Carma, ou Karma, é a ideia
de uma lei natural que estabelece uma consequência direta entre uma determinada
ação e seus efeitos mediante um princípio moral, sendo essa consequência de
natureza boa ou má conforme a qualidade das ações que desencadearam os efeitos.
Esse terno é oriundo da cultura oriental — especialmente aplicado no hinduísmo,
budismo, jainismo, siquismo e taoismo — e se assemelha mais ou menos com a
ideia de outras leis, tais como: ação e reação, causa e efeito e lei do
retorno; uma das particularidades das crenças orientais com relação à lei
cármica é sua associação com a lei de reencarnação, pelo que a alma pode voltar
ao corpo humano numa situação melhor, caso acumule um bom carma, ou, no caso de
um carma negativo, pode renascer numa posição inferior, inclusive encarnado num
corpo animal (metempsicose) — ou ainda, conforme certas seitas, materializado
em forma vegetal ou mineral. Sem adotar essa nomenclatura, a codificação do
Espiritismo reconhece o princípio comum que move a ideia do carma, qual seja a
lei da causalidade moral em face do grau de consciência e da sua intenção do
indivíduo, também estendendo os efeitos possíveis dessa relação através das
reencarnações, conquanto não admita a incorporação em um organismo inferior ao
humano.
Origem do termo
O vocábulo carma vem do
sânscrito कर्म, cuja transliteração para o nosso alfabeto é
karma; sua significação engloba os
três elementos fundamentais da chamada lei cármica: os atos praticados (causa),
as consequências (efeito) e a própria lei que regula essa relação causa-efeito,
lei essa que está submetida a um padrão de moral que então estabelece o que é
certo e o que é errado e assim possa definir a qualidade do carma (bom ou mal,
positivo ou negativo etc.). É originária e constitui um dos elementos básicos
das mais antigas crenças da região asiática que envolve a Índia e o Nepal e
permanece presente nas principais religiões, culturas e filosofias orientais —
quais o hinduísmo, o budismo, o jainismo, o siquismo e o taoismo — cada qual
com sua interpretação particular, mas basicamente todas compreendendo que o
saldo cármico configura os arranjos individuais no fluxo das reencarnações
(roda de samsara) até que a alma alcance a iluminação transcendental (moksha) e
deixe de estar sujeito à lei reencarnatória.
Assim prescreve o livro
sagrado dos Upanishads:
Agora
como um homem é tal ou qual, conforme ele age e conforme ele se comporta, assim
ele será; um homem de bons atos se tornará bom, um homem de maus atos, mau; ele
se torna puro por atos puros, mau por atos maus; E aqui dizem que uma pessoa
consiste em desejos, e como é seu desejo, assim é sua vontade; e como é sua
vontade, assim é sua ação; e toda ação que fizer, tal ele ceifará. (Brihadaranyaka
Upanishad)
A ideia do karma popularizou-se na cultura ocidental a partir da segunda metade do século XIX, principalmente pela Teosofia de Helena Blavatsky, que muito inspirou o movimento Nova Era (New Age, em inglês) do século XX.
O teosofista indiano I. K.
Taimni o definiu da seguinte forma:
“Karma
nada mais é do que a Lei de Causa e Efeito operando no reino da vida humana e
provocando ajustes entre um indivíduo e outros indivíduos que ele afetou por
seus pensamentos, emoções e ações.” (Man, God and the Universe, I.K. Taimni - Quest Books, 1974, p. 17)
É de se notar, aliás, que
algumas vezes na cultura ocidental o termo é reduzido para o significado
negativo (saldo negativo do carma), aplicando-o como sinônimo exclusivo de
castigo, punição, expiação ou equivalente. Por exemplo, é comum se dizer algo
semelhante a: “Cego de nascença, ele carregou esse carma pelos setenta anos de
sua vida.”
Lei cármica em outras
culturas e nas ciências
Culturas diversas
desenvolveram a ideia de causalidade moral aproximadamente no sentido do carma
oriental. Na Filosofia Clássica da Antiga Grécia, Platão não só enxergava uma
consequência inexorável dos atos conscientes do homem como também abarcava aí o
processo reencarnatório:
“A
vingança é exigida por esses crimes na vida após a morte, e quando um homem
retorna a este mundo novamente, ele é inelutavelmente obrigado a pagar a pena
prescrita pela lei da natureza - a sofrer o mesmo tratamento que ele próprio
infringiu à sua vítima, e concluir sua existência terrena encontrando um
destino semelhante nas mãos de outra pessoa.” (Leis, Platão – 9.870).
Esse senso de uma justiça
imposta pela própria natureza ou pela divindade (Deus ou deuses, conforme cada
crença) também é visto no cerne do entendimento da lei de talião dos
babilônicos e dos judeus (“Olho por olho, dente por dente”) e mesmo no “juízo
final” do Apocalipse preconizado por Jesus Cristo notadamente no conhecido
sermão da montanha contidos nos evangelhos narrados por Mateus (capítulos 5 a
7) e Lucas.
Nas ciências psicológicas,
uma das primeiras vozes mais notáveis a considerar a relação do carma com as
reencarnações foi a de médico suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), que estudou
tanto se interessou pelas tradições orientais (em especial o Budismo) e os
fenômenos mediúnicos. Já o psiquiatra canadense Ian Stevenson (1918-2007), que
se notabilizou pelas suas pesquisas científicas sobre casos “sugestivos” de
reencarnação, acrescentou um elemento bastante interessante: marcas de nascença
e defeitos físicos resultantes das vidas passadas, algumas das quais resultantes
da causa da morte da reencarnação anterior, conforme relatou nos dois volumes
da obra Reencarnação e Biologia: Uma Contribuição à Etiologia das Marcas de
Nascença e Defeitos de Nascença (Reincarnation and Biology: A contribution to
the Etiology of Birthmarks and Birth Defects).
Carma segundo o
Espiritismo
Na codificação espírita,
Allan Kardec não faz uso da palavra carma nem fez qualquer referência a ela —
mesmo porque, como sabemos, sua popularização no Ocidental seu deu
posteriormente ao fechamento de sua obra. Todavia, a relação entre causa e
efeito — até um certo tanto parecida com a lei cármica — está fundamentalmente
precisada no axioma “Não há efeito sem causa” encontrado ao longo dos trabalhos
do codificador do Espiritismo, por exemplo, em O Evangelho segundo o
Espiritismo, tratando da causa das aflições humanas:
“Entretanto,
por virtude do ditado segundo o qual todo efeito tem uma causa, tais misérias
são efeitos que tem de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa
causa também há de ser justa. Ora, como a causa sempre antecipa ao efeito, se
esta causa não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto
é, há de estar numa existência precedente. Por outro lado, não podendo Deus
punir alguém pelo bem que fez, nem pelo mal que não fez, se somos punidos, é
que fizemos o mal; se não fizemos esse mal na presente vida, fizemos noutra.” (O
Evangelho segundo o Espiritismo, cap. V, item 6)
Em Espiritismo temos que na
medida em que Espírito desenvolve o seu intelecto, adquire um maior escopo para
agir (livre-arbítrio) e essa liberdade de ação o condiciona a uma maior ou
menor grau de responsabilidade, levando em conta aí a consciência dos atos e a
verdadeira intenção aplicada em cada ação, de que resultam os efeitos positivos
ou negativos, tendo como ponto de referência a justiça divina, ou seja, a lei
de Deus.
Um ponto capital que
distingue a Doutrina Espírita da cultura comum da lei do carma, bem como de
outras doutrinas baseadas na lei do talião, é o do não automatismo das penas,
porque ao passo que é justo, Deus também é misericordioso para com aquele que
francamente se arrepende de suas ações imperfeitas, e a resposta da justiça
divina se baseia não no castigo propriamente dito, mas na oportunidade de refazimento,
no aperfeiçoamento e elevação espiritual dos indivíduos. Desta maneira, aquele
que fez um determinado mal nem sempre sofrerá do mesmo mal, desde que, estando
absolutamente convencido de seu ato imperfeito e sinceramente devotado a
cumprir a obrigatória reparação, a “pena” pode convertida em serviço ao bem.
Quanto às circunstâncias da
vida, a doutrina considera que há diversas situações, a saber:
·
Fatalidade:
algumas ocorrências são fatais, imposta a todos e, portanto, inalteráveis (por
exemplo: a necessidade reencarnar para trilhar o curso evolutivo);
·
Provações:
todos os Espíritos carecem se submeter às vicissitudes da vida a fim de
aprender e pôr à prova o que aprendeu;
·
Expiação:
oportunidade de refazer as coisas realizadas imperfeitamente, seja numa mesma
existência carnal, seja nas reencarnatórias anteriores;
·
Missão:
Espíritos capacitados podem se submeter voluntariamente a certas condições
reencarnatórias a fim de servir de bom exemplo aos menos adiantados.
Portanto, nem todas as
adversidades da vida são consequências ditas cármicas; da mesma forma que nem
todas as condições humanas consideradas privilegiadas (riqueza, poder, beleza
etc.) são exatamente fruto de um merecimento do Espírito, porque bem podem ser
um favor concedido a título de prova. Ademais, é importante que se saiba que,
quanto mais o Espírito tiver desenvolvido sua consciência, mais ativamente ele
participa do planejamento das suas reencarnações, podendo escolher o gênero das
provas e expiações a que precise passar, além de se oferecer para o cumprimento
de determinadas missões.
Ainda sobre as atribulações
da vida, ensina-nos a doutrina:
“Nada
ocorre sem a permissão de Deus, pois é ele quem estabelece todas as leis que
regem o Universo. Agora, vão perguntar por que ele decretou esta lei e não
aquela. Ao dar ao Espírito a liberdade de escolha, Deus lhe deixa toda a
responsabilidade dos seus atos e de suas consequências; nada atrapalha o seu
futuro; existe para ele o caminho do bem, assim como o do mal. Se ele sucumbir,
restará uma consolação, que é a de que nem tudo acabou para ele, e que Deus, na
sua bondade, lhe deixa livre para recomeçar o que ele tenha feito de mal. Além
disso, devemos distinguir o que é obra da vontade de Deus e o que é da vontade
do homem. Se um perigo lhes ameaça, não foram vocês quem criou esse perigo; foi
Deus. Mas vocês têm o desejo de se exporem a esse perigo, por terem visto nele
um meio de progredirem, e Deus o permitiu.” (O Livro dos Espíritos, questão
258-a)
De igual maneira, a relação
causa e efeito também vai se verificar no destino da alma após a morte:
“Não
há uma única imperfeição da alma que não importe terríveis e inevitáveis consequências,
como não há uma só qualidade boa que não seja fonte de um prazer. Assim, a soma
das penas é proporcionada à soma das imperfeições, como a dos gozos à das
qualidades. Por exemplo, a alma que tem dez imperfeições sofre mais do que a
que tem três ou quatro; e quando dessas dez imperfeições não lhe restar mais
que metade ou um quarto, menos sofrerá. Extintas todas, então a alma será
perfeitamente feliz. Também na Terra, quem tem muitas moléstias, sofre mais do
que quem tenha apenas uma ou nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez
perfeições, tem mais satisfação do que outra menos rica de boas qualidades.” (O
Céu e o Inferno, cap. VII: ‘Código penal da vida futura’)
Convém ainda anotarmos a
instrução espírita sobre no que se baseia o critério que estabelece a duração
dos “sofrimentos cármicos”:
“No
tempo necessário a que se melhore. Sendo o estado de sofrimento ou de
felicidade proporcionado ao grau de purificação do Espírito, a duração e a
natureza de seus sofrimentos dependem do tempo que ele gaste para se melhorar.
À medida que progride e que os sentimentos se depuram nele, seus sofrimentos
diminuem e mudam de natureza.” (O Livro dos Espíritos, questão 1004)
Justeza da utilização
do termo carma
As particularidades diversas
relacionadas com a palavra carma, desde as tradições remotas até as culturas
atuais, levantam considerações de certos pensadores sobre a justeza de sua
utilização dentro do movimento espírita. O filósofo José Herculano Pires
exprimiu uma opinião sistematicamente contrária a tal uso:
“Sabemos,
por orientação dos Espíritos, que quando reencarnamos não escolhemos um destino
e sim um gênero de prova que cabe a cada um enfrentar ou recuar. Desta forma,
não devemos usar a palavra Carma dentro do Espiritismo e sim Causa e Efeito,
porque os detalhes dos acontecimentos da vida estão na dependência das
circunstâncias que o homem provoca, com os seus atos. Se encararmos o carma
como um fim total e irredutível, teremos um problema sério quando falamos de
existência e sofrimento. O carma foi “inventado” pelos arianos, quando estes
invadiram a Índia pelo rio Indo, trazendo consigo sua religiosidade e “criando”
as castas para se diferenciarem dos párias e rebaixá-los a posições
subalternas. (....) Os pensamentos cármicos estão mais próximos dos ensinos
esotéricos e místicos por seguirem e utilizarem boa parte dos ensinos e da
filosofia indiana, como é o caso do Shankya, do Vedanta, do Yoga e alguns
outros, ou similares como é o caso dos pensamentos de Blavatsky que possui
grande influência no meio esotérico e teosófico].” (O Verbo e a Carne, José
Herculano Pires e Júlio Abreu Filho – cap. 11)
Por outro lado, outros
tantos confrades têm feito uso deste termo sem considerar haver nisso qualquer
prejuízo para o entendimento da doutrina. Chico Xavier, por exemplo, na sua
primeira entrevista ao programa Pinga-Fogo da TV Tupi, cita as expressões “leis
cármicas” e “lei do carma” ao responder a uma determinada pergunta:
“O
nosso ponto de vista religioso não nos isenta da execução das leis cármicas no
campo de nossos destinos. Podemos realmente trabalhar muito, fazer muito por
determinada ideia, por determinado setor de educação social e em qualquer outro
campo de progresso humano, mas não estamos isentos. A mediunidade não nos
isenta com privilégios especiais com respeito à desencarnação. Devo acrescentar
também que sem aplaudir o sofrimento dos nossos irmãos que partiram de maneira
tão comovedora para nós todos, perguntamo-nos: Não seria esse o processo de
aliviá-los ou defendê-los contra provações que dentro da lei do carma seriam
para eles muito maiores, se eles continuassem na Terra?” (Pinga-Fogo com Chico
Xavier, EDICEL – cap. ‘O Pinga-Fogo’)
O médium e orador espírita
Divaldo Franco certa feita tornou público uma mensagem de sua mentora Joanna de
Ângelis, intitulada “Carma da solidão”, em outra ocasião narrou um episódio
histórico das tradições espirituais que assinalou como “Carma do Brasil e a
noite de São Bartolomeu”, e noutra, num programa televisivo sob o título “Alma
Gêmea, Carma e Sofrimento”, dissertou sobre o significado e aplicação do termo
em questão. Em Nossos Filhos são Espíritos, o estudioso Hermínio C. Miranda
também se vale do mesmo vocábulo:
“Por
isso a palavra carma que dizer ação e reação e, por isso, alguns autores a
chamam de lei do retorno. São maneiras diferentes de explicar o mesmo conceito
básico de que você é responsável por tudo quanto faz de errado, e contabiliza a
seu favor as boas ações praticadas, por mais insignificantes que elas sejam.
Tudo conta ponto, de um lado ou de outro, negativo ou positivo. O resultado
desse balanço é a medida da nossa paz interior ou dos distúrbios emocionais que
ainda remanescem em nós, à espera de solução.” (Nossos Filhos são Espíritos,
Hermínio C. Miranda – cap. 9)
Destarte, o zelo
doutrinário, num grau saudável, pode bem nos orientar ao uso moderado e bem
contextualizado do termo carma, ao passo que a mesma prudência rejeita o
exagero da ortodoxia no que se limite a uma mera questão de linguagem, enquanto
preservado o sentido das coisas.
Referências
O Livro dos Espíritos, Allan
Kardec.
O Evangelho segundo o
Espiritismo, Allan Kardec.
O Céu e o Inferno, Allan
Kardec.
Pinga-Fogo com Chico Xavier,
EDICEL.
Nossos Filhos são Espíritos,
Hermínio C. Miranda. Lachâtre, 1993.
https://www.luzespirita.org.br/index.php?lisPage=enciclopedia&item=Carma
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