EPÍSTOLAS DE JOÃO
E DE JUDAS
As três Epístolas de João
apresentam uma preocupação do apóstolo e evangelista relacionado a conflitos
existentes nas comunidades cristãs de Éfeso e da Ásia Menor, em razão do
comportamento de certos membros das igrejas de tentavam conciliar as ideias
cristãs a outras, provenientes do gnosticismo, de filosofias gregas e de
práticas de magia.
A Epístola de Judas foi
destinada a comunidades cristãs que estariam sofrendo a influências de falsos
doutores. O autor procura denunciá-los como pessoas ímpias cuja condenação foi
profetizada, e insta os seus leitores a preservar o Evangelho apostólico
vivendo segundo suas exigências morais.
1. Epístola de João
Trecho da Primeira Epístola de João
Além do seu evangelho, João,
filho de Zebedeu e irmão de Tiago Maior, escreveu três epístolas e o livro do
apocalipse.
Há muita semelhança, literária e doutrinária, entre as epístolas e o evangelho de João, de forma que é praticamente impossível negar a sua autoria. É verdade que a segunda e a terceira epístolas deram lugar a certas dúvidas, cujo eco se encontra em Orígenes, Eusébio de Cesareia e Jerônimo.
As três epístolas joaninas
formam uma unidade de composição, embora cada uma possua a sua especificidade.
A terceira epístola é
provavelmente a primeira na data; procura resolver um conflito de autoridade
que surgira em uma das igrejas sob a autoridade de João. A segunda epístola põe
de sobreaviso uma ou outra igreja particular contra a propaganda de falso
doutores que negam a realidade da encarnação. Quanto à primeira epístola, sem
dúvida a mais importante. Apresenta-se como mais como uma carta encíclica
destinadas às comunidades [cristãs] da Ásia, ameaçadas pelos dilaceramentos das
primeiras heresias. João nela condensou o essencial de sua experiência religiosa.
É quase certo que essas
cartas foram escritas em Éfeso, na virada do século I para o II, à mesma época
da escritura do seu evangelho.
As três Epístolas de João
apresentam um ponto em comum, relacionado aos conflitos existentes nas
comunidades cristãs de Éfeso e da Ásia Menor.
“Pode-se supor que, nas
diversas comunidades joaninas, tenham começado a aparecer grupos religiosos
influenciados pelo gnosticismo.” A influência das ideias gnósticas provocam
divisões nas igrejas. As cartas de João representam um tipo de reação a essa
situação, apelando para a necessidade de manter a mensagem cristã intocável.
Gnosticismo foi um movimento
histórico e religioso cristão, fundamentado na gnose (palavra grega que
significa conhecimento), surgido nos séculos II e III, e de natureza filosófica
e inspirada nas ideias do neoplatonismo e dos pitagóricos. Originou-se
provavelmente na Ásia menor a partir de pensamentos existentes na Babilônia,
Egito, Síria e Grécia. O gnosticismo combinava alguns elementos da Astrologia e
mistérios das religiões gregas, como os mistérios de Elêusis, com as doutrinas
do Cristianismo. Em seu sentido mais abrangente, gnosticismo significa “a
crença na salvação pelo conhecimento.”
O apóstolo João enfrentou
sérias dificuldades para manter a mensagem cristã livre do intelectualismo,
gnóstico e de outras ideias, especialmente na cidade de Éfeso. “Geralmente
reconhecida como a primeira e a mais notável metrópole da província romana da
Ásia, Éfeso desempenhou um papel histórico no movimento do Cristianismo desde a
Palestina até Roma”.
Do período clássico ao
bizantino, Éfeso exerceu hegemonia na região jônica. Era famosa por seus
filósofos, artistas, poetas, historiadores e retóricos. Deu nítidas
contribuições para a história intelectual e religiosa desde o período
pré-socrático até os ressurgimentos filosóficos do Império Romano mais tardio.
Não admira que João tenha, ao que se conta, escrito o quarto Evangelho em
Éfeso, e que tenha sido o local de conversão de Justino Mártir, o primeiro
filósofo cristão. A cidade era [também] famosa como um centro de
magia e taumaturgia. A expressão grega Ephesia grammata (letras efésias)
tornou-se uma designação genérica para toda sorte de palavras mágicas e
encantações apotropaicas [orações ou frases para afastarem influências
maléficas]. A cidade atraia exorcistas judeus bem como seus equivalentes
gentios, como Apolônio de Tiana.
1.1 Síntese dos
principais ensinos das epístolas de João
João apela aos cristãos, nas
três cartas, no sentido de preservarem a pureza doutrinária do Cristianismo,
superando as divergências pela legítima prática do amor. O apelo do apóstolo
atravessa os séculos e chega até nós, mantendo uma atualidade surpreendente,
nos faz ver as dificuldades para se manter a pureza doutrinária dos ensinamento
superiores.
Percebe-se, nas três
epístolas, a tentativa do apóstolo de encontrar uma solução para evitar que a
crença cristã seja adulterada por ideias gnósticas e outras ideias correntes
nas comunidades cristãs da Ásia Menor.
·
Aquele que diz que está na luz e aborrece a
seu irmão até agora está em trevas. Aquele que ama a seu irmão está na luz, e
nele não há escândalo. Mas aquele que aborrece a seu irmão está em trevas, e
anda em trevas, e não sabe para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os
olhos” (1 João, 2:9-11).
·
Quem ama o próximo sabe, acima de tudo,
compreender. E quem compreende sabe livrar os olhos e os ouvidos do venenoso
visco do escândalo, a fim de ajudar, ao invés de acusar ou desservir. É
necessário trazer o coração sob a luz da verdadeira fraternidade, para
reconhecer que somos irmãos uns dos outros, filhos de um só Pai.
·
“Quem é que vence o mundo, senão aquele que
crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1 João, 5:5).
·
“Se recebemos o testemunho dos homens, o
testemunho de Deus é maior; porque o testemunho de Deus é este, que de seu
Filho testificou. Quem crê no Filho de Deus em si mesmo tem o testemunho; quem
em Deus não crê mentiroso o fez, porquanto não creu no testemunho que Deus de
seu Filho deu” (1 João, 5:9-10).
·
“Todo aquele que prevarica e não persevera na
doutrina de Cristo não tem a Deus; quem persevera na doutrina de Cristo, esse
tem tanto o Pai como o Filho. Se alguém vem ter convosco e não traz esta
doutrina, não o recebais em casa, nem tampouco o saudeis. Porque quem o saúda tem
parte nas suas más obras” (2 João, 1:9-11).
Em todos os lugares e
situações da vida, a caridade será sempre a fonte divina das bênçãos do Senhor.
Assistência, medicação e ensinamento
constituem modalidades santas da caridade generosa que executa os programas do
bem. São vestiduras diferentes de uma virtude única. Conjugam-se e completam-se
num todo nobre e digno. Antes, porém, da caridade que se manifesta
exteriormente nos variados setores da vida, pratiquemos a caridade essencial,
sem o que não poderemos efetuar a edificação e a redenção de nós mesmos.
Trata-se da caridade de pensarmos, falarmos e agirmos, segundo os ensinamentos
do divino Mestre, no Evangelho. É a caridade de vivermos verdadeiramente nele
para que Ele viva em nós.
“O presbítero ao amado Gaio,
a quem, na verdade, eu amo. Amado, procedes fielmente em tudo o que fazes para
com os irmãos e para com os estranhos, que em presença da igreja testificaram
da tua caridade, aos quais, se conduzires como é digno para com Deus, bem
farás; porque pelo seu nome saíram, nada tomando dos gentios. Portanto, aos
tais devemos receber, para que sejamos cooperadores da verdade. Tenho escrito à
igreja; mas Diótrefes, que procura ter entre eles o primado, não nos recebe.
Pelo que, se eu for, trarei à memória as obras que ele faz, proferindo contra
nós palavras maliciosas; e, não contente com isto, não recebe os irmãos, e
impede os que querem recebê-los, e os lança fora da igreja. Amado, não sigas o
mal, mas o bem. Quem faz bem é de Deus; mas quem faz mal não tem visto a Deus”
(3 João, 1:1, 9-11).
A sociedade humana não
deveria operar a divisão de si própria, como um campo em que se separam bons e
maus, mas sim viver qual grande família em que se integram os espíritos que
começam a compreender o Pai e os que ainda não conseguiram pressenti-lo. Claro
que as palavras “maldade” e “perversidade” ainda comparecerão, por vastíssimos
anos, no dicionário terrestre, definindo certas atitudes mentais inferiores;
todavia, é forçoso convir que a questão do mal vai obtendo novas interpretações
na inteligência humana. Muita gente acredita que o “homem caído” é
alguém que deve ser aniquilado. Jesus, no entanto, não adotou essa diretriz.
Dirigindo-se, amorosamente, ao pecador, sabia-se, antes de tudo, defrontado por
enfermo infeliz, a quem não se poderia subtrair as características de
eternidade. Lute-se contra o crime, mas ampare-se a criatura que se lhe enredou
nas malhas tenebrosas. O Mestre indicou o combate constante contra o mal,
contudo, aguarda a fraternidade legítima entre os homens por marco sublime do
Reino Celeste.
2. Epístola de Judas
Esta Epístola foi escrita a
uma igreja ou grupo de igrejas desconhecido para combater o perigo representado
por certos mestres carismáticos que estavam pregando e praticando libertinagem
moral. O autor procura denunciar esses mestres como pessoas ímpias cuja
condenação foi profetizada, e insta os seus leitores a preservar o Evangelho
apostólico vivendo segundo suas exigências morais. Apesar de sua brevidade, a
carta é rica em conteúdo, graças à composição primorosa e sua economia de
expressão, que por vez alcança um efeito quase poético.
Judas, o autor da epístola,
é usualmente identificado como “irmão de Jesus” (Mateus 13:55). O autor
também se identifica como “irmão de Tiago” (versículo 1 da carta). “Nada nos
obriga a identificá-lo com o apóstolo que tem o mesmo nome (Lc 6;16; At 1:13);
ele mesmo também se distingue do grupo apostólico.”
O autor tem evidentemente
grande respeito pelo livro de Henoc, que é citado nos versículos 14–15 e ressoa
em outras passagens. O versículo 9 refere-se a um texto apócrifo não mais
existente, talvez o final perdido do testamento de Moisés. O uso desse tipo de
literatura pode situar a carta num contexto judaico-palestino, em que essas
obras eram extremamente valorizadas. Outra indicação que aponta na direção do
Cristianismo judaico-palestino, como o meio em que Judas escreveu, são seus
métodos exegéticos, a confiança que deposita no texto hebraico da Bíblia em detrimento de sua tradução grega (a Septuaginta), a importância maior que confere
à obrigação ética que à ortodoxia doutrinal, e sua perspectiva apocalíptica,
que espera a parusia [nova vinda do Cristo] no futuro próximo.
Essa epístola, aceita no
cânone da igreja romana e da oriental, como escrita no ano 200. “A intenção de
Judas é unicamente estigmatizar os falsos doutores que colocam em perigo a fé
cristã. Ameaça-os com um castigo divino ilustrado com precedentes da tradição
judaica [versículos 5-7).”3 Censura-lhes, igualmente, a impiedade e a licenciosidade
moral, particularmente suas blasfêmias contra Jesus e os anjos (versículos 4,
8-10).
2.1 Síntese dos
principais ensinos das epístolas de Judas
A Epístola de Judas foi
endereçada aos “que foram chamados, amados por Deus e guardados em Jesus Cristo.
(Jd 1.) O tema básico, desenvolvido em 25 versículos, sem divisão por
capítulos, se resume num alerta contra os falsos doutores e o perigo que sua
ideias podem ocasionar às comunidades cristãs.
·
“Amados, procurando eu escrever-vos com toda
a diligência acerca da comum salvação, tive por necessidade escrever-vos e
exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos. Porque se
introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo,
homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus e negam a Deus,
único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo.” (Jd 3-4.)
·
“Estes, porém, dizem mal do que não sabem; e,
naquilo que naturalmente conhecem, como animais irracionais, se corrompem. Ai
deles! Porque entraram pelo caminho de Caim, e foram levados pelo engano do
prêmio de Balaão, e pereceram na contradição de Corá. Estes são manchas em vossas
festas de caridade, banqueteando-se convosco e apascentando-se a si mesmos sem
temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são
como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas
impetuosas do mar, que escumam as suas mesmas abominações, estrelas errantes,
para os quais está eternamente reservada a negrura das trevas. E destes
profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o
Senhor com milha- res de seus santos, para fazer juízo contra todos e condenar
dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade que
impiamente cometeram e por todas as duras palavras que ímpios pecadores
disseram contra ele. Estes são murmuradores, queixosos da sua sorte, andando
segundo as suas concupiscências, e cuja boca diz coisas mui arrogantes,
admirando as pessoas por causa do interesse” (Jd 10-16).
·
“Estes são os que causam divisões, sensuais,
que não têm o Espírito. Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a
vossa santíssima fé, orando no Espírito Santo, conservai a vós mesmos na
caridade de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a
vida eterna” (Jd 19-21).
Em todos os lugares,
encontramos pessoas sempre dispostas ao comentário desairoso e ingrato
relativamente ao que não sabem. Almas levianas e inconstantes, não dominam os
movimentos da vida, permanecendo subjugadas pela própria inconsciência. E são
essas justamente aquelas que, em suas manifestações instintivas, se portam, no
que sabem, como irracionais. Sua ação particular costuma corromper os assuntos
mais sagrados, insultar as intenções mais generosas e ridiculizar os feitos
mais nobres. Guardai-vos das atitudes dos murmuradores irresponsáveis.
Concedeu-nos o Cristo a luz do Evangelho, para que nossa análise não esteja
fria e obscura. O conhecimento com Jesus é a claridade transformadora da vida,
conferindo-nos o dom de entender a mensagem viva de cada ser e a significação
de cada coisa, no caminho infinito. Somente os que ajuízam, acerca da
ignorância própria, respeitando o domínio das circunstâncias que desconhecem,
são capazes de produzir frutos de perfeição com as dádivas de Deus que já
possuem.
Fonte: Estudo aprofundado da doutrina espírita. FEB, 2013.
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