NOÇÕES ELEMENTARES DE
ESPIRITISMO
Observações
preliminares
1. É
um erro crer-se que basta a certos incrédulos o testemunho de fenômenos
extraordinários, para que se tornem convictos. Quem não admite no homem a
existência da alma ou Espírito, também não a aceita fora dele; e, portanto,
negando a causa, nega implicitamente os efeitos. Os contraditores se
apresentam, quase sempre, com uma ideia preconcebida que os desvia de uma
observação séria e imparcial, e levantam questões e objeções a que é impossível
responder-se logo, de modo completo, porque seria preciso fazer-se, para cada
um, uma espécie de curso, retomando as coisas desde o princípio. O estudo
prévio tem como resultado evitar-se essas objeções que, na maioria, se originam
da ignorância das causas dos fenômenos e das condições em que estes se
produzem.
2.
Quem não conhece o Espiritismo, supõe que se podem produzir fenômenos espíritas,
como se faz uma experiência de Física ou de Química. Daí a pretensão de
sujeitá-los à sua vontade e a recusa de se colocar nas condições necessárias
para os poder observar. Não admitindo, como princípio, a existência e a
intervenção dos Espíritos, ou, pelo menos, não conhecendo nem a sua natureza,
nem o seu modo de ação, esses indivíduos se comportam como se operassem sobre a
matéria bruta; e, desde que não obtêm o que pedem, concluem que não há
Espíritos.
Colocando-se
em um ponto de vista diferente, compreender-se-á que, não sendo os Espíritos
mais que almas dos homens, todos nós, depois da morte, seremos Espíritos, e
que, nestas condições, também estaríamos pouco dispostos a servir de joguete,
para satisfação das fantasias dos curiosos.
3. Ainda que certos fenômenos possam ser provocados, eles, pelo fato de provirem de inteligências livres, não se acham absolutamente à disposição de quem quer que seja; e quem se disser capaz de obtê-los, sempre que queira, só provará ignorância ou má-fé. É preciso esperá-los, apanhá-los em sua passagem, e, muitas vezes, é quando são menos esperados que se apresentam os fatos mais interessantes e concludentes. Aquele que seriamente deseja instruir-se deve, nisto como em tudo, ter paciência e perseverança, e colocar-se nas condições indispensáveis; doutra forma, é melhor não se preocupar com isso.
4.
Nem sempre as reuniões que têm por objeto tratar de manifestações espíritas se
acham em boas condições, seja para obter resultados satisfatórios, seja para
produzir a convicção; de algumas mesmo, não podemos deixar de convir, os
incrédulos saem menos convencidos do que o eram quando entraram, lançando em
rosto, aos que lhes falam do caráter sério do Espiritismo, as coisas, muitas
vezes ridículas, de que foram testemunhas. Nisso não são eles mais lógicos que
aqueles que pretendessem julgar de uma arte pelas primeiras provas de um
aprendiz, de uma pessoa pela sua caricatura, ou de uma tragédia pela paródia. O
Espiritismo também tem aprendizes; e quem quer esclarecer-se não deve colher
ensinos de uma só fonte, porque só pelo exame e pela comparação se pode firmar
um juízo.
5.
As reuniões frívolas têm o grave inconveniente de dar aos noviços, que a elas
assistem, uma ideia falsa do caráter do Espiritismo. Os que só têm frequentado
reuniões dessa espécie, não podem tomar a sério uma coisa que eles veem tratada
irrefletidamente pelos próprios que se dizem adeptos. Um estudo antecipado lhes
ensinará a julgar do alcance do que veem, a separar o bom do mau.
6. O
mesmo raciocínio se aplica aos que julgarem o Espiritismo pelo que dizem certas
obras excêntricas que dele apenas dão uma ideia incompleta e ridícula. O
Espiritismo sério não pode responder por aqueles que o compreendem mal, ou que
o praticam de modo contrário aos seus preceitos; assim como não o faz a poesia
por aqueles que produzem maus versos. É deplorável, dizem, que existam tais
obras prejudicando a verdadeira ciência. Sem dúvida, seria preferível que só as
houvesse boas; o maior mal, porém, consiste em não se darem ao trabalho de
estudá-las todas. Todas as artes, todas as ciências, além disso, estão no mesmo
caso. Não vemos, sobre as mais sérias coisas, aparecerem tratados absurdos e
cheios de erros? Por que seria privilegiado, nesse sentido, o Espiritismo,
sobretudo em seu começo? Se os que o criticam não tomassem as aparências por
base do seu juízo, saberiam o que ele admite e o que rejeita, e não lhe
lançariam em conta o que ele repele em nome da razão e da experiência.
DOS ESPÍRITOS
7.
Os Espíritos não são, como supõem muitas pessoas, uma classe à parte na
Criação, porém as almas, despidas do seu invólucro corporal, daqueles que
viveram na Terra ou em outros mundos. Aquele que admite a sobrevivência da alma
ao corpo admite, pelo mesmo motivo, a existência dos Espíritos; negar os
Espíritos seria negar a alma.
8.
Faz-se geralmente uma ideia muito errônea do estado dos Espíritos; eles não
são, como alguns acreditam, seres vagos e indefinidos, nem chamas semelhantes a
fogos-fátuos, nem fantasmas como os pintam nos contos das almas do outro mundo.
São seres nossos semelhantes, tendo como nós um corpo, mas fluídico e invisível
no estado normal.
9.
Quando a alma está unida ao corpo, durante a vida, ela tem duplo invólucro: um
pesado, grosseiro e destrutível — o corpo; o outro fluídico, leve e
indestrutível, chamado perispírito.
10.
Há, pois, no homem três elementos essenciais: 1o A alma ou Espírito, princípio
inteligente em que residem o pensamento, a vontade e o senso moral; 2o O corpo,
invólucro material que põe o Espírito em relação com o mundo exterior; 3o O
perispírito, invólucro fluídico, leve, imponderável, servindo de laço e de
intermediário entre o Espírito e o corpo.
11.
Quando o invólucro exterior está usado e não pode mais funcionar, tomba e o
Espírito o abandona, como o fruto se despoja da sua semente, a árvore da casca,
a serpente da pele, em uma palavra, como se deixa um vestido velho que já não
pode servir; é o que se designa pelo nome de morte.
12.
A morte é apenas a destruição do envoltório corporal, que a alma abandona, como
o faz a borboleta com a crisálida, conservando, porém, seu corpo fluídico ou
perispírito.
13.
A morte do corpo desembaraça o Espírito do laço que o prendia à Terra e o fazia
sofrer; e uma vez libertado desse fardo, não lhe resta mais que o seu corpo
etéreo, que lhe permite percorrer o espaço e transpor as distâncias com a
rapidez do pensamento.
14.
A união da alma, do perispírito e do corpo material constitui o homem; a alma e
o perispírito separados do corpo constituem o ser chamado Espírito. Observação
– A alma é assim um ser simples; o Espírito um ser duplo e o homem um ser
triplo. Seria mais exato reservar a palavra alma para designar o princípio
inteligente, e o termo Espírito para o ser semimaterial formado desse princípio
e do corpo fluídico, mas como não se pode conceber o princípio inteligente
isolado da matéria, nem o perispírito sem ser animado pelo princípio
inteligente, as palavras alma e Espírito são, no uso, indiferentemente
empregadas uma pela outra; é a figura que consiste em tomar a parte pelo todo,
do mesmo modo por que se diz que uma cidade é povoada de tantas almas, uma vila
composta de tantas famílias; filosoficamente, porém, é essencial fazer-se a
diferença.
15.
Os Espíritos revestidos de seus corpos materiais constituem a humanidade ou
mundo corporal visível; despojados desses corpos, formam o mundo espiritual ou
invisível que povoa o espaço e no meio do qual vivemos, sem disso desconfiar,
como vivemos no meio do mundo dos infinitamente pequenos, de que não
suspeitávamos, antes da invenção do microscópio.
16.
Os Espíritos não são, portanto, entes abstratos, vagos e indefinidos, mas seres
concretos e circunscritos, aos quais só falta serem visíveis para se
assemelharem aos humanos; donde se segue que se, em dado momento, pudesse ser
levantado o véu que no-los esconde, eles formariam uma população, cercando-nos
por toda parte.
17.
Os Espíritos possuem todas as percepções que tinham na Terra, porém em grau
mais alto, porque as suas faculdades não estão amortecidas pela matéria; eles
têm sensações desconhecidas por nós, veem e ouvem coisas que os nossos sentidos
limitados nos não permitem ver nem ouvir. Para eles não há obscuridade,
excetuando-se aqueles que, por punição, se acham temporariamente nas trevas. Todos
os nossos pensamentos neles se repercutem, e eles os leem como em um livro
aberto; de modo que o que podíamos esconder a alguém, durante a vida terrena,
não mais o podemos depois da sua desencarnação. (Ver O livro dos espíritos,
questão 237.)
18.
Os Espíritos estão em toda parte, ao nosso lado, acotovelando- -nos e
observando-nos sem cessar. Por sua presença incessante entre nós, eles são os
agentes de diversos fenômenos, desempenham um papel importante no mundo moral,
e, até certo ponto, no físico; constituem, se o podemos dizer, uma das forças
da natureza.
19.
Desde que se admita a sobrevivência da alma ou do Espírito, é racional que as
suas afeições continuem; sem o que, as almas dos nossos parentes e amigos
seriam, pela morte, totalmente perdidas para nós.
Pois
que os Espíritos podem ir a toda parte, é igualmente racional admitir-se que
aqueles que nos amaram, durante a vida terrena, ainda nos amem depois da morte,
que venham para junto de nós e se sirvam, para isso, dos meios que encontrem à
sua disposição; é o que confirma a experiência.
A
experiência, de fato, prova que os Espíritos conservam as afeições sérias que
tinham na Terra, que folgam em se juntarem àqueles a que amaram, sobretudo
quando são por estes atraídos pelos sentimentos afetuosos que lhes dedicam; ao
passo que se mostram indiferentes para com quem só lhes vota indiferença.
20.
O Espiritismo tem por fim demonstrar e estudar a manifestação dos Espíritos,
suas faculdades, sua situação feliz ou infeliz, seu futuro; em suma, o
conhecimento do mundo espiritual. Essas manifestações, sendo averiguadas,
conduzem à prova irrecusável da existência da alma, de sua sobrevivência ao
corpo, de sua individualidade depois da morte, isto é, de sua vida futura; por
isso ele é a negação das doutrinas materialistas, não tanto por meio de
raciocínios, mas principalmente por fatos.
21.
Uma ideia quase geral, entre os que não conhecem o Espiritismo, é a de crer que
os Espíritos, pelo simples fato de estarem desprendidos da matéria, devem saber
tudo, estar de posse da sabedoria suprema. É um grave erro.
Não
sendo mais que as almas dos homens, os Espíritos não adquirem a perfeição logo
que deixam o envoltório terrenal. Seu progresso só se faz com o tempo, e não é
senão paulatinamente que se despojam das suas imperfeições, que conquistam os
conhecimentos que lhes faltam. Seria tão ilógico admitir-se que o Espírito de
um selvagem ou de um criminoso se torne de repente sábio e virtuoso, como seria
contrário à Justiça de Deus supor que ele continue perpetuamente em
inferioridade.
Como
há homens de todos os graus de saber e ignorância, de bondade e malvadez, dá-se
o mesmo com os Espíritos. Alguns destes são apenas frívolos e travessos; outros
são mentirosos, fraudulentos, hipócritas, maus e vingativos; outros, pelo
contrário, possuem as mais sublimes virtudes e o saber em grau desconhecido na
Terra. Essa diversidade nas qualidades dos Espíritos é um dos pontos mais importantes
a considerar, por explicar a natureza boa ou má das comunicações que se
recebem; é em distingui-las que devemos empregar todo o nosso cuidado. (Ver O
livro dos espíritos, questão 100, “Escala espírita”. — O livro dos médiuns,
cap. XXIV.)
COMUNICAÇÃO COM O
MUNDO INVISÍVEL
22.
Sendo admitidas a existência, a sobrevivência e a individualidade da alma, o
Espiritismo reduz-se a uma só questão principal: Serão possíveis as
comunicações entre as almas e os viventes? Essa possibilidade foi demonstrada
pela experiência, e uma vez estabelecido o fato das relações entre os mundos
visível e invisível, bem como conhecidos a natureza, o princípio e o modo
dessas relações, abriu-se um novo campo à observação e encontrou-se a chave de
grande número de problemas. Fazendo cessar a dúvida sobre o futuro, o
Espiritismo é um poderoso elemento de moralização.
23.
O que faz nascer na mente de muitas pessoas a dúvida sobre a possibilidade das
comunicações de além-túmulo, é a ideia falsa que fazem do estado da alma depois
da morte. Figuram ser ela um sopro, uma fumaça, uma coisa vaga, apenas
apreensível ao pensamento, que se evapora e vai não se sabe para onde, mas para
lugar tão distante que se custa a compreender que ela possa tornar à Terra. Se,
ao contrário, a considerarmos ainda unida a um corpo fluídico, semimaterial,
formando com ele um ser concreto e individual, as suas relações com os viventes
nada têm de incompatível com a razão.
24.
Vivendo o mundo invisível no meio do visível, com o qual está em contato
perpétuo, dá em resultado uma incessante reação de cada um deles sobre o outro,
e bem assim demonstra que, desde que houve homens, houve também Espíritos, e
que se estes têm o poder de manifestar-se, deviam tê-lo feito em todas as
épocas e entre todos os povos. Entretanto, nestes últimos tempos, as
manifestações dos Espíritos tomaram grande desenvolvimento e adquiriram maior
caráter de autenticidade, porque estava nas vistas da Providência pôr termo à
praga da incredulidade e do materialismo, mediante provas evidentes,
permitindo, aos que deixaram a Terra, vir atestar sua existência e revelar-nos
sua situação feliz ou infeliz.
25.
As relações entre os mundos visível e invisível podem ser ocultas ou patentes,
espontâneas ou provocadas.
Os
Espíritos atuam sobre os homens ocultamente, sugerindo-lhes pensamentos e
influenciando-os, de modo perceptível, por meio de efeitos apreciáveis aos
sentidos.
As
manifestações espontâneas se verificam inopinadamente e de improviso;
produzem-se, muitas vezes, entre as pessoas mais estranhas às ideias espíritas,
as quais, não tendo meios de explicá-las, as atribuem a causas sobrenaturais.
As que são provocadas, dão-se por intermédio de certos indivíduos dotados para
isso de faculdades especiais, e designados pelo nome de médiuns.
26.
Os Espíritos podem manifestar-se de muitas maneiras diferentes: pela vista,
pela audição, pelo tato, produzindo ruídos e movimentos de corpos, pela
escrita, desenho, música etc.
27.
Às vezes, os Espíritos se manifestam espontaneamente por pancadas e ruídos; é
muitas vezes um meio que empregam para atestar sua presença e chamar sobre si a
atenção, tal como nós, quando batemos para avisar que está alguém à porta. Alguns
não se limitam a ruídos moderados, mas produzem bulhas imitando louças que se
quebram, caindo, portas que se abrem e fecham com estrondo, móveis lançados ao
chão, e alguns chegam mesmo a causar uma perturbação real e verdadeiros
estragos. (Revista espírita, maio de 1858, O Espírito batedor de Bergzabern;
Idem, agosto de 1858, O Espírito batedor de Dibbelsdorf; Idem, março de 1860, O
padeiro de Dieppe; Idem, abril de 1860, O fabricante de São Petersburgo; Idem,
agosto de 1860, O trapeiro da rua des Noyers.)
28.
Ainda que invisível para nós no estado normal, o perispírito é matéria etérea.
Em certos casos, o Espírito pode fazê-lo sofrer uma espécie de modificação
molecular que o torna visível e mesmo tangível; é como se produzem as aparições
— fenômeno que não é mais extraordinário que o do vapor que, invisível quando
muito rarefeito, se torna visível por condensação. Os Espíritos que se tornam
visíveis apresentam-se, quase sempre, com as aparências que tinham em vida e
que os podem tornar conhecidos.
29.
A vidência permanente e geral de Espíritos é muito rara, porém as aparições
isoladas são assaz frequentes, sobretudo em ocasiões de morte; o Espírito,
quando deixa o corpo, parece ter pressa de ir ver seus parentes e amigos, como
para adverti-los de já não estar na Terra, e dizer-lhes que ainda vive. Se
passarmos em revista as nossas reminiscências, veremos quantos fatos
autênticos, dessa ordem, sem que os percebêssemos convenientemente, se deram
conosco, não só de noite, durante o sono, senão também de dia e em completo
estado de vigília. Outrora consideravam tais fatos como sobrenaturais e
maravilhosos e os atribuíam à magia e à feitiçaria; hoje, os incrédulos os
classificam como um produto da imaginação; desde que, porém, a ciência espírita
nos forneceu meios de explicá-los, ficou-se sabendo como eles se produzem e que
pertencem à classe dos fenômenos naturais.
30.
Era por meio do perispírito que o Espírito agia sobre o seu corpo quando vivo e
é ainda com esse mesmo fluido que ele se manifesta agindo sobre a matéria
inerte, produzindo ruídos, movimentos de mesas e outros objetos que ele
levanta, derruba ou transporta. Esse fenômeno nada terá de surpreendente, se
considerarmos que, entre nós, os mais poderosos motores se alimentam dos
fluidos de maior rarefação e, mesmo, da dos imponderáveis, como o ar, o vapor e
a eletricidade.
É
igualmente por meio do perispírito que o Espírito faz os médiuns escreverem,
falarem ou desenharem; não possuindo corpo tangível para atuar ostensivamente,
quando ele se quer manifestar, o Espírito serve-se do corpo do médium, de cujos
órgãos se apossa, fazendo-os agir como se fossem seus, por um eflúvio com que
ele os envolve e penetra.
31.
No fenômeno designado pelo nome de mesas girantes e falantes, é ainda pelo
mesmo meio que o Espírito age sobre o móvel, seja fazendo-o mover-se sem
significação determinada, seja produzindo golpes inteligentes, indicando as
letras do alfabeto para formar palavras e frases, fenômeno este designado pelo
nome de tiptologia. A mesa não é senão um instrumento de que ele então se
serve, como o faz com o lápis para escrever, dando-lhe vitalidade momentânea,
pelo fluido com que a penetra, mas não se identifica com ela. As pessoas que,
presas de emoção, vendo manifestar-se-lhes um ser querido, abraçam a mesa,
praticam um ato ridículo, porque é absolutamente o mesmo que abraçar a bengala
de que se servisse um indivíduo para bater. O mesmo podemos dizer relativamente
àquelas que dirigem a palavra à mesa, como se o Espírito se achasse encerrado
na madeira, ou se a madeira se tivesse tornado Espírito.
Por
ocasião das comunicações dessa ordem, o Espírito não se acha na mesa, mas ao
lado do móvel, como o faria se fosse vivo; e aí o veríamos, se nessa ocasião
ele pudesse tornar-se visível. Dá-se o mesmo com as comunicações por escrito; o
Espírito coloca-se ao lado do médium, dirigindo-lhe a mão ou transmitindo-lhe o
seu pensamento por uma corrente fluídica.
Quando
a mesa se levanta do solo e permanece no ar, sem ponto de apoio, não é com força
braçal que o Espírito a suspende, e sim pela ação de uma atmosfera fluídica com
que ele a envolve e penetra — fluidos que neutralizam o efeito da gravitação,
como o faz o ar com os balões e papagaios. Esse fluido, penetrando a mesa,
dá-lhe momentaneamente maior leveza específica. Quando a mesa descansa no solo,
acha-se em caso análogo ao da campânula pneumática em que se fez o vácuo. São
simples comparações estas, para mostrar a analogia dos efeitos e nunca uma
absoluta semelhança das causas.
Quando
a mesa persegue alguém, não é o Espírito que corre, porque ele pode ficar
tranquilamente em seu lugar, e somente lhe dar, por uma corrente fluídica, o
impulso preciso para que ela se mova, segundo a sua vontade. Nas pancadas que
se fazem ouvir na mesa, ou em outra parte qualquer, não é o Espírito quem bate
com a mão ou com algum objeto; ele lança, sobre o ponto donde parte o ruído, um
jato de fluido que produz o efeito de um choque elétrico e modifica os sons,
como se pode modificar os que são produzidos pelo ar.
Assim,
facilmente se compreende a possibilidade de o Espírito erguer no ar uma pessoa,
como levantar um móvel qualquer, transportar um objeto de um para outro lugar,
ou atirá-lo a qualquer parte. É uma só a lei que regula tais fenômenos.
32.
Pelo pouco que dissemos, pode-se ver que as manifestações espíritas, de
qualquer natureza, nada têm de maravilhoso e sobrenatural; são fenômenos que se
produzem em virtude da lei que rege as relações do mundo visível com o
invisível, lei tão natural quanto as da eletricidade, da gravitação etc. O
Espiritismo é a ciência que nos faz conhecer essa lei, como a mecânica nos
ensina as do movimento, a óptica as da luz etc. Pertencendo à natureza, as
manifestações espíritas se deram em todos os tempos; a lei que as dirige, uma
vez conhecida, vem explicar-nos grande número de problemas, julgados sem
solução; ela é a chave de uma multidão de fenômenos explorados e amplificados
pela superstição.
33.
Afastado o prisma maravilhoso, nada mais apresentam esses fatos que repugne à razão,
pois que assim passam a ocupar o seu lugar no meio dos outros fenômenos
naturais. Nos tempos de ignorância, eram reputados sobrenaturais todos os efeitos
cuja causa não se conhecia; as descobertas da Ciência, porém, sucessivamente
foram restringindo o círculo do maravilhoso, que o conhecimento da nova lei
veio aniquilar. Aqueles, pois, que acusam o Espiritismo de ressuscitar o
maravilhoso, provam, só por isso, que falam do que não conhecem.
34.
As manifestações dos Espíritos são de duas naturezas: efeitos físicos e
comunicações inteligentes. Os primeiros são os fenômenos materiais ostensivos,
tais como os movimentos, ruídos, transportes de objetos etc.; os outros
consistem na troca regular de pensamentos por meio de sinais, da palavra e,
principalmente, da escrita.
35.
As comunicações que recebemos dos Espíritos podem ser boas ou más, justas ou
falsas, profundas ou frívolas, consoante a natureza dos que se manifestam. Os
que dão provas de sabedoria e erudição, são Espíritos adiantados no caminho do
progresso; os que se mostram ignorantes e maus, são os ainda atrasados, mas que
com o tempo hão de progredir. Os Espíritos só podem responder sobre aquilo que
sabem, segundo o seu estado de adiantamento, e ainda dentro dos limites do que
lhes é permitido dizer-nos, porque há coisas que eles não devem revelar, por
não ser ainda dado ao homem tudo conhecer.
36.
Da diversidade de qualidades e aptidões dos Espíritos, resulta que não basta
dirigirmo-nos a um Espírito qualquer para obtermos uma resposta segura a qualquer
questão; porque, acerca de muitas coisas, ele não nos pode dar mais que a sua
opinião pessoal, a qual pode ser justa ou errônea. Se ele é prudente, não
deixará de confessar sua ignorância sobre o que não conhece; se é frívolo ou
mentiroso, responderá de qualquer forma, sem se importar com a verdade; se é
orgulhoso, apresentará suas ideias como verdades absolutas. É por isso que
João, o Evangelista, diz: “Não creais em todos os Espíritos, mas examinai se
eles são de Deus.”18 A experiência demonstra a sabedoria desse conselho. Há
imprudência e leviandade em aceitar sem exame tudo o que vem dos Espíritos. É
de necessidade que bem conheçamos o caráter daqueles que estão em relação conosco.
(Ver O livro dos médiuns, item 267.)
37.
Reconhece-se a qualidade dos Espíritos por sua linguagem; a dos Espíritos
verdadeiramente bons e superiores é sempre digna, nobre, lógica e isenta de
contradições; nela se respira a sabedoria, a benevolência, a modéstia e a mais
pura moral; ela é concisa e despida de redundâncias. Na dos Espíritos
inferiores, ignorantes ou orgulhosos, o vácuo das ideias é quase sempre
preenchido pela abundância de palavras. Todo pensamento evidentemente falso,
toda máxima contrária à sã moral, todo conselho ridículo, toda expressão
grosseira, trivial ou simplesmente frívola, enfim, toda manifestação de
malevolência, de presunção ou arrogância, são sinais incontestáveis da
inferioridade dos Espíritos.
18
N.E.: I João, 4:1.
38.
Os Espíritos inferiores são, mais ou menos, ignorantes; seu horizonte moral é
limitado, perspicácia restrita; eles não têm das coisas senão uma ideia muitas
vezes falsa e incompleta, e, além disso, conservam-se ainda sob o império dos
prejuízos terrestres, que eles tomam, às vezes, por verdades; por isso, são
incapazes de resolver certas questões. E podem induzir-nos em erro, voluntária
ou involuntariamente, sobre aquilo que nem eles mesmos compreendem.
39.
Os Espíritos inferiores não são todos, por isso, essencialmente maus; alguns há
que são apenas ignorantes e levianos; outros pilhéricos, espirituosos e
divertidos, sabendo manejar a sátira fina e mordaz. Ao lado desses
encontram-se, no mundo espiritual, como na Terra, todos os gêneros de
perversidade e todos os graus de superioridade intelectual e moral.
40.
Os Espíritos superiores não se ocupam senão de comunicações inteligentes que
nos instruam; as manifestações físicas ou puramente materiais são, mais
especialmente, obra dos Espíritos inferiores, vulgarmente designados sob o nome
de Espíritos batedores, como, entre nós, as provas de grande força são
executadas por saltimbancos, e não por sábios.
41.
Devemos sempre estar calmos e concentrados, quando entrarmos em comunicação com
os Espíritos; nunca se deve perder de vista que eles são as almas dos homens e
que é inconveniente fazer do seu trabalho um passatempo ou pretexto de
divertimentos. Se lhes respeitamos os despojos mortais, maior respeito ainda
nos devem merecer como Espíritos. As reuniões frívolas, sem objetivo sério,
faltam a um dever; os que as compõem esquecem-se de que, de um momento para
outro, podem entrar no mundo dos Espíritos, e não ficarão satisfeitos se os
tratarem com pouca atenção.
42.
Outro ponto igualmente essencial a considerar é que os Espíritos são livres e
só se comunicam quando querem, com quem lhes convém e quando as suas ocupações
lho permitem; não estão às ordens e à mercê dos caprichos de quem quer que
seja; a ninguém é dado fazê-los manifestar-se quando não o queiram, nem dizer o
que desejem calar; de sorte que ninguém pode afirmar que tal Espírito há de
responder ao seu apelo em dado momento, ou que há de responder a tal ou tal
pergunta que se lhe dirigir. Asseverar o contrário é demonstrar ignorância dos
princípios mais elementares do Espiritismo. Só o charlatanismo tem princípios
infalíveis.
43. Os
Espíritos são atraídos pela simpatia, semelhança de gostos, caracteres e
intenção dos que desejam a sua presença. Os Espíritos superiores não vão às
reuniões fúteis, como um sábio da Terra não vai a uma assembleia de rapazes
levianos. O simples bom senso nos diz que isso não pode ser de outro modo; se
acaso, porém, eles aí se mostram algumas vezes, é somente com o fim de dar um
conselho salutar, combater os vícios, reconduzir ao bom caminho os que dele se
iam afastando; então, se não forem atendidos, retiram-se. Forma juízo
completamente errôneo aquele que crê que Espíritos sérios se prestem a
responder a futilidades, a questões ociosas em que se lhes manifeste pouca
afeição, falta de respeito e nenhum desejo de se instruir; e ainda menos que
eles venham dar-se em espetáculo para desfastio dos curiosos. Vivos, eles não o
fariam; mortos, também o não fazem.
44.
A frivolidade das reuniões dá como resultado atrair os Espíritos levianos que
só procuram ocasião de enganar e mistificar. Pelo mesmo motivo que os homens
graves e sérios não comparecem às assembleias de medíocre importância, os
Espíritos sérios só comparecem às reuniões sérias, que têm por fim, não a
curiosidade, porém, a instrução. É nessas assembleias que os Espíritos
superiores dão ensinamentos.
45.
Do que precede, resulta que toda reunião espírita, para ser proveitosa, deve,
como condição primacial, ser séria, em recolhimento, devendo aí proceder-se com
respeito, religiosidade e dignamente, se se quer obter o concurso habitual dos
bons Espíritos. Convém não esquecer que se esses mesmos Espíritos aí se
tivessem apresentado, quando encarnados, ter-se-ia com eles todas as
considerações, a que depois de desencarnados ainda têm mais direito.
46.
Em vão se alega a utilidade de certas experiências curiosas, frívolas e
divertidas, para convencer os incrédulos; é a um resultado contrário que se
chega. O incrédulo, já propenso a escarnecer das mais sagradas crenças, não
pode ver uma coisa séria naquilo de que se zomba, nem pode respeitar o que lhe
não é apresentado de modo respeitável; por isso, retira-se sempre com má
impressão das reuniões fúteis e levianas, onde não encontra ordem, gravidade e
recolhimento. O que, sobretudo, pode convencê-lo, é a prova da presença de
seres cuja memória lhe é cara; é diante de suas palavras graves e solenes, de
suas revelações íntimas, que o vemos comover- -se e empalidecer. Mas pelo fato
mesmo de ele ter respeito, veneração e amor à pessoa cuja alma se lhe
apresenta, fica chocado e escandalizado ao vê-la mostrar-se em uma assembleia
irreverente, no meio de mesas que dançam e das gatimonhas dos Espíritos
brincalhões; incrédulo como é, sua consciência repele essa aliança do sério com
o ridículo, do religioso com o profano; por isso tacha tudo de charlatanismo e,
muitas vezes, sai menos convicto do que entrou.
As
reuniões dessa natureza fazem sempre mais mal que bem, porque afastam da
Doutrina maior número de pessoas do que atraem; além de que, prestam-se à
crítica dos detratores, que assim acham fundados motivos para zombarias.
47.
Erra quem considera brinquedo as manifestações físicas; se não têm a
importância do ensino filosófico, têm sua utilidade do ponto de vista dos
fenômenos, pois que são o alfabeto da ciência, da qual deram a chave. Ainda que
menos necessárias hoje, elas ainda concorrem para a convicção de algumas
pessoas. De nenhum modo, porém, são elas incompatíveis com a ordem e a decência
que deve haver nessas reuniões experimentais; se sempre as praticassem
convenientemente, convenceriam com mais facilidade e produziriam, a todos os
respeitos, muito melhores resultados.
48.
Certas pessoas fazem uma ideia muito falsa das evocações; algumas creem que
elas consistem em fazer sair da tumba os mortos, com todo o aparato lúgubre. O
pouco que a respeito temos dito, deverá dissipar tal erro. É só nos romances,
nos contos fantásticos de almas do outro mundo e no teatro que aparecem os
mortos descarnados, saindo dos sepulcros, envoltos em sudário (19) e fazendo
chocalhar os ossos. O Espiritismo, que nunca fez milagres, não produz este e
jamais pretendeu fazer reviver um corpo morto. Quando o corpo está na tumba,
não sairá mais dela; porém, o ser espiritual, fluídico e inteligente, aí não se
acha com esse grosseiro invólucro, do qual se separou no momento da morte, e,
uma vez operada essa separação, nada mais há de comum entre eles.
(19)
N.E.: Espécie de lençol com que se envolve o cadáver; mortalha.
49.
A crítica malévola representou as comunicações espíritas como mescladas pelas
práticas ridículas e supersticiosas da magia e da nigromancia; se esses homens
que falam do Espiritismo, sem conhecê-lo, se dessem ao trabalho de estudá-lo,
teriam poupado esses desperdícios de imaginação, que só servem para provar sua
ignorância ou má vontade. Às pessoas estranhas à ciência cumpre-nos dizer que,
para nos comunicarmos com os Espíritos, não há dias, horas e lugares mais
propícios uns que os outros; que, para evocá-los, não existem fórmulas nem
palavras sacramentais ou cabalísticas; que não se precisa para isso de
preparação alguma, nem de iniciação; que o emprego de qualquer sinal ou objeto
material, seja para atraí-los, seja para repeli-los, não exerce efeito algum,
bastando só o pensamento; e, finalmente, que os médiuns recebem as
comunicações, tão simples e naturalmente como se fossem ditadas por uma pessoa
viva, sem que saiam do estado normal.
Só o
charlatanismo pode inventar o emprego de modos excêntricos e acessórios
ridículos. O apelo aos Espíritos faz-se em nome de Deus, com respeito e
recolhimento; é a única coisa que se recomenda às pessoas sérias que desejem entrar
em relação com Espíritos sérios.
FIM PROVIDENCIAL DAS
MANIFESTAÇÕES ESPÍRITAS
50.
O fim providencial das manifestações é convencer os incrédulos de que tudo para
o homem não se acaba com a vida terrestre, e dar aos crentes ideias mais justas
sobre o futuro. Os bons Espíritos nos vêm instruir para nosso melhoramento e avanço,
e não para revelar-nos o que não devemos saber ainda, ou o que só deve ser
conseguido pelo nosso trabalho. Se bastasse interrogar os Espíritos para obter
a solução de todas as dificuldades científicas, ou para fazer descobertas e
invenções lucrativas, todo ignorante podia tornar-se sábio sem estudar, todo
preguiçoso ficar rico sem trabalhar; é o que Deus não quer. Os Espíritos ajudam
o homem de gênio pela inspiração oculta, mas não o eximem do trabalho nem das
investigações, a fim de lhe deixar o mérito.
51.
Faria ideia bem falsa dos Espíritos, quem neles quisesse ver auxiliares dos
leitores da buena-dicha. Os Espíritos sérios se recusam a ocupar-se de coisas
fúteis; os frívolos e zombeteiros tratam de tudo, respondem a tudo, predizem
tudo o que se quer, sem se importarem com a verdade, e encontram maligno prazer
em mistificar as pessoas demasiado crédulas. Neste caso, é essencial conhecer- -se
perfeitamente a natureza das perguntas que se podem dirigir aos Espíritos. (Ver
O livro dos médiuns, item 286.)
52.
Fora do terreno do que pode ajudar o nosso progresso moral, só há incerteza nas
revelações que se podem obter dos Espíritos. A primeira consequência má, para
aquele que desvia sua faculdade do fim providencial, é ser mistificado pelos
Espíritos enganadores que pululam ao redor dos homens; a segunda é cair sob o
domínio desses mesmos Espíritos, que podem, por pérfidos conselhos, conduzi-lo
a adversidades reais e materiais na Terra; a terceira é perder, depois da vida
terrestre, o fruto do conhecimento do Espiritismo.
53.
As manifestações não são, pois, destinadas a servir aos interesses materiais;
sua utilidade está nas consequências morais que delas dimanam; não tivessem,
elas, porém, como resultado senão fazer conhecer uma nova Lei da natureza,
demonstrar materialmente a existência da alma e sua imortalidade, e já isso
seria muito, porque era largo caminho novo aberto à Filosofia.
DOS MÉDIUNS
54.
Os médiuns apresentam numerosíssimas variedades nas suas aptidões, o que os
torna mais ou menos próprios para obtenção de tal ou tal fenômeno, de tal ou
tal gênero de comunicação. Segundo essas aptidões, distinguimo-los por médiuns
de efeitos físicos, de comunicações inteligentes, videntes, falantes,
auditivos, sensitivos, desenhadores, poliglotas, poetas, músicos, escreventes
etc. Não devemos esperar do médium aquilo que está fora dos limites da sua
faculdade. Sem o conhecimento das aptidões mediúnicas, o observador não pode
achar a explicação de certas dificuldades ou de certas impossibilidades que se
encontram na prática. (Ver O livro dos médiuns, cap. XVI, item 185.)
55.
Os médiuns de efeitos físicos são mais particularmente aptos para provocar
fenômenos materiais, como movimentos, pancadas etc., com o auxílio de mesas e
outros objetos; quando esses fenômenos revelam um pensamento ou obedecem a uma
vontade, são efeitos inteligentes que, por isso mesmo, denotam uma causa
inteligente: é um dos modos por que os Espíritos se manifestam. Por meio de um
número de pancadas convencionadas, obtêm-se as respostas sim ou não, ou, então,
a designação das letras do alfabeto que servem para formar palavras ou frases.
Esse meio primitivo é muito demorado e não se presta a grandes
desenvolvimentos. As mesas falantes foram a estreia da ciência; hoje, porém,
que se possuem meios de comunicação tão rápidos e completos como entre os viventes,
ninguém mais recorre àqueles senão acidentalmente e como experimentação.
56.
De todos os meios de comunicação, a escrita é, ao mesmo tempo, o mais simples,
o mais rápido, o mais cômodo, e que permite mais desenvolvimento; é também a
faculdade que se encontra mais frequentemente.
57.
Para obter a escrita serviram-se, no princípio, de intermediários materiais,
como cestinhas, pranchetas etc., munidas de um lápis. (Ver O livro dos médiuns,
cap. XIII, item 152 e seguintes.) Mais tarde, reconheceu-se a inutilidade
desses acessórios e a possibilidade, para os médiuns, de escrever diretamente
com a mão, como nas circunstâncias ordinárias.
58.
O médium escreve sob a influência dos Espíritos, que se servem dele como de um
instrumento; sua mão é arrastada por um movimento involuntário, que, o mais das
vezes, não pode dominar. Certos médiuns não têm consciência alguma do que
escrevem, outros a têm mais ou menos vaga, ainda quando o pensamento lhes seja estranho;
é o que distingue os médiuns mecânicos dos médiuns intuitivos ou semimecânicos.
A ciência espírita explica o modo de transmissão do pensamento do Espírito ao
médium, e o papel deste último nas comunicações. (Ver O livro dos médiuns, cap.
XV, item 179 e seguintes; cap. XIX, item 223 e seguintes.)
59.
O médium não tem mais que a faculdade de se poder comunicar, mas a comunicação
efetiva depende da vontade dos Espíritos. Se estes não quiserem manifestar-se,
aquele nada obterá; será qual instrumento sem músico que o toque.
Visto
que os Espíritos só se comunicam quando querem ou podem, não estão sujeitos ao
capricho de ninguém; nenhum médium tem o poder de forçá-los a se apresentarem.
Isto explica a intermitência da faculdade nos melhores médiuns, e as
interrupções que sofrem, às vezes, durante muitos meses. Seria, pois, um erro
comparar a mediunidade a uma propriedade do talento. O talento adquire-se pelo
trabalho, quem o possui é sempre dele senhor; ao passo que o médium nunca o é
de sua faculdade, pois que ela depende de vontade estranha.
60.
Os médiuns de efeitos físicos que obtêm, regularmente e à vontade, a produção
de certos fenômenos, admitindo que não haja embuste, estão em relação com
Espíritos de baixa esfera que se comprazem nessa espécie de exibições, e que
talvez foram prestidigitadores quando na Terra; seria, porém, absurdo pensar
que Espíritos, mesmo de pouca elevação, se divirtam em executar farsas
teatrais.
61.
A obscuridade necessária à produção de certos efeitos físicos, presta-se, sem
dúvida, à suspeita, mas nada prova contra a realidade deles. Sabemos que em
Química algumas combinações não podem ser operadas à luz; que muitas
composições e decomposições se produzem sob a ação do fluido luminoso; ora,
todos os fenômenos espíritas são resultantes de uma combinação dos fluidos
próprios do Espírito com os do médium; desde que esses fluidos são matéria, não
admira que, em certas circunstâncias, essa combinação seja contrariada pela
presença da luz.
62.
As comunicações inteligentes realizam-se igualmente pela ação fluídica do
Espírito sobre o médium, sendo preciso que o fluido deste último se identifique
com o do Espírito. A facilidade das comunicações depende do grau de afinidade
existente entre os dois fluidos. Cada médium é assim mais ou menos apto para receber
a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou tal Espírito; podendo ser bom
instrumento para um e péssimo para outro. Resulta daí que se achando juntos
dois médiuns, igualmente bem-dotados, poderá o Espírito manifestar-se por um, e
não por outro.
63.
É um erro acreditar-se que basta ser médium para receber, com igual facilidade,
comunicações de qualquer Espírito. Não existem médiuns universais para as
evocações, nem com aptidão para produzir todos os fenômenos. Os Espíritos
buscam, de preferência, os instrumentos que lhes sejam mais apropriados;
impor-lhes o primeiro médium que tenhamos à mão, seria o mesmo que obrigar uma
pianista a tocar violino, supondo que, por saber música, pode ela tocar
qualquer instrumento.
64.
Sem a harmonia, que só pode nascer da assimilação fluídica, as comunicações são
impossíveis, incompletas ou falsas. Podem ser falsas, porque, em vez do
Espírito que se deseja, não faltam outros, sempre prontos a manifestarem-se e
que pouco se importam com a verdade.
65.
A assimilação fluídica é, algumas vezes, totalmente impossível entre certos
Espíritos e certos médiuns; outras vezes — e é o caso mais comum — ela não se
estabelece senão gradualmente e com o tempo; é o que explica a maior facilidade
com que os Espíritos se manifestam pelo médium com que estão mais habituados; e
também porque as primeiras comunicações atestam quase sempre certo
constrangimento e são menos explícitas.
66.
A assimilação fluídica é tão necessária nas comunicações pela tiptologia como
pela escrita, visto que, tanto num como noutro caso, se trata da transmissão do
pensamento do Espírito, qualquer que seja o meio material por que ela se faça.
67.
Não se pode impor um médium ao Espírito que se quer evocar, convindo deixar-lhe
a escolha do instrumento. Em todo o caso, é necessário que o médium se
identifique previamente com o Espírito, pelo recolhimento e pela prece, ou
mesmo durante alguns minutos, e mesmo muitos dias antes se for possível, de
modo a provocar e ativar a assimilação fluídica. É um meio de se atenuar a
dificuldade.
68.
Quando as condições fluídicas não são propícias à comunicação direta do
Espírito ao médium, ela pode fazer-se por intermédio do guia espiritual deste
último; neste caso, o pensamento não vem senão em segunda mão, isto é, depois
de haver atravessado dois meios. Compreende-se, então, quanto é importante ser
o médium bem assistido; porque, se ele o for por um Espírito obsessor, ignorante
ou orgulhoso, a comunicação será necessariamente adulterada.
Aqui
as qualidades pessoais do médium desempenham forçosamente um papel importante,
pela natureza dos Espíritos que ele atrai a si. Os mais indignos médiuns podem
possuir poderosas faculdades, porém, os mais seguros são os que a esse poder
reúnem as melhores simpatias no mundo espiritual; ora, essas simpatias não
ficam, de forma alguma, demonstradas pelos nomes, mais ou menos imponentes,
revestidos pelos Espíritos que assinam as comunicações, mas sim pelo fundo
constantemente bom das mesmas.
69.
Qualquer que seja o modo de comunicação, a prática do Espiritismo, do ponto de
vista experimental, apresenta numerosas dificuldades e não é isenta de
inconvenientes para quem não tem a experiência necessária. Quer se experimente
mesmo, quer se seja simples observador das experiências de outrem, é essencial
saber distinguir as diferentes naturezas dos Espíritos que se podem manifestar,
conhecer a causa de todos os fenômenos, as condições em que se podem produzir,
os obstáculos que lhe podem ser opostos, a fim de que se não perca tempo,
pedindo o impossível. Não é menos necessário conhecer todas as condições e escolhos
da mediunidade, a influência do meio, das disposições morais etc. (Ver O livro
dos médiuns, Segunda parte.)
ESCOLHOS DA
MEDIUNIDADE
70.
Um dos maiores escolhos da mediunidade é a obsessão, isto é, o domínio que
certos Espíritos podem exercer sobre os médiuns, impondo-se-lhes sob nomes
apócrifos e impedindo que se comuniquem com outros Espíritos. É também um
obstáculo que se depara a todo observador novato e inexperiente que, não
conhecendo os caracteres desse fenômeno, pode ser iludido pelas aparências,
como aquele que, desconhecendo a Medicina, pode enganar-se sobre a causa e
natureza de qualquer mal. Se o estudo prévio, neste caso, é útil para o
observador, mais indispensável é ao médium, a quem fornece os meios de prevenir
um inconveniente que lhe poderia trazer bem desagradáveis consequências. Assim,
é pouca toda a recomendação para que o estudo preceda à prática. (Ver O livro
dos médiuns, cap. XXIII.)
71.
A obsessão apresenta três graus principais bem característicos: a obsessão
simples, a fascinação e a subjugação. No primeiro, o médium tem perfeitamente
consciência de não obter coisa alguma boa; ele não se ilude acerca da natureza
do Espírito que se obstina em se lhe manifestar, e do qual deseja
desembaraçar-se. Este caso não oferece gravidade alguma: é um simples incômodo,
do qual o médium se liberta, deixando momentaneamente de escrever. O Espírito,
cansando-se de não ser ouvido, acaba por se retirar.
A
fascinação obsessional é muito mais grave, porque nela o médium é completamente
iludido. O Espírito que o domina apodera-se de sua confiança, a ponto de
impedi-lo de julgar as comunicações que recebe, fazendo-lhe achar sublimes os
maiores absurdos.
O
caráter distintivo deste gênero de obsessão é provocar no médium uma excessiva
suscetibilidade e levá-lo a não acreditar bom, justo e verdadeiro senão o que
ele escreve; a repelir e, mesmo, considerar mau todo conselho e toda observação
crítica, preferindo romper com os amigos a convencer-se de que está sendo enganado;
a encher-se de inveja contra os outros médiuns cujas comunicações sejam
julgadas melhores que as suas; a querer impor-se nas reuniões espíritas, das
quais se afasta quando não pode dominá-las. Essa atuação do Espírito pode
chegar ao ponto de ser o indivíduo conduzido a dar os passos mais ridículos e
comprometedores.
72.
Um dos caracteres distintivos dos maus Espíritos é a imposição; eles dão ordens
e querem ser obedecidos; os bons nunca se impõem; dão conselhos, e, se não são
atendidos, retiram-se. Resulta daí que a impressão que em nós produzem os maus
Espíritos é sempre penosa, fatigante e muitas vezes desagradável; ela provoca
uma agitação febril, movimentos bruscos e desordenados; a dos bons, pelo
contrário, é calma, branda e agradável.
73.
A subjugação obsessional, designada outrora sob o nome de possessão, é um
constrangimento físico exercido sempre por Espíritos da pior espécie e que pode
ir à neutralização do livre-arbítrio do paciente. Ela se limita, muitas vezes,
a simples impressões desagradáveis; porém, muitas vezes provoca movimentos
desordenados, atos insensatos, gritos, palavras injuriosas ou incoerentes, de
que o subjugado, às vezes, compreende o ridículo, mas não pode abster-se. Este
estado difere essencialmente da loucura patológica com que erradamente a
confundem, pois na possessão não há lesão orgânica alguma; sendo diversa a
causa, outros devem ser também os meios de curá-la. A aplicação do processo
ordinário das duchas e tratamentos corporais poderá, muitas vezes, determinar o
aparecimento de uma verdadeira loucura, onde só havia uma causa moral.
74.
Na loucura propriamente dita, a causa do mal é interna; importa restituir o
organismo ao seu estado normal; na subjugação, essa causa é externa, e tem-se
necessidade de libertar o doente de um inimigo invisível, não lhe opondo
remédios materiais, porém uma força moral superior à dele. A experiência prova
que nunca, em tal caso, os exorcismos produziram resultado satisfatório: antes
agravaram que minoraram a situação. Indicando a verdadeira fonte do mal, só o
Espiritismo pode dar os meios de combatê-lo, fazendo a educação moral do
Espírito obsessor; por conselhos prudentemente dirigidos, chega-se a torná-lo
melhor e a fazê-lo renunciar voluntariamente à atormentação do enfermo, que
então fica livre. (Ver O livro dos médiuns, item 279. Revista espírita,
fevereiro, março e junho de 1864, A jovem obsedada de Marmande.)
75.
A subjugação obsessional é ordinariamente individual; quando, porém, uma
falange de Espíritos maus se lança sobre uma povoação, ela pode apresentar
caráter epidêmico. Foi um fenômeno desse gênero que se verificou ao tempo do
Cristo; só um poder moral superior podia então domar esses entes malfazejos,
designados sob o nome de demônios, e restituir a calma às suas vítimas. (20)
(20)
Durante vários anos, uma epidemia semelhante tomou conta de um vilarejo
localizado na Haute-Savoie. (Veja-se a Revista espírita, abril e dezembro de
1862; janeiro, fevereiro, abril e maio de 1863: Os possessos de Morzine.)
76.
Um fato importante a considerar-se é que a obsessão, qualquer que seja a sua
natureza, é independente da mediunidade, e que ela se encontra, de todos os
graus, principalmente do último, em grande número de pessoas que nunca ouviram
falar de Espiritismo. De fato, os Espíritos, tendo existido em todos os tempos,
têm sempre exercido a mesma influência; a mediunidade não é uma causa, mas simples
modo de manifestação dessa influência; pelo que podemos dizer com certeza que
todo médium obsidiado sofre de um modo qualquer e, muitas vezes, nos atos mais
comuns da sua vida, os efeitos dessa influência que, sem a mediunidade, se
manifestaria por outros efeitos, muitas vezes atribuídos a enfermidades
misteriosas, que escapam às investigações da Medicina. Pela mediunidade o ente
maléfico denuncia a sua presença; sem ela, é um inimigo oculto, de quem se não
desconfia.
77.
Os que repelem tudo que não afete os nossos sentidos, não admitem essa causa
oculta, mas quando a Ciência tiver saído da senda materialista, reconhecerá na
ação do mundo invisível que nos cerca, e no meio do qual vivemos, um poder que
reage sobre as coisas físicas, assim como sobre as morais; será um novo caminho
aberto ao progresso e a chave de grande número de fenômenos até hoje mal
compreendidos.
78.
Como a obsessão nunca pode ser produto de um bom Espírito, torna-se um ponto
essencial o saber reconhecer-se a natureza dos que se apresentam. O médium não
esclarecido pode ser enganado pelas aparências, mas o prevenido percebe o menor
sinal suspeito, e o Espírito, vendo que nada pode fazer, retira-se. O
conhecimento prévio dos meios de distinguir os bons dos maus Espíritos é, pois,
indispensável ao médium que se não quer expor a cair num laço. Ele o é também
ao simples observador, que pode, por esse meio, apreciar o justo valor do que
vê e ouve. (Ver O livro dos médiuns, cap. XXIV.)
QUALIDADES DOS
MÉDIUNS
79.
A faculdade mediúnica é uma propriedade do organismo e não depende das
qualidades morais do médium; ela se nos mostra desenvolvida, tanto nos mais
dignos, como nos mais indignos. Não se dá, porém, o mesmo com a preferência que
os Espíritos bons dão ao médium.
80.
Os Espíritos bons se comunicam mais ou menos de boa vontade por esse ou aquele
médium, segundo a simpatia que lhe votam. A boa ou má qualidade de um médium
não deve ser julgada pela facilidade com que ele obtém comunicações, mas por
sua aptidão em recebê-las boas e em não ser ludibriado pelos Espíritos levianos
e enganadores.
81.
Os médiuns menos moralizados recebem também, algumas vezes, excelentes
comunicações, que não podem vir senão de bons Espíritos, o que não deve ser
motivo de espanto: é muitas vezes no interesse dos médiuns e com o fim de
dar-lhes sábios conselhos. Se eles os desprezam, maior será a sua culpa, porque
são eles que lavram a sua própria condenação. Deus, cuja bondade é infinita,
não pode recusar assistência àqueles que mais necessitam dela. O virtuoso
missionário que vai moralizar os criminosos, não faz mais que os bons Espíritos
com os médiuns imperfeitos.
De
outra sorte, os bons Espíritos, querendo dar um ensino útil a todos, servem-se
do instrumento que têm à mão; porém, deixam-no logo que encontram outro que
lhes seja mais afim e melhor se aproveite de suas lições. Retirando-se os bons
Espíritos, os inferiores, que pouco se importam com as más qualidades morais do
médium, acham então o campo livre. Resulta daí que os médiuns imperfeitos,
moralmente falando, os que não procuram emendar-se, tarde ou cedo são presas
dos maus Espíritos, que, muitas vezes, os conduzem à ruína e às maiores
desgraças, mesmo na vida terrena. Quanto à sua faculdade, tão bela no começo e
que assim devia ter sido conservada, perverte-se pelo abandono dos bons
Espíritos, e, afinal, desaparece.
82.
Os médiuns de mais mérito não estão ao abrigo das mistificações dos Espíritos
embusteiros; primeiro, porque não há ainda, entre nós, pessoa assaz perfeita,
para não ter algum lado fraco, pelo qual dê acesso aos maus Espíritos; segundo,
porque os bons Espíritos permitem mesmo, às vezes, que os maus venham, a fim de
exercitarmos a nossa razão, aprendermos a distinguir a verdade do erro e
ficarmos de prevenção, não aceitando cegamente e sem exame tudo quanto nos
venha dos Espíritos; nunca, porém, um Espírito bom nos virá enganar; o erro,
qualquer que seja o nome que o apadrinhe, vem de uma fonte má.
Essas
mistificações ainda podem ser uma prova para a paciência e perseverança do
espírita, médium ou não; e aqueles que desanimam, com algumas decepções, dão
prova aos bons Espíritos de que não são instrumentos com que eles possam
contar.
83.
Não nos deve admirar ver maus Espíritos obsidiarem pessoas de mérito, quando
vemos na Terra homens de bem perseguidos por aqueles que o não são.
É
digno de nota que, depois da publicação de O livro dos médiuns, o número de
médiuns obsidiados diminuiu muito; os médiuns, prevenidos, tornam-se vigilantes
e espreitam os menores indícios que lhes podem denunciar a presença de
mistificadores. A maioria dos que se mostram ainda nesse estado não fizeram o
estudo prévio recomendado, ou não deram importância aos conselhos que
receberam.
84.
O que constitui o médium, propriamente dito, é a faculdade; sob este ponto de
vista, pode ser mais ou menos formado, mais ou menos desenvolvido. O médium
seguro, aquele que pode ser realmente qualificado de bom médium, é o que aplica
a sua faculdade, buscando tornar-se apto a servir de intérprete aos bons
Espíritos. O poder que tem o médium de atrair os bons e repelir os maus
Espíritos está na razão da sua superioridade moral, da posse do maior número de
qualidades que constituem o homem de bem; é por esses dotes que se concilia a
simpatia dos bons e se adquire ascendência sobre os maus Espíritos.
85.
Pelo mesmo motivo, as imperfeições morais do médium, aproximando-o da natureza
dos maus Espíritos, tiram-lhe a influência necessária para afastá-los de si; em
vez de se impor, sofre a imposição destes. Isto não só se aplica aos médiuns,
como também a todos indistintamente, visto que ninguém há que não esteja
sujeito à influência dos Espíritos. (Vede os itens 74 e 75.)
86.
Para impor-se ao médium, os maus Espíritos sabem explorar habilmente todas as
suas fraquezas, e, entre os nossos defeitos, o que lhes dá margem maior é o
orgulho, sentimento que se encontra mais dominante na maioria dos médiuns
obsidiados e, principalmente, nos fascinados. É o orgulho que faz se julguem
infalíveis e repilam todos os conselhos. Esse sentimento é infelizmente
excitado pelos elogios de que são objeto; basta que um médium apresente
faculdade um pouco transcendente, para que o busquem, o adulem, dando lugar a
que ele exagere sua importância e se julgue como indispensável, o que vem a
perdê-lo.
87.
Enquanto o médium imperfeito se orgulha pelos nomes ilustres, frequentemente
apócrifos, que assinam as comunicações por ele recebidas e se considera
intérprete privilegiado das potências celestes, o bom médium nunca se crê assaz
digno de tal favor; ele tem sempre uma salutar desconfiança do merecimento do
que recebe e não se fia no seu próprio juízo; não sendo senão instrumento
passivo, compreende que o bom resultado não lhe confere mérito pessoal, como
nenhuma responsabilidade lhe cabe pelo mau; e que seria ridículo crer na
identidade absoluta dos Espíritos que se lhe manifestam. Deixa que terceiros,
desinteressados, julguem do seu trabalho, sem que o seu amor-próprio se ofenda
por qualquer decisão contrária, do mesmo modo que um ator não se pode dar por
ofendido com as censuras feitas à peça de que é intérprete. O seu caráter
distintivo é a simplicidade e a modéstia; julga-se feliz com a faculdade que
possui, não por vanglória, mas por lhe ser um meio de tornar-se útil, o que faz
de boa mente quando se lhe oferece ocasião, sem jamais incomodar-se por não o
preferirem aos outros.
Os
médiuns são os intermediários, os intérpretes dos Espíritos; ao evocador e,
mesmo, ao simples observador, cabe apreciar o mérito do instrumento.
88.
Como todas as outras faculdades, a mediunidade é um dom de Deus, que se pode
empregar tanto para o bem quanto para o mal, e da qual se pode abusar. Seu fim
é pôr-nos em relação direta com as almas daqueles que viveram, a fim de
recebermos ensinamentos e iniciações da vida futura. Assim como a vista nos põe
em relação com o mundo visível, a mediunidade nos liga ao invisível. Aquele que
dela se utiliza para o seu adiantamento e o de seus irmãos, desempenha uma
verdadeira missão e será recompensado. O que abusa e a emprega em coisas fúteis
ou para satisfazer interesses materiais, desvia-a do seu fim providencial, e,
tarde ou cedo, será punido, como todo homem que faça mau uso de uma faculdade
qualquer.
CHARLATANISMO
89.
Certas manifestações espíritas facilmente se prestam à imitação; porém, apesar
de as terem explorado os prestidigitadores e charlatães, do mesmo modo que o
fazem com tantos outros fenômenos, é absurdo crer-se que elas não existam e
sejam sempre produto do charlatanismo. Quem estudou e conhece as condições
normais em que elas se dão, distingue facilmente a imitação da realidade; além
disso, aquela nunca pode ser completa e só ilude o ignorante, incapaz de
distinguir as diferenciações características do fenômeno verdadeiro.
90.
As manifestações que se imitam, com mais facilidade, são as de efeitos físicos
e as de efeitos inteligentes vulgares, como movimentos, pancadas, transportes,
escrita direta, respostas banais etc.; não se dá o mesmo, porém, com as
comunicações inteligentes de subido alcance; para imitar aquelas, bastam
destreza e habilidade; ao passo que, para simular as últimas, se torna
necessária, quase sempre, uma instrução pouco comum, uma superioridade
intelectiva excepcional, uma faculdade de improvisação universal, se assim nos
permitem classificá-la.
91.
Os que não conhecem o Espiritismo são geralmente induzidos a suspeitar da
boa-fé dos médiuns; só o estudo e a experiência lhes poderão fornecer os meios
de se certificarem da realidade dos fatos; fora disso, a melhor garantia que
podem ter está no desinteresse absoluto e na probidade do médium; há pessoas
que, por sua posição e caráter, estão acima de qualquer suspeita. Se a tentação
do lucro pode excitar à fraude, o bom senso diz que o charlatanismo não se
mostra onde nada tem a ganhar. (Ver O livro dos médiuns, cap. XXVIII, item 304.
Revista espírita, 1862.)
92.
Entre os adeptos do Espiritismo, encontram-se entusiastas e exaltados, como em
todas as coisas; são, em geral, os piores propagadores, porque a facilidade com
que, sem exame, aceitam tudo, desperta desconfiança. O espírita esclarecido
repele esse entusiasmo cego, observa com frieza e calma, e, assim, evita ser
vítima de ilusões e mistificações. À parte toda a questão de boa-fé, o
observador novato deve, antes de tudo, atender à gravidade do caráter daqueles
a quem se dirige.
IDENTIDADE DOS ESPÍRITOS
93.
Uma vez que no meio dos Espíritos se encontram todos os caprichos da
humanidade, não podem deixar de existir entre eles os ardilosos e os
mentirosos; alguns não têm o menor escrúpulo de se apresentar sob os mais
respeitáveis nomes, com o fim de inspirarem mais confiança. Devemos, pois,
abster-nos de crer de um modo absoluto na autenticidade de todas as assinaturas
de Espíritos.
94.
A identidade é uma das grandes dificuldades do Espiritismo prático, sendo
muitas vezes impossível verificá-la, sobretudo quando se trata de Espíritos
superiores, antigos relativamente à nossa época. Entre os que se manifestam,
muitos não têm nomes para nós, mas, então, para fixar as nossas ideias, eles
podem tomar o de um Espírito conhecido, da mesma categoria da sua; de modo que,
se um Espírito se comunicar com o nome de Pedro, por exemplo, nada nos prova
que seja precisamente o Apóstolo desse nome; tanto pode ser ele como outro da
mesma ordem, como ainda um enviado seu. A questão da identidade é, neste caso,
inteiramente secundária e seria pueril atribuir-lhe importância; o que importa
é a natureza do ensino, se é bom ou mau, digno ou indigno da personagem que o
assina; se esta o subscreveria ou repeliria: eis a questão.
95.
A identidade é de mais fácil verificação quando se trata de Espíritos
contemporâneos, cujo caráter e hábitos sejam conhecidos, porque é por esses
mesmos hábitos e particularidades da vida privada que a identidade se revela
mais seguramente e, muitas vezes, de modo incontestável. Quando se evoca um parente
ou um amigo, é a personalidade que interessa, e então é muito natural buscar-se
reconhecer a identidade; os meios, porém, que geralmente emprega para isso quem
não conhece o Espiritismo, senão imperfeitamente, são insuficientes e podem
induzir a erro.
96.
O Espírito revela sua identidade por grande número de circunstâncias,
patenteadas nas comunicações, nas quais se refletem seus hábitos, caráter,
linguagem e até locuções familiares. Ela se revela ainda nos detalhes íntimos
em que entra espontaneamente, com as pessoas a quem ama: são as melhores
provas; é muito raro, porém, que ele satisfaça às perguntas diretas que lhe são
feitas a esse respeito, sobretudo se elas partirem de pessoas que lhe são
indiferentes, com intuito de curiosidade ou de prova. O Espírito demonstra a
sua identidade como quer e pode, segundo o gênero de faculdade do seu
intérprete e, às vezes, essas provas são superabundantes; o erro está em querer
que ele as dê, como deseja o evocador; é então que ele recusa sujeitar-se às
exigências. (Ver O livro dos médiuns, cap. XXIV. Revista espírita, março de
1862, Carrière – Constatação de identidade.)
CONTRADIÇÕES
97.
As contradições que frequentemente se notam, na linguagem dos Espíritos, não
podem causar admiração senão àqueles que só possuem da ciência espírita um
conhecimento incompleto, pois são a consequência da natureza mesma dos
Espíritos, que, como já dissemos, não sabem as coisas senão na razão do seu
adiantamento, sendo que muitos podem saber menos que certos homens. Sobre
grande número de pontos, eles não emitem mais que a sua opinião pessoal, que
pode ser mais ou menos acertada, e conservar ainda um reflexo dos prejuízos
terrestres de que se não despojaram; outros forjam sistemas seus, sobre aquilo
que ainda não conhecem, particularmente no que diz respeito a questões
científicas e à origem das coisas. Nada, pois, há de surpreendente, em que nem
sempre estejam de acordo.
98.
Espantam-se de encontrarem comunicações contraditórias assinadas por um mesmo
nome. Somente os Espíritos inferiores mudam de linguagem com as circunstâncias,
mas os Espíritos superiores nunca se contradizem. Por pouco que se esteja
iniciado nos mistérios do mundo espiritual, sabe-se com que facilidade certos
Espíritos adotam nomes diferentes, para dar mais peso às suas palavras; disso
com segurança se pode inferir que se duas comunicações, radicalmente
contraditórias no fundo, trazem o mesmo nome respeitável, uma delas é
necessariamente apócrifa.
99.
Dois meios podem servir para fixar as ideias sobre as questões duvidosas: o
primeiro, é submeter todas as comunicações ao exame severo da razão, do bom
senso e da lógica; é uma recomendação que fazem todos os bons Espíritos;
abstêm-se de fazê-la os maus, pois sabem não ter senão a perder com esse exame
sério, pelo que evitam discussão e querem ser cridos sob palavra. O segundo
critério da verdade está na concordância do ensino. Quando o mesmo princípio é
ensinado em muitos pontos por diferentes Espíritos e médiuns estranhos uns aos
outros e isentos de idênticas influências, pode-se concluir que ele está mais
próximo da verdade do que aquele que emana de uma só fonte e é contradito pela
maioria. (Ver O livro dos médiuns, cap. XXVII. Revista espírita, abril 1864,
Autoridade da Doutrina Espírita – Controle universal do ensino dos Espíritos. O
evangelho segundo o espiritismo, Introdução.)
CONSEQUÊNCIAS DO
ESPIRITISMO
100.
Ante a incerteza das revelações feitas pelos Espíritos, perguntarão: para que
serve, então, o estudo do Espiritismo?
Para
provar materialmente a existência do mundo espiritual. Sendo o mundo espiritual
formado pelas almas daqueles que viveram, resulta de sua admissão a prova da
existência da alma e sua sobrevivência ao corpo.
As
almas que se manifestam nos revelam suas alegrias ou seus sofrimentos, segundo
o modo por que empregaram o tempo de vida terrena; nisto temos a prova das
penas e recompensas futuras.
Descrevendo-nos
seu estado e situação, as almas ou Espíritos retificam as ideias falsas que
faziam da vida futura e, principalmente, acerca da natureza e duração das
penas.
Passando
assim a vida futura do estado de teoria vaga e incerta ao de fato conhecido e
positivo, aparece a necessidade de trabalhar o mais possível, durante a vida
presente, que é tão curta, em proveito da vida futura, que é indefinida.
Suponhamos
que um homem de 20 anos tenha a certeza de morrer aos 25 anos, que fará ele
nestes cinco anos que lhe restam? Trabalhará para o futuro? Certamente que não;
procurará gozar o mais possível, acreditando ser uma tolice submeter-se a
fadigas e privações, sem proveito. Se, porém, ele tiver a certeza de viver até
os 80 anos, seu procedimento será outro, porque então compreenderá a
necessidade de sacrificar alguns instantes do repouso atual para assegurar o
repouso futuro, durante longos anos. O mesmo se dá com aquele que tem a certeza
da vida futura. A dúvida relativamente a esse ponto conduz naturalmente a tudo sacrificar
aos gozos do presente, daí ligar-se excessiva importância aos bens materiais.
A
importância que se dá aos bens materiais excita a cobiça, a inveja e o ciúme do
que tem pouco contra aquele que tem muito. Da cobiça ao desejo de adquirir, por
qualquer preço, o que o vizinho possui, o passo é simples; daí ódios, querelas,
processos, guerras e todos os males engendrados pelo egoísmo.
Com
a dúvida sobre o futuro, o homem, acabrunhado nesta vida pelo desgosto e pelo
infortúnio, não vê senão na morte o termo dos seus sofrimentos; e assim, nada
esperando, procura pelo suicídio a aproximação desse termo. Sem esperança de
futuro é natural que o homem seja afetado e se desespere com as decepções por
que passa. Os abalos violentos que experimenta repercutem-lhe no cérebro e são
a fonte da maioria dos casos de loucura.
Sem
a vida futura, a atual se torna para o homem a coisa capital, o único objeto de
suas preocupações, ao qual ele tudo subordina; por isso, quer gozar a todo
custo, não só os bens materiais como as honrarias; aspira a brilhar, elevar-se
acima dos outros, eclipsar os vizinhos por seu fausto e posição; daí a ambição
desordenada e a importância que liga aos títulos e a todos os efeitos da
vaidade, pelos quais ele é capaz de sacrificar a própria honra, porque nada
mais vê além. A certeza da vida futura e de suas consequências muda-lhe
totalmente a ordem de ideias e lhe faz ver as coisas por outro prisma; é um véu
que se levanta descobrindo imenso e esplêndido horizonte. Diante da infinidade
e grandeza da vida de além-túmulo, a vida terrena some-se, como um segundo na
contagem dos séculos, como o grão de areia ao lado de uma montanha. Tudo se torna
pequeno, mesquinho, e ficamos pasmos de haver dado importância a coisas tão
efêmeras e pueris. Daí, no meio dos acontecimentos da vida, uma calma, uma
tranquilidade que já constituem uma felicidade, comparadas às desordens e
tormentos a que nos sujeitamos, com o fito de nos elevarmos acima dos outros;
daí, também, para as vicissitudes e decepções, uma indiferença que, tirando todo
motivo de desespero, afasta numerosos casos de loucura e desvia forçosamente o
pensamento do suicídio.
Com
a certeza do futuro, o homem espera e se resigna; com a dúvida perde a
paciência, porque nada espera do presente. O exame daqueles que já viveram,
provando que a soma da felicidade futura está na razão do progresso moral
efetuado e do bem que se praticou na Terra; que a soma de desditas está na
razão dos vícios e más ações, imprime em quantos estão bem convencidos dessa
verdade uma tendência, assaz natural, para fazer o bem e evitar o mal.
Quando
a maioria dos homens estiver convencida dessa ideia, quando ela professar esses
princípios e praticar o bem, este, impreterivelmente, triunfará do mal aqui na
Terra; procurarão os homens não mais se molestarem uns aos outros, regularão
suas instituições sociais — tendo em vista o bem de todos, e não o proveito de
alguns; em uma palavra, compreenderão que a lei da caridade ensinada pelo
Cristo é a fonte da felicidade, mesmo neste mundo, e assim basearão as leis
civis sobre as leis da caridade. A demonstração da existência do mundo
espiritual que nos cerca e de sua ação sobre o mundo corporal é a revelação de
uma das forças da natureza e, por consequência, a chave de grande número de
fenômenos até agora incompreendidos, tanto na ordem física quanto na moral.
Quando
a Ciência levar em conta essa nova força até hoje desconhecida, retificará
imenso número de erros provenientes de atribuir tudo a uma única causa: a
matéria. O conhecimento dessa nova causa, nos fenômenos da natureza, será uma
alavanca para o progresso, produzirá o efeito da descoberta de um agente
inteiramente novo.
Com
o auxílio da lei espírita, o horizonte da Ciência se alargará, como se alargou
com o da lei da gravitação.
Quando
do alto de suas cátedras os sábios proclamarem a existência do mundo espiritual
e sua participação nos fenômenos da vida, eles infiltrarão na mocidade o
contraveneno das ideias materialistas, em vez de predispô-la à negação do
futuro.
Nas
lições de Filosofia clássica, os professores ensinam a existência da alma e
seus atributos, segundo as diversas escolas, mas sem apresentar provas
materiais. Não parece estranho que, quando se lhes fornecem as provas que não
tinham, eles as repilam e classifiquem de superstições? Não será isso o mesmo
que confessar a seus discípulos que eles lhes ensinam a existência da alma, mas
que de tal fato não têm prova alguma? Quando um sábio emite uma hipótese, sobre
um ponto de Ciência, procura com empenho e colhe com alegria tudo o que possa
demonstrar a veracidade dessa hipótese; como, pois, um professor de Filosofia,
cujo dever é provar a seus discípulos que eles têm uma alma, despreza os meios de
lhes fornecer uma patente demonstração?
101.
Suponhamos que os Espíritos sejam incapazes de ensinar-nos alguma coisa além do
que já sabemos, ou do que por nós mesmos poderemos saber; vê-se que só a
demonstração da existência do mundo espiritual conduz forçosamente a uma
revolução nas ideias; ora, uma revolução nas ideias não pode deixar de produzir
outra na ordem das coisas. É esta revolução que o Espiritismo prepara.
102.
Os Espíritos, porém, fazem mais que isso; se as suas revelações são rodeadas de
certas dificuldades, se elas exigem minuciosas precauções para se lhes
comprovar a exatidão, não é menos real que os Espíritos esclarecidos — quando
sabemos interrogá-los e quando lhes é permitido — podem revelar-nos fatos
ignorados, dar-nos a explicação do que não compreendemos e encaminhar-nos para
um progresso mais rápido. É nisto, sobretudo, que o estudo sério e completo da
ciência espírita é indispensável, a fim de só se lhe pedir o que ela pode dar e
do modo por que o pode fazer; ultrapassando esses limites é que nos expomos a
ser enganados.
103.
As menores causas podem produzir grandes efeitos; assim como de um grãozinho
pode brotar uma árvore imensa, a queda de um fruto fez descobrir a lei que rege
os mundos; as rãs, saltando num prato, revelaram a potência galvânica; também
do fenômeno vulgar das mesas girantes saiu a prova da existência do mundo
invisível, e, desta, uma doutrina que, em alguns anos, fez a volta do mundo e
pode regenerá-lo pela verificação da realidade da vida futura.
104.
O Espiritismo ensina poucas verdades absolutamente novas, ou mesmo nenhuma, em
virtude do axioma — nada há de novo debaixo do Sol. Só as verdades eternas são
absolutas; as que o Espiritismo prega, sendo fundadas sobre leis naturais,
existiram de todos os tempos, pelo que encontraremos, em todas as épocas, esses
germens que, mediante estudo mais completo e mais atentas observações,
conseguiram desenvolver. As verdades ensinadas pelo Espiritismo são antes
consequências que descobertas.
O
Espiritismo não descobriu nem inventou os Espíritos, como não descobriu o mundo
espiritual, no qual se acreditou em todos os tempos; todavia, ele o prova por
fatos materiais e o apresenta em sua verdadeira luz, desembaraçando-o dos
preconceitos e ideias supersticiosas, filhos da dúvida e da incredulidade.
Observação
– Estas explicações, incompletas como são, bastam para mostrar a base em que se
assenta o Espiritismo, o caráter das manifestações e o grau de confiança que
podem inspirar, segundo as circunstâncias.
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