o teria criado. É assim que, degrau a
degrau, remontamos ao infinito na eternidade.
É imutável. Se
estivesse sujeito à mudança, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o
Universo.
É imaterial.
Sua natureza difere de tudo o a que chamamos matéria, pois, do contrário, Ele
estaria sujeito às flutuações e transformações da matéria e, então, já não
seria imutável.
É único. Se
houvesse muitos deuses, haveria muitas vontades e, nesse caso, não haveria
unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.
É onipotente,
porque é único. Se Ele não dispusesse de poder soberano, alguma coisa ou alguém
haveria mais poderoso do que Ele; não teria feito todas as coisas e as que Ele
não houvesse feito seriam obra de outro deus.
É soberanamente justo e bom. A
sabedoria providencial das Leis Divinas se revela nas mais mínimas coisas como
nas maiores e essa sabedoria não permite se duvide nem da sua justiça, nem da
sua bondade.
3. Deus é infinito em todas as suas perfeições.
Se
supuséssemos imperfeito um só dos atributos de Deus, se lhe tirássemos a menor
parcela de eternidade, de imutabilidade, de imaterialidade, de unidade, de
onipotência, de justiça e de bondade, poderíamos imaginar um ser que possuísse
o que lhe faltasse, e esse ser, mais perfeito do que ele, é que seria Deus.
II – A alma
4.
Há no homem um princípio inteligente a que se chama ALMA ou ESPÍRITO,
independente da matéria, e que lhe dá o senso moral e a faculdade de pensar.
Se o
pensamento fosse propriedade da matéria, teríamos a matéria bruta a pensar.
Ora, como ninguém nunca viu a matéria inerte dotada de faculdades intelectuais;
como, quando o corpo morre, não mais pensa, forçoso é se conclua que a alma
independe da matéria e que os órgãos não passam de instrumentos com que o homem
manifesta seu pensamento.
5.
As doutrinas materialistas são incompatíveis com a moral e subversivas da ordem
social.
Se,
conforme pretendem os materialistas, o pensamento fosse segregado pelo cérebro,
como a bílis o é pelo fígado, seguir-se-ia que, morto o corpo, a inteligência
do homem e todas as suas qualidades morais recairiam no nada; que os nossos
parentes, os amigos e todos quantos houvessem tido a nossa afeição estariam
irremissivelmente perdidos; que o homem de gênio careceria de mérito, pois que
somente ao acaso da sua organização seria devedor das faculdades transcendentes
que revela; que entre o imbecil e o sábio apenas haveria a diferença de mais ou
menos substância cerebral.
As
consequências dessa doutrina seriam que, nada podendo esperar para depois desta
vida, nenhum interesse teria o homem em fazer o bem; que muito natural seria
procurasse ele a maior soma possível de gozos, mesmo à custa dos outros; que o
sentimento mais racional seria o egoísmo; que aquele que fosse persistentemente
desgraçado na Terra, nada de melhor teria a fazer do que se matar, porquanto,
destinado a mergulhar no nada, isso não lhe seria nem pior, nem melhor, ao
passo que de tal forma abreviaria seus sofrimentos.
A
doutrina materialista é, pois, a sanção do egoísmo, origem de todos os vícios;
a negação da caridade — origem de todas as virtudes e base da ordem social — e
seria ainda a justificação do suicídio.
6. O
Espiritismo prova a existência da alma.
Provam
a existência da alma os atos inteligentes do homem, por isso que eles hão de
ter uma causa inteligente, e não uma causa inerte. Que ela independe da matéria
está demonstrado de modo patente pelos fenômenos espíritas que a mostram agindo
por si mesma e o está, sobretudo, pelo seu insulamento durante a vida, o que
lhe permite manifestar-se, pensar e agir sem o corpo.
Pode-se
dizer que, se a Química separou os elementos da água; se, dessa maneira, pôs a
descoberto as propriedades desses elementos e se pode, à sua vontade, fazer e
desfazer um corpo composto, o Espiritismo, igualmente, pode isolar os dois
elementos constitutivos do homem: o Espírito e a matéria, a alma e o corpo,
separá-los e reuni-los à vontade, o que não deixa dúvida sobre a independência
de uma e outro.
7. A
alma do homem sobrevive ao corpo e conserva a sua individualidade após a morte
deste.
Se a
alma não sobrevivesse ao corpo, o homem só teria por perspectiva o nada, do
mesmo modo que se a faculdade de pensar fosse produto da matéria. Se não
conservasse a sua individualidade, isto é, se se dissolvesse no reservatório
comum chamado o grande todo, como as gotas d’água no oceano, seria igualmente,
para o homem, o nada do pensamento e as consequências seriam absolutamente as
mesmas que se não houvesse alma.
A
sobrevivência desta à morte do corpo está provada de maneira irrecusável e até
certo ponto palpável pelas comunicações espíritas. Sua individualidade é
demonstrada pelo caráter e pelas qualidades peculiares a cada um. Essas
qualidades, que distinguem umas das outras as almas, lhes constituem a
personalidade. Se as almas se confundissem num todo comum, uniformes seriam as
suas qualidades.
Além
dessas provas inteligentes, há também a prova material das manifestações
visuais, ou aparições, tão frequentes e autênticas, que não é lícito pô-las em
dúvida.
8. A
alma do homem é ditosa ou desgraçada depois da morte, conforme haja feito o bem
ou o mal durante a vida.
Admitindo-se
um Deus soberanamente justo, não se pode admitir que as almas tenham todas a
mesma sorte. Se a posição futura do criminoso houvesse de ser a mesma que a do
homem virtuoso, excluída estaria toda a utilidade da prática do bem. Ora, supor
que Deus não faz diferença entre o que pratica o bem e o que pratica o mal fora
negar-lhe a justiça. Nem sempre recebendo punição o mal e recompensa o bem,
durante a vida terrena, deve-se concluir daí que a justiça será feita depois,
sem o que Deus não seria justo.
As
penas e os gozos futuros estão, ademais, provados pelas comunicações que os
homens podem estabelecer com as almas dos que aqui viveram e que vêm descrever
o estado em que se encontram, ditoso ou infeliz, a natureza de suas alegrias ou
de seus sofrimentos e enumerar-lhes as causas.
9.
Deus, alma, sobrevivência e individualidade da alma após a morte do corpo,
penas e recompensas futuras constituem os princípios fundamentais de todas as
religiões.
O
Espiritismo junta às provas morais desses princípios as provas materiais dos
fatos e da experimentação e corta cerce os sofismas do materialismo. Em
presença dos fatos, cessa toda razão de ser da incredulidade. É assim que o
Espiritismo restitui a fé aos que a tenham perdido e dissipa as
dúvidas
dos incrédulos.
III – Criação
10.
Deus é o Criador de todas as coisas.
Esta
proposição é corolário da prova da existência de Deus (no 1).
11.
O princípio das coisas reside nos arcanos de Deus.
Tudo
diz que Deus é o autor de todas as coisas, mas como e quando as criou Ele? A
matéria existe, como Ele, de toda a eternidade? Ignoramo-lo. Acerca de tudo o
que Ele não julgou conveniente revelar-nos, apenas se podem erguer sistemas
mais ou menos prováveis. Dos efeitos que observamos, podemos remontar a algumas
causas. Há, porém, um limite que não nos é possível transpor. Querer ir além é,
simultaneamente, perder tempo e cair em erro.
12.
O homem tem por guia, na pesquisa do desconhecido, os atributos de Deus.
Para
a investigação dos mistérios que nos é permitido sondar por meio do raciocínio,
há um critério certo, um guia infalível: os atributos de Deus. Desde que se
admite que Deus é eterno, imutável, bom; que é infinito nas suas perfeições,
toda doutrina ou teoria, científica ou religiosa, que tenda a lhe tirar
qualquer parcela de um só dos seus atributos, será necessariamente falsa, pois
que tende à negação da divindade mesma.
13.
Os mundos materiais tiveram começo e terão fim.
Quer
a matéria exista de toda a eternidade, como Deus, quer tenha sido criada numa
época qualquer, é evidente, segundo o que se passa cotidianamente às nossas
vistas, que são temporárias as transformações da matéria e que dessas
transformações resultam diferentes corpos, que incessantemente nascem e se
destroem.
Como
produtos que são da aglomeração e da transformação da matéria, os diversos
mundos hão de ter tido, como todos os corpos materiais, começo e terão fim, na
conformidade de leis que desconhecemos. Pode a Ciência, até certo ponto,
formular as leis que lhes presidiram à formação e remontar ao estado primitivo
deles. Toda teoria filosófica em contradição com os fatos que a Ciência
comprova é necessariamente falsa, a menos que prove estar em erro a Ciência.
14.
Criando os mundos materiais, também criou Deus seres inteligentes a que damos o
nome de Espíritos.
15.
Desconhecemos a origem e o modo de criação dos Espíritos; apenas sabemos que
eles são criados simples e ignorantes, isto é, sem ciência e sem conhecimento
do bem e do mal, porém perfectíveis e com igual aptidão para tudo adquirirem e
tudo conhecerem com o tempo. A princípio, eles se encontram numa espécie de
infância, carentes de vontade própria e sem consciência perfeita de sua
existência.
16.
À medida que o Espírito se distancia do ponto de partida, desenvolvem-se-lhe as
ideias, como na criança, e, com as ideias, o livre-arbítrio, isto é, a
liberdade de fazer ou não fazer, de seguir este ou aquele caminho para seu
adiantamento, o que é um dos atributos essenciais do Espírito.
17.
O objetivo final de todos os Espíritos consiste em alcançar a perfeição de que
é suscetível a criatura. O resultado dessa perfeição está no gozo da suprema
felicidade que lhe é consequente e a que chegam mais ou menos rapidamente,
conforme o uso que fazem do livre-arbítrio.
18.
Os Espíritos são os agentes da potência divina; constituem a força inteligente
da Natureza e concorrem para a execução dos desígnios do Criador, tendo em
vista a manutenção da harmonia geral do Universo e das leis imutáveis que regem
a Criação.
19.
Para colaborarem, como agentes da potência divina na obra dos mundos materiais,
os Espíritos revestem transitoriamente um corpo material.
Os
Espíritos encarnados constituem a Humanidade. A alma do homem é um Espírito
encarnado.
20.
A vida espiritual é a vida normal do Espírito: é eterna; a vida corporal é
transitória e passageira: não é mais do que um instante na eternidade.
21.
A encarnação dos Espíritos está nas Leis da Natureza; é necessária ao
adiantamento deles e à execução das obras de Deus. Pelo trabalho, que a
existência corpórea lhes impõe, eles aperfeiçoam a inteligência e adquirem,
cumprindo a Lei de Deus, os méritos que os conduzirão à felicidade eterna.
Daí
resulta que, concorrendo para a obra geral da Criação, os Espíritos trabalham
pelo seu próprio progresso.
22.
O aperfeiçoamento do Espírito é fruto do seu próprio labor; ele avança na razão
da sua maior ou menor atividade ou da sua boa vontade em adquirir as qualidades
que lhe falecem.
23.
Não podendo o Espírito, numa só existência, adquirir todas as qualidades morais
e intelectuais que hão de conduzi-lo à meta, ele chega a essa aquisição por
meio de uma série de existências, em cada uma das quais dá alguns passos para a
frente na senda do progresso e se escoima de algumas imperfeições.
24.
Para cada nova existência, o Espírito traz o que ganhou em inteligência e em
moralidade nas suas existências pretéritas, assim como os germens das
imperfeições de que ainda se não expungiu.
25.
Quando um Espírito empregou mal uma existência, isto é, quando nenhum progresso
realizou na senda do bem, essa existência lhe resulta sem proveito, ele tem que
a recomeçar em condições mais ou menos penosas, por efeito da sua negligência
ou má vontade.
26.
Devendo o Espírito, em cada existência corpórea, adquirir alguma coisa no
sentido do bem e despojar-se de alguma coisa no sentido do mal, segue-se que,
após certo número de encarnações, ele se acha depurado e alcança o estado de
puro Espírito.
27.
É indeterminado o número das existências corpóreas; depende da vontade do
Espírito reduzir esse número, trabalhando ativamente pelo seu progresso moral.
28.
No intervalo das existências corpóreas, o Espírito é errante e vive a vida
espiritual. A erraticidade carece de duração determinada.
29.
Quando, num mundo, os Espíritos têm realizado a soma de progresso que o estado
desse mundo lhe faculta efetuar, deixam-no e passam a encarnar noutro mais
adiantado, onde entesouram novos conhecimentos e assim por diante, até que, de
nenhuma utilidade mais lhe sendo a encarnação em corpos materiais, entram a
viver exclusivamente a vida espiritual, em que também progridem noutro sentido
e por outros meios. Galgando o ponto culminante do progresso, gozam da
felicidade suprema. Admitidos nos Conselhos do Onipotente, identificam-se com o
pensamento deste e se tornam seus mensageiros, seus ministros diretos para o
governo dos mundos, tendo sob suas ordens os outros Espíritos ainda em
diferentes
graus
de adiantamento.
MANIFESTAÇÕES DOS
ESPÍRITOS
CARÁTER E
CONSEQUÊNCIAS RELIGIOSAS DAS MANIFESTAÇÕES DOS ESPÍRITOS
1.
As almas ou Espíritos dos que aqui viveram constituem o Mundo Invisível que
povoa o espaço e no meio do qual vivemos. Daí resulta que, desde que há homens,
há Espíritos e que, se estes últimos têm o poder de manifestar-se, devem tê-lo
tido em todas as épocas. É o que comprovam a História e as religiões de todos
os povos. Entretanto, nestes últimos tempos, as manifestações dos Espíritos
assumiram grande desenvolvimento e tomaram um caráter mais acentuado de
autenticidade, porque estava nos desígnios da Providência pôr termo à praga da
incredulidade e do materialismo, por meio de provas evidentes, permitindo que
os que deixaram a Terra viessem atestar sua existência e revelar-nos a situação
ditosa ou infeliz em que se encontravam.
2.
Vivendo o mundo visível em meio do Mundo Invisível, com o qual se acha em
contato perpétuo, segue-se que eles reagem incessantemente um sobre o outro,
reação que constitui a origem de uma imensidade de fenômenos, que foram
considerados sobrenaturais, por se não lhes conhecer a causa.
A
ação do Mundo Invisível sobre o mundo visível e reciprocamente é uma das leis,
uma das forças da Natureza, tão necessária à harmonia universal, quanto a lei
de atração. Se ela cessasse, a harmonia estaria perturbada, conforme sucede num
maquinismo, donde se suprima uma peça. Derivando de uma Lei da Natureza
semelhante ação, nada têm, evidentemente, de sobrenaturais os fenômenos que ela
opera. Pareciam tais, porque desconhecida era a causa que os produzia. O mesmo
se deu com alguns efeitos da eletricidade, da luz etc.
3.
Todas as religiões têm por base a existência de Deus e por fim o futuro do
homem depois da morte. Esse futuro, que é de capital interesse para a criatura,
se acha necessariamente ligado à existência do Mundo Invisível, pelo que o
conhecimento desse mundo há constituído, desde todos os tempos, objeto de suas
pesquisas e preocupações. A atenção do homem foi naturalmente atraída pelos
fenômenos que tendem a provar a existência daquele mundo e nenhuns houve jamais
tão concludentes, como os das manifestações dos Espíritos por meio das quais os
próprios habitantes de tal mundo revelaram suas existências. Por isso foi que
esses fenômenos se tornaram básicos para a maior parte dos dogmas de todas as
religiões.
4.
Tendo instintivamente a intuição de uma potência superior, o homem foi sempre
levado, em todos os tempos, a atribuir à ação direta dessa potência os
fenômenos cuja causa lhe era desconhecida e que passavam, a seus olhos, por
prodígios e efeitos sobrenaturais. Os incrédulos consideram essa tendência uma
consequência da predileção que tem o homem pelo maravilhoso; não procuram,
porém, a origem desse amor do maravilhoso. Ela, no entanto, reside muito
simplesmente na intuição mal definida de uma ordem de coisas extracorpóreas.
Com o progresso da Ciência e o conhecimento das Leis da Natureza, esses
fenômenos passaram pouco a pouco do domínio do maravilhoso para o dos efeitos
naturais, de sorte que o que outrora parecia sobrenatural já não o é hoje e o
que ainda o é hoje não mais o será amanhã.
Os
fenômenos decorrentes da manifestação dos Espíritos forneceram, pela sua
natureza mesma, larga contribuição aos fatos reputados maravilhosos. Tempo,
contudo, viria em que, conhecida a lei que os rege, eles entrariam, como os
outros, na ordem dos fatos naturais. Esse tempo chegou e o Espiritismo, dando a
conhecer essa Lei, apresentou a chave para a interpretação da maior parte das
passagens incompreendidas das escrituras sagradas que a isso aludem e dos fatos
tidos por miraculosos.
5. O
caráter do fato miraculoso é ser insólito e excepcional; é uma derrogação das
Leis da Natureza. Desde, pois, que um fenômeno se reproduz em condições
idênticas, segue-se que está submetido a uma lei e, então, já não é miraculoso.
Pode essa lei ser desconhecida, mas, por isso, não é menos real a sua existência.
O tempo se encarregará de revelá-la. O movimento do sol, ou, melhor, da Terra,
sustado por Josué, seria um verdadeiro milagre, porquanto implicaria a
derrogação manifesta da lei que rege o movimento dos astros. Mas se o fato
pudesse reproduzir-se em dadas condições, é que estaria sujeito a uma lei e
deixaria, conseguintemente, de ser milagre.
6. É
errôneo assustar-se a Igreja com o fato de restringir-se o círculo dos fatos
miraculosos, porquanto Deus prova melhor o seu poder e a sua grandeza por meio
do admirável conjunto de suas leis do que por algumas infrações dessas mesmas
leis. E tanto mais errôneo é o seu temor, quanto ela atribui ao demônio o poder
de operar prodígios, donde resultaria que, podendo interromper o curso das Leis
Divinas, o demônio seria tão poderoso quanto Deus. Ousar dizer que o Espírito
do mal pode suspender o curso das Leis de Deus é blasfêmia e sacrilégio.
Longe
de perder qualquer coisa de sua autoridade por passarem os fatos qualificados
de milagrosos à ordem dos fatos naturais, a Religião somente pode ganhar com
isso; primeiramente, porque, se um fato é tido falsamente por miraculoso, há aí
um erro e a Religião somente pode perder, se se apoiar num erro, sobretudo se
se obstinasse em considerar milagre o que não o seja; em segundo lugar, porque,
não admitindo a possibilidade dos milagres, muitas pessoas negam os fatos
qualificados de milagrosos, negando, conseguintemente, a Religião que em tais
fatos se estriba. Se, ao contrário, a possibilidade dos mesmos fatos for demonstrada
como efeitos das Leis Naturais, já não haverá cabimento para que alguém os
repila, nem repila a Religião que os proclame.
7.
Nenhuma crença religiosa, por lhes ser contrária, pode infirmar os fatos que a
Ciência comprova de modo peremptório. Não pode a Religião deixar de ganhar em
autoridade acompanhando o progresso dos conhecimentos científicos, como não
pode deixar de perder, se se conservar retardatária, ou a protestar contra
esses mesmos conhecimentos em nome dos seus dogmas, visto que nenhum dogma
poderá prevalecer contra as Leis da Natureza, ou anulá-las. Um dogma que se
funde na negação de uma Lei da Natureza não pode exprimir a verdade.
O
Espiritismo, que se funda no conhecimento de leis até agora incompreendidas,
não vem destruir os fatos religiosos, porém sancioná-los, dando-lhes uma
explicação racional. Vem destruir apenas as falsas consequências que deles
foram deduzidas, em virtude da ignorância daquelas leis, ou de as terem
interpretado erradamente.
8. A
ignorância das Leis da Natureza, com o levar o homem a procurar causas
fantásticas para fenômenos que ele não compreende, é a origem das ideias
supersticiosas, algumas das quais são devidas aos fenômenos espíritas mal
compreendidos. O conhecimento das leis que regem os fenômenos destrói essas
ideias supersticiosas, encaminhando as coisas para a realidade e demonstrando,
com relação a elas, o limite do possível
e do
impossível.
I – O perispírito
como princípio das manifestações
9.
Os Espíritos, como já foi dito, têm um corpo fluídico, a que se dá o nome de
perispírito. Sua substância é haurida do fluido universal ou cósmico, que o
forma e alimenta, como o ar forma e alimenta o corpo material do homem. O
perispírito é mais ou menos etéreo, conforme os mundos e o grau de depuração do
Espírito. Nos mundos e nos Espíritos inferiores, ele é de natureza mais
grosseira e se aproxima muito da matéria bruta.
10.
Durante a encarnação, o Espírito conserva o seu perispírito, sendo-lhe o corpo
apenas um segundo envoltório mais grosseiro, mais resistente, apropriado aos
fenômenos a que tem de prestar-se e do qual o Espírito se despoja por ocasião
da morte.
O
perispírito serve de intermediário ao Espírito e ao corpo. É o órgão de
transmissão de todas as sensações. Relativamente às que vêm do exterior,
pode-se dizer que o corpo recebe a impressão; o perispírito a transmite e o
Espírito, que é o ser sensível e inteligente, a recebe. Quando o ato é de
iniciativa do Espírito, pode dizer-se que o Espírito quer, o perispírito transmite
e o corpo executa.
11.
O perispírito não se acha encerrado nos limites do corpo, como numa caixa. Pela
sua natureza fluídica, ele é expansível, irradia para o exterior e forma, em
torno do corpo, uma espécie de atmosfera que o pensamento e a força da vontade
podem dilatar mais ou menos. Daí se segue que pessoas há que, sem estarem em
contato corporal, podem achar-se em contato pelos seus perispíritos e permutar
a seu mau grado impressões e, algumas vezes, pensamentos, por meio da intuição.
12.
Sendo um dos elementos constitutivos do homem, o perispírito desempenha
importante papel em todos os fenômenos psicológicos e, até certo ponto, nos
fenômenos fisiológicos e patológicos. Quando as ciências médicas tiverem na
devida conta o elemento espiritual na economia do ser, terão dado grande passo
e horizontes inteiramente novos se lhes patentearão. As causas de muitas
moléstias serão a esse tempo descobertas e encontrados poderosos meios de
combatê-las.
13.
Por meio do perispírito é que os Espíritos atuam sobre a matéria inerte e
produzem os diversos fenômenos mediúnicos. Sua natureza etérea não é que a isso
obstaria, pois se sabe que os mais poderosos motores se nos deparam nos fluidos
mais rarefeitos e nos mais imponderáveis. Não há, pois, motivo de espanto
quando, com essa alavanca, os Espíritos produzem certos efeitos físicos, tais
como pancadas e ruídos de toda espécie, levantamento, transporte ou lançamento
de objetos. Para explicarem-se esses fatos, não há porque recorrer ao
maravilhoso, nem ao sobrenatural.
14.
Atuando sobre a matéria, podem os Espíritos manifestar-se de muitas maneiras
diferentes: por efeitos físicos, quais os ruídos e a movimentação de objetos;
pela transmissão do pensamento, pela visão, pela audição, pela palavra, pelo
tato, pela escrita, pelo desenho, pela música etc. Numa palavra, por todos os
meios que sirvam a pô-los em comunicação com os homens.
15.
Podem ser espontâneas ou provocadas as manifestações dos Espíritos. As
primeiras dão-se inopinadamente e de improviso. Produzem-se, muitas vezes,
entre pessoas de todo estranhas às ideias espíritas. Nalguns casos e sob o
império de certas circunstâncias, pode a vontade provocar as manifestações, sob
a influência de pessoas dotadas, para tal efeito, de faculdades especiais.
As
manifestações espontâneas sempre se produziram, em todas as épocas e em todos
os países. Sem dúvida, já na Antiguidade se conhecia o meio de as provocar, mas
esse meio constituía privilégio de certas castas que somente a raros iniciados
o revelavam, sob condições rigorosas, escondendo-o ao vulgo, a fim de o dominar
pelo prestígio de um poder oculto. Ele, contudo, se perpetuou, através das
idades até os nossos dias, entre alguns indivíduos, mas quase sempre
desfigurado pela superstição, ou de mistura com as práticas ridículas da magia,
o que contribuiu para o desacreditar. Nada mais fora até então senão germens
lançados aqui e ali. A Providência reservara para a nossa época o conhecimento
completo e a vulgarização desses fenômenos, para os expurgar das ligas impuras
e torná-los úteis ao melhoramento da Humanidade, madura agora para os compreender
e lhes tirar as consequências.
II – Manifestações
visuais
16.
Por sua natureza e em seu estado normal, o perispírito é invisível, tendo isso
de comum com uma imensidade de fluidos que sabemos existir, mas que nunca
vimos. Pode também, como alguns fluidos, sofrer modificações que o tornam
perceptível à vista, quer por uma espécie de condensação, quer por uma mudança
na disposição molecular. Pode mesmo adquirir as propriedades de um corpo sólido
e tangível e retomar instantaneamente seu estado etéreo e invisível. É possível
fazer-se ideia desse efeito pelo que acontece com o vapor, que passa do estado
de invisibilidade ao estado brumoso, depois ao líquido, em seguida ao sólido e
vice-versa.
Esses
diferentes estados do perispírito resultam da vontade do Espírito, e não de uma
causa física exterior, como se dá com os gases. Quando um Espírito aparece, é
que ele põe seu perispírito no estado próprio a torná-lo visível. Entretanto,
nem sempre basta a vontade para fazê-lo visível: é preciso, para que se opere a
modificação do perispírito, o concurso de umas tantas circunstâncias que dele
independem. É preciso, ademais, que ao Espírito seja permitido fazer-se visível
a tal pessoa, permissão que nem sempre lhe é concedida, ou somente o é em
determinadas circunstâncias, por motivos que nos escapam (Veja-se: O livro dos
médiuns, Segunda Parte, cap. VI).
Outra
propriedade do perispírito, peculiar essa à sua natureza etérea, é a
penetrabilidade. Matéria nenhuma lhe opõe obstáculo; ele as atravessa todas,
como a luz atravessa os corpos transparentes. Daí vem que não há como impedir
que os Espíritos entrem num recinto inteiramente fechado. Eles visitam o preso
no seu cárcere tão facilmente como visitam a um que está no campo a trabalhar.
17.
As manifestações visuais ocorrem ordinariamente durante o sono, por meio dos
sonhos: são as visões. As aparições propriamente ditas dão-se no estado de
vigília, estando aqueles que as percebem no gozo pleno de suas faculdades e da
liberdade de usar delas. Apresentam-se, em geral, sob forma vaporosa e diáfana,
algumas vezes vaga e imprecisa. Frequentemente, não passam, à primeira vista,
de um clarão esbranquiçado, cujos contornos pouco a pouco se acentuam. Doutras
vezes, as formas se apresentam nitidamente desenhadas, distinguindo-se os
menores traços do rosto, ao ponto de poder-se descrevê-lo com precisão. Os
ademanes e o aspecto assemelham-se aos que o Espírito tinha quando vivo.
18.
Podendo assumir todas as aparências, o Espírito se apresenta debaixo daquela
que mais reconhecível o possa tornar, se o quiser. É assim que, embora como
Espírito nenhuma enfermidade corpórea lhe reste, ele se mostrará estropiado,
coxo, ferido com cicatrizes, se isso for necessário a lhe comprovar a
identidade. O mesmo se observa com relação ao traje. O dos Espíritos que nada
conservam das fraquezas terrenas, aquele de ordinário consta de amplos panos
flutuantes e de uma cabeleira ondulante e graciosa. Amiúde os Espíritos se
apresentam com os atributos característicos de sua elevação, como: uma auréola,
asas os que podem ser considerados anjos, resplandecente aspecto luminoso,
enquanto outros trajam as que recordam suas ocupações terrestres. Assim, um
guerreiro aparecerá com a sua armadura, um sábio com livros, um assassino com
um punhal etc.
A
figura dos Espíritos Superiores é bela, nobre e serena; os mais inferiores têm
qualquer coisa de feroz e bestial e, por vezes, ainda mostram vestígios dos
crimes que cometeram ou dos suplícios por que passaram, sendo-lhes essas aparências
uma realidade, isto é, julgam-se quais aparecem, o que é para eles um castigo.
19.
O Espírito que quer ou pode realizar uma aparição toma por vezes uma forma
ainda mais precisa, de semelhança perfeita com um sólido corpo humano, de sorte
a causar ilusão completa e dar a crer que está ali um ser corpóreo.
Nalguns
casos e dadas certas circunstâncias, a tangibilidade pode tornar-se real, isto
é, pode-se tocar, apalpar a aparição, senti-la resistente como um corpo vivo e
com o calor que se observa neste, o que não impede que ela se desvaneça com a
rapidez do relâmpago. Pode, pois, uma pessoa estar em presença de um Espírito,
trocar com ele palavras e gestos ordinários e supor que se trata de um simples
mortal, sem suspeitar sequer que tem diante de si um Espírito.
20.
Qualquer que seja o aspecto sob que se apresente um Espírito, ainda que sob
forma tangível, pode ele, no instante em que isso se dê, somente ser visível
para algumas pessoas. Pode, pois, numa reunião, mostrar-se apenas a um ou a
diversos dos que nela estejam. De dois indivíduos que se achem lado a lado,
pode acontecer que um o veja e toque e o outro nem o veja, nem o sinta.
O
fenômeno da aparição a uma só pessoa, entre muitas que se encontrem reunidas,
explica-se por ser necessária, para que ele se produza, uma combinação do
fluido perispiritual do Espírito com o da pessoa. E, para que isso se dê, é
preciso que haja entre esses fluidos uma espécie de afinidade que permita a
combinação. Se o Espírito não encontra a necessária aptidão orgânica, o fenômeno
da aparição não pode reproduzir-se; se existe a aptidão, o Espírito tem a
liberdade de aproveitá-la ou não. Daí resulta que, se duas pessoas igualmente
dotadas quanto a essa aptidão se encontram juntas, pode o Espírito operar a
combinação fluídica apenas com aquela das duas a quem ele queira mostrar-se. Se
não a operar com a outra, esta não o verá. É como se se tratasse de dois
indivíduos cujos olhos estivessem vendados: se um terceiro quiser mostrar-se a
um dos dois apenas, somente dos olhos desse retirará a venda. A um, porém, que
fosse cego, nada adiantaria a retirada da venda: ele, por isso, não adquiriria
a faculdade de ver.
21.
São muito raras as aparições tangíveis, sendo, no entanto, frequentes as
vaporosas. São-no, sobretudo, no momento da morte. O Espírito que se libertou
como que tem pressa de ir rever seus parentes e amigos, quiçá para avisá-los de
que acaba de deixar a Terra e dizer-lhes que continua a viver. Recorra cada um
às suas lembranças e verificará que muitos fatos autênticos desse gênero, aos
quais não foi dada a devida atenção, ocorreram, não somente à noite, mas em
pleno dia e em completo estado de vigília.
III – Transfiguração.
Invisibilidade
22.
O perispírito das pessoas vivas goza das mesmas propriedades que o dos
Espíritos. Como já foi dito, o daquelas não se acha confinado no corpo: irradia
e forma em torno deste uma espécie de atmosfera fluídica. Ora, pode suceder
que, em certos casos e dadas as mesmas circunstâncias, ele sofra uma
transformação análoga à já descrita: a forma real e material do corpo se
desvanece sob aquela camada fluídica, se assim nos podemos exprimir, e toma por
momentos uma aparência inteiramente diversa, mesmo a de outra pessoa ou a do
Espírito que combina seus fluidos com os do indivíduo, podendo também dar a um
semblante feio um aspecto bonito e radioso. Tal o fenômeno que se designa pelo
nome de “transfiguração”, bastante frequente e que se produz, principalmente,
quando as circunstâncias ocorrentes provocam mais abundante expansão de fluido.
O
fenômeno da transfiguração pode operar-se com intensidades muito diferentes,
conforme o grau de depuração do perispírito, grau que sempre corresponde ao da
elevação moral do Espírito. Cinge-se às vezes a uma simples mudança no aspecto
geral da fisionomia, enquanto doutras vezes dá ao perispírito uma aparência
luminosa e esplêndida.
A
forma material pode conseguintemente desaparecer sob o fluido perispirítico,
sem que se faça para isso necessário que o fluido assuma outro aspecto. Por
vezes, apenas oculta um corpo inerte ou vivo, tornando-o invisível para uma ou
para muitas pessoas, como o faria uma camada de vapor.
Tomamos
as coisas atuais unicamente como termos de comparação, sem pretendermos uma
analogia absoluta, que não existe.
23.
Estes fenômenos talvez pareçam singulares, mas somente por não se conhecerem
ainda as propriedades do fluido perispirítico. Este é, para nós, um novo corpo,
que há de possuir propriedades novas e que não se podem estudar senão pelos
processos ordinários da Ciência, mas que não deixam, por isso, de ser
propriedades naturais, só tendo de maravilhosa a novidade.
IV – Emancipação da
alma
24.
Durante o sono, apenas o corpo repousa; o Espírito, esse não dorme;
aproveita-se do repouso do primeiro e dos momentos em que a sua presença não é
necessária para atuar isoladamente e ir aonde quiser, no gozo então da sua
liberdade e da plenitude das suas faculdades. Durante a encarnação, o Espírito
jamais se acha completamente separado do corpo; qualquer que seja a distância a
que se transporte, conserva-se preso sempre àquele por um laço fluídico que
serve para fazê-lo voltar à prisão corpórea, desde que a sua presença ali se
torne necessária. Esse laço só a morte o rompe.
O
sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando dorme, o homem se acha por
algum tempo no estado em que fica permanentemente depois que morre. Tiveram
sonos inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se desligam da matéria.
Esses Espíritos, quando dormem, vão para junto dos seres que lhes são
superiores. Com estes viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em obras
que se lhes deparam concluídas, quando volvem, morrendo na Terra, ao Mundo Espiritual.
Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não deveis temer a morte,
pois que todos os dias morreis, como disse um santo.
Isto,
pelo que concerne aos Espíritos elevados. Pelo que respeita ao grande número de
homens que, morrendo, têm que passar longas horas na perturbação, na incerteza
de que tantos já vos falaram, esses vão, enquanto dormem, ou a mundos inferiores
à Terra, aonde os chamam velhas afeições, ou em busca de gozos quiçá mais
baixos do que os em que aqui tanto se deleitam. Vão beber doutrinas ainda mais
vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam entre vós. E o que gera
a simpatia na Terra é o fato de sentir-se o homem, ao despertar, ligado pelo coração
àqueles com quem acaba de passar oito ou nove horas de ventura ou de prazer.
Também as antipatias invencíveis se explicam pelo fato de sentirmos em nosso
íntimo que os entes com quem antipatizamos têm uma consciência diversa da
nossa. Conhecemo-los sem nunca os termos visto com os olhos. É ainda o que explica
a indiferença de muitos homens. Não cuidam de conquistar novos amigos, por
saberem que muitos têm que os amam e lhes querem. Numa palavra: o sono influi
mais do que supondes na vossa vida.
Graças
ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos
Espíritos. Por isso é que os Espíritos Superiores assentem, sem grande
repugnância, em encarnar entre vós. Quis Deus que, tendo de estar em contato
com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na fonte do bem, a fim de
igualmente não falirem, quando se propõem a instruir os outros. O sono é a
porta que Deus lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do Céu; é o
recreio depois do trabalho, enquanto esperam a grande libertação, a libertação
final, que os restituirá ao meio que lhes é próprio.
O
sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o sono. Notai, porém, que nem
sempre sonhais. Que quer isso dizer? Que nem sempre vos lembrais do que vistes,
ou de tudo o que havias visto, enquanto dormíeis. É que não tendes então a alma
no pleno desenvolvimento de suas faculdades. Muitas vezes, apenas vos fica a
lembrança da perturbação que o vosso Espírito experimenta à sua partida ou no
seu regresso, acrescida da que resulta do que fizestes ou do que vos preocupa quando
despertos. A não ser assim, como explicaríeis os sonhos absurdos, que tanto os
sábios, quanto as mais humildes e simples criaturas têm? Acontece também que os
maus Espíritos se aproveitam dos sonhos para atormentar as almas fracas e
pusilânimes.
Em
suma, dentro em pouco vereis vulgarizar-se outra espécie de sonhos. Conquanto
tão antiga como a de que vimos falando, vós a desconheceis. Refiro-me aos
sonhos de Joana, ao de Jacó, aos dos profetas judeus e aos de alguns adivinhos indianos.
São recordações guardadas por almas que se desprendem quase inteiramente do
corpo, recordações dessa segunda vida a que ainda há pouco aludíamos (O livro
dos espíritos, q. 402).
25.
A independência e a emancipação da alma se manifestam, de maneira evidente,
sobretudo no fenômeno do sonambulismo natural e magnético, na catalepsia e na
letargia. A lucidez sonambúlica não é senão a faculdade, que a alma tem, de ver
e sentir sem o concurso dos órgãos materiais. É um de seus atributos essa
faculdade e reside em todo o seu ser, não passando os órgãos do corpo de
estreitos canais por onde lhe chegam certas percepções. A visão a distância,
que alguns sonâmbulos possuem, provém de um deslocamento da alma, que então vê
o que se passa nos lugares a que se transporta. Em suas peregrinações, ela se
acha sempre revestida do seu perispírito, agente de suas sensações, mas que
nunca se desliga completamente do corpo, como já ficou dito. O afastamento da
alma produz a inércia do corpo, que às vezes parece sem vida.
26.
Esse afastamento ou desprendimento pode também operar-se, em graus diversos, no
estado de vigília. Mas, então, jamais o corpo goza inteiramente da sua
atividade normal; há sempre uma certa absorção, um alheamento mais ou menos
completo das coisas terrestres. O corpo não dorme, caminha, age, mas os olhos
olham sem ver, dando a compreender que a alma está algures. Como no
sonambulismo, ela vê as coisas distantes; tem percepções e sensações que
desconhecemos; às vezes, tem a presciência de alguns acontecimentos futuros
pela ligação que percebe existir entre eles e os fatos presentes. Penetrando no
Mundo Invisível, vê os Espíritos com quem lhe é possível entabular conversação
e cujos pensamentos lhe é dado transmitir. À sua volta ao estado normal, de
ordinário sobrevém o esquecimento do que se passou. Algumas vezes, porém, ela
conserva uma lembrança mais ou menos vaga do ocorrido, como se tivesse tido um
sonho.
27.
Não raro, a emancipação da alma amortece tanto as sensações físicas, que chega
a produzir verdadeira insensibilidade que, nos momentos de exaltação, lhe
possibilita suportar com indiferença as mais vivas dores. Provém essa
insensibilidade do desprendimento do perispírito, agente transmissor das
sensações corporais. Ausente, o Espírito não sente as feridas feitas no corpo.
28.
Em sua manifestação mais simples, a faculdade que a alma tem de emancipar-se
produz o que se denomina o devaneio em vigília. A algumas pessoas, essa
emancipação também dá a presciência, que se traduz pelos pressentimentos; em
grau mais avançado de desprendimento, produz o fenômeno conhecido pelo nome de
“segunda vista”, “vista dupla”, ou “sonambulismo vígil”.
29.
O êxtase é a emancipação da alma no grau máximo. No sonho e no sonambulismo, o
Espírito anda em giro pelos mundos terrestres. No êxtase, penetra em um mundo
desconhecido, o dos Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem
que, todavia, lhe seja lícito ultrapassar certos limites, porque, se os transpusesse,
totalmente se partiriam os laços que o prendem ao corpo. Cerca-o então
resplendente e desusado fulgor, inebriam-no harmonias que na Terra se
desconhecem, indefinível bem-estar o invade: goza antecipadamente da beatitude
celeste e bem se pode dizer que pousa um pé no limiar da eternidade. No estado
de êxtase, o aniquilamento do corpo é quase completo. Fica-lhe somente, pode-se
dizer, a vida orgânica. Sente-se que a alma se lhe acha presa unicamente por um
fio, que mais um pequenino esforço quebraria sem remissão (O livro dos espíritos,
q. 455).
30.
Como em nenhum dos outros graus de emancipação da alma, o êxtase não é isento
de erros, pelo que as revelações dos estáticos longe estão de exprimir sempre a
verdade absoluta. A razão disso reside na imperfeição do espírito humano;
somente quando ele há chegado ao cume da escala pode julgar das coisas
lucidamente; antes não lhe é dado ver tudo, nem tudo compreender. Se, após o
fenômeno da morte, quando o desprendimento é completo, ele nem sempre vê com justeza;
se muitos há que se conservam imbuídos dos prejuízos da vida, que não
compreendem as coisas do mundo visível, onde se encontram, com mais forte razão
o mesmo há de suceder com o Espírito ainda retido na carne.
Há
por vezes, nos extáticos, mais exaltação que verdadeira lucidez, ou, melhor, a
exaltação lhes prejudica a lucidez, razão por que suas revelações são com
frequência mistura de verdades e erros, de coisas sublimes e outras ridículas.
Também Espíritos inferiores se aproveitam dessa exaltação, que é sempre uma
causa de fraqueza quando não há quem saiba governá-la, para dominar o extático,
e, para conseguirem seus fins, assumem aos olhos deste aparências que o aferram
às suas ideias e preconceitos, de modo que suas visões e revelações não vêm a ser
mais do que reflexos de suas crenças. É um escolho a que só escapam os
Espíritos de ordem elevada, escolho diante do qual o observador deve manter-se
em guarda.
31.
Pessoas há cujo perispírito se identifica de tal maneira com o corpo, que só
com extrema dificuldade se opera o desprendimento da alma, mesmo por ocasião da
morte; são, em geral, as que viveram mais para a matéria; são também aquelas
para as quais a morte é mais penosa, mais cheia de angústias, mais longa e
dolorosa a agonia. Outras há, porém, cujas almas, ao contrário, se acham presas
ao corpo por liames tão frágeis, que a separação se efetua sem abalos, com a
maior facilidade e frequentemente antes que se dê a morte do corpo. Ao
aproximar-se-lhes o termo da vida, essas almas entreveem o mundo onde vão
penetrar e pelo qual aspiram no momento da libertação completa.
V – Aparição de
pessoas vivas. Bicorporeidade
32.
A faculdade, que a alma possui, de emancipar-se e de desprender-se do corpo
durante a vida p,ode dar lugar a fenômenos análogos aos que os Espíritos
desencarnados produzem. Enquanto o corpo se acha mergulhado em sono, o
Espírito, transportando-se a diversos lugares, pode tornar-se visível e
aparecer sob forma vaporosa, quer em sonho, quer em estado de vigília. Pode
igualmente apresentar-se sob forma tangível, ou, pelo menos, com uma aparência
tão idêntica à realidade, que possível se torna a muitas pessoas estar com a
verdade, ao afirmarem tê-lo visto ao mesmo tempo em dois pontos diversos. Ele,
com efeito, estava em ambos, mas apenas num se achava o corpo verdadeiro,
achando-se no outro o Espírito. Foi este fenômeno, aliás muito raro, que deu
origem à crença nos homens duplos e que se denomina de bicorporeidade.
Por
muito extraordinário que seja, tal fenômeno, como todos os outros, se compreende
na ordem dos fenômenos naturais, pois que decorre das propriedades de
perispírito e de uma Lei Natural.
VI – Dos médiuns
33.
Médiuns são pessoas aptas a sentir a influência dos Espíritos e a transmitir os
pensamentos destes.
Toda
pessoa que, num grau qualquer, experimente a influência dos Espíritos é, por
esse simples fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem e, por
conseguinte, não constitui privilégio exclusivo, donde se segue que poucos são
os que não possuam um rudimento de tal faculdade. Pode-se, pois, dizer que toda
gente, mais ou menos, é médium. Contudo, segundo o uso, esse qualificativo só
se aplica àqueles em quem a faculdade mediúnica se manifesta por efeitos
ostensivos, de certa intensidade.
34.
O fluido perispirítico é o agente de todos os fenômenos espíritas, que só se
podem produzir pela ação recíproca dos fluidos que emitem o médium e o
Espírito. O desenvolvimento da faculdade mediúnica depende da natureza mais ou
menos expansiva do perispírito do médium e da maior ou menor facilidade da sua
assimilação pelo dos Espíritos; depende, portanto, do organismo e pode ser
desenvolvida quando exista o princípio; não pode, porém, ser adquirida quando o
princípio não exista. A predisposição mediúnica independe do sexo, da idade e
do temperamento. Há médiuns em todas as categorias de indivíduos, desde a mais
tenra idade, até a mais avançada.
35.
As relações entre os Espíritos e os médiuns se estabelecem por meio dos
respectivos perispíritos, dependendo a facilidade dessas relações do grau de
afinidade existente entre os dois fluidos. Alguns há que se combinam
facilmente, enquanto outros se repelem, donde se segue que não basta ser médium
para que uma pessoa se comunique indistintamente com todos os Espíritos. Há
médiuns que só com certos Espíritos podem comunicar-se ou com Espíritos de
certas categorias, e outros que não o podem a não ser pela transmissão do
pensamento, sem qualquer manifestação exterior.
36.
Por meio da combinação dos fluidos perispiríticos o Espírito, por assim dizer,
se identifica com a pessoa que ele deseja influenciar; não só lhe transmite o
seu pensamento, como também chega a exercer sobre ela uma influência física,
fazê-la agir ou falar à sua vontade, obrigá-la a dizer o que ele queira,
servir-se, numa palavra, dos órgãos do médium, como se seus próprios fossem.
Pode, enfim, neutralizar a ação do próprio Espírito da pessoa influenciada e
paralisar-lhe o livre-arbítrio. Os bons Espíritos se servem dessa influência
para o bem, e os maus para o mal.
37.
Podem os Espíritos manifestar-se de uma infinidade de maneiras, mas não o podem
senão com a condição de acharem uma pessoa apta a receber e transmitir
impressões deste ou daquele gênero, segundo as aptidões que possua. Ora, como
não há nenhuma que possua no mesmo grau todas as aptidões, resulta que umas
obtêm efeitos que a outras são impossíveis. Dessa diversidade de aptidões
decorre que há diferentes espécies de médiuns.
38.
Nem sempre é necessária a intervenção da vontade do médium. O Espírito que quer
manifestar-se procura o indivíduo apto a receber-lhe a impressão e dele se
serve, muitas vezes a seu mau grado. Outras pessoas, ao contrário, conscientes
de suas faculdades, podem provocar certas manifestações. Daí duas categorias de
médiuns: médiuns inconscientes e médiuns facultativos.
No
caso dos primeiros, a iniciativa é dos Espíritos; no segundo, é dos médiuns.
39. Os médiuns facultativos só se encontram
entre pessoas que têm conhecimento mais ou menos completo dos meios de
comunicação com os Espíritos, o que lhes possibilita servir-se, por vontade
própria, de suas faculdades; os médiuns inconscientes, ao contrário, existem
entre as que nenhuma ideia fazem do Espiritismo, nem dos Espíritos, até mesmo
entre as mais incrédulas e que servem de instrumento, sem o saberem e sem o quererem.
Os fenômenos espíritas de todos os gêneros podem operar-se por influência
destes últimos, que sempre existiram, em todas as épocas e no seio de todos os
povos. A ignorância e a credulidade lhes atribuíram um poder sobrenatural e,
conforme os tempos e os lugares, fizeram deles santos, feiticeiros, loucos ou
visionários. O Espiritismo mostra que com eles apenas se dá a manifestação
espontânea de uma faculdade natural.
40.
Entre as diferentes espécies de médiuns, distinguem-se principalmente: os de
efeitos físicos; os sensitivos ou impressivos; os audientes, falantes,
videntes, inspirados, sonambúlicos, curadores, escreventes ou psicógrafos. Aqui
unicamente trataremos das espécies essenciais.
41. Médiuns de efeitos físicos – São os
mais aptos, especialmente, à produção de fenômenos materiais, como o movimento
de corpos inertes, os ruídos, a deslocação, o levantamento e a translação de
objetos etc. Estes fenômenos podem ser espontâneos ou provocados. Em todos os
casos, exigem o concurso voluntário ou involuntário de médiuns dotados de
faculdades especiais. Em geral, têm por agentes Espíritos de ordem inferior, uma
vez que os Espíritos elevados só se preocupam com comunicações inteligentes e
instrutivas.
42. Médiuns sensitivos ou impressivos –
Dá-se esta denominação às pessoas suscetíveis de pressentir a presença dos
Espíritos, por impressão vaga, um como ligeiro atrito em todos os membros, fato
que não logram explicar. Tal sutileza pode essa faculdade adquirir, que aquele
que a possui reconhece, pela impressão que experimenta, não só a natureza, boa
ou má, do Espírito que lhe está ao lado, mas também a sua individualidade, como
o cego reconhece instintivamente a aproximação de tal ou tal pessoa. Um
Espírito bom causa sempre uma impressão branda e agradável; a de um Espírito
mau, ao contrário, é penosa, aflitiva e desagradável: há um como cheiro de
impureza.
43. Médiuns audientes – Esses ouvem os
Espíritos; é, algumas vezes, como se escutassem uma voz interna que lhes
ressoasse no foro íntimo; doutras vezes, é uma voz exterior, clara e distinta,
qual a de uma pessoa viva. Os médiuns audientes também podem conversar com os
Espíritos. Quando se habituam a comunicar-se com certos Espíritos, eles os
reconhecem imediatamente pelo som da voz. Aquele que não é médium audiente pode
comunicar-se com um Espírito por via de um médium audiente que lhe transmite as
palavras.
44. Médiuns falantes – Os médiuns
audientes, que nada mais fazem do que transmitir o que ouvem, não são
propriamente médiuns falantes, os quais, as mais das vezes, nada ouvem. Com
eles, o Espírito atua sobre os órgãos da palavra, como atuam sobre a mão dos
médiuns escreventes. Querendo comunicar-se, o Espírito se serve do órgão que
acha mais maleável: de um, utiliza-se da mão; de outro, da palavra; de um
terceiro, da audição. Em geral, o médium falante se exprime sem ter consciência
do que diz e diz amiúde coisas inteiramente fora do âmbito de suas ideias
habituais, de seus conhecimentos e, até, fora do alcance da sua inteligência. Não
é raro verem-se pessoas iletradas e de inteligência vulgar expressar-se, em
tais momentos, com verdadeira eloquência e tratar, com incontestável superioridade,
de questões sobre as quais seriam incapazes de emitir, no estado ordinário, uma
opinião.
Se
bem esteja perfeitamente acordado quando exerce a sua faculdade, raro é que o
médium falante guarde lembrança do que disse. Nem sempre, porém, é integral a
sua passividade. Alguns há que têm intuição do que dizem, no próprio instante
em que proferem as palavras.
Estas,
no médium falante, são o instrumento de que se serve o Espírito com quem uma
pessoa estranha pode entrar em comunicação, do mesmo modo que o pode fazer com
o concurso de um médium audiente. Entre o médium falante e o médium audiente,
há a diferença de que este fala voluntariamente para repetir o que ouve, ao
passo que o outro fala involuntariamente.
45. Médiuns videntes – Dá-se esta
qualificação às pessoas que, em estado normal e perfeitamente despertas, gozam
da faculdade de ver os Espíritos. A possibilidade de vê-los em sonho resulta,
sem contestação, de uma espécie de mediunidade, mas não são médiuns videntes
propriamente ditos. Expusemos a teoria deste fenômeno no capítulo: Visões e
aparições de O livro dos médiuns.
São
muito frequentes as aparições dos Espíritos às pessoas que os amaram, ou os
conheceram na Terra. Conquanto os que costumam tê-las possam ser considerados
médiuns videntes, esta denominação, em regra, só é dada aos que gozam, de modo
mais ou menos permanente, da faculdade de ver quase que todos os Espíritos.
Nesse número, há os que apenas veem os Espíritos que são evocados e que eles
conseguem descrever com minuciosa exatidão. Descrevem-lhes os gestos com todos
os pormenores, os traços fisionômicos, o vestuário e até os sentimentos de que
parecem animados. Há outros em quem essa faculdade revela caráter ainda mais geral:
são os que veem toda a população espírita ambiente a movimentar-se, como se
tratasse, poder-se-ia dizer, de seus negócios. Esses médiuns nunca estão sós;
cerca-os sempre uma sociedade a cuja escolha podem proceder, livremente,
porquanto podem, pela ação da vontade própria, afastar os Espíritos que lhes
não convenha ter próximos de si, ou atrair os que lhes são simpáticos.
46. Médiuns sonambúlicos – Pode-se
considerar o sonambulismo como uma variedade da faculdade mediúnica ou, antes,
são duas ordens de fenômenos que frequentemente se encontram ligados. O
sonâmbulo age sob a influência do seu próprio Espírito; sua própria alma é que,
em momentos de emancipação, vê, ouve e percebe além dos limites dos sentidos. O
que ele exprime haure-o de si mesmo; suas ideias são, em geral, mais justas do
que no estado normal, mais extensos os seus conhecimentos, porque livre se lhe
acha a alma. Em suma, ele vive antecipadamente a vida dos Espíritos. O médium,
ao contrário, é instrumento de uma inteligência estranha; é passivo e o que diz
não vem do seu próprio eu. Em resumo: o sonâmbulo externa seus próprios
pensamentos e o médium exprime os de outrem. Mas o Espírito que se comunica com
um médium qualquer também pode comunicar-se com um sonambúlico. É até frequente
o estado de emancipação da alma, durante o sonambulismo, tornar mais fácil essa
comunicação. Muitos sonâmbulos veem perfeitamente os Espíritos e os descrevem
com tanta precisão, como os médiuns videntes; podem conversar com eles e
transmitir-nos seus pensamentos; se o que dizem está fora do âmbito de seus
conhecimentos pessoais, é que outros Espíritos lho sugerem.
47. Médiuns inspirados – Nestes médiuns,
muito menos aparentes são do que nos outros os sinais exteriores da
mediunidade; é toda intelectual e moral a ação que os Espíritos exercem sobre
eles e se revela nas menores circunstâncias da vida, como nas maiores
concepções. Sobretudo debaixo desse aspecto é que se pode dizer que todos são
médiuns, porquanto ninguém há que não tenha Espíritos protetores e familiares a
empregar todos os esforços por lhe sugerir salutares ideias. No inspirado,
difícil muitas vezes se torna distinguir as ideias que lhe são próprias do que
lhe é sugerido. A espontaneidade é principalmente o que caracteriza esta
última. Nos grandes trabalhos da inteligência é onde mais se evidencia a inspiração.
Os homens de gênio, de todas as categorias, artistas, sábios, literatos,
oradores, são sem dúvida Espíritos adiantados, capazes, por si mesmos, de
compreender e conhecer grandes coisas; ora, precisamente porque são
considerados capazes, é que os Espíritos que visam à execução de certos
trabalhos lhes sugerem as ideias necessárias, de sorte que na maioria dos casos
eles são médiuns sem o saberem. Têm, contudo, vaga intuição de uma assistência
estranha, porquanto aquele que apela para a inspiração nada mais faz do que uma
evocação. Se não esperasse ser atendido, por que exclamaria, como tão amiúde
sucede: ‘Meu bom gênio, vem em meu auxílio!’
48. Médiuns de pressentimentos – Pessoas há
que, em dadas circunstâncias, têm uma imprecisa intuição das coisas futuras.
Essa intuição pode provir de uma espécie de dupla vista, que faculta se
entrevejam as consequências das coisas presentes, mas, doutras vezes, resulta
de comunicações ocultas, que fazem de tais pessoas uma variedade dos médiuns
inspirados.
49. Médiuns proféticos – É igualmente uma
variedade dos médiuns inspirados. Recebem, com a permissão de Deus e com mais
precisão do que os médiuns de pressentimentos, a revelação das coisas futuras,
de interesse geral, que eles recebem o encargo de tornar conhecidas aos homens,
para lhes servir de ensinamento. De certo modo, o pressentimento é dado à
maioria dos homens, para uso pessoal deles; o dom de profecia, ao contrário, é
excepcional e implica a ideia de uma missão na Terra.
Todavia,
se há verdadeiros profetas, maior é o número dos falsos, que tomam os devaneios
da sua imaginação como revelações, quando não são velhacos que por ambição se
fazem passar como profetas.
“O
verdadeiro profeta é um homem de bem, inspirado por Deus. Podeis reconhecê-lo
pelas suas palavras e pelos seus atos. Impossível é que Deus se sirva da boca
do mentiroso para ensinar a verdade” (O livro dos espíritos, q. 624).
50. Médiuns escreventes ou psicógrafos –
Essa denominação é dada às pessoas que escrevem sob a influência dos Espíritos.
Assim como um Espírito pode atuar sobre os órgãos vocais de um médium falante e
fazê-lo pronunciar palavras, também pode servir-se da sua mão para fazê-lo
escrever. A mediunidade psicográfica apresenta três variedades bem distintas:
os médiuns mecânicos, os intuitivos e os semimecânicos.
Com
o médium mecânico, o Espírito lhe
atua diretamente sobre a mão, impulsionando-a. O que caracteriza este gênero de
mediunidade é a inconsciência absoluta, por parte do médium, do que sua mão
escreve. O movimento desta independe da vontade do escrevente; movimenta-se sem
interrupção, a despeito do médium, enquanto o Espírito tem alguma coisa a dizer,
e para desde que este último haja concluído.
Com
o médium intuitivo, à transmissão do
pensamento serve de intermediário o Espírito do médium. O outro Espírito, nesse
caso, não atua sobre a mão para movê-la, atua sobre a alma, identificando-se
com ela e imprimindo-lhe sua vontade e suas ideias. A alma recebe o pensamento do
Espírito comunicante e o transcreve. Nesta situação, o médium escreve voluntariamente
e tem consciência do que escreve, embora não grafe seus próprios pensamentos.
Torna-se
frequentemente difícil distinguir o pensamento do médium do que lhe é sugerido,
o que leva muitos médiuns deste gênero a duvidar da sua faculdade. Podem
reconhecer-se os pensamentos sugeridos pelo fato de não serem nunca
preconcebidos; eles surgem à proporção que o médium vai escrevendo e não raro
são opostos à ideia que este previamente concebera. Podem mesmo estar fora dos
conhecimentos e da capacidade do médium.
Há
grande analogia entre a mediunidade intuitiva e a inspiração; a diferença
consiste em que a primeira se restringe quase sempre a questões de atualidade e
pode aplicar-se ao que esteja fora das capacidades intelectuais do médium; por
intuição, pode este último tratar de um assunto que lhe seja completamente
estranho. A inspiração se estende por um campo mais vasto e geralmente vem em
auxílio das capacidades e das preocupações do Espírito encarnado. Os traços da
mediunidade são, de regra, menos evidentes.
O médium semimecânico, ou semi-intuitivo
participa dos outros dois gêneros. No médium puramente mecânico, o movimento da
mão independe da sua vontade; no médium intuitivo, o movimento é voluntário e
facultativo. O médium semimecânico sente na mão uma impulsão dada mau grado
seu, mas ao mesmo tempo tem consciência do que escreve, à medida que as
palavras se formam. Com o primeiro, o pensamento vem depois do ato de escrever;
com o segundo, precede-o; com o terceiro, acompanha-o.
51.
Não sendo o médium mais do que um instrumento que recebe e transmite o
pensamento de um Espírito estranho, que obedece à impulsão mecânica que lhe é
dada, nada há que ele não possa fazer fora do campo de seus conhecimentos, se
possui a maleabilidade e a aptidão mediúnica necessárias. Assim é que há
médiuns desenhistas, pintores, músicos, versejadores, embora estranhos às artes
do desenho, da pintura, da música e da poesia; médiuns iletrados, que escrevem
sem saber ler, nem escrever, médiuns polígrafos, que reproduzem escritas de
diversos gêneros e, algumas vezes, com perfeita exatidão, a que o Espírito
tinha quando encarnado; médiuns poliglotas, que escrevem ou falam em línguas
que lhes são desconhecidas etc.
52. Médiuns curadores – Consiste a
mediunidade desta espécie na faculdade que certas pessoas possuem de curar pelo
simples contato, pela imposição das mãos, pelo olhar, por um gesto, mesmo sem o
concurso de qualquer medicamento. Semelhante faculdade incontestavelmente tem o
seu princípio na força magnética; difere desta, entretanto, pela energia e instantaneidade
da ação ao passo que as curas magnéticas exigem um tratamento metódico, mais ou
menos longo. Todos os magnetizadores são mais ou menos aptos a curar, se sabem
proceder convenientemente; dispõem da ciência que adquiriram. Nos médiuns
curadores, a faculdade é espontânea e alguns a possuem sem nunca ter ouvido
falar de magnetismo.
A
faculdade de curar pela imposição das mãos deriva evidentemente de uma força
excepcional de expansão, mas diversas causas concorrem para aumentá-la, entre
as quais são de colocar-se, na primeira linha: a pureza dos sentimentos, o
desinteresse, a benevolência, o desejo ardente de proporcionar alívio, a prece
fervorosa e a confiança em Deus; numa palavra: todas as qualidades morais. A
força magnética é puramente orgânica; pode, como a força muscular, ser partilha
de toda gente, mesmo do homem perverso, mas só o homem de bem se serve dela
exclusivamente para o bem, sem ideias ocultas de interesse pessoal, nem de
satisfação de orgulho ou de vaidade. Mais depurado, o seu fluido possui
propriedades benfazejas e reparadoras, que não pode ter o do homem vicioso ou
interesseiro.
Todo
efeito mediúnico, como já foi dito, resulta da combinação dos fluidos que
emitem um Espírito e um médium. Pela sua conjugação esses fluidos adquirem
propriedades novas, que separadamente não teriam, ou, pelo menos, não teriam no
mesmo grau. A prece, que é uma verdadeira evocação, atrai os bons Espíritos,
sempre solícitos em secundar os esforços do homem bem-intencionado; o fluido
benéfico dos primeiros se casa facilmente com o do segundo, ao passo que o do
homem vicioso se junta ao dos maus Espíritos que o cercam.
O
homem de bem, que não dispusesse da força fluídica, pouca coisa conseguiria
fazer por si mesmo, só lhe restando apelar para a assistência dos Espíritos
bons, pois quase nula seria a sua ação pessoal; uma grande força fluídica,
aliada à maior soma possível de qualidades morais, pode operar, em matéria de
curas, verdadeiros prodígios.
53.
A ação fluídica, ademais, é poderosamente secundada pela confiança do doente, e
Deus quase sempre lhe recompensa a fé, concedendo-lhe o bom êxito.
54.
Somente a superstição pode emprestar qualquer virtude a certas palavras e
unicamente Espíritos ignorantes ou mentirosos podem alimentar semelhantes
ideias, prescrevendo fórmulas. Pode, entretanto, acontecer que, para pessoas
pouco esclarecidas e incapazes de compreender as coisas puramente espirituais,
o uso de uma fórmula de prece ou de determinada prática contribua a lhes
infundir confiança. Nesse caso, porém, não é na fórmula que está a eficácia, e
sim na fé que aumentou com a ideia ligada ao emprego da fórmula.
55.
Não se devem confundir os médiuns curadores com os médiuns receitistas, que são
simples médiuns escreventes, cuja especialidade consiste em servirem mais
facilmente de intérpretes aos Espíritos para as prescrições médicas; absolutamente
mais não fazem que transmitir o pensamento do Espírito, sem exercerem, de si
mesmos, nenhuma influência.
VII – Da obsessão e
da possessão
56.
A obsessão consiste no domínio que os maus Espíritos assumem sobre certas
pessoas, com o objetivo de as escravizar e submeter à vontade deles, pelo
prazer que experimentam em fazer o mal.
Quando
um Espírito, bom ou mau, quer atuar sobre um indivíduo, envolve-o, por assim
dizer, no seu perispírito, como se fora um manto. Interpenetrando-se os
fluidos, os pensamentos e as vontades dos dois se confundem e o Espírito,
então, se serve do corpo do indivíduo, como se fosse seu, fazendo-o agir à sua
vontade, falar, escrever, desenhar, quais os médiuns. Se o Espírito é bom, sua
atuação é suave, benfazeja, não impele o indivíduo senão à prática de atos
bons; se é mau, força-o a ações más. Se é perverso e malfazejo, aperta-o como
numa teia, paralisa-lhe até a vontade e mesmo o juízo, que ele abafa com o seu
fluido, como se abafa o fogo sob uma camada d’água. Fá-lo pensar, falar, agir
em seu lugar, impele-o, a seu mau grado, a atos extravagantes ou ridículos;
magnetiza-o, em suma, lança-o num estado de catalepsia moral e o indivíduo se
torna um instrumento da sua vontade. Tal a origem da obsessão, da fascinação e
da subjugação que se produzem em graus muito diversos de integridade. À
subjugação, quando no paroxismo, é que vulgarmente dão o nome de possessão. É
de notar-se que, nesse estado, o indivíduo tem muitas vezes consciência de que
o que faz é ridículo, mas é forçado a fazê-lo, tal como se um homem mais
vigoroso do que ele o obrigasse a mover, contra a vontade, os braços, as pernas
e a língua.
57.
Pois que os Espíritos existiram em todos os tempos, também desde todos os
tempos representaram o mesmo papel, porque esse papel é da natureza e a prova
está no grande número que sempre houve de pessoas obsedadas, ou possessas, se o
preferirem, antes que se falasse de Espíritos, ou que, nos dias atuais, se
ouvisse falar de Espiritismo, nem de médiuns. É, pois, espontânea a ação dos
Espíritos, bons ou maus; a destes produz uma imensidade de perturbações na
economia moral e mesmo física, perturbações que, por ignorância da verdadeira
causa, atribuíam a causas errôneas. Os Espíritos maus são inimigos invisíveis,
tanto mais perigosos, quanto da ação deles não se suspeitava. Desmascarando-os,
o Espiritismo revela uma nova causa de certos males da Humanidade. Conhecida a
causa, não mais se procurará combater o mal por meios que já se sabem inúteis;
procurar-se-ão outros mais eficazes. Ora, que foi o que fez se descobrisse
aquela causa? A mediunidade. Foi pela mediunidade que esses inimigos ocultos traíram
a sua presença; ela foi para eles o que o microscópio foi para os infinitamente
pequenos: revelou todo um mundo. O Espiritismo não atraiu os maus Espíritos:
desvendou-os e forneceu os meios de se lhes paralisar a ação e, por
conseguinte, de afastá-los. Não foi ele quem trouxe o mal, visto que o mal
existe desde todos os tempos; ele, ao contrário, dá remédio ao mal,
apontando-lhe a causa. Uma vez reconhecida a ação do Mundo Invisível, ter-se-á
a explicação de um sem-número de fenômenos incompreendidos e a Ciência,
enriquecida com o conhecimento dessa nova lei, verá abrir-se diante de si novos
horizontes. Quando chegará ela a isso? Quando deixar de professar o
materialismo, porquanto o materialismo lhe detém o voo, opondo-lhe
intransponível barreira.
58.
Pois que há Espíritos maus que obsidiam e Espíritos bons que protegem,
perguntam muitos se os primeiros são mais poderosos do que os segundos.
Não
é que o bom Espírito seja mais fraco; o médium é que não tem força bastante
para alijar de si o manto que lhe atiraram em cima, para se desprender dos
braços que o enlaçam e nos quais, cumpre dizê-lo, às vezes se compraz. Neste
caso, compreende-se que o bom Espírito não possa levar vantagem, pois que o
outro é preferido. Admitamos, porém, que a vítima deseje desembaraçar-se do
envoltório fluídico que penetra o seu, como a umidade penetra as roupas. Esse
desejo nem sempre bastará. A própria vontade nem sempre é suficiente.
Trata-se
de lutar contra um adversário. Ora, quando dois homens lutam corpo a corpo,
aquele que dispõe de mais fortes músculos é que abate o outro. Com um Espírito
tem-se de lutar, não corpo a corpo, mas Espírito a Espírito e é ainda o mais
forte que triunfa. Aqui, a força reside na autoridade que se possa exercer
sobre o obsessor e essa autoridade está subordinada à superioridade moral. Esta
é como o Sol que dissipa o nevoeiro pela potencialidade dos seus raios.
Esforçar-se por ser bom, por se tornar melhor se já é bom, por purificar-se de
suas imperfeições, por, numa palavra, elevar-se moralmente o mais possível, tal
o meio de o encarnado adquirir o poder de mandar sobre os Espíritos inferiores,
para os afastar. De outro modo estes zombarão das suas injunções (Ver O livro
dos médiuns, it. 252 e 279).
Entretanto,
objetar-se-á, por que os Espíritos protetores não lhes ordenam que se retirem?
Sem dúvida, podem fazê-lo e algumas vezes o fazem. Mas, permitindo a luta,
deixam ao atacado o mérito da vitória. Se consentem que se debatam criaturas
que, sob certos aspectos, têm seus merecimentos, é para lhes experimentar a
perseverança e para levá-las a adquirir mais força no campo do bem. A luta é
uma espécie de ginástica moral.
Muitas
pessoas prefeririam certamente outra receita mais fácil para repelirem os maus
Espíritos: por exemplo, algumas palavras que se proferissem, ou alguns sinais
que se fizessem, o que seria mais simples do que corrigir-se alguém de seus
defeitos. Sentimos muito; porém, nenhum meio eficaz conhecemos de vencer-se um
inimigo, senão o fazer-se mais forte que ele. Quando estamos doentes, temos que
resignar-nos a tomar um medicamento, por muito amargo que seja, mas também, se
tivermos tido a coragem de bebê-lo, como nos sentimos bem e fortes! Temos pois
que nos persuadir de que não há, para alcançarmos aquele resultado, nem
palavras sacramentais, nem fórmulas, nem talismãs, nem sinais materiais
quaisquer. De tudo isso riem-se os maus Espíritos e não raro se comprazem em
indicar alguns, tendo sempre o cuidado de afirmá-los infalíveis, para
melhormente captarem a confiança daqueles a quem querem iludir, porque, então,
estes, confiantes nas virtudes do processo aconselhado, se entregam sem receio.
Antes
de pretender, quem quer que seja, domar um Espírito mau, precisa cuidar de
domar-se a si mesmo. De todos os meios de adquirir-se força para chegar a isso,
o mais eficiente é a vontade secundada pela prece, a prece do coração,
entenda-se, e não a de palavras, das quais a boca participa mais do que o
pensamento. Precisamos pedir ao nosso anjo guardião e aos bons Espíritos que
nos assistam na luta; não basta, porém, lhes peçamos que afastem o Espírito
mau; devemos lembrar-nos desta máxima: ajuda-te a ti mesmo e o Céu te ajudará e
rogar-lhes, sobretudo, a força que nos falta para vencermos os nossos maus
pendores, que são, para nós, piores que os maus Espíritos, porquanto são esses
pendores que os atraem, como a podridão atrai as aves de rapina. Orando também
pelo Espírito obsessor, retribuir-lhe-emos com o bem o mal que nos queira e nos
mostraremos melhores do que ele, o que já é uma superioridade. Com
perseverança, acaba-se as mais das vezes por induzi-lo à posse de melhores
sentimentos e a transformá-lo de perseguidor em amigo grato.
Em
resumo: a prece fervorosa e os esforços sérios que a criatura faça por
melhorar-se constituem os únicos meios de ela afastar os maus Espíritos, que
reconhecem como seus senhores aqueles que praticam o bem, enquanto as fórmulas
lhes provocam o riso, do mesmo modo que a cólera e a impaciência os excitam.
Precisa o perseguido cansá-los, demonstrando-se mais paciente do que eles.
Por
vezes acontece que a subjugação avulta até o ponto de paralisar a vontade do
obsidiado, do qual nenhum concurso sério se pode esperar. Aí, principalmente, é
que a intervenção de terceiros se torna necessária, quer por meio da prece,
quer pela ação magnética. Mas também a força dessa intervenção depende do
ascendente moral que os interventores possam ter sobre os Espíritos; se não
valerem mais do que estes, improfícua será a ação que desenvolvam. A ação
magnética, no caso, tem por efeito introduzir no fluido do obsidiado um fluido
melhor e eliminar o do mau Espírito. Ao operar, deve o magnetizador objetivar
duplo fim: o de opor a uma força moral outra força moral e produzir sobre o
paciente uma espécie de reação química, para nos servirmos de uma comparação
material, expelindo um fluido com o auxílio de outro fluido. Dessa forma, não
só opera um desprendimento salutar, como igualmente fortalece os órgãos
enfraquecidos por longa e vigorosa constrição. Compreende-se, em suma, que o
poder da ação fluídica está na razão direta não somente da energia da vontade, mas,
sobretudo, da qualidade do fluido introduzido e, segundo o que deixamos dito,
que essa qualidade depende da instrução e das qualidades morais do
magnetizador. Daí se segue que um magnetizador ordinário, que atuasse
maquinalmente, apenas por magnetizar, fraco ou nenhum efeito produziria. É de
toda a necessidade um magnetizador espírita, que atue com conhecimento de
causa, com a intenção de obter, não o sonambulismo ou uma cura orgânica, porém,
os resultados que vimos de descrever. É, além disso, evidente que uma ação
magnética dirigida neste sentido não pode deixar de ser muito proveitosa nos
casos de obsessão ordinária, porque, então, se o magnetizador tem a auxiliá-lo
a vontade do obsidiado, o Espírito se vê combatido por dois adversários em
lugar de um.
Cumpre
também dizer que amiúde se atribuem aos Espíritos maldades de que eles são
inocentes. Alguns estados doentios e certas aberrações que se lançam à conta de
uma causa oculta, derivam do Espírito do próprio indivíduo. As contrariedades
que de ordinário cada um concentra em si mesmo, principalmente os desgostos
amorosos, dão lugar, com frequência, a atos excêntricos, que fora errôneo
considerar-se fruto da obsessão. O homem não raramente é o obsessor de si
mesmo.
Acrescentemos,
por fim, que algumas obsessões tenazes, sobretudo em pessoas de mérito, fazem
às vezes parte das provações a que essas pessoas estão sujeitas. Acontece mesmo
que a obsessão, quando simples, é uma tarefa imposta ao obsidiado, qual a de
trabalhar pela regeneração do obsessor, como um pai pela de um filho vicioso
(Para maiores particularidades, veja-se O livro dos médiuns).
Em
geral, a prece é poderoso meio auxiliar da libertação dos obsidiados; nunca,
porém, a prece só de palavras, dita com indiferença e como uma fórmula banal,
será eficaz em semelhante caso. Faz-se mister uma prece ardente, que seja ao mesmo
tempo uma como magnetização mental. Pelo pensamento, pode-se encaminhar para o
paciente uma corrente fluídica salutar, cuja potência guarda relação com a
intenção. A prece, pois, não tem apenas por efeito invocar um auxílio estranho,
mas exercer uma ação fluídica. O que uma pessoa, só, não pode fazer, podem-no,
quase sempre, muitas pessoas unidas pela intenção numa prece coletiva e
reiterada, visto que o número aumenta a potencialidade da ação.
59.
A experiência comprova a ineficácia do exorcismo, nos casos de possessão, e
provado está que quase sempre aumenta o mal, em vez de atenuá-lo. A razão se
encontra em que a influência está toda no ascendente moral exercido sobre os
maus Espíritos, e não num ato exterior, na virtude das palavras e dos gestos. O
exorcismo consiste em cerimônias e fórmulas de que zombam os maus Espíritos
que, entretanto, cedem à autoridade moral que se lhes impõe. Eles veem que os
querem dominar por meios impotentes, que pensam intimidá-los por um vão aparato
e, então, se empenham em mostrar-se os mais fortes e para isso redobram de
esforços. São quais cavalos espantadiços que dão em terra com o cavaleiro
inábil e que obedecem quando topam com um que os governa. Ora, aqui, quem realmente
manda é o homem de coração mais puro, porque é a ele que os bons Espíritos de
preferência atendem.
60.
O que pode um Espírito fazer com um indivíduo, podem-no muitos Espíritos com
muitos indivíduos simultaneamente e dar à obsessão caráter epidêmico. Uma nuvem
de maus Espíritos invade uma localidade e aí se manifestam de diversas
maneiras. Foi uma epidemia desse gênero que se abateu sobre a Judeia ao tempo
do Cristo. Ora, o Cristo, pela sua imensa superioridade moral, tinha sobre os
demônios ou maus Espíritos tal autoridade, que bastava lhes ordenasse que se
retirassem para que eles o fizessem e, para isso, não empregava fórmulas nem
gestos ou sinais.
61.
O Espiritismo se funda na observação dos fatos que resultam das relações entre
o mundo visível e o Mundo Invisível. Estando na ordem dos da natureza, esses
fatos se produziram em todas as épocas e abundam principalmente nos livros
sagrados de todas as religiões, pois que serviram de base à maioria das
crenças. Por não os terem os homens compreendido, é que a Bíblia e os
Evangelhos apresentam tantas passagens obscuras e que foram interpretadas em
sentidos diferentes. O Espiritismo traz a chave que lhes facilitará a
inteligência.
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