O EGOÍSMO E O ORGULHO
Suas causas, seus
efeitos e os meios de destruí-los
É
bem sabido que a maior parte das misérias da vida tem origem no egoísmo dos
homens. Desde que cada um pensa em si antes de pensar nos outros e cogita antes
de tudo de satisfazer aos seus desejos, cada um naturalmente cuida de
proporcionar a si mesmo essa satisfação, a todo custo, e sacrifica sem
escrúpulo os interesses alheios, assim nas mais insignificantes coisas, como
nas maiores, tanto de ordem moral quanto de ordem material. Daí todos os
antagonismos sociais, todas as lutas, todos os conflitos e todas as misérias,
visto que cada um só trata de despojar o seu próximo.
O
egoísmo, por sua vez, se origina do orgulho. A exaltação da personalidade leva
o homem a considerar-se acima dos outros. Julgando-se com direitos superiores,
melindra-se com o que quer que, a seu ver, constitua ofensa a seus direitos. A
importância que, por orgulho, atribui à sua pessoa, naturalmente o torna egoísta.
O
egoísmo e o orgulho nascem de um sentimento natural: o instinto de conservação.
Todos os instintos têm sua razão de ser e sua utilidade, porquanto Deus nada
pode ter feito inútil. Ele não criou o mal; o homem é quem o produz, abusando
dos dons de Deus, em virtude do seu livre-arbítrio. Contido em justos limites,
aquele sentimento é bom em si mesmo. A exageração é o que o torna mau e
pernicioso. O mesmo acontece com todas as paixões que o homem frequentemente
desvia do seu objetivo providencial. Ele não foi criado egoísta, nem orgulhoso
por Deus, que o criou simples e ignorante; o homem é que se fez egoísta e
orgulhoso, exagerando o instinto que Deus lhe outorgou para sua conservação.
Não
podem os homens ser felizes, se não viverem em paz, isto é, se não os animar um
sentimento de benevolência, de indulgência e de condescendência recíprocas;
numa palavra: enquanto procurarem esmagar-se uns aos outros. A caridade e a
fraternidade resumem todas as condições e todos os deveres sociais; uma e
outra, porém, pressupõem a abnegação. Ora, a abnegação é incompatível com o
egoísmo e o orgulho; logo, com esses vícios, não é possível a verdadeira
fraternidade, nem, por conseguinte, igualdade, nem liberdade, dado que o
egoísta e o orgulhoso querem tudo para si. Eles serão sempre os vermes roedores
de todas as instituições progressistas; enquanto dominarem, ruirão aos seus
golpes os mais generosos sistemas sociais, os mais sabiamente combinados. É
belo, sem dúvida, proclamar-se o reinado da fraternidade, mas para que fazê-lo,
se uma causa destrutiva existe? É edificar em terreno movediço; o mesmo fora
decretar a saúde numa região malsã. Em tal região, para que os homens passem
bem, não bastará se mandem médicos, pois que estes morrerão como os outros; insta
destruir as causas da insalubridade. Para que os homens vivam na Terra como
irmãos, não basta se lhes deem lições de moral; importa destruir as causas de
antagonismo, atacar a raiz do mal: o orgulho e o egoísmo.
Essa a chaga sobre a qual deve concentrar-se toda a atenção dos que desejem seriamente o bem da Humanidade. Enquanto subsistir semelhante obstáculo, eles verão paralisados todos os seus esforços, não só por uma resistência de inércia, como também por uma força ativa que trabalhará incessantemente no sentido de destruir a obra que empreendam, por isso que toda ideia grande, generosa e emancipadora arruína as pretensões pessoais. Impossível, dir-se-á, destruir o orgulho e o egoísmo, porque são vícios inerentes à espécie humana. Se fosse assim, houvéramos de desesperar de todo progresso moral; entretanto, desde que se considere o homem nas diferentes épocas transcorridas, não há negar que evidente progresso se efetuou. Ora, se ele progrediu, ainda naturalmente progredirá. Por outro lado, não se encontrará homem nenhum sem orgulho, nem egoísmo? Não se veem, ao contrário, criaturas de índole generosa, em quem parecem inatos os sentimentos do amor ao próximo, da humildade, do devotamente e da abnegação? O número delas, positivamente, é menor do que o dos egoístas; se assim não fosse, não seriam estes últimos os fautores da lei. Há muito mais criaturas dessas do que se pensa e, se parecem tão pouco numerosas, é porque o orgulho se põe em evidência, ao passo que a virtude modesta se conserva na obscuridade. Se, portanto, o orgulho e o egoísmo se contassem entre as condições necessárias da Humanidade, como a da alimentação para sustento da vida, não haveria exceções. O ponto essencial, pois, é conseguir que a exceção passe a constituir regra; para isso, trata-se, antes de tudo, de destruir as causas que produzem e entretêm o mal.
Dessas
causas, a principal reside evidentemente na ideia falsa que o homem faz da sua
natureza, do seu passado e do seu futuro. Por não saber donde vem, ele se crê
mais do que é; e não sabendo para onde vai, concentra na vida terrena todo o
seu pensar; acha-a tão agradável, quanto possível; anseia por todas as
satisfações, por todos os gozos; essa a razão por que atropela sem escrúpulo o
seu semelhante, se este lhe opõe alguma dificuldade. Mas, para isso, é preciso
que ele predomine; a igualdade daria, a outros, direitos que ele só quer para
si; a fraternidade lhe imporia sacrifícios em detrimento do seu bem-estar; a
liberdade também ele só a quer para si e somente a concede aos outros quando
não lhe fira de modo algum as prerrogativas. Alimentando todos as mesmas
pretensões, têm resultado os perpétuos conflitos que os levam a pagar bem caro
os raros gozos que logram obter. Identifique-se o homem com a vida futura e
completamente mudará a sua maneira de ver, como a do indivíduo que apenas por
poucas horas haja de permanecer numa habitação má e que sabe que, ao sair, terá
outra, magnífica, para o resto de seus dias.
A
importância da vida presente, tão triste, tão curta, tão efêmera, se apaga,
para ele, ante o esplendor do futuro infinito que se lhe desdobra às vistas. A
consequência natural e lógica dessa certeza é sacrificar o homem um presente
fugidio a um porvir duradouro, ao passo que antes ele tudo sacrificava ao
presente. Tomando por objetivo a vida futura, pouco lhe importa estar um pouco
mais ou um pouco menos nesta outra; os interesses mundanos passam a ser o
acessório, em vez de ser o principal; ele trabalha no presente com o fito de
assegurar a sua posição no futuro, tanto mais quando sabe em que condições
poderá ser feliz.
Pelo
que toca aos interesses terrenos, podem os humanos criar-lhe obstáculos: ele
tem que os afastar e se torna egoísta pela força mesma das coisas. Se lançar os
olhos para o alto, para uma felicidade a que ninguém pode obstar, interesse
nenhum se lhe deparará em oprimir a quem quer que seja e o egoísmo se lhe torna
carente de objeto. Todavia, restará o estimulante do orgulho.
A
causa do orgulho está na crença, em que o homem se firma, da sua superioridade
individual. Ainda aí se faz sentir a influência da concentração dos pensamentos
sobre a vida corpórea. Naquele que nada vê adiante de si, atrás de si, nem
acima de si, o sentimento da personalidade sobrepuja e o orgulho fica sem
contrapeso.
A
incredulidade não só carece de meios para combater o orgulho, como o estimula e
lhe dá razão, negando a existência de um poder superior à Humanidade. O
incrédulo apenas crê em si mesmo; é, pois, natural que tenha orgulho. Enquanto,
nos golpes que o atingem, unicamente vê uma obra do acaso e se ergue para
combatê-la, aquele que tem fé percebe a mão de Deus e se submete. Crer em Deus
e na vida futura é, conseguintemente, a primeira condição para moderar o
orgulho; porém, não basta. Juntamente com o futuro, é necessário ver o passado,
para fazer ideia exata do presente.
Para
que o orgulhoso deixe de crer na sua superioridade, cumpre se lhe prove que ele
não é mais do que os outros e que estes são tanto quanto ele; que a igualdade é
um fato, e não apenas uma bela teoria filosófica; que estas verdades ressaltam
da preexistência da alma e da reencarnação.
Sem
a preexistência da alma, o homem é induzido a acreditar que Deus, dado creia em
Deus, lhe conferiu vantagens excepcionais; quando não crê em Deus, rende graças
ao acaso e ao seu próprio mérito. Iniciando-o na vida anterior da alma, a
preexistência lhe ensina a distinguir, da vida corporal, transitória, a vida
espiritual, infinita; ele fica sabendo que as almas saem todas iguais das mãos
do Criador; que todas têm o mesmo ponto de partida e a mesma finalidade, que
todas hão de alcançar, em mais ou menos tempo, conforme os esforços que
empreguem; que ele próprio não chegou a ser o que é, senão depois de haver, por
longo tempo e penosamente, vegetado, como os outros, nos degraus inferiores da
evolução; que, entre os mais atrasados e os mais adiantados, não há senão uma
questão de tempo; que as vantagens do nascimento são puramente corpóreas e independem
do Espírito; que o simples proletário pode, noutra existência, nascer num trono
e o maior potentado renascer proletário. Se levar em conta unicamente a vida
planetária, ele vê apenas as desigualdades sociais do momento, que são as que o
impressionam; se, porém, deitar os olhos sobre o conjunto da vida do Espírito,
sobre o passado e o futuro, desde o ponto de partida até o de chegada, aquelas
desigualdades se somem e ele reconhece que Deus nenhuma vantagem concedeu a
qualquer de seus filhos em prejuízo dos outros; que deu parte igual a todos e
não achanou o caminho mais para uns do que para outros; que o que se apresenta
menos adiantado do que ele na Terra pode tomar-lhe a dianteira, se trabalhar
mais do que ele por aperfeiçoar-se; reconhecerá, finalmente, que, nenhum
chegando ao termo senão por seus esforços, o princípio da igualdade é um
princípio de justiça e uma Lei da Natureza, perante a qual cai o orgulho do
privilégio.
Provando
que os Espíritos podem renascer em diferentes condições sociais, quer por
expiação, quer por provação, a reencarnação ensina que naquele a quem tratamos
com desdém pode estar um que foi nosso superior ou nosso igual noutra
existência, um amigo ou um parente. Se o soubesse, o que com ele se defronta o
trataria com atenções, mas, nesse caso, nenhum mérito teria; por outro lado, se
soubesse que o seu amigo atual foi seu inimigo, seu servo ou seu escravo, sem
dúvida o repeliria. Ora, não quis Deus que fosse assim, pelo que lançou um véu
sobre o passado. Deste modo, o homem é levado a ver, em todos, irmãos seus e
seus iguais, donde uma base natural para a fraternidade; sabendo que pode ser
tratado como haja tratado os outros, a caridade se lhe torna um dever e uma
necessidade fundados na própria natureza.
Jesus
assentou o princípio da caridade, da igualdade e da fraternidade, fazendo dele
uma condição expressa para a salvação, mas estava reservado à terceira
manifestação da vontade de Deus, ao Espiritismo, pelo conhecimento que faculta
da vida espiritual, pelos novos horizontes que desvenda e pelas leis que
revela, sancionar esse princípio, provando que ele não encerra uma simples doutrina
moral, mas uma Lei da Natureza que o homem tem o máximo interesse em praticar.
Ora, ele a praticará desde que, deixando de encarar o presente como o começo e
o fim, compreenda a solidariedade que existe entre o presente, o passado e o
futuro. No campo imenso do infinito, que o Espiritismo lhe faz entrever,
anula-se a sua importância capital e ele percebe que, por si só, nada vale e
nada é; que todos têm necessidade uns dos outros e que uns não são mais do que
os outros: duplo golpe, no seu egoísmo e no seu orgulho.
Para
isso, é-lhe necessária a fé, sem a qual permanecerá na rotina do presente, não
a fé cega, que foge à luz, restringe as ideias e, em consequência, alimenta o
egoísmo. É-lhe necessária a fé inteligente, racional, que procura a claridade,
e não as trevas, que ousadamente rasga o véu dos mistérios e alarga o
horizonte. Essa fé, elemento básico de todo progresso, é que o Espiritismo lhe
proporciona, fé robusta, porque assente na experiência e nos fatos, porque lhe
fornece provas palpáveis da imortalidade da sua alma, lhe mostra donde ele vem,
para onde vai e por que está na Terra e, finalmente, lhe firma as ideias, ainda
incertas, sobre o seu passado e sobre o seu futuro.
Uma
vez que haja entrado decisivamente por esse caminho, já não tendo o que os
incite, o egoísmo e o orgulho se extinguirão pouco a pouco, por falta de
objetivo e de alimento, e todas as relações sociais se modificarão sob o
influxo da caridade e da fraternidade bem compreendidas.
Poderá
isso dar-se por efeito de brusca mudança? Não, fora impossível: nada se opera
bruscamente em a Natureza; jamais a saúde volta de súbito a um enfermo; entre a
enfermidade e a saúde, há sempre a convalescença. Não pode o homem mudar
instantaneamente o seu ponto de vista e volver da Terra para o céu o olhar; o
infinito o confunde e deslumbra; ele precisa de tempo para assimilar as novas
ideias. O Espiritismo é, sem contradita, o mais poderoso elemento de
moralização, porque mina pela base o egoísmo e o orgulho, facultando um ponto
de apoio à moral. Há feito milagres de conversão; é certo que ainda são apenas
curas individuais, e não raro parciais. O que, porém, ele há produzido com
relação a indivíduos constitui penhor do que produzirá um dia sobre as massas.
Não lhe é possível arrancar de um só golpe as ervas daninhas. Ele dá a fé e a
fé é a boa semente, mas mister se faz que ela tenha tempo de germinar e de
frutificar, razão por que nem todos os espíritas já são perfeitos. Ele tomou o
homem em meio da vida, no fogo das paixões, em plena força dos preconceitos e
se, em tais circunstâncias, operou prodígios, que não será quando o tomar ao
nascer, ainda virgem de todas as impressões malsãs; quando a criatura sugar com
o leite a caridade e tiver a fraternidade a embalá-lo; quando, enfim, toda uma
geração for educada e alimentada com ideias que a razão, desenvolvendo-se,
fortalecerá, em vez de falsear? Sob o domínio destas ideias, a cimentarem a fé
comum a todos, não mais esbarrando o progresso no egoísmo e no orgulho, as
instituições se reformarão por si mesmas e a Humanidade avançará rapidamente
para os destinos que lhe estão prometidos na Terra, aguardando os do Céu.
LIBERDADE, IGUALDADE,
FRATERNIDADE
Liberdade,
igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem, por si sós, o programa
de toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da
Humanidade, se os princípios que elas exprimem pudessem receber integral
aplicação. Vejamos quais os obstáculos que, no estado atual da sociedade, se
lhes opõem e, ao lado do mal, procuremos o remédio.
A
fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens,
uns para com os outros. Significa: devotamento, abnegação, tolerância,
benevolência, indulgência. É, por excelência, a caridade evangélica e a
aplicação da máxima: “Proceder para com os outros, como quereríamos que os
outros procedessem para conosco”. O oposto do egoísmo. A fraternidade diz: “Um
por todos e todos por um”. O egoísmo diz: “Cada um por si”. Sendo estas duas
qualidades a negação uma da outra, tão impossível é que um egoísta proceda
fraternalmente para com os seus semelhantes, quanto a um avarento ser generoso,
quanto a um indivíduo de pequena estatura atingir a de um outro alto. Ora,
sendo o egoísmo a chaga dominante da sociedade, enquanto ele reinar soberanamente,
impossível será o reinado da fraternidade verdadeira. Cada um a quererá em seu
proveito; não quererá, porém, praticá-la em proveito dos outros, ou, se o
fizer, será depois de se certificar de que não perderá coisa alguma.
Considerada
do ponto de vista da sua importância para a realização da felicidade social, a
fraternidade está na primeira linha: é a base. Sem ela, não poderiam existir a
igualdade, nem a liberdade séria. A igualdade decorre da fraternidade e a
liberdade é consequência das duas outras.
Com
efeito, suponhamos uma sociedade de homens bastante desinteressados, bastante
bons e benévolos para viverem fraternalmente, sem haver entre eles nem
privilégios, nem direitos excepcionais, pois de outro modo não haveria
fraternidade. Tratar a alguém de irmão é tratá-lo de igual para igual; é querer
quem assim o trate, para ele, o que para si próprio quereria. Num povo de
irmãos, a igualdade será a consequência de seus sentimentos, da maneira de
procederem, e se estabelecerá pela força mesma das coisas. Qual, porém, o
inimigo da igualdade? O orgulho, que faz queira o homem ter em toda parte a
primazia e o domínio, que vive de privilégios e exceções, poderá suportar a
igualdade social, mas não a fundará nunca e na primeira ocasião a desmantelará.
Ora, sendo também o orgulho uma das chagas da sociedade, enquanto não for
banido, oporá obstáculo à verdadeira igualdade.
A
liberdade, dissemo-lo, é filha da fraternidade e da igualdade. Falamos da
liberdade legal, e não da liberdade natural, que, de direito, é imprescritível
para toda criatura humana, desde o selvagem até o civilizado. Os homens que
vivam como irmãos, com direitos iguais, animados do sentimento de benevolência
recíproca, praticarão entre si a justiça, não procurarão causar danos uns aos
outros e nada, por conseguinte, terão que temer uns dos outros. A liberdade
nenhum perigo oferecerá, porque ninguém pensará em abusar dela em prejuízo de
seus semelhantes. Mas como poderiam o egoísmo, que tudo quer para si, e o
orgulho, que incessantemente quer dominar, dar a mão à liberdade que os
destronaria? O egoísmo e o orgulho são, pois, os inimigos da liberdade, como o
são da igualdade e da fraternidade.
A
liberdade pressupõe confiança mútua. Ora, não pode haver confiança entre
pessoas dominadas pelo sentimento exclusivista da personalidade. Não podendo
cada uma satisfazer-se a si própria senão à custa de outrem, todas estarão
constantemente em guarda umas contra as outras. Sempre receosas de perderem o a
que chamam seus direitos, a dominação constitui a condição mesma da existência
de todas, pelo que armarão continuamente ciladas à liberdade e a abafarão tanto
tempo quando o puderem. Aqueles três princípios são, pois, conforme acima
dissemos, solidários entre si e se prestam mútuo apoio; sem a reunião deles o
edifício social não estaria completo. O da fraternidade não pode ser praticado
em toda a pureza, com exclusão dos dois outros, porquanto, sem a igualdade e a liberdade,
não há verdadeira fraternidade. A liberdade sem a fraternidade é rédea solta a
todas as más paixões, que desde então ficam sem freio; com a fraternidade, o
homem nenhum mau uso faz da sua liberdade: é a ordem; sem a fraternidade, usa
da liberdade para dar curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licença.
Por isso é que as nações mais livres se veem obrigadas a criar restrições à
liberdade. A igualdade, sem a fraternidade, conduz aos mesmos resultados, visto
que a igualdade reclama a liberdade; sob o pretexto de igualdade, o pequeno
rebaixa o grande, para lhe tomar o lugar, e se torna tirano por sua vez; tudo
se reduz a um deslocamento de despotismo.
Seguir-se-á
daí que, enquanto os homens não se acharem imbuídos do sentimento de
fraternidade, será necessário tê-los em servidão? Dar-se-á sejam inaptas as
instituições fundadas sobre os princípios de igualdade e de liberdade?
Semelhante opinião fora mais que errônea; seria absurda. Ninguém espera que uma
criança se ache com o seu crescimento completo para lhe ensinar a andar. Quem,
ademais, os tem sob tutela? Serão homens de ideias elevadas e generosas,
guiados pelo amor do progresso? Serão homens que se aproveitem da submissão dos
seus inferiores para lhes desenvolver o senso moral e elevá-los pouco a pouco à
condição de homens livres? Não; são, em sua maioria, homens ciosos do seu
poder, a cuja ambição e cupidez outros homens servem de instrumentos mais
inteligentes do que animais e que, então, em vez de emancipá-los, os conservam,
por todo o tempo que for possível, subjugados e na ignorância. Porém, esta
ordem de coisas muda de si mesma, pelo poder irresistível do progresso. A
reação é não raro violenta e tanto mais terrível, enquanto o sentimento da
fraternidade, imprudentemente sufocado, não logra interpor o seu poder
moderador; a luta se empenha entre os que querem tomar e os que querem reter;
daí um conflito que se prolonga às vezes por séculos. Afinal, um equilíbrio
fictício se estabelece; há qualquer coisa de melhor. Sente-se, porém, que as
bases sociais não estão sólidas; a cada passo o solo treme, por isso que ainda
não reinam a liberdade e a igualdade, sob a égide da fraternidade, porque o
orgulho e o egoísmo continuam empenhados em fazer se malogrem os esforços dos
homens de bem.
Todos
vós que sonhais com essa idade de ouro para a Humanidade trabalhai, antes de
tudo, na construção da base do edifício, sem pensardes em lhe colocar a cúpula;
ponde-lhe nas primeiras fiadas a fraternidade na sua mais pura acepção. No
entanto, para isso, não basta decretá-la e inscrevê-la numa bandeira; faz-se
mister que ela esteja no coração dos homens e não se muda o coração dos homens
por meio de ordenações. Do mesmo modo que para fazer que um campo frutifique, é
necessário se lhe arranquem os pedrouços e os tocos, aqui também é preciso
trabalhar sem descanso por extirpar o vírus do orgulho e do egoísmo, pois que
aí se encontra a causa de todo o mal, o obstáculo real ao reinado do bem. Eliminai
das leis, das instituições, das religiões, da educação até os últimos vestígios
dos tempos de barbárie e de privilégios, bem como todas as causas que alimentam
e desenvolvem esses eternos obstáculos ao verdadeiro progresso, os quais, por
assim dizer, bebemos com o leite e aspiramos por todos os poros na atmosfera
social. Somente então os homens compreenderão os deveres e os benefícios da
fraternidade e também se firmarão por si mesmos, sem abalos, nem perigos, os
princípios complementares, os da igualdade e da liberdade.
Será
possível a destruição do orgulho e do egoísmo? Responderemos alto e
terminantemente: SIM. Do contrário, forçoso seria determinar um ponto de parada
ao progresso da Humanidade. Que o homem cresce em inteligência, é fato
incontestável; terá ele chegado ao ponto culminante, além do qual não possa ir?
Quem ousaria sustentar tão absurda tese? Progride ele em moralidade? Para
responder a esta questão, basta se comparem as épocas de um mesmo país. Por que
teria ele atingido o limite do progresso moral, e não o do progresso
intelectual? Sua aspiração por uma melhor ordem de coisas é indício da
possibilidade de alcançá-la. Aos que são progressistas cabe acelerar esse
movimento por meio do estudo e da utilização dos meios mais eficientes.
AS ARISTOCRACIAS
Aristocracia
vem do grego aristos, o melhor, e kratos, poder. Aristocracia, pois, em sua
acepção literal, significa: poder dos melhores. Há-se de convir em que o
sentido primitivo tem sido por vezes singularmente deturpado, mas vejamos que
influência o Espiritismo pode exercer na sua aplicação. Para esse efeito,
tomemos as coisas no ponto de partida e acompanhemo-las através das idades, a
fim de deduzirmos daí o que acontecerá mais tarde. Em nenhum tempo, nem no seio
de nenhum povo, os homens, em sociedade, hão podido prescindir de chefes; com
estes deparamos nas tribos mais selvagens. Decorre isto de que, em razão da
diversidade das aptidões e dos caracteres inerentes à espécie humana, há por
toda parte homens incapazes, que precisam ser dirigidos, homens fracos que
reclamam proteção, paixões que exigem repressão. Daí a necessidade imperiosa de
uma autoridade. É sabido que, nas sociedades primitivas, essa autoridade foi
conferida aos chefes de família, aos antigos, aos anciãos; numa palavra: aos
patriarcas. Essa a primeira de todas as aristocracias.
Tornando-se
numerosas as sociedades, a autoridade patriarcal veio a ficar impotente em
certas circunstâncias. As querelas entre povoações vizinhas deram lugar a
combates; fez-se mister, para dirigi-las, não mais os velhos, porém homens
fortes, vigorosos e inteligentes; daí os chefes militares. Vitoriosos, estes
chefes foram investidos da autoridade, esperando os seus comandados que com a
valentia deles estariam garantidos contra os ataques dos inimigos. Muitos,
abusando da posição a que tinham sido elevados, se apossavam dela por si
mesmos. Depois, os vencedores passaram a impor-se aos vencidos, ou os reduziram
à escravidão. Daí a autoridade da força bruta, que foi a segunda aristocracia.
Os
fortes, com os bens que possuíam, transmitiram muito naturalmente a seus filhos
a autoridade de que desfrutavam; e os fracos, nada ousando dizer, se habituaram
pouco a pouco a ter esses filhos por herdeiros dos direitos que os pais haviam
conquistado e a considerá-los seus superiores. Veio assim a divisão da
sociedade em duas classes: a dos superiores e a dos inferiores, a dos que
mandam e a dos que obedecem. Estabeleceu-se de tal modo a aristocracia do
nascimento, que tão poderosa e preponderante se tornou, quanto a da força,
visto que, se não tinha por si a força, como nos primeiros tempos, em que
importava fizesse cada um o sacrifício da sua pessoa, dispunha de uma força
mercenária. Na posse de todo o poder, ela naturalmente se arrogou todos os
privilégios.
Para
conservação destes, era necessário lhes dessem o prestígio da legalidade; ela
então fez leis em seu próprio proveito, o que lhe era fácil, pois que ninguém
mais as fazia. Como isto, entretanto, não bastasse, juntou aos privilégios o
prestígio do direito divino, para torná-los respeitáveis e invioláveis. A fim
de lhes assegurar o respeito das classes submetidas, que cada vez mais
numerosas se faziam e mais difíceis de ser contidas, mesmo pela força, um único
meio havia: impedi-las de ver claro, isto é, conservá- -las na ignorância.
Se a
classe superior houvesse podido manter a classe inferior sem se ocupar com
coisa alguma, tê-la-ia governado facilmente durante ainda longo tempo, mas como
a segunda fosse obrigada a trabalhar para viver, e trabalhar tanto mais quanto
mais premida se achava, resultou que a necessidade de encontrar incessantemente
novos recursos, de lutar contra uma concorrência invasora, de procurar novos
mercados para os produtos, lhe desenvolveu a inteligência e fez com que as
próprias causas, de que os da classe superior se serviam para trazê-la sujeita,
a esclarecessem. Não se patenteia aí o dedo da Providência?
A
classe submetida viu com clareza as coisas; viu a fraca consistência que lhe
opunham e, sentindo-se forte pelo número, aboliu os privilégios e proclamou a
igualdade perante a lei. Este princípio, no seio de alguns povos, marcou o fim
do reinado da aristocracia de nascimento, que passou a ser apenas nominal e
honorífica, porquanto já não confere direitos legais.
Elevou-se
então uma nova potência, a do dinheiro, porque com dinheiro se dispõe dos
homens e das coisas. Era um Sol nascente e diante do qual todos se inclinaram,
como outrora se curvavam diante de um brasão. O que não se concedia ao título,
concedia-se à riqueza e a riqueza teve igualmente seus privilégios. Logo,
porém, se aperceberam de que, para conseguir a riqueza, certa dose de
inteligência era necessária, não sendo necessária muita para herdá-la, e de que
os descendentes são quase sempre mais hábeis em a consumir do que em ganhá-la,
de que os próprios meios de enriquecimento nem sempre são irreprocháveis, donde
resultou ir o dinheiro perdendo pouco a pouco o seu prestígio moral e tender essa
potência a ser substituída por outra, por uma aristocracia mais justa: a da inteligência,
diante da qual todos podem curvar-se, sem se envilecerem, porque ela pertence
tanto ao pobre quanto ao rico.
Será
a última? Será a mais alta expressão da Humanidade civilizada? Não.
A
inteligência nem sempre constitui penhor de moralidade e o homem mais
inteligente pode fazer péssimo uso de suas faculdades. Doutro lado, a
moralidade, isolada, pode, muita vez, ser incapaz. A reunião dessas duas
faculdades, inteligência e moralidade, é, pois, necessária a criar uma preponderância
legítima, a que a massa se submeterá cegamente, porque lhe inspirará plena
confiança, pelas suas luzes e pela sua justiça. Será essa a última
aristocracia, a que se apresentará como consequência, ou, antes, como sinal do
advento do reinado do bem na Terra. Ela se erguerá muito naturalmente pela
força mesma das coisas. Quando os homens de tal categoria forem bastante
numerosos para formarem uma maioria imponente, a massa lhes confiará seus interesses.
Como
vimos, todas as aristocracias tiveram sua razão de ser; nasceram do estado da
Humanidade; assim há de acontecer com o que se tornará uma necessidade. Todas
preencheram ou preencherão seu tempo, conforme os países, porque nenhuma teve
por base o princípio moral; só este princípio pode constituir uma supremacia
durável, porque terá a animá-la sentimentos de justiça e caridade. A essa
aristocracia chamaremos: aristocracia intelecto-moral.
Mas
semelhante estado de coisas será possível com o egoísmo, o orgulho, a cupidez
que reinam soberanos na Terra? Responderemos terminantemente: sim, não só é
possível, como se implantará, por ser inevitável. Já hoje a inteligência
domina; é soberana, ninguém o pode contestar. É tão verdade isto, que já se vê
o homem do povo chegar aos cargos de primeira ordem. Essa aristocracia não será
mais justa, mais lógica, mais racional do que a da força bruta, do nascimento,
ou do dinheiro? Por que, então, seria impossível que se lhe juntasse a
moralidade? — Porque, dizem os pessimistas, o mal domina sobre a Terra. — Quem
ousará dizer que o bem nunca o sobrepujará? Os costumes e, por conseguinte, as
instituições sociais, não valem cem vezes mais hoje do que na Idade Média? Cada
século não se assinala por um progresso? Por que, então, a Humanidade pararia,
quando ainda tem tanto que fazer? Por instinto natural, os homens procuram o
seu bem-estar; se não o acharem completo no reino da inteligência,
procurá-lo-ão algures, e onde poderão encontrá-lo, senão no reino da
moralidade? Para isso, torna-se preciso que a moralidade sobrepuje numericamente.
Não há contestar que muitíssimo se tem que fazer, mas, ainda uma vez, fora tola
pretensão dizer-se que a Humanidade chegou ao apogeu, quando é vista a avançar
continuamente pela senda do progresso.
Digamos,
antes de tudo, que os bons, na Terra, não são absolutamente tão raros como se
julga; os maus são numerosos, é infelizmente verdade; o que, porém, faz pareçam
eles ainda mais numerosos é que têm mais audácia e sentem que essa audácia lhes
é indispensável ao bom êxito. De tal modo, entretanto, compreendem a
preponderância do bem, que, não podendo praticá-lo, com ele se mascaram.
Os
bons, ao contrário, não fazem alarde das suas boas qualidades; não se põem em
evidência, donde o parecerem tão pouco numerosos. Pesquisai, no entanto, os
atos íntimos praticados sem ostentação e, em todas as camadas sociais,
deparareis com criaturas de natureza boa e leal em número bastante a vos
tranquilizar o coração, de maneira a não desesperardes da Humanidade. Depois,
cumpre também dizê-lo, entre os maus, muitos há que apenas o são por
arrastamento e que se tornariam bons, desde que submetidos a uma influência
boa. Admitamos que, em 100 indivíduos, haja 25 bons e 75 maus; destes últimos,
50 se contam que o são por fraqueza e que seriam bons, se observassem bons
exemplos e, sobretudo, se tivessem sido bem encaminhados desde a infância; dos
25 maus, nem todos serão incorrigíveis.
No
estado atual das coisas, os maus estão em maioria e ditam a lei aos bons. Suponhamos
que uma circunstância qualquer opere a conversão de 50 por cento deles: os bons
ficarão em maioria e a seu turno ditarão a lei; dos 25 outros, francamente
maus, muitos sofrerão a influência daqueles, restando apenas alguns
incorrigíveis sem preponderância.
Tomemos
um exemplo, para ilustrar o que acabamos de dizer: Há povos no seio dos quais o
assassínio e o roubo são a normalidade, constituindo exceção o bem. Nos povos
mais adiantados e mais bem governados da Europa, o crime é a exceção; acuado
pelas leis, ele nenhuma influência exerce sobre a sociedade. O que nesses povos
ainda predomina são os vícios de caráter: o orgulho, o egoísmo, a cupidez com
seus cortejos.
Por
que, progredindo esses povos, os vícios não se tornariam a exceção, como o são
hoje os crimes, ao passo que os povos inferiores galgariam o nosso nível? Negar
a possibilidade dessa marcha ascendente fora negar o progresso.
Certamente,
chegar a tal estado de coisas não pode ser obra de um dia, mas se há uma causa
capaz de apressar-lhe o advento, essa causa é, sem nenhuma dúvida, o
Espiritismo. Fator, por excelência, da fraternidade humana, por mostrar que as
provas da vida atual são a consequência lógica e racional dos atos praticados
nas existências anteriores, por fazer de cada homem o artífice voluntário da
sua própria felicidade, a vulgarização universal do Espiritismo dará em
resultado, necessariamente, uma elevação sensível do nível moral da atualidade.
Apenas
elaborados e coordenados, já os princípios gerais da nossa filosofia hão congregado,
em imponente comunhão de ideias, milhões de adeptos espalhados por toda a
Terra.
Os
progressos realizados pela sua influência, as transformações individuais e
locais que eles têm provocado em menos de quinze anos, permitem apreciemos as
modificações imensas e radicais que operarão no futuro. Mas se, graças ao
desenvolvimento e à aceitação geral dos ensinos dos Espíritos, o nível moral da
Humanidade tende constantemente a elevar-se, singularmente se iludiria quem
supusesse que a moralidade preponderará sobre a inteligência. O Espiritismo,
com efeito, não quer que o aceitem cegamente; reclama a discussão e a luz.
“Em
vez da fé cega, que aniquila a liberdade de pensar, diz ele: Fé inabalável só o
é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade. A fé
necessita de uma base, base que é a inteligência perfeita daquilo em que se
deve crer. E, para crer, não basta ver; é preciso, sobretudo, compreender” (O
evangelho segundo o espiritismo). Com bom direito, pois, podemos considerar o
Espiritismo como um dos mais fortes precursores da aristocracia do futuro, isto
é, da aristocracia intelecto-moral.
OS DESERTORES
Se é
certo que todas as grandes ideias contam apóstolos fervorosos e dedicados, não
menos certo é que mesmo as melhores dentre elas têm seus desertores. O
Espiritismo não podia escapar aos efeitos da fraqueza humana. Ele também teve
os seus e a esse respeito não serão inúteis algumas observações.
Nos
primeiros tempos, muitos se equivocaram sobre a natureza e os fins do
Espiritismo e não lhe perceberam o alcance. Antes de tudo mais, excitou a
curiosidade; muitos eram os que não viam nas manifestações espíritas mais do
que simples objeto de diversão; divertiram-se com os Espíritos, enquanto estes
quiseram diverti-los. Constituíam um passatempo, muitas vezes complementar das
reuniões familiares.
Esta
maneira por que a princípio a coisa se apresentou foi uma tática hábil dos
Espíritos. Sob a forma de divertimento, a ideia penetrou por toda parte e
semeou germens, sem espavorir as consciências timoratas. Brincaram com a
criança, mas a criança tinha de crescer.
Quando
aos Espíritos facetos sucederam os Espíritos sérios, moralizadores; quando o
Espiritismo se tornou ciência, filosofia, as pessoas superficiais deixaram de
achá-lo divertido; para os que se preocupam sobretudo com a vida material, era
um censor importuno e embaraçoso, pelo que não poucos o puseram de lado. Não há
que deplorar a existência desses desertores, porquanto as criaturas frívolas
não passam de pobres auxiliares, seja no que for. Todavia, essa primeira fase
não se pode considerar tempo perdido. Graças àquele disfarce, a ideia se
popularizou cem vezes mais do que se houvera, desde o primeiro momento,
revestido severa forma, e daqueles meios levianos e displicentes saíram graves
pensadores.
Postos
em moda pelo atrativo da curiosidade, constituindo um engodo, os fenômenos
tentaram a cupidez dos que andam à cata do que surge como novidade, na
esperança de encontrar aí uma porta aberta. As manifestações pareceram coisa
maravilhosamente explorável e não faltou quem pensasse em fazer delas um
auxiliar de seus negócios; para outros, eram uma variante da arte da
adivinhação, um processo, talvez mais seguro do que a cartomancia, a
quiromancia, a borra de café etc. etc., para se conhecer o futuro e descobrir
coisas ocultas, uma vez que, segundo a opinião então corrente, os Espíritos
tudo sabiam.
Vendo,
afinal, essas pessoas que a especulação lhes escapava dentre os dedos e dava em
mistificação, que os Espíritos não vinham ajudá-las a enriquecer, nem lhes
indicar números que seriam premiados nas loterias, ou revelar-lhes a boa sorte,
ou levá-las a descobrir tesouros, ou a receber heranças, nem ainda
facultar-lhes uma invenção frutuosa de que tirassem patente, suprir-lhes em
suma a ignorância e dispensá-las do trabalho intelectual e material, os
Espíritos para nada serviam e suas manifestações não passavam de ilusões. Tanto
essas pessoas deferiram louvores ao Espiritismo, durante todo o tempo em que
esperaram auferir dele algum proveito, quanto o denegriram desde que chegou a
decepção. Mais de um dos críticos que o vituperam tê-lo-iam elevado às nuvens,
se ele houvesse feito que descobrissem um tio rico na América, ou que ganhassem
na Bolsa. Das categorias dos desertores, é essa a mais numerosa, mas
compreende-se que os que a formam não podem ser qualificados de espíritas.
Também
essa fase apresentou sua utilidade. Mostrando o que não se devia esperar do
concurso dos Espíritos, ela deu a conhecer o objetivo sério do Espiritismo e
depurou a Doutrina. Sabem os Espíritos que as lições da experiência são as mais
proveitosas; se, logo de começo, eles dissessem: Não peçais isto ou aquilo,
porque nada conseguires, ninguém mais lhes daria crédito. Essa a razão por que
deixaram que as coisas tomassem o rumo que tomaram: foi para que da observação
ressaltasse a verdade. As decepções desanimaram os exploradores e contribuíram
para que o número deles diminuísse. Eram parasitos de que elas, as decepções,
livraram o Espiritismo, e não adeptos sinceros.
Alguns
indivíduos, mais perspicazes do que outros, entreviram o homem na criança que
acabava de nascer e temeram-na, como Herodes temeu o menino Jesus. Não se
atrevendo a atacar de frente o Espiritismo, esses indivíduos incitaram agentes
com o encargo de o abraçarem para asfixiá-lo; agentes que se mascaram para em
toda parte se intrometerem, para suscitarem habilmente a desafeição nos centros
e espalharem, dentro destes, com furtiva mão, o veneno da calúnia, acendendo,
ao mesmo tempo, o facho da discórdia, inspirando atos comprometedores, tentando
desencaminhar a Doutrina, a fim de torná-la ridícula ou odiosa e simular em
seguida defecções. Outros ainda são mais habilidosos: pregando a união, semeiam
a separação; destramente levantam questões irritantes e ferinas; despertam o
ciúme da preponderância entre os diferentes grupos; deleitar-se-iam, vendo-os
apedrejar-se e erguer bandeira contra bandeira, a propósito de algumas
divergências de opiniões sobre certas questões de forma ou de fundo, as mais
das vezes provocadas intencionalmente. Todas as doutrinas têm tido seus Judas;
o Espiritismo não poderia deixar de ter os seus e eles ainda não lhe faltaram.
Esses
são espíritas de contrabando, mas que também foram de alguma utilidade:
ensinaram ao verdadeiro espírita a ser prudente, circunspecto e a não se fiar
nas aparências.
Por
princípio, deve-se desconfiar dos entusiasmos demasiado febris: são quase
sempre fogo de palha, ou simulacros, ardores ocasionais, que suprem com a
abundância de palavras a falta de atos. A verdadeira convicção é calma,
refletida, motivada; revela-se, como a verdadeira coragem, pelos fatos, isto é,
pela firmeza, pela perseverança e, sobretudo, pela abnegação. O desinteresse
moral e material é a legítima pedra de toque da sinceridade.
Tem
esta um cunho sui generis; exterioriza-se por matizes muitas vezes mais fáceis
de ser compreendidos do que definidos; é sentida por efeito dessa transmissão
do pensamento, cuja lei o Espiritismo regulou, sem que a falsidade chegue nunca
a simulá-la completamente, visto não lhe ser possível mudar a natureza das
correntes fluídicas que projeta de si. Ela, a sinceridade, considera erro dar
troco à baixa e servil lisonja, que somente seduz as almas orgulhosas, lisonja
por meio da qual precisamente a falsidade se trai para com as almas elevadas.
Jamais
pôde o gelo imitar o calor.
Se
passarmos à categoria dos espíritas propriamente ditos, ainda aí depararemos
com certas fraquezas humanas, das quais a doutrina não triunfa imediatamente.
As mais difíceis de vencer-se são o egoísmo e o orgulho, as duas paixões
originárias do homem. Entre os adeptos convictos, não há deserções, na lídima
acepção do termo, visto como aquele que desertasse, por motivo de interesse ou
qualquer outro, nunca teria sido sinceramente espírita; pode, entretanto, haver
desfalecimentos. Pode dar-se que a coragem e a perseverança fraqueiem diante de
uma decepção, de uma ambição frustrada, de uma preeminência não alcançada, de
uma ferida no amor-próprio, de uma prova difícil. Há o recuo ante o sacrifício do
bem-estar, ante o receio de comprometer os interesses materiais, ante o medo do
“que dirão?”; há o ser-se abatido por uma mistificação, tendo como
consequência, não o afastamento, mas o esfriamento; há o querer viver para si,
e não para os outros, o beneficiar-se da crença, mas sob a condição de que isso
nada custe. Sem dúvida, podem os que assim procedem ser crentes, mas, sem contestação,
crentes egoístas, nos quais a fé não ateou o fogo sagrado do devotamento e da
abnegação; às suas almas custa o desprenderem-se da matéria. Fazem nominalmente
número, porém não há contar com eles.
Todos
os outros são espíritas que em verdade merecem esse qualificativo. Aceitam por
si mesmos todas as consequências da Doutrina e são reconhecíveis pelos esforços
que empregam por melhorar-se. Sem desprezarem, além dos limites do razoável, os
interesses materiais, estes são, para eles, o acessório, e não o principal; não
consideram a vida terrena senão como travessia mais ou menos penosa; estão
certos de que do emprego útil ou inútil que lhe derem depende o futuro; têm por
mesquinhos os gozos que ela proporciona, em face do objetivo esplêndido que
entreveem no Além; não se intimidam com os obstáculos com que topem no caminho;
veem nas vicissitudes e decepções provas que não lhes causam desânimo, porque
sabem que o repouso será o prêmio do trabalho. Daí vem que não se verificam
entre eles deserções, nem falências.
Por
isso mesmo, os bons Espíritos protegem manifestamente os que lutam com coragem
e perseverança, aqueles cujo devotamente é sincero e sem ideias preconcebidas;
ajudam-nos a vencer os obstáculos e suavizam as provas que não possam
evitar-lhes, ao passo que, não menos manifestamente, abandonam os que se
afastam deles e sacrificam a causa da verdade às suas ambições pessoais.
Deveremos
incluir também entre os desertores do Espiritismo os que se retiram porque a
nossa maneira de ver não lhes satisfaz; os que, por acharem muito lento ou
muito rápido o nosso método, pretendem alcançar mais depressa e em melhores
condições a meta a que visamos? Certamente que não, se têm por guia a
sinceridade e o desejo de propagar a verdade. — Sim, se seus esforços tendem
unicamente a se porem eles em evidência e a chamar sobre si a atenção pública,
para satisfação do amor-próprio e de interesses pessoais!...
Tendes
um modo de ver diferente do nosso, não simpatizais com os princípios que
admitimos! Nada prova que estais mais próximos da verdade do que nós. Pode-se
divergir de opinião em matéria de ciência; investigai do vosso lado, como nós investigamos
do nosso; o futuro dará a ver qual de nós está em erro ou com a razão. Não
pretendemos ser os únicos a reunir as condições fora das quais não são
possíveis estudos sérios e úteis; o que temos feito podem outros, sem dúvida,
fazer. Que os homens inteligentes se agreguem a nós, ou se congreguem longe de
nós, pouco importa!... Se os centros de estudos se multiplicarem, tanto melhor;
será um sinal de incontestável progresso, que aplaudiremos com todas as nossas
forças.
Quanto
às rivalidades, às tentativas que façam por nos suplantarem, temos um meio
infalível de não as temer. Trabalhamos para compreender, por enriquecer a nossa
inteligência e o nosso coração; lutamos com os outros, mas lutamos com caridade
e abnegação. O amor do próximo inscrito em nosso estandarte é a nossa divisa; a
pesquisa da verdade, venha donde vier, o nosso único objetivo. Com tais
sentimentos, enfrentamos a zombaria dos nossos adversários e as tentativas dos
nossos competidores. Se nos enganarmos, não teremos o tolo amor-próprio que nos
leve a obstinar-nos em ideias falsas; há, porém, princípios acerca dos quais
podemos todos estar seguros de nos não enganarmos nunca: o amor do bem, a
abnegação, a proscrição de todo sentimento de inveja e de ciúme. Estes
princípios são os nossos; vemos neles os laços que prenderão todos os homens de
bem, qualquer que seja a divergência de suas opiniões. Somente o egoísmo e a má-fé
erguem entre eles barreiras intransponíveis.
Mas
qual será a consequência de semelhante estado de coisas? Indubitavelmente, o
proceder dos falsos irmãos poderá de momento acarretar algumas perturbações
parciais, pelo que todos os esforços devem ser empregados para levá-las ao
malogro, tanto quanto possível; essas perturbações, porém, pouco tempo
necessariamente durarão e não poderão ser prejudiciais ao futuro: primeiro,
porque são simples manobras de oposição, fadadas a cair pela força mesma das
coisas; depois, digam o que disserem, ou façam o que fizerem, ninguém seria
capaz de privar a Doutrina do seu caráter distintivo, da sua filosofia racional
e lógica, da sua moral consoladora e regeneradora. Hoje, estão lançadas de
forma inabalável as bases do Espiritismo; os livros escritos sem equívoco e
postos ao alcance de todas as inteligências serão sempre a expressão clara e
exata do ensino dos Espíritos e o transmitirão intacto aos que nos sucederem.
Insta
não perder de vista que estamos num momento de transição e que nenhuma
transição se opera sem conflito. Ninguém, pois, deve espantar-se de que certas
paixões se agitem, por efeito de ambições malogradas, de interesses feridos, de
pretensões frustradas. Pouco a pouco, porém, tudo isso se extingue, a febre se
abranda, os homens passam e as novas ideias permanecem. Espíritas, se quereis
ser invencíveis, sede benévolos e caridosos; o bem é uma couraça contra a qual
sempre se quebrarão as manobras da malevolência!...
Nada,
pois, temamos: o futuro nos pertence. Deixemos que os nossos adversários se
debatam, apertados pela verdade que os ofusca; qualquer oposição é impotente
contra a evidência, que inevitavelmente triunfa pela força mesma das coisas. É
uma questão de tempo a vulgarização universal do Espiritismo e neste século o
tempo marcha a passo de gigante, sob a impulsão do progresso. Allan Kardec
Nota
– Como complemento deste artigo, publicamos uma instrução que sobre o mesmo
assunto Allan Kardec deu, logo que voltou ao mundo dos Espíritos. Pareceu-nos
interessante, para os nossos leitores, juntar às páginas eloquentes e viris que
se acabam de ler a opinião atual do organizador por excelência da nossa
filosofia.
Quando
eu me achava corporalmente entre vós, disse muitas vezes que havia de fazer aí
uma história do Espiritismo, que não seria destituída de interesse. É este, ainda
agora, o meu parecer e os elementos que eu reunira para esse fim poderão servir
um dia à realização da minha ideia. É que eu, com efeito, me encontrava mais
bem colocado do que qualquer outro para apreciar o curioso espetáculo que a descoberta
e a vulgarização de uma grande verdade provocara. Pressentia outrora, hoje sei,
que ordem maravilhosa e que harmonia inconcebível presidem à concentração de
todos os documentos destinados a dar nascimento à nova obra. A benevolência, a
boa vontade, o devotamento absoluto de uns; a má-fé, a hipocrisia, as maldosas
manobras de outros, tudo concorre para garantir a estabilidade do edifício que
se eleva. Nas mãos das potestades superiores, que presidem a todos os progressos,
as resistências inconscientes ou simuladas, os ataques visando semear o descrédito
e o ridículo, se tornam elementos de elaboração.
Que
não têm feito! Que é o que não têm posto em ação para asfixiar no berço a criança!
A
princípio o charlatanismo e a superstição quiseram, ora um, ora outra,
apoderar-se dos nossos princípios, a fim de os explorarem em proveito próprio;
todos os raios da imprensa se projetaram contra nós; chasquearam das coisas
mais respeitáveis; atribuíram aos Espíritos do mal os ensinos dos Espíritos
mais dignos da admiração e da veneração universais; entretanto, todos esses
esforços conjugados mais não conseguiram, senão proclamar a impotência dos
nossos adversários.
É
dentro dessa luta incessante contra os preconceitos firmados, contra erros
acreditados, que se aprende a conhecer os homens. Eu sabia, ao consagrar-me à
obra da minha predileção, que me expunha ao ódio, à inveja e ao ciúme dos
outros. O caminho se achava inçado de dificuldades que de contínuo se
renovavam. Nada podendo contra a doutrina, atiravam-se ao homem, mas, por esse
lado, eu me sentia forte, porque renunciara à minha personalidade. Que me
importavam os esforços da calúnia; a minha consciência e a grandeza do objetivo
me faziam esquecer de boa vontade as urzes e os espinhos da estrada. Os
testemunhos de simpatia e de estima, que recebi dos que me souberam apreciar,
constituíram a mais estimável recompensa que eu jamais ambicionara. Mas ah!
Quantas vezes teria sucumbido ao peso da minha tarefa, se a afeição e o
reconhecimento de muitos não me houvessem feito olvidar a ingratidão e a
injustiça de alguns, porquanto, se os ataques contra mim dirigidos sempre me
encontraram insensível, penosamente magoado me sentia, devo dizê-lo, todas as
vezes que descobria falsos amigos entre aqueles com quem mais contava.
Se é
justo censurar os que hão tentado explorar o Espiritismo ou desnaturá-lo em seus
escritos, sem o terem previamente estudado, quão mais culpados não são os que,
depois de lhe haverem assimilado todos os princípios, não contentes de se lhe apartarem
do seio, contra ele voltaram todos os seus esforços! É, sobretudo, para os
desertores dessa categoria que devemos implorar a misericórdia divina, pois que
apagaram voluntariamente o facho que os iluminava e com o qual podiam esclarecer
os outros. Eles, por isso, logo perdem a proteção dos bons Espíritos e, conforme
a triste experiência que temos feito, bem depressa chegam, de queda em queda,
às mais críticas situações!
Desde
que voltei para o mundo dos Espíritos, tornei a ver alguns desses infelizes!
Arrependem-se agora; lamentam a inação em que ficaram e a má vontade de que deram
prova, sem lograrem, todavia, recuperar o tempo perdido!... Tornarão em breve à
Terra, com o firme propósito de concorrerem ativamente para o progresso e se
verão ainda em luta com as tendências antigas, até que definitivamente
triunfem. Fora de crer que os espíritas de hoje, esclarecidos por esses
exemplos, evitariam cair nos mesmos erros. Assim, porém, não é. Ainda por longo
tempo haverá irmãos falsos e amigos desassisados, mas, tal como seus irmãos
mais velhos, não conseguirão fazer que o Espiritismo saia da sua diretriz.
Embora causem algumas perturbações momentâneas e puramente locais, nem por isso
a Doutrina periclitará.
Ao
contrário, os espíritas transviados bem depressa reconhecerão o erro em que incidiram
e virão colaborar com maior ardor na obra por um instante abandonada e, atuando
de acordo com os Espíritos Superiores que dirigem as transformações humanitárias,
caminharão a passo rápido para os ditosos tempos prometidos à Humanidade
regenerada.
Ligeira resposta aos
detratores do Espiritismo
É
imprescritível o direito de exame e de crítica e o Espiritismo não alimenta a
pretensão de subtrair-se ao exame e à crítica como não tem a de satisfazer a
toda gente. Cada um é, pois, livre de o aprovar ou rejeitar, mas, para isso,
necessário se faz discuti-lo com conhecimento de causa. Ora, a crítica tem por
demais provado que lhe ignora os mais elementares princípios, fazendo-o dizer
precisamente o contrário do que ele diz, atribuindo-lhe o que ele desaprova,
confundindo-o com as imitações grosseiras e burlescas do charlatanismo, enfim,
apresentando, como regra de todos, as excentricidades de alguns indivíduos.
Também por demais a malignidade há querido torná-lo responsável por atos
repreensíveis ou ridículos, nos quais o seu nome foi envolvido incidentemente,
e disso se aproveita como arma contra ele.
Antes
de imputar a uma doutrina a culpa de incitar a um ato condenável qualquer, a
razão e a equidade exigem que se examine se essa doutrina contém máximas que
justifiquem semelhante ato.
Para
conhecer-se a parte de responsabilidade que, em dada circunstância, caiba ao
Espiritismo, há um meio muito simples: proceder de boa-fé a uma perquirição,
não entre os adversários, mas na própria fonte, do que ele aprova e do que
condena. Isso é tanto mais fácil, quanto ele não tem segredos; seus ensinos são
patentes e quem quer que seja pode verificá-los.
Assim,
se os livros da Doutrina Espírita condenam explícita e formalmente um ato
justamente reprovável; se, ao contrário, só encerram instruções de natureza a
orientar para o bem, segue-se que não foi neles que um indivíduo culpado de
malefícios se inspirou, ainda mesmo que os possua.
O
Espiritismo não é solidário com aqueles a quem apraza dizerem-se espíritas, do
mesmo modo que a Medicina não o é com os que a exploram, nem a sã religião com
os abusos e até crimes que se cometam em seu nome. Ele não reconhece como seus
adeptos senão os que lhe praticam os ensinos, isto é, que trabalham por
melhorar-se moralmente, esforçando-se por vencer os maus pendores, por ser
menos egoístas e menos orgulhosos, mais brandos, mais humildes, mais caridosos
para com o próximo, mais moderados em tudo, porque é essa a característica do
verdadeiro espírita.
Esta
breve nota não tem por objeto refutar todas as falsas alegações que se lançam
contra o Espiritismo, nem lhe desenvolver e provar todos os princípios, nem,
ainda menos, tentar converter a esses princípios os que professem opiniões
contrárias, mas, apenas, dizer, em poucas palavras, o que ele é e o que não é,
o que admite e o que desaprova.
As
crenças que propugna, as tendências que manifesta e o fim a que visa se resumem
nas proposições seguintes:
1o )
O elemento espiritual e o elemento material são os dois princípios,
as
duas forças vivas da Natureza, as quais se completam uma a outra e reagem
incessantemente uma sobre a outra, indispensáveis ambas ao funcionamento do
mecanismo do Universo.
Da
ação recíproca desses dois princípios se originam fenômenos que cada um deles,
isoladamente, não tem possibilidade de explicar.
À
Ciência, propriamente dita, cabe a missão especial de estudar as leis da
matéria.
O
Espiritismo tem por objeto o estudo do elemento espiritual em suas relações com
o elemento material e aponta na união desses dois princípios a razão de uma
imensidade de fatos até então inexplicados.
O
Espiritismo caminha ao lado da Ciência, no campo da matéria: admite todas as
verdades que a Ciência comprova, mas não se detém onde esta última para:
prossegue nas suas pesquisas pelo campo da espiritualidade.
2o )
Sendo o elemento espiritual um estado ativo da Natureza, os fenômenos em que
ele intervém estão submetidos a leis e são por isso mesmo tão naturais quanto
os que derivam da matéria neutra.
Alguns
de tais fenômenos foram reputados sobrenaturais, apenas por ignorância das leis
que os regem. Em virtude desse princípio, o Espiritismo não admite o caráter de
maravilhoso atribuído a certos fatos, embora lhes reconheça a realidade ou a
possibilidade. Não há, para ele, milagres, no sentido de derrogação das Leis
Naturais, donde se segue que os espíritas não fazem milagres e que é impróprio
o qualificativo de taumaturgos que umas tantas pessoas lhes dão.
O
conhecimento das leis que regem o princípio espiritual prende-se de modo direto
à questão do passado e do futuro do homem. Cinge-se a sua vida à existência
atual? Ao entrar neste mundo, vem ele do nada e volta para o nada ao deixá-lo?
Já viveu e ainda viverá? Como viverá e em que condições? Numa palavra: donde
vem ele e para onde vai? Por que está na Terra e por que sofre aí? Tais as
questões que cada um faz a si mesmo, porque são para toda gente de capital
interesse e às quais ainda nenhuma doutrina deu solução racional. A que lhe dá
o Espiritismo, baseada em fatos, por satisfazer às exigências da lógica e da
mais rigorosa justiça, constitui uma das causas principais da rapidez de sua
propagação.
O
Espiritismo não é uma concepção pessoal, nem o resultado de um sistema
preconcebido. É a resultante de milhares de observações feitas sobre todos os
pontos do globo e que convergiram para um centro que os coligiu e coordenou.
Todos os seus princípios constitutivos, sem exceção de nenhum, são deduzidos da
experiência. Esta precedeu sempre a teoria.
Assim,
desde o começo, o Espiritismo lançou raízes por toda parte. A História nenhum
exemplo oferece de uma doutrina filosófica ou religiosa que, em dez anos, tenha
conquistado tão grande número de adeptos. Entretanto, não empregou, para se
fazer conhecido, nenhum dos meios vulgarmente em uso; propagou-se por si mesmo,
pelas simpatias que inspirou.
Outro
fato não menos constante é que, em nenhum país, a sua doutrina não surgiu das
ínfimas camadas sociais; em todos os lugares ela se propagou de cima para baixo
na escala da sociedade e ainda é nas classes esclarecidas que se acha quase
exclusivamente espalhada, constituindo insignificante minoria, no seio de seus
adeptos, as pessoas iletradas.
Verifica-se
também que a disseminação do Espiritismo seguiu, desde os seus primórdios,
marcha sempre ascendente, a despeito de tudo quanto fizeram seus adversários
para entravá-la e para lhe desfigurar o caráter, com o fito de desacreditá-lo
na opinião pública. É mesmo de notar-se que tudo o que hão tentado com esse
propósito lhe favoreceu a difusão; o arruído que provocaram por ocasião do seu
advento fez que viessem a conhecê-lo muitas pessoas que antes nunca ouviram
falar dele; quanto mais procuraram denegri-lo ou ridiculizá-lo, tanto mais
despertaram a curiosidade geral, e, como todo exame só lhe pode ser proveitoso,
o resultado foi que seus opositores se constituíram, sem o quererem, ardorosos
propagandistas seus. Se as diatribes nenhum prejuízo lhe acarretaram, é que os
que o estudaram em suas legítimas fontes o reconheceram muito diverso do que o
tinham figurado.
Nas
lutas que precisou sustentar, os imparciais lhe testificaram a moderação; ele
nunca usou de represálias com os seus adversários, nem respondeu com injúrias
às injúrias.
O
Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos, como qualquer
filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai ter às bases fundamentais
de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas não é uma religião
constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus
adeptos, nenhum tomou, nem recebeu o título de sacerdote ou de sumo sacerdote.
Estes qualificativos são de pura invenção da crítica.
É-se
espírita pelo só fato de simpatizar com os princípios da Doutrina e por
conformar com esses princípios o proceder. Trata-se de uma opinião como
qualquer outra, que todos têm o direito de professar, como têm o de ser judeus,
católicos, protestantes, simonistas, voltairianos, cartesianos, deístas e, até,
materialistas.
O
Espiritismo proclama a liberdade de consciência como direito natural; reclama-a
para os seus adeptos, do mesmo modo que para toda a gente. Respeita todas as
convicções sinceras e faz questão da reciprocidade.
Da
liberdade de consciência decorre o direito de livre-exame em matéria de fé. O
Espiritismo combate a fé cega, porque ela impõe ao homem que abdique da sua
própria razão; considera sem raiz toda fé imposta, donde o inscrever entre suas
máximas: Não é inabalável, senão a fé que pode encarar de frente a razão em
todas as épocas da Humanidade.
Coerente
com seus princípios, o Espiritismo não se impõe a quem quer que seja; quer ser
aceito livremente e por efeito de convicção. Expõe suas doutrinas e acolhe os
que voluntariamente o procuram.
Não
cuida de afastar pessoa alguma das suas convicções religiosas; não se dirige
aos que possuem uma fé e a quem essa fé basta; dirige-se aos que, insatisfeitos
com o que se lhes dá, pedem alguma coisa melhor.
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