Xenoglossia é o fenômeno de
se expressar espontaneamente em um idioma estranho, ou seja, uma língua que não
foi previamente estudada e aprendida (na presente reencarnação) por aquele que
nesta se expressa, e, por isso, uma manifestação em tais condições é
considerada um fenômeno paranormal, sobrenatural, metapsíquico. A xenoglossia é
catalogada como uma das mais fortes evidências da sobrevivência da alma
pós-morte e da reencarnação. Conforme o Espiritismo, tal manifestação pode ser
resultado de um processo anímico ou mediúnico; Allan Kardec classificou de
médium poliglota aquele que tem essa capacidade.
Análise etimológica
Xenoglossia é oriundo dos
termos gregos xeno = estranho,
estrangeiro + glossa = língua, fala.
A origem desta palavra é atribuída ao médico fisiologista francês Charles
Richet, justamente para classificar o fenômeno pelo qual certas pessoas
manifestavam comunicações (expressas oralmente ou por escrito) em línguas
estrangeiras, que elas não dominavam. Identificando semelhantes fenômenos,
anteriormente a Richet, Allan Kardec vai classificar a capacidade do médium se expressar
dessa maneira tendo por base o vocábulo poliglotismo (faculdade de falar várias
línguas), donde se deriva o qualitativo poliglota (aquele que sabe falar várias
línguas), e assim especificar essa qualidade de médium.
"Médiuns poliglotas: os que têm a aptidão de falar ou escrever em
línguas desconhecidas deles. Muito raros." (O Livro dos Médiuns, Allan
Kardec - cap. XVI, item 191)
Fazendo uma comparação com
as duas descrições, observamos que o neologismo criado por Richet é mais
adequado ao caso em voga, por especificar o caráter de estranheza do idioma da
parte de quem manifesta o fenômeno, pois a xenoglossia em si caracteriza que a
língua manifestada é necessariamente fora de domínio do agente que nela se
expressa — portanto, uma manifestação anormal —, enquanto que o poliglota fala
em linguagens que ele pode ter estudado e aprendido naturalmente. Tendo então
por base o termo xenoglossia, o médium classificado pelo codificador espírita
como poliglota poderia ser chamado por algo como "xenóglata".
Importante ressaltar que, ao cunhar esse neologismo, Richet o distinguiu precisamente a ideia da xenoglossia em relação ao fenômeno então já conhecido por glossolalia, pelo qual uma pessoa se expressa numa língua totalmente desconhecida — não apenas por esta pessoa, mas por todos. Num caso de xenoglossia, uma pessoa que fale apenas português pode, por exemplo, transmitir uma mensagem em aramaico, grego, holandês ou qualquer outro idioma conhecido, que ele próprio não domina, mas que pode ser identificado e traduzido por qualquer pessoa que conhece tal idioma; no caso de glossolalia, o sujeito expressa-se numa linguagem indecifrável, supostamente num idioma desconhecido na Terra. A prática de glossolalia é frequente em determinadas correntes religiosas, como a Renovação Carismática Católica e igrejas pentecostais, supostamente por ação do alegado Espírito Santo, em imitação episódio do Dia de Pentecostes, descrito no livro bíblico Atos dos Apóstolos, capítulo 2. No entanto, essa "imitação" é um pretexto impróprio, uma vez que, no episódio bíblico, a ocorrência é de xenoglossia: os apóstolos pregaram em línguas que eles não dominavam, mas eram compreendidos por nativos das respectivas línguas — o que demonstravam uma utilidade prática do fenômeno. O caráter indecifrável da glossolalia remete sua prática à ideia natural de inutilidade e automático descrédito.
A propósito, assim diz o
apóstolo Paulo, conforme o Novo Testamento:
"Se eu não entender o
que significam as palavras, serei um bárbaro para aquele a quem falo e aquele
que me fala será para mim um bárbaro. Se oro numa língua que não entendo, meu
coração ora, mas a minha inteligência não colhe fruto. Se louvam a Deus apenas
de coração, como é que um homem do número daqueles que só entendem a sua
própria língua responderá amém no fim da sua ação de graças, uma vez que ele
não entende o que dizem? Não é que a sua ação não seja boa, mas os outros não
se edificam com ela." (I Coríntios, 14:11, 14, 16 e 17)
Natureza do fenômeno
de xenoglossia
O ato de se expressar em uma
língua absolutamente estranha mas identificada por terceiros é um fenômeno
anormal sob o ponto de vista dos conceitos científicos tradicionais. Contudo,
como há registros de concretas ocorrências desse tipo de manifestação, cabe
então um aprofundamento e revisão de conceitos, pelo que a Doutrina Espírita
vai apresentar duas circunstâncias possíveis: animismo e mediunidade.
Num evento anímico, o
individuo encarnado entra em estado de desdobramento espiritual, mais ou menos
profundo, e nesse transe ele torna-se capaz de recuperar suas faculdades
latentes, que em estado normal de vigília ele ignora, dentre as quais
conhecimentos e idiomas que ele aprendera em precedentes reencarnações. Nessa
hipótese, portanto, trata-se de uma aquisição sua (idioma apreendido em outra
vivência reencarnatória) que ele passa a acessar pelo transe anímico.
A segunda hipótese — de
fenômeno mediúnico — diz respeito a uma interferência de um Espírito, que é
quem domina o idioma em voga e quem vai articular a materialização da mensagem.
Em se tratando de uma mensagem oral (situação muito trabalhosa e rara), o
Espírito empenha-se em manipular o aparelho físico do médium responsável pela
fala para articular os sons; em se tratando de uma comunicação escrita —
psicografia —, o Espírito imprimirá os caracteres utilizando a mão do médium,
como quem faz desenhos pegando e arrastando a mão de outra pessoa, que então
segura o lápis. É, enfim, um esforço mecânico e desgastante, somente utilizado
em casos excepcionais, quando os Espíritos julgam assim ser muito necessário,
como quando intencionam causar uma impressão positiva acerca das potências
espirituais. Por isso, o comum é o Espírito comunicante se servir de um médium
mais familiarizado com o tipo de mensagem pretendida.
Estudando tais
possibilidades, Kardec consultou os mentores da Codificação Espírita nos
seguintes termos:
Os
Espíritos só têm a linguagem do pensamento; não dispõem da linguagem
articulada, pelo que só há uma língua para eles. Assim sendo, um Espírito
poderia se exprimir por via mediúnica numa língua que jamais falou quando vivo?
E, nesse caso, de onde tira as palavras de que se serve?
— "Você mesmo acabou de responder à
pergunta que formulou, dizendo que os Espíritos só têm uma língua — que é a do
pensamento. Essa língua todos a compreendem, tanto os homens como os Espíritos.
O Espírito errante, quando se dirige ao Espírito encarnado do médium, não lhe
fala francês, nem inglês, porém, a língua universal que é a do pensamento. Para
exprimir suas ideias numa língua articulada, transmissível, toma as palavras ao
vocabulário do médium."
Se
for assim, só deveria ser possível ao Espírito se expressar na língua do
médium. Entretanto, é sabido que escreve em idiomas que o médium desconhece.
Não há aí uma contradição?
— "Notem primeiramente que nem
todos os médiuns são aptos a esse gênero de exercício e, depois, que os
Espíritos só acidentalmente se prestam a ele, quando julgam que isso pode ter
alguma utilidade. Para as comunicações usuais e de certa extensão, preferem
servir-se de uma língua que seja familiar ao médium, porque apresenta a eles
menos dificuldades materiais a vencer."
A
aptidão de certos médiuns para escrever numa língua que lhes é estranha não
provirá da circunstância de lhes ter sido familiar essa língua em outra
existência e de haverem guardado a intuição dela?
— "É certo que isto se pode dar,
mas não é regra. Com algum esforço, o Espírito pode vencer momentaneamente a
resistência material que encontra. É o que acontece quando o médium escreve
palavras que não conhece na língua que lhe é própria." (O Livro dosMédiuns, Allan Kardec - Cap. XIX)
Manifestações de xenoglossia
têm sido observadas por quatro categorias de fenômenos:
·
Oral:
comunicação em língua estrangeira diretamente pela fala, como no caso de
psicofonia, em que o médium empresta a voz para um Espírito;
·
Escrita:
comunicação em língua estrangeira por escrito, por exemplo, por psicografia, em
que o Espírito escreve pela mão do médium;
·
Voz
direta: materialização de uma voz espiritual em língua
estrangeira;
·
Escrita
direta: materialização de uma mensagem escrita em língua
estrangeira.
Registros históricos
de xenoglossia
O mais célebre caso de
xenoglossia é o do Dia de Pentecostes (cinquenta dias após a chamada
ressurreição de Jesus), narrada no Novo Testamento, quando os apóstolos do
Cristo estavam reunidos e então veio sobre eles algo parecido com línguas de
fogo e "E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar
noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E,
quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque
cada um os ouvia falar na sua própria língua." (Atos dos Apóstolos, 2:4 e
7). Diz a Bíblia que grande multidão se formou e, tendo vindo pessoas de
diversas regiões, que falavam outros idiomas, eles escutavam o discurso dos
apóstolos cada qual em sua língua nativa.
No auge do Espiritualismo
Moderno, da segunda metade do século XIX e começo do século seguinte, o
fenômeno de xenoglossia foi fartamente documentado.
O pesquisador italiano
Ernesto Bozzano dedicou um livro inteiro ao tema — cuja tradução brasileira é
intitulada Xenoglossia, do original em italiano Medianità Poliglotta (Xenoglossia) —, pondo em amostra 35 casos
exemplares desse tipo de manifestação.
Em sua obra O Fenômeno
Espírita, Gabriel Delanne descreve a capacidade mediúnica da filha de um juiz
americano, envolvendo a xenoglossia:
"Ela
não dominava outro idioma além do seu [inglês], salvo ligeiro conhecimento de
francês, aprendido na escola. Não obstante isso, tem conversado frequentemente
em nove ou dez línguas diferentes, muitas vezes durante uma hora, com a
segurança e a facilidade de uma pessoa falando sua própria língua. Não é raro
que estrangeiros se entretenham, por seu intermédio, com seus amigos
espirituais e em seu próprio idioma. Cumpre nos dizer como se passou tal fato
em uma dessas circunstâncias..." (O Fenômeno Espírita, Gabriel Delanne -
2ª parte, Cap. III)
Este fato é corroborado por
outro pesquisador, o polímata russo Alexandre Aksakof, em Animismo e
Espiritismo (cap. III, item 6: "Médiuns falando línguas que lhes são
desconhecidas") que ainda acrescenta outros eventos de xenoglossia.
Também Cesare Lombroso,
reputado pesquisador italiano, vai registrar manifestações mediúnicas em idiomas
desconhecidos pelos médiuns, como nos casos escritos em Hipnotismo e
Espiritismo, no capítulo VI, relativo aos "Limites à influência do
médium".
Allan Kardec também tratou
de casos de xenoglossia. Na Revista Espírita de novembro de 1868, ele publicou um
artigo intitulado "Fenômeno de linguística", narrando uma curiosa
história, reportada num jornal de medicina, em que uma criança inglesa, menor
de cinco anos, hesitava em falar o idioma de sua terra natal e, ao invés disso,
manifestava-se com expressões características de várias línguas estrangeiras. O
drama da pequena inglesa foi levado à apreciação espiritual em uma sessão na
Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, quando então um Espírito deu a
seguinte explicação para o fenômeno:
"O
Espírito encarnado no corpo dessa menina conheceu a língua, ou melhor, as
línguas de que fala, pois faz uma mistura. Essa mistura, contudo, é feita
conscientemente e constitui uma língua, cujas diversas expressões são tomadas
das que esse Espírito conheceu em outras encarnações. Em sua última existência
ele tivera a ideia de criar uma língua universal, a fim de permitir aos homens
de todas as nações entender-se e assim aumentar a facilidade das relações e o
progresso humano. Para tanto, ele tinha começado a compor essa língua, que se
constituía de fragmentos de várias das que conhecia e mais gostava. A língua
inglesa lhe era desconhecida; tinha ouvido ingleses falar, mas achava sua
língua desagradável e a detestava. Uma vez na erraticidade, o objetivo que se
tinha proposto em vida aí continuou; pôs-se à tarefa e compôs um vocabulário
que lhe é particular. Encarnou-se entre os ingleses, com o desprezo que tinha
por sua língua, e com a firme determinação de não a falar. Tomou posse de um
corpo, cujo organismo flexível lhe permite manter a palavra. Os laços que o
prendem a esse corpo são bastante elásticos para mantê-lo num estado de
semidesprendimento, que lhe deixa a lembrança bastante distinta de seu passado
e o sustenta em sua resolução. Por outro lado, é ajudado por seu guia
espiritual, que vela para que o fenômeno se produza com regularidade e
perseverança, a fim de chamar a atenção dos homens. Aliás, o Espírito encarnado
estava consentindo na produção do fato. Ao mesmo tempo em que exibe o desprazer
pela língua inglesa, cumpre a missão de provocar as pesquisas
psicológicas" (Revista Espírita, Nov. de 1868 - 'Fenômeno de Linguística').
Ainda que relativamente
raro, o fenômeno de xenoglossia faz parte do currículo de reputados médiuns,
tais como Chico Xavier e Divaldo Franco, bem como continua acessível — e, de
fato, ocorre naturalmente — a medianeiros menos conhecidos, a partir de quando
os mensageiros invisíveis consideram válido o esforço de se fazerem
compreendidos, indo além dos limites humanos, para manifestar a superioridade
da natureza espiritual.
Hipóteses e
reputações
Além das óbvias
possibilidades apresentadas pelo Espiritismo (animismo e mediunidade), outras
teorias foram propostas para tentar explicar o fenômeno da xenoglossia apenas
pelas capacidades paranormais e, assim, desconsiderando as possibilidades
espirituais. Em sua obra Xenoglossia, aqui já citada, Ernesto Bozzano lista
sete hipóteses, que ele mesmo vai refutar nesta mesma obra.
São estas as hipóteses:
·
Criptomnésia: as
línguas "estranhas" surgiriam de aprendizado inconsciente, guardados
na subconsciência e esquecidos da consciente;
·
Telemnésia: o
fenômeno seria fruto da capacidade de se alcançar uma "clarividência
telepática" e extrair a língua estrangeira da mente de pessoas presentes
que detenham tal fala;
·
Telestesia:
apreensão inconsciente através da "leitura à distância de livros
fechados";
·
Conversação
com o subconsciente: em casos de fenômenos de xenoglossia por
voz direta, o que ocorre seria o caso do experimentador conversar com a própria
personalidade subconsciente;
·
Memória
ancestral: os médiuns seriam aptos a conversar em língua estranha
desde que seus antepassados tivessem pertencido ao povo de tal língua
manifestada, ou seja, por uma hipotética herança ancestral;
·
Reservatório
cósmico das memórias individuais: lembrança inconsciente de
ocorrências passadas, mas de uma atividade inteligente, desenvolvida na
atualidade e em correspondência com situações do momento;
·
Hipótese
do absoluto: os experimentadores de xenoglossia se
poriam em relação com o absoluto, isto é, com Deus e daí seriam aptos à
maravilha de se comunicar em qualquer língua.
Ernesto Bozzano refuta cada
uma dessas hipóteses — que ele considera infantis e absurdas — confrontando-as
com os variados casos de xenoglossia que ele estudou e apresentou em seu livro,
impossibilitando assim de se sustentar a racionalidade dessas teorias
naturalistas. Bozzano é peremptoriamente enfático ao reconhecer o fenômeno
mediúnico nos eventos de xenoglossia.
"Razão,
pois, me assistia quando, na introdução do presente trabalho, afirmei que as
manifestações de xenoglossia se contam entre as mais importantes da
fenomenologia metapsíquica, por isso que eliminam de um só golpe todas as
hipóteses de que dispõe quem queira tentar-lhe a explicação, sem se afastar dos
poderes inerentes à subconsciência humana. Da minha afirmação deriva, como
consequência, que a interpretação dos fatos, no sentido espiritualista, se
impõe agora de modo racionalmente inevitável. Quer isto dizer que, por obra dos
fenômenos de xenoglossia, se tem que considerar provada a intervenção de
entidades espirituais extrínsecas ao médium e aos presentes, nas experiências
mediúnicas." (Xenoglossia, Ernesto Bozzano – Conclusão)
Xenoglossia pela
Ciência
A ciência também demonstra
interesse por este tipo de fenômeno, conforme se vê por estudos recentes, como
os do Dr. Ian Stevenson, médico e professor de psiquiatria, que foi chefe do
departamento de Psiquiatria da Universidade da Virgínia, EUA. Ele atesta a
veracidade de inúmeros casos de xenoglossia e detalha alguns deles na sua obra
Unlearned Languages: News Studies in Xenoglossy (Línguas não aprendidas: novos
estudos de Xenoglossia). Seus estudos foi vertido em português pelo título de
Xenoglossia.
Outro proeminente
pesquisador da atualidade interessado no tema é Brian Weiss, psiquiatra
americano, graduado na Universidade de Yale e presidente emérito do
Departamento de Psiquiatria da Mount Sinai Medical Center de Miame, EUA,
Especialista em pesquisas sobre evidências de reencarnação, ele registra várias
ocorrências de xenoglossia, expondo-as em obras como Same Soul, Many Bodies
(Mesma alma, muitos corpos), vertido para o público brasileiro sob o título
Muitas Vidas, Uma só Alma.
O fenômeno de xenoglossia,
portanto, é uma evidência das mais fortes para sustentar a ideia de vida após a
morte e o processo reencarnatório, como está fundamentado na Doutrina Espírita.
Referências
O Livro dos Médiuns, Allan
Kardec.
Xenoglossia, Ernesto Bozzano.
O Fenômeno Espírita, Gabriel
Delanne.
Animismo e Espiritismo,
Alexandre Aksakof.
Hipnotismo e Espiritismo,
Cesare Lombroso.
https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=enciclopedia&item=Xenoglossia.
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