AS RELIGIÕES NÃO CRISTÃS – 1
Todas as religiões houveram
de ser em sua origem relativas ao grau de adiantamento moral e intelectual dos
homens: estes, assaz materializados para compreenderem o mérito das coisas
puramente espirituais, fizeram consistir a maior parte dos deveres religiosos
no cumprimento de fórmulas exteriores. Allan Kardec: O céu e o inferno.
Primeira parte, cap. I, item 12.
Deus jamais deixou de
revelar suas leis. A orientação divina chega à Humanidade em todas as épocas,
utilizando todos os meios, direta ou indiretamente pelo trabalho dos
missionários, ou porta do Senhor.
Esses gênios, que aparecem
através dos séculos como estrelas brilhantes, deixando longo traço luminoso sobre
a Humanidade, são missionários ou, se o quiserem, messias. O que de novo
ensinam aos homens, quer na ordem física, quer na ordem filosófica, são
revelações. Se Deus suscita reveladores para as verdades científicas, pode, com
mais forte razão, suscitá-los para as verdades morais, que constituem elementos
essenciais do progresso.
Percebemos então que todas
as revelações religiosas foram transmitidas de acordo com o nível de
entendimento e de moralidade dos habitantes do Planeta. Estes, “assaz
materializados para compreenderem o mérito das coisas puramente espirituais,
fizeram consistir a maior parte dos deveres religiosos no cumprimento de
fórmulas exteriores.”
Cada coisa acontece no tempo
propício, pois o processo evolutivo é lento, sobretudo no homem primitivo ou de
pouca evolução moral e intelectual. “A verdade é como a luz: o homem precisa
habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado.”
Importa considerar que o
sentimento religioso é inerente ao ser humano, ainda que rejeitado por algumas
correntes filosóficas e científicas, de natureza materialista.
A religião é o sentimento
divino que prende o homem ao Criador. As religiões são organizações dos homens,
falíveis e imperfeitas como eles próprios; dignas de todo acatamento pelo sopro
de inspiração superior que as faz surgir, são como gotas de orvalho celeste,
misturadas com os elementos da terra em que caíram.
O desenvolvimento da consciência religiosa está claramente identificada na história de cada povo.
Vamos encontrar,
historicamente, as concepções mais remotas da organização religiosa na
civilização chinesa, nas tradições da Índia védica e bramânica, de onde também
se irradiaram as primeiras lições do Budismo, no antigo Egito, com os mistérios
do culto dos mortos, na civilização resplandecente dos faraós, na Grécia com os
ensinamentos órficos e com a simbologia mitológica, existindo já grandes
mestres, isolados intelectualmente das massas, a quem ofereciam os seus ensinos
exóticos, conservando o seu saber de iniciados no círculo restrito daqueles que
os poderiam compreender devidamente.
Entendemos que essas
tradições não surgiram por acaso no Planeta. Há um plano divino que direciona
todo o processo de melhoria da humanidade terrestre. Sob a supervisão de Jesus,
missionários renascem para transmitir aos encarnados não somente lições de
progresso científico ou filosófico, mas também ensinamentos morais e
religiosos.
Fo-Hi, os compiladores dos
Vedas, Confúcio, Hermes, Pitágoras, Gautama, os seguidores dos mestres da
antiguidade, todos foram mensageiros de sabedoria que, encarnando em ambientes
diversos, trouxeram ao mundo a ideia de Deus e das leis morais a que os homens
se devem submeter para a obtenção de todos os primores da evolução espiritual.
Todos foram mensageiros daquele que era o Verbo do Princípio, emissários da sua
doutrina de amor. Em afinidade com as características da civilização e dos
costumes de cada povo, cada um deles foi portador de uma expressão do “amai-vos
uns aos outros”. Compelidos, em razão do obscurantismo dos tempos, a revestir
seus pensamentos com os véus misteriosos dos símbolos, como os que se conheciam
dentro dos rigores iniciáticos, foram os missionários do Cristo preparadores
dos seus gloriosos caminhos.
Num esforço de síntese,
apresentaremos as principais manifestações religiosas não cristãs, neste
roteiro e no próximo.
1. Hinduísmo
O Hinduísmo, palavra que
significa indiano, não possui um fundador, propriamente dito, nem um credo
fixo. Projeta-se na história como uma religião atemporal, pela capacidade de incorporar
novos pensamentos e novas práticas religiosas. Na verdade, o Hinduísmo abrange
várias expressões religiosas que se desenvolveram na Índia, há três ou quatro
mil anos. Nesse caldo religioso, encontramos manifestações tipicamente
politeístas, monolatristas, panteístas e animistas. No monolatrismo encontramos
práticas religiosas situadas entre o politeísmo e o monoteísmo: adora-se um
deus único, considerado o mais importante, mas sem negar a existência de outros
deuses. O panteísmo tem como princípio a crença de que todas as coisas e seres
são uma partícula de Deus. O animismo ensina que os elementos da natureza são
animados por espíritos que devam ser cultuados.
As diferentes formas de
expressão do Hinduísmo atual abrange uma variedade de cultos e rituais,
existindo, em comum, a aceitação do sistema de castas, dos princípios do carma
(ou karma) e a adoração da vaca como animal sagrado. O regime de castas define
a existência de quatro classes sociais básicas ou varna, que significa “cor”:
1. sacerdotes (brâmanes); guerreiros; agricultores, comerciantes e artesãos; 4.
servos (párias). Essa classificação deu origem a especificações tão de-
talhadas que, surpreendentemente, no início do século vinte existiam cerca de
três mil castas.
As organizações hindus são
de origem anterior à própria civilização egípcia e antecederam de muito os
agrupamentos israelitas, de onde sairiam mais tarde personalidades notáveis,
como as de Abraão e Moisés. As almas exiladas naquela parte do Oriente muito
haviam recebido da misericórdia do Cristo, de cuja palavra de amor e de cuja
figura luminosa guardaram as mais comovedoras recordações, traduzidas na beleza
dos Vedas e dos Upanishads. Foram elas as primeiras vozes da filosofia e da
religião no mundo terrestre, como provindo de uma raça de profetas, de mestres
e iniciados, em cujas tradições iam beber a verdade os homens e os povos do
porvir.
Segundo o entendimento
hinduísta, carma (karma = ato) é uma lei natural, fundamentada na crença de que
todas as ações do homem têm consequências e que serão expressas numa próxima
reencarnação.
A adoração da vaca como
animal sagrado é outra concepção universal das tradições hindus, visto que são
animais que suprem todas as necessidades de manutenção da vida biológica. Essa
adoração é claramente manifestada durante as festividades religiosas da Índia,
existindo até nos Vedas hinos para as vacas.
Há pontos concordantes entre
as diferentes seitas hindus, como é natural. Entretanto as discordâncias são
maiores, em razão da natureza de cada tipo de interpretação religiosa:
politeísta, monolatrista, anímica, panteísta ou monoteísta. Entre os
monoteístas hindus temos os que abraçam concepções cristãs e os que seguem a
orientação islâmica.
Em geral, as manifestações
religiosas hinduístas tem como base o livro sagrado Veda (ou Vedas). A palavra
“Veda” significa saber ou conhecimento.
Trata-se de uma sabedoria
transmitida de forma oral, cujas raízes remontam de 1500 a 1000 a.C. Assim,
quando se faz citações dos Vedas se afirma: “está ouvido” (representa uma forma
sacra do “ouvir dizer”). Em oposição, se a referência provém de um texto
religioso escrito, tendo ou não como base a tradição oral, se expressa: “está
escrito”. As tradições védicas estão anotadas em livros, daí a utilização da
forma plural “Vedas”. O livro védico Rig-Veda é o mais antigo, sendo
considerado a bíblia mais antiga da Humanidade.
O Hinduísmo apresenta um
sistema de adoração a diferentes entidades espirituais, denominados deuses. Os
mais populares são Civa (ou Shiva) e Vishnu, os quais já encarnaram,
respectivamente, como Rama e Krishna, de acordo com a tradição hindu. No
Hinduísmo existe também um grande número de divindades menores, uma variedade
de animais, árvores e rios sagrados, animados por Espíritos. O rio sagrado mais
conhecido é o Ganges.
No período védico tardio,
entre 1000 e 500 a.C., ocorreu na Índia uma reforma religiosa que recebeu o
nome de Bramanismo. O Bramanismo é uma
religião ortodoxa, praticada por iniciados em práticas védicas, os brâmanes,
conhecidos como “sacerdotes-mágicos”. Os livros sagrados do Bramanismo são os
Bramanas e os Upanishads. Ambos são considerados como revelações de Brama ou
Brahman (Deus supremo).
Os Upanishads, livros
hinduístas mais lidos pelos indianos, estão escritos sob a forma de diálogos entre
o mestre e o discípulo. Transmitem a noção de ser Brahman a força espiritual
essencial em que se baseia todo o universo. “Todos os seres vivos nascem do
Brahman, retornam no Brahman e ao morrer voltam ao Brahman”. O carma é um
conceito-chave da filosofia religiosa dos Upanishads que, considerando o homem
como ser imortal, pode renascer numa casta mais alta ou mais baixa, ou, também,
habitar o corpo de um animal. Os Upanishads trazem, segundo a interpretação
hindu, a síntese da moral universal.
Outro texto religioso de
grande valor para as religiões hindus é o Bhagavad Gita (“A Canção do Senhor”).
Faz parte da obra épica Mahabharata (em sânscrito, “grande Índia”) que, segundo
a tradição, foi ditado por Krishnna-Dwaipayana Vyasa, o compilador, possivelmente
no século IV a.C. O Bhagavad Gita foi incluído no Mahabharata possivelmente no
século VIII a.C.
O Bhagavad Gita, escrito em
sânscrito, relata o diálogo de Krishna, uma das encarnações do deus Vishnu, com
Arjuna, seu discípulo guerreiro, em pleno campo de batalha. Arjuna representa o
papel de uma alma confusa sobre seu dever, e recebe iluminação diretamente de
Krishna. No desenrolar da conversa são inseridos pontos importantes da
filosofia indiana oriundos dos Vedas e do Bramanismo. A obra é uma das principais
escrituras sagradas da cultura da Índia, e compõe a principal obra da religião
Vaishnava, popularmente conhecida como movimento Hare Krishna.
Hare Krishna (ou, mais
apropriadamente, Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna) é uma
cultura monoteísta hindu oriunda da tradição védica e que tem por base os
ensinamentos do guru Sri Krishna Chaitanya Mahaprabhu (1486–1534). Esse
movimento foi introduzido no Ocidente em 1965 por Bhaktivedanta Swamo
Prabhupada. Os membros da Sociedade Hare Krishna participam dos serviços nos
templos e realizam suas práticas (chamadas de bhakti-yoga ou yoga da devoção),
em casa, ou se dedicam inteiramente ao serviço de devoção à “Suprema
Personalidade de Deus”, que é Krishna, levando uma vida monástica. Krishna é um
nome de Deus e significa o Todo-Atraente, em sânscrito. O seus membros não
podem consumir álcool, fumar e usar outras drogas, seguindo uma dieta lacto
vegetariana. Dedicam-se ao estudo das escrituras védicas e à entoação de
mantras. Os mantras são considerados sons transcendentais, cantados
repetidamente como auxílio à meditação e autorrealização. Durante o canto,
podem manifestar estados de êxtase transcendental, que resultarão na libertação
da alma do corpo.
Posteriormente à reforma
bramânica, surgiram dois movimentos religiosos, por volta do século VI a.C.,
opostos ao Bramanismo: o Janaísmo — mantido circunscrito à Índia e que persiste
nos dias atuais — e o Budismo, que se difundiu pela Ásia. Essas duas
manifestações religiosas são semelhantes: repudiam o ritual indicado pelo
Bramanismo, são indiferentes às tradições védicas e às suas divindades. São
também contrárias ao regime das castas. Seus fundadores apresentam-se como
homens comuns, não aceitando como a reencarnação de qualquer divindade.
O Janaísmo tem como fundador
Mahâvîra Jina (Mahâvîra = “o grande herói”; Jina = “o vitorioso”). Mahâvîra
Jina era descendente da família dos Kshatryas (de guerreiros e de príncipes) e
teve uma vida de asceta, não usando nem mesmo roupa. Difundiu a sua doutrina no
meio da nobreza a que pertencia. O Janaísmo admite a ideia da transmigração das
almas, tendo como primeira proposta moral: não fazer o mal a qualquer ser vivo.
O religioso hindu,
independentemente da seita a que pertença, tem um altar doméstico onde cultua os
deuses de sua devoção e procura seguir o caminho sagrado indicado pelo Bhagavad
Gita: cumpri- mento dos deveres para com a família, os membros da sua casta e
da comunidade associados às virtudes da compreensão e da adoração.
É importante assinalar que a
tradição hinduísta representa a base da formação religiosa e social da
humanidade terrestre.
Dos Espíritos degredados no
ambiente da Terra, os que se gruparam nas margens do Ganges foram os primeiros
a formar os pródomos de uma sociedade organizada, cujos núcleos representariam
a grande percentagem de ascendentes das coletividades do porvir. As
organizações hindus são de origem anterior à própria civilização egípcia e
antecederam de muito os agrupamentos israelitas.
2. Budismo
O fundador do Budismo foi
Sidarta Gautama (560–480 a.C.), o Buda, que significa “o iluminado”. Gautama
era filho de um rajá indiano e até a idade adulta viveu no palácio
compartilhando as vantagens materiais destinadas à nobreza. O Budismo apareceu
na mesma época que o Janaísmo, mas sempre teve papel mais significativo.
Conta-se que Buda, ao
percorrer o país, em certa ocasião, encontrou “os mendigos, os enfermos, os
desditosos. Confrangeu-se-lhe o coração, e, certa noite, deixou o seu palácio,
no esplendor de uma festa, para compartir a sorte dos desgraçados.”
Foi no trato com as pessoas
sofredoras e vivendo em contato com a natureza que Buda encontrou a inspiração
para organizar a sua doutrina.
Começou por combater as
superstições e os sacrifícios. A seus discípulos nada ensinou sobre Deus,
porque eles não podiam formar de Deus uma ideia justa e precisa. Mas declarou
que a alma renascia constantemente até a completa depuração de suas impurezas. Liberta
do cárcere corporal, iria para o nirvana, que é a completa tranquilidade do
Espírito.
Ensinava que a miséria
humana tem origem nas ambições egoísticas.
O Hinduísmo e o Budismo têm
como pontos comuns: a reencarnação, o carma e a salvação. Para Buda, o ser
humano está preso a uma série de renascimentos, e, como todas as ações têm
consequências, o que determina o carma são os pensamentos, palavras e atos. Para
o Budismo, o homem colhe o que plantou, não existindo um “destino cego” nem uma
“divina providência”: uma existência está inexoravelmente presa à outra. No
entanto, ao longo de uma série de renascimentos encontra o homem a passagem
(porta) para a salvação, para a perfeição ou nirvana (palavra que significa
“apagar”).
A busca pelo nirvana é meta
primordial budista, uma vez que essa doutrina ensina que durante a reencarnação
não há uma verdadeira autonomia: tudo é transitório e pleno de sofrimento. Com
o nirvana, a pessoa alcança uma vida sem sofrimento, de iluminação espiritual
(bodhi), em que o carma e a necessidade de renascimento já não mais existiriam.
Com a morte de Buda surgiram
divergências entre os discípulos a respeito da interpretação dos ensinamentos
búdicos. Assim, por volta de 380 a.C., realizou-se um concílio que provocou uma
cisão entre os monges conservadores e os monges liberais, constituindo-se em
diferentes correntes de organização religiosa.
Os ensinamentos de Buda
podem ser resumidos no seguinte:
·
A Lei do Carma — para Buda, enquanto a pessoa
não atingir o nirvana, estará escravizada à necessidade da reencarnação. Como
todas as ações humanas têm consequências, é preciso que a pessoa aprenda a se
depurar, pelos renascimentos sucessivos.
·
Visão da Humanidade — o Budismo não aceita a
ideia de uma alma individual e eterna, como é difundida nas tradições hindus. O
fato de o ser humano achar que é um “eu”, ou que tem uma alma, reflete
ignorância, e essa ignorância pode lhe trazer graves consequências, uma vez
“que cria o desejo, e é o desejo que cria o carma”. A alma, para o Budismo, é
algo tão fugaz como qualquer coisa que existe no mundo.
As quatro nobres verdades do
sofrimento — fazem parte do sermão de Benares, proferido por Buda. As quatro
nobres verdades são: tudo é sofrimento; a causa do sofrimento é o desejo; o
sofrimento cessa quando cessa o desejo; só assim se segue o caminho das oito
vias: perfeita compreensão, perfeita aspiração, perfeita fala, perfeita
conduta, perfeito meio de subsistência, perfeito esforço, perfeita atenção e
perfeita contemplação.
O Budismo mantém atualmente duas tendências principais: Theravada (“a escola dos antigos monges”) que enfatiza a salvação individual pela meditação, sendo predominante no sul da Ásia (Birmânia, Tailândia, Sri Lanka, Laos e Camboja); Mahayana (“o grande veículo”) que ensina ser possível a salvação das pessoas. Essa escola é mais encontrada no norte da Ásia (China, Japão, Mongólia, Tibet, Coreia e Vietnã). Na China surgiu o Zen-budismo, uma derivação da escola Mahayana, que dá ênfase à meditação como forma para alcançar a iluminação e, consequentemente, alcançar o nirvana. Atualmente, o Zen-budismo é mais praticado no Japão, onde existem cerca de vinte mil templos e cinco milhões de adeptos.
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