A ESCRITURA DOS
EVANGELHOS – OS EVANGELISTAS
Os mensageiros do Cristo presidem à redação
dos textos definitivos [do Evangelho], com vistas ao futuro, não somente junto
aos apóstolos e seus discípulos, mas igualmente junto aos núcleos das
tradições. Os cristãos mais destacados trocam, entre si, cartas de alto valor
doutrinário para as diversas igrejas. São mensagens de fraternidade e de amor,
que a posteridade muita vez não pôde ou não quis compreender. Emmanuel: A
caminho da luz. Cap. 14, item A redação dos textos definitivos.
Entre os anos 60 e os 80 da
Era Cristã aparecem os primeiros escritos evangélicos de Marcos, considerados
os mais antigos. No final do século I, entre os anos 80 e 98, surge o Evangelho
de Lucas, assim como o de Mateus. Este foi possivelmente escrito em hebraico,
atualmente perdido. Finalmente, entre os anos de 98 e 110, aparece, em Éfeso, o
evangelho de João. Ao lado desses evangelhos, únicos reconhecidos pela Igreja
Católica, grande número de outros vinha à luz [são os evangelhos apócrifos].
Por que razão foram esses numerosos documentos declarados apócrifos e
rejeitados? Muito provavelmente porque haviam constituído num embaraço aos que
nos séculos I e II imprimiram ao Cristianismo uma direção que o devia afastar,
cada vez mais, de suas formas primitivas. Léon Denis: Cristianismo e espiritismo. Cap.
1.
A grandeza da doutrina
[cristã] não reside na circunstância de o Evangelho ser de Marcos ou de Mateus,
de Lucas ou de João; está na beleza imortal que se irradia de suas lições
divinas, atravessando as idades e atraindo os corações. Emmanuel: A caminho da
luz. Cap. 14, item A redação dos textos definitivos.
O ambiente histórico em que
o Evangelho surgiu é o do Judaísmo, formado e alimentado pelos livros sacros do
Antigo Testamento, condicionado pelos acontecimentos históricos, pelas
instituições nas quais se encontrou inserido, e pelas correntes religiosas que
o especificaram.
A palavra evangelho, do grego euangélion, quer dizer boa-notícia ou boa-nova, por extensão. O sentido mais antigo da palavra está relacionado a uma gorjeta que era dada aos que traziam “boas-notícias”. Nas cidades gregas empregava-se o vocábulo evangelho quando ecoava a notícia de uma vitória militar, ou nascimento do filho de um rei ou imperador. Uniam-se à notícia cânticos e cerimônias festivas, dando-se uma conotação de alegria.
O Novo Testamento abrange
quatro conjuntos de livros, assim discriminados: a) Evangelhos; b) Atos dos
Apóstolos; c) Epístolas; d) Apocalipse. Neste roteiro estão inseridas
informações sobre o Evangelho de Jesus, segundo os registros de Mateus, Marcos,
Lucas e João.
O Evangelho [Boa Nova],
cerne doutrinário do Cristianismo, contém aspectos da biografia terrena de
Jesus Cristo e seus principais ensinamentos de caráter moral, coligidos segundo
informações de Mateus, Marcos, Lucas e João. Mateus e João, discípulos diretos
(apóstolos), de contato pessoal com o Mestre, escreveram respectivamente em
hebraico e em grego; Marcos e Lucas, redigiram seus textos em grego, o primeiro
transmitindo reminiscências de Pedro, o segundo investigando e recolhendo
informações por via indireta. Harmonizam-se os quatro textos num todo orgânico,
composto sem acomodações, sob inspiração mediúnica, cujo influxo não derrogou a
liberdade volitiva e os pensadores psíquicos: Mateus, menosprezado funcionário,
atende ao aceno do novo chefe e nele passa a vislumbrar o diretor supremo, o
rei em nomenclatura humana, embora em nível do reino dos céus; Marcos,
atemorizado quando jovem com a intensidade da tarefa, sublima depois, vendo em
Jesus o servo incansável, paradigma da fraternidade a serviço divino; Lucas,
mais intelectualizado, apresenta Jesus como entidade imaculada, presa pela
genealogia ao pai Adão, porém subtraída ao pecado pela redenção no Pai Criador.
João, mais espiritualizado, portanto mais próximo da essência dos ensinamentos
de Jesus, tem olhos de ver no Cristo a entidade celestial, o verbo mesmo de
Deus, não apenas o rei, o servo, o homem, sinopse da biografia terrena.
O Cristo nada escreveu. Suas
palavras, disseminadas ao longo dos caminhos, foram transmitidas de boca em
boca e, posteriormente, transcritas em diferentes épocas, muito tempo depois da
sua morte. Uma tradição religiosa popular formou-se pouco a pouco, tradição que
sofreu constante evolução até o século IV . Durante meio
século depois da morte de Jesus, a tradição cristã, oral e viva, é qual água
corrente em que qualquer se pode saciar. Sua propaganda se fez por meio da
prédica [sermão, discurso religioso], pelo ensino dos apóstolos, homens
simples, iletrados, mas iluminados pelo pensamento do Mestre. Não é senão do
ano 60 ao 80 que aparecem as primeiras narrações escritas, a de Marcos a
princípio, que é a mais antiga, depois as primeiras narrativas atribuídas a
Mateus e Lucas, todas, escritos fragmentários e que se vão acrescentar de
sucessivas adições, como todas as obras populares.
Foi somente no fim do século
I, de 80 a 98, que surgiu o evangelho de Lucas, assim como o de Mateus, o
primitivo, atualmente perdido; finalmente, de 98 a 110, apareceu, em Éfeso, o
evangelho de João. Ao lado desses evangelhos, únicos depois reconhecidos pela
Igreja, grande número de outros vinha à luz. Desses, são conhecidos atualmente
uns vinte; mas, no século III, Orígenes os citava em maior número. Lucas faz
alusão a isso no primeiro versículo da obra que traz o seu nome.
Os textos evangélicos
utilizados pelos povos não anglo-saxônicos originam-se da Vulgata (divulgada)
Latina, fixada a partir do século IV, quando o erudito Jerônimo, secretário do
papa Dâmaso I, verte do grego para o latim textos autenticáveis, e separa os
considerados de autoria obscura ou apócrifa. Sabemos, no entanto, que existiu a
chamada Bíblia dos Setenta, corpo doutrinário traduzido, ao que se diz, por
setenta sábios de Alexandria, do qual se teria tirado setenta cópias.
O grego, em que os
evangelhos foram escritos, foi o popular dialeto alexandrino chamado kini, que
era a língua mais falada ou, pelo menos, compreendida pelos homens cultos de
todas as localidades do Oriente e do Ocidente do Império Romano. Por essa razão
os evangelistas usaram o grego e não o hebraico para escrever os evangelhos,
tornando-os, assim, acessíveis a um maior número de pessoas.
Naquele tempo, não havia
pontuação nem separação de palavras na escrita. Os textos utilizavam apenas as
letras maiúsculas do alfabeto grego. As palavras eram redigidas com letras
minúsculas e sem espaçamentos. A colocação de espaços entre as palavras e as
frases foi adotada a partir do século IX d.C. A pontuação surgiu com o apare-
cimento da imprensa no século XV. A organização dos textos bíblicos em
capítulos foi introduzida no Ocidente pelo cardeal inglês Hugo, no século XIII.
A subdivisão dos capítulos em versículos foi criação do tipógrafo parisiense
Roberto Stefen, no século XVI.
Não obstante a existência de
várias traduções inglesas da Bíblia, empreendidas durante a Idade Média,
somente no século XVI a História registra a tradução definitiva da Bíblia
inglesa, na forma que conhecemos atualmente. Na conferência de Hampton Court,
em 1604, foi proposta uma nova tradução da Bíblia. Cinquenta e quatro
tradutores foram convidados para o empreendimento dessa tarefa em Oxford,
Cambridge e Westminster. Essa tradução, dedicada ao rei James I, foi publicada
em 1611, em volumes grandes. Trata-se de uma tradução, também conhecida como a
Versão Autorizada, que se enraizou de tal forma na história religiosa e
literária dos povos de língua inglesa que as edições posteriores cuidavam
apenas de simples revisões, e não de substituições.
Algumas dessas revisões
foram: a Revisão Inglesa de 1885 e a Versão-Padrão Americana (American Standard
Version) de 1901. Esta última foi vigorosamente revisada pela Revised Standard
Version de 1946–1952. Os textos bíblicos publicados em língua inglesa — que têm
como base a tradução de William Tyndale, de 1525–1526 —, sobretudo o Novo
Testamento, apresentam diferenças das edições publicadas pelos demais povos. É
que a tradução inglesa foi realizada diretamente do original grego e não do
latim (Vulgata).
1. Os evangelhos canônicos e os apócrifos
Os evangelhos são narrativas
cuidadosamente escritas sobre o nascimento, a vida, o ministério, a morte e a
ressurreição de Jesus de Nazaré. Não podemos jamais esquecer que os textos
existentes em o Novo Testamento retratam, além dos ensinamentos do Cristo, a
pregação e a vida dos apóstolos e discípulos diretos.
Estudos críticos (e sérios)
demonstram que nos textos evangélicos há diferenças que evidenciam a influência
pessoal do escritor, sem deixar de lado a inspiração divina. Assim, os três
primeiros evangelhos (Mateus, Marcos e Lucas) — chamados de evangelhos
sinóticos — têm muitos aspectos comuns e também muitas diferenças. As
semelhanças vão de algumas palavras a textos inteiros. As diferenças são
encontra- das nas narrativas de fatos e de acontecimentos relacionados à vida e
à missão do Cristo, percebendo-se discrepâncias, aqui e ali. Em termos
numéricos, podemos representar a questão sinótica assim:
- Dos 661 versículos do evangelho de Marcos,
600 estão no de Mateus e 350 no de Lucas;
- Os evangelhos de Mateus e Lucas têm 240
versículos em comum, os quais não constam do evangelho de Marcos;
- Mateus e Lucas inseriram outros versículos,
segundo interpretação própria.
Os evangelistas Mateus e
João foram apóstolos de Jesus. Lucas e Marcos não conviveram com Ele. Os
escritos evangélicos, também chamados de Escrituras Gregas, foram divididos em
“canônicos” — textos que fazem parte do Novo Testamento — e “apócrifos”
(palavra que significa coisa escondida, oculta). Os apócrifos (ou deuterocanônicos),
definidos no Concílio de Niceia, são manuscritos redigidos pelos discípulos de
Jesus e que não foram (nem são) reconhecidos pela Igreja Católica, sob a
alegação de que a veracidade dos mesmos não poderia ser comprovada.
Existem cerca de 112 textos,
apócrifos, no Antigo Testamento e 60 no Novo Testamento. A tradição contabiliza
um número maior.
Exemplos de livros
apócrifos:
1. Evangelhos: de Maria de Madalena; de Tomé; de Filipe; o árabe
que trata da infância de Jesus; do pseudo-Tomé; de Tiago; da morte e assunção
de Maria.
2. Atos: de Pedro; de Tecla; de Paulo; dos 12 apóstolos; de
Pilatos.
3. Epístolas: de Pilatos a Herodes; de Pilatos a Tibério; de Pedro
a Filipe; de Paulo aos laodicenses; epístola aos coríntios, de Aristeu.
4. Apocalipses: de Tiago; de João; de Estêvão; de Pedro; de Elias;
de Esdras; de Baruc; de Sofonias.
5. Testamentos: de Abraão; de Isaac; de Jacó; dos 12 Patriarcas;
de Moisés; de Salomão; de Jó.
6. Outros livros: A filha de Pedro; a descida do Cristo aos
infernos; declaração de José de Arimateia; vida de Adão e Eva; jubileus, 1, 2 e
3; Henoque; Salmos de Salomão; Oráculos Sibilinos.
Os evangelhos de Marcos,
Mateus e Lucas são chamados de sinópticos, porque apresentam, entre si, muitas
semelhanças, podendo ser dispostos em colunas paralelas e “abarcados com um só
olhar”. Quanto ao quarto evangelho, o de João, este permanece único, pois se
distingue significativamente dos demais em conteúdo, estilo e forma. A hipótese
mais aceita para justificar as similaridades existentes nos evangelhos
sinóticos é denominada “teoria das duas fontes”. Nessa teoria, Marcos teria
utilizado uma fonte (possivelmente originária de Pedro), a qual serviria de
subsídios para os relatos de Mateus e Lucas. A outra fonte, utilizada por estes
dois evangelistas, é totalmente desconhecida e se chama Fonte Q (inicial da
palavra alemã quelle = fonte). Os textos evangélicos sofreram, ao longo dos
tempos três grandes modificações: no texto original, escrito pelos
evangelistas, durante a elaboração da Vulgata e na redação final, que é a que
temos atualmente.
Por entre essas fases,
ocorreram influências em variados sentidos, levando a relações literárias, de
semelhança ou de diferenças, que são observadas entre os evangelhos no seu
estado atual. Assim, pode-se perceber, que a redação de Marcos deve ter sofrido
influência do documento — fonte de Mateus — daí verifica-se as semelhanças onde
é dependente — onde, por sua vez, deve ter influenciado a última redação do
primeiro evangelho.
Os evangelhos segundo Mateus,
Marcos e Lucas mencionam os ensinamentos de Jesus sobre o Reino de Deus mais de
noventa vezes, o que é bastante significativo. O evangelho de João desenvolve a
ideia de crença nas 99 citações, o que também nos fornece um material para
reflexão.
2. O Evangelho segundo Marcos
Conforme a mais antiga
tradição, esse evangelho foi escrito por João Marcos (João do hebraico, Marcos
do latim), sobrinho de Pedro e primo de Barnabé. Ao que se sabe, vivia em
Jerusalém com seus pais. Supõe-se que o texto de Marcos foi o que serviu de
fonte para as escrituras de Lucas e de Mateus, tendo ele próprio, por sua vez,
utilizado outras fontes (Pedro, por exemplo). Foi o primeiro evangelho a ser
escrito, num tempo não muito distante da destruição de Jerusalém, ocorrida no
ano 70 d.C., possivelmente entre os anos 60 e 70. É um evangelho que apresenta
pouca evolução da doutrina cristã, e não conduz a maiores reflexões teológicas.
É provável que Marcos tenha acompanhado os acontecimentos da paixão e morte do
Cristo.
Para escrever o seu
evangelho, Marcos deve ter recorrido a três fontes: às suas lembranças, às
recordações de pessoas que conviveram com o Mestre e aos documentos que
circulavam na jovem comunidade cristã da época. A tradição informa que Marcos
teria sido discípulo de Pedro, de quem teria recebido os esclarecimentos
evangélicos (I Pedro, 5:13; Atos dos Apóstolos, 12:12).
O evangelho de Marcos está
escrito em estilo muito simples e de pouca precisão histórica. Descuida-se da
sequência cronológica. Há muitas palavras aramaicas, revelando proximidade com
os aramaísmos dos originais em que se baseou. São exemplos de aramaísmo as
seguintes palavras ou expressões: boanerges (Marcos, 3:17); talita cumi
(Marcos, 5:41); efeta (Marcos, 7:34); aba (Marcos, 14:36); eloi, eloi (Marcos,
l5: 34). Mostra também vestígios da tradição oral.
Há indícios de que Marcos
teria redigido o seu texto em Roma. Os historiadores que defendem este ponto de
vista se fundamentam nos seguintes indícios: a) na questão sobre o divórcio
(Marcos, 10: 1-12) — um problema que afligia apenas os romanos da época; b) na
utilização de palavras latinas como kenturiôn (centurião) e pretorion
(tribunal), entre outras (Marcos, 6:27; 7:4; 12:42; 15:39, 44,45); c) nome
latino para designar a moeda (ou óbulo) ofertada pela viúva (Marcos, 12:41).
O evangelho de Marcos quer
mostrar que Jesus é o Messias prometido e aguardado pelos judeus. Tem como
escopo apresentar Jesus como filho de Deus (Marcos, 1:11; 3:11; 15:39), sua
condição divina, demonstrando que os milagres realizados por Jesus asseguravam
ser Ele o Messias prometido. Esclarece também que Jesus é recebido
favoravelmente pelas multidões, mas que seu messianismo, humilde e espiritual,
decepciona e diminui a expectativa popular.
No propósito de nos
apresentar Jesus como filho de Deus, incompreendido e rejeitado pelo povo,
Marcos se preocupa menos em explanar o ensino do Mestre, fazendo poucas
referências aos seus ensinamentos. Escrito em linguagem popular, de estilo
vivo, o texto de Marcos deixa de lado o que interessava apenas aos Judeus,
focalizando também os interesses dos pagãos recém-convertidos na fé, após a
morte de Pedro e Paulo (entre os anos 62 e 63). No entanto, há no Evangelho de
Marcos explicações que nem mesmo os gentios compreendiam (Marcos, 3:17; 5:41;
7:34; 10:46; 14:36; 15:34), assim como relatos de costumes judaicos (Marcos,
7:3-4; 14:12; 15:42). O autor faz poucas referências ao Antigo Testamento.
Destaca as várias emoções dos personagens (Marcos, 3:34; 8:12; 10:14, 21,32;
16:5-6). O ponto culminante do seu evangelho é a confissão de Pedro, em
Cesareia (Marcos, 8:27-30) e a resposta do Cristo, que não declarara antes ser
o Messias por causa do falso conceito de libertador temporal, atribuído ao
enviado de Deus. Alguns autores afirmam que Marcos usou este “segredo
messiânico” para evitar explicações embaraçosas sobre o fato de ter o Cristo
morrido da forma como morreu, quando deveria, no entender dos judeus, ser o
libertador de um povo.
A tradição diz que a casa,
citada em Atos dos Apóstolos, 12:12, pertencia a Marcos, e é a mesma em que foi
celebrada a última ceia de Jesus (Marcos, 14:4).
Supõe-se também que o Jardim
de Getsêmani lhe pertencia, que ele (Marcos) era o homem do cântaro (Marcos,
14:13), sendo igualmente o jovem nu, retratado unicamente em seu Evangelho (Marcos,
14:51-52).
Marcos acompanhou Paulo e
Barnabé na primeira viagem do apóstolo dos gentios — de Jerusalém à Antioquia
(Atos dos Após- tolos, 13:5) —, mas não completa a viagem, voltando a Jerusalém
(Atos dos Apóstolos, 13:13). Com Barnabé foi a Chipre (Atos dos Apóstolos,
15:39), todavia, permaneceu mais tempo com Pedro, servindo de intérprete e de
secretário. Tendo participado de trabalho missionário no Egito, morreu vítima
de martírio.
3. O Evangelho segundo Mateus
O evangelho de Mateus foi
escrito entre 80 e 100 d.C. Seguramente foi depois de 70, após a destruição
de Jerusalém, e posterior ao evangelho de Marcos. O texto conhecido nos dias
atuais, surgiu na Palestina, escrito em grego, em bom estilo literário, para
leitores de língua grega. Posteriormente foi traduzido para o latim (Vulgata).
Alguns estudiosos acreditam que o texto original de Mateus foi escrito em
aramaico e, mais tarde, traduzido para o grego. Se, efetivamente, esse texto
existiu, foi perdido.
As linhas gerais da vida do
Cristo, encontradas no evangelho de Marcos, são reproduzidas no de Mateus, mas
segundo um novo plano, por que os relatos e os discursos se alternam. Por
exemplo, em Mateus, 1:4, há o relato da infância e início do ministério de
Jesus. Em Mateus, 5:7 vem em discurso: o sermão do monte, as bem-aventuranças e
a entrada no Reino.
No tempo em que foi escrito,
a igreja cristã já ultrapassara os limites de Israel.
Mateus foi um dos apóstolos
e testemunha de vários aconteci- mentos. Cobrador de impostos para o Império
Romano, era menosprezado pelos judeus, porque consideravam impura a sua
profissão. Foi o apóstolo mais intelectual do grupo dos Doze.
Percebe-se que o seu
evangelho era o de um cristão vindo do Judaísmo, conhecedor das Escrituras,
fiel à tradição. Mateus escreve entre os judeus para judeus, procurando
defender a tese de que Jesus era o Messias previsto nas escrituras. A sua
origem judaica fica evidente quando ele emprega, por exemplo, a expressão reino
dos céus, em lugar de reino de Deus, já que o nome Deus não era pronunciado
pelos judeus.
A narrativa do texto de
Mateus dispensa explicações sobre os costumes judaicos, por serem considerados
corriqueiros e do entendimento dos seus compatriotas.
Na composição literária do
seu evangelho, o autor empregou como fontes o evangelho de Marcos e outros
escritos particulares. Fez um trabalho de compilação bastante pessoal (é um
texto rico de hebraísmos), adaptando e completando as fontes com os próprios conhecimentos.
Mateus é chamado o homem dos discursos, por ser quem mais cita as fontes.
Mostra aos judeus que Jesus é filho de Davi e de Abraão, portanto, o Messias de
Israel. Exorta os fiéis a aceitarem Jesus como o Messias prometido por Deus ao
seu povo. Refere-se constantemente ao Antigo Testamento. Fala na universalidade
da mensagem cristã, convidando judeus e não judeus a aceitarem os seus
ensinamentos. Do ponto de vista cristológico, considera Jesus como Rei, Messias
que foi rejeitado e que criou outro povo ou comunidade, que é a Ecclesia
(Igreja). Emprega o termo kyrios (Senhor), enquanto os outros usam o termo
Mestre.
4. O Evangelho segundo Lucas
O médico Lucas era natural
de Antioquia, fato que ele cita vá- rias vezes nos Atos dos Apóstolos. Não foi
discípulo direto do Cristo, ficando isso claro desde o início do seu texto,
pois que se coloca fora das testemunhas oculares. Utilizou como fontes o
evangelho segundo Marcos bem como outras particulares da região onde viveu,
incluindo-se nessas últimas, documentos da época e testemunhos dos fatos
ocorridos. Lucas também teria recebido esclarecimentos de Paulo, por ocasião de
um encontro em Antioquia. Paulo fala sobre Lucas em suas epístolas
(Colossenses, 4:14), (Filipenses, 24) (II Timóteo, 4:11). Pode-se situar o
aparecimento do evangelho de Lucas entre os anos 70 e 80 d.C.
O mérito particular do
terceiro evangelho lhe vem da personalidade muito cativante do seu autor, que
nele transparece continua- mente. Lucas é um escritor de grande talento e uma
alma delicada. Elaborou sua obra de modo original, com um esforço de informação
e de ordem (Lucas, 1:3) Seu plano reproduz as grandes linhas de Marcos, com
algumas transposições ou omissões. Certos episódios são deslocados (Lucas,
3:19-20; 4:16-30; 5:1-11; 6:12-19; 22: 31-34).
Seu plano retoma as grandes
linhas do de Marcos com algumas transposições ou omissões. Alguns episódios são
deslocados (3, 19- -20; 4, 16-30; 5, 1-11; 6, 12-19; 22, 31-34 etc.), ora por
preocupação de clareza e de lógica, ora por influência de outras tradições,
entre as quais deve-se notar a que se reflete igualmente no quarto evangelho.
Outros episódios são omitidos, seja como menos interessantes para os leitores
pagãos (cf. Mc 9, 11-13), seja para evitar duplicatas (cf. Mc 12, 28-34 em
comparação com Lc 10, 25-28).
É tido como um bom escritor
pelo estilo elegante da língua (o grego) usada no prólogo, considerado um
clássico da época. O próprio costume de escrever prólogos, dedicando o livro,
era comum entre os grandes escritores. Corrige o grego de Marcos, substituindo
termos vulgares ou banais por palavras eruditas. À vista dos acontecimentos da
época, procurou relacionar os acontecimentos narrados com fatos conhecidos da
história, obedecendo a detalhes cronológicos. Alguns estudiosos procuram ver no
seu Evangelho certo olho clínico, por ser ele um médico. Vê-se isto, por
exemplo, nos episódios da sogra de Pedro, do Samaritano, da hemorroíssa.
Lucas nos apresenta Jesus
como o Messias dos pobres, dos humildes, dos desprezados, dos doentes e dos
pecadores. Em Lucas, 19: 10, fala em salvar o que estava perdido; em 7: 36-50,
traz o relato da pecadora que banhou os pés do Cristo; em 15:1-32, narra
ensinamentos sobre a ovelha ou dracma perdidas, e o retorno do filho pródigo;
em 18: 9-14, fala da prece do publicano e a do fariseu; em 16: 19-31, faz referências
sobre o rico avarento e sobre o pobre Lázaro; em 11: 41; 12: 33 e em 14:13,
mostra a necessidade das esmolas.
Nota-se, ainda, em Lucas,
uma preocupação com a valorização das mulheres, tendo em vista o conceito que
delas tinha a sociedade da época. Assim, refere-se a Ana e a Isabel; às
mulheres que acompanhavam os apóstolos; a Maria e Marta de Betânia; à viúva de
Naim e à mulher da multidão que exaltou a mãe de Cristo. Cita também Maria,
chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios, e Joana, mulher de Cuza,
alto funcionário de Herodes; Susana e várias outras mulheres, que ajudavam a
Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam (Lucas, 8: 1-3). E num lugar
todo especial está Maria, mãe de Jesus. Fornece muitos de- talhes da vida
familiar do Mestre, fato que levanta a hipótese de Lucas ter entrevistado Maria
de Nazaré. Corrige certas referências extraordinárias a respeito de Jesus, que
pudessem escandalizar os não judeus (multiplicação dos pães, sogra de Pedro,
discussão no caminho etc.). Faz a genealogia de Cristo diferente da de Mateus,
começando por Adão.
5. O Evangelho segundo João
O evangelho de João só foi
escrito em torno do ano 100 d.C. João é o canal de Deus para nos fazer
compreender a presença de Jesus, o Verbo divino. Esse evangelho é uma obra
unitária: as partes só podem ser compreendidas na sua relação com o todo.
Portanto, na leitura da obra deve-se ficar atento ao seu conjunto e não somente
às unidades que a compõem, tomadas isoladamente. O plano que estrutura o
evangelho de João é espiritual e não histórico-narrativo. A pessoa e a obra de
Jesus são interpretadas por uma comunidade no seio da sua experiência de fé.
A história de Jesus no
evangelho de João é apresentada como um drama composto de um prólogo, dois atos
principais e um epílogo. Considerando-se o evangelho sob essa luz, sua
característica distintiva pode ser vista como seu ensinamento iluminado.
João proclama a messianidade
de Jesus e a sua filiação divina, esclarecendo que, para ter vida, é preciso
ter fé em Jesus. Os traços característicos do evangelho joanino — e que o
diferenciam dos demais — mostram a forte influência de uma corrente de
pensamento amplamente difundida em certos círculos do judaísmo: os ensinamentos
dos essênios. Neles se atribuía importância especial ao conhecimento (gnose),
expresso por meio de dualismos: luz-trevas, verdade-mentira, anjo da luz-anjo
das trevas. João insiste na mística da unidade com o Cristo e na necessidade do
amor fraterno.
Mais ainda: o quarto
evangelho, mais do que os sinóticos, quer dar a entender o sentido da vida, dos
gestos e das palavras de Jesus. Os acontecimentos de Jesus são sinais, cujo
sentido não transpareceu logo de início, só sendo compreendido após a
glorificação do Cristo (João, 2:22; 12:16; 13:7); muitas palavras de Jesus eram
dotadas de significação espiritual, que não foram percebidas senão mais tarde8
(João, 2: 19).
Caberia ao apóstolo falar em
nome de Jesus ressuscitado, recor- dando e ensinando aos discípulos o que Jesus
lhes havia dito: “conduzi-los à verdade completa” (João, 14:26 e seguintes).
Por outro lado, João nos mostra uma faceta da personalidade de Jesus, não
percebida nos demais evangelistas: seus ensinamentos ocorrem no contexto da
vida judaica, nas festas e no templo, deixando claro ao povo que ele, Jesus, é
o centro de uma religião renovada, em espírito e em verdade (João, 4:24).
Para o evangelista, Jesus é
a Palavra (o Verbo) enviada por Deus à Terra, e deve regressar ao Pai uma vez
cumprida a sua missão (João, 1:1 e seguintes). Trata-se de uma missão que
consiste em anunciar aos homens os mistérios divinos: Jesus é a testemunha do
que viu e ouviu junto ao Pai (João, 3:11 e seguintes). Jesus é a Água Viva (João,
7:37). É a Luz do mundo (João, 8:12). Jesus é o Bom Pastor (João, 10:1-18) e é
também o Caminho, a Verdade e a Vida (João, 14:6).
João se move assim acima dos
testemunhos dos outros escritores do evangelho, explorando a natureza de Jesus
em relação a Deus e à Humanidade, e os fundamentos para a crença cristã e para
a vida espiritual, que é a sua consequência. Jesus, no retrato de João, é ao
mesmo tempo um com o Pai e um com sua igreja na Terra.
Há detalhes, no quarto
evangelho, que nos fazem supor haja entre o apóstolo e Jesus uma maior
proximidade. Por exemplo, ao descrever o encontro do Mestre com Nicodemos,
(João 3:1-15) o evangelista nos transmite a certeza de estar presente,
testemunhando a conversa. Uma testemunha que talvez estivesse à porta, como
quem se encontra à espreita, até surpreender o esclarecedor colóquio entre o
Rabi Galileu e o doutor da lei. Noutro momento, quando narra o episódio das
Bodas de Caná (João 2:1-12), João parece reviver o adolescente maravilhado,
colocado perante o Rabi pleno de sabedoria, que abençoa a união matrimonial com
sua luminosa presença.
Em outras passagens
evangélicas a presença de João é percebida claramente, como se ele fosse a
sombra de Jesus: acompanha o Rabi na íngreme subida de 562 metros (Lucas,
9:28-36) até o cume do monte Tabor. Após as quatro horas de marcha, dorme junto
a Pedro e Tiago. Na madrugada que avança, escuta vozes que vibram no ar. A
sublime visão de Jesus, vestido de luz o faria, mais tarde, evocar a cena
inesquecível, ao iniciar a sua narrativa evangélica: “Nele estava a vida e a
vida era a luz dos homens; a luz resplandece nas trevas e as trevas não a
compreenderam” (João, 1:4-5).
Finalmente, é oportuno
lembrar que a promessa do advento do Consolador consta apenas do Evangelho de
João, que assim nos transmite o feliz anúncio de Jesus: “Se me amardes,
guardareis os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro
Consolador, para que fique convosco para sempre. O Espírito da verdade, que o
mundo não pode receber, porque não o vê nem o conhece; mas vós o conheceis,
porque habita convosco, e estará em vós. Não vos deixarei órfãos; voltarei para
vós. Mas, quando vier o Consolador, que eu da parte do Pai vos hei de enviar,
aquele Espírito da verdade, que procede do Pai, testificará de mim. E vós
também testificareis, pois estivestes comigo desde o princípio” (João,
14:15-18; 15:26-27).
Fonte: Estudo aprofundado da doutrina espírita. FEB, 2013.
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