AS EPÍSTOLAS DE TIAGO
E DE PEDRO
·
A epístola de Tiago se resume num conjunto de
exortações morais sobre a paciência nas provações, a origem da tentação, o
cuidado no falar, a importância da fé com obras, do bom relacionamento, da
misericórdia e da oração.
·
A primeira epístola de Pedro tem como
finalidade sustentar a fé dos seus destinatários em meio às provações que os
assaltam.
·
Na segunda epístola, Pedro coloca os seus
leitores de sobreaviso contra os falsos doutores e responde á inquietação
existente sobre a vinda (parusia) do Cristo.
1. Epístola de Tiago
Duas dificuldades surgem
quando se propõe a estudar essa epístola. A primeira está relacionada à
histórica resistência religiosa de incorporá-la aos textos canônicos do Novo
Testamento. A segunda diz respeito às dificuldades, também de natureza
histórica, para identificar quem, de fato, é Tiago, autor dessa carta.
A epístola de Tiago, foi aceita progressivamente na Igreja [Católica]. Se sua canonicidade não parece ter criado problemas no Egito, onde Orígenes a cita como Escritura inspirada, Eusébio de Cesareia, no começo do século IV, reconhece que ela ainda é contestada por alguns. Nas Igrejas de língua siríaca, foi a penas no decurso do século IV que foi introduzida no cânon do N.T. [Novo Testamento]. Na África, Tertuliano e Cipriano a desconhecem e o catálogo de Mommsen (cerca do ano 360) ainda não o contém. Em Roma, ela não figura no cânon de Muratori, atribuído a santo Hipólito (pelo ano 200) e é muito duvidoso que tendo sido citada por são Clemente de Roma, e pelo autor dos Pastor de Hermas. Portanto, só se impõe ao conjunto das Igrejas do Oriente e do Ocidente pelo fim do século IV.
Outra dúvida está relacionada à autoria da epístola. Quem é Tiago, autor desta epístola? No primeiro momento, somos levados a pensar em Tiago Maior, irmão de João, ambos membros do colégio apostolar. Pensa-se também em Tiago Menor, também um dos doze apóstolos. As duas hipóteses, porém, são contestadas por estudiosos. Na verdade, esse escrito é atribuído a um certo Tiago, nomeado como “servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tg. 1:1). Na Antiguidade, as igrejas identificaram como seu autor o Tiago “irmão de Jesus” (Mc 6:3; Mt 13:55) que teve função marcante na primeira comunidade cristã de Jerusalém (At 12:17; 15: 13-21; 21:18-26; 1Cor 15:7; Gl 1:19). Esse Tiago teria sido assassinado, por judeus, no ano 62. Acredita-se que o autor da epístola não seja também Tiago Maior, irmão de João, porque Herodes o mandou matar em 44. Pode-se pensar que a autoria da carta é, de fato, de Tiago Menor, filho de Alfeu, um dos apóstolos de Jesus.
Supondo-se que a carta tenha
sido escrita por Tiago Menor, que também foi o chefe da igreja cristã de Jerusalém,
a data deste escrito seria anterior ao ano 62. Entretanto, a opinião
predominante é de que se trata de um escrito do final do século I ou início do
século II. A aceitação atual é de que a carta foi escrita por Tiago Menor, até
62, ano da morte do apóstolo.
Seja qual for a sua origem,
este escrito é dirigido às “12 tribos da Diáspora” (Tg 1:1), que são certamente
os cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas
regiões próximas à Palestina, como a Síria ou o Egito. Que esses destinatários
sejam convertidos do Judaísmo é o que confirma o corpo da carta. O uso
constante que o autor nela faz da Bíblia, supõe que esta lhe é familiar, tanto
mais que ele procede, nas suas argumentações, menos pelo modo de argumentações,
a partir de citações explícitas do que por reminiscências espontâneas e alusões
subjacentes por toda parte. Ele se inspira particularmente na literatura
sapiencial, para extrair dela lições de moral prática. Mas depende também
profundamente dos ensinamentos do Evangelho, e seu escrito não é puramente
judaico, como algumas vezes se tem afirmado. Ao contrário, aí se encontram
continuamente o pensamento e as expressões prediletas de Jesus. Em
suma, trata-se de sábio judeu-cristão que repensa, de maneira original, as
máximas da sabedoria judaica em função do cumprimento que elas encontram na
boca do Mestre. Vemos seu ponto de vista cristão sobretudo no enquadramento
apocalíptico em que situa seus ensinamentos morais. Esses ensinamentos mostram
também sua afinidade com os do Evangelho de Mateus, mais judaico-cristão.
1.1 Síntese dos
principais ensinos da epístola de Tiago
O benefício das provações
“Meus irmãos, tende grande
gozo quando cairdes em várias tentações, sabendo que a prova da vossa fé produz
a paciência. Tenha, porém, a paciência a sua obra perfeita, para que sejais
perfeitos e completos, sem faltar em coisa alguma. Mas glorie-se o irmão
abatido na sua exaltação, e o rico, em seu abatimento, porque ele passará como
a flor da erva. Porque sai o sol com ardor, e a erva seca, e a sua flor cai, e
a formosa aparência do seu aspecto perece; assim se murchará também o rico em
seus caminhos. Bem-aventurado o varão que sofre a tentação; porque, quando for
provado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o
amam” (Tg 1:2-3, 9-12).
A fé com obras
“Meus irmãos, que aproveita
se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a fé pode
salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de mantimento
cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e fartai-vos; e
lhes não derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí?
Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém:
Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu
te mostrarei a minha fé pelas minhas obras Vedes, então, que o homem é
justificado pelas obras e não somente pela fé” (Tg 2:14-18, 24).
A fé inoperante é problema
credor da melhor atenção, em todos os tempos, a fim de que os discípulos do
Evangelho compreendam, com clareza, que o ideal mais nobre, sem trabalho que o
materialize, em benefício de todos, será sempre uma soberba paisagem
improdutiva. A crença religiosa é o meio. O apostolado é o
fim. Guardar, pois, o êxtase religioso no coração,
sem qualquer atividade nas obras de desenvolvimento da sabedoria e do amor,
consubstanciados no serviço da caridade e da educação, será conservar na terra
viva do sentimento um ídolo morto, sepultado entre as flores inúteis das promessas
brilhantes.
Cuidado no falar
“Meus irmãos, muitos de vós
não sejam mestres, sabendo que receberemos mais duro juízo. Porque todos
tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça em palavra, o tal varão é
perfeito e poderoso para também refrear todo o corpo. Ora, nós pomos freio nas
bocas dos cavalos, para que nos obedeçam; e conseguimos dirigir todo o seu
corpo. Vede também as naus que, sendo tão grandes e levadas de impetuosos
ventos, se viram com um bem pequeno leme para onde quer a vontade daquele que
as governa. Assim também a língua é um pequeno membro e gloria-se de grandes
coisas. Vede quão grande bosque um pequeno fogo incendeia. A língua também é um
fogo; como mundo de iniquidade, a língua está posta entre os nossos membros, e
contamina todo o corpo, e inflama o curso da natureza, e é inflamada pelo
inferno. Porque toda a natureza, tanto de bestas-feras como de aves, tanto de
répteis como de animais do mar, se amansa e foi domada pela natureza humana;
mas nenhum homem pode domar a língua. É um mal que não se pode refrear; está
cheia de peçonha mortal. Com ela bendizemos a Deus e Pai, e com ela
amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus de uma mesma boca procede
bênção e maldição. Meus irmãos, não convém que isto se faça assim” (Tg 3:1-10).
O pensamento que direciona a
epístola de Tiago está expresso nestas suas palavras: “Mas todo homem seja
pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tg 1:19).
Analisar, refletir, ponderar
são modalidades do ato de ouvir. É indispensável que a criatura esteja sempre
disposta a identificar o sentido das vozes, sugestões e situações que a
rodeiam. Sem observação, é impossível executar a mais simples tarefa no
ministério do bem. Somente após ouvir, com atenção, pode o homem falar de modo
edificante na estrada evolutiva. Quem ouve, aprende. Quem fala, doutrina. Um
guarda, outro espalha. Só aquele que guarda, na boa experiência, espalha com
êxito. O conselho do apóstolo é, portanto, de imorredoura oportunidade. E
forçoso é convir que, se o homem deve ser pronto nas observações e comedido nas
palavras, deve ser tardio em irar-se. Certo, o caminho humano oferece,
diariamente, variados motivos à ação enérgica; entretanto, sempre que possível,
é útil adiar a expressão colérica para o dia seguinte, porquanto, por vezes,
surge a ocasião de exame mais sensato e a razão da ira desaparece. Tenhamos em
mente que todo homem nasce para exercer uma função definida. Ouvindo sempre,
pode estar certo de que atingirá serenamente os fins a que se destina, mas, falando,
é possível que abandone o esforço ao meio, e, irando-se, provavelmente não
realizará coisa alguma.
2. Epístolas de Pedro
Trecho da Segunda Epístola de Pedro |
As duas epístolas de Pedro
foram aceitas sem contestação desde a Antiguidade. O apóstolo escreve de Roma,
também chamada de “Babilônia” (alusão à devassidão moral), entre os anos 64 e
67, onde se encontra em companhia de João Marcos, o evangelista, a quem
considera como filho.
Escreve aos cristãos “da
Diáspora”, especificando os nomes das cinco províncias que representavam
praticamente o conjunto da Ásia Menor (1 Pe 1:1). O que diz do passado deles
sugere que são convertidos do paganismo, embora não se exclua a presença de
judeu-cristãos entre eles (1 Pe 1:18; 2:9; 4:3). É por isso que lhes escreve em
grego; e, se esse grego, simples, mas correto e harmonioso, parece de qualidade
boa demais para o pescador galileu, conhecemos o nome do discípulo secretário
que pode tê-lo assistido na redação: Silvano (Pe 5:12).
“A finalidade dessa epístola
é sustentar a fé dos seus destinatários em meio às provações que os assaltam. Trata-se,
antes, de prepotências, injúrias e calúnias que os convertidos sofrem.”
Outras ideias que norteiam a
carta dizem respeito à corajosa perseverança nas provações, tendo Cristo como
modelo (1 Pe 2:21-25; 3:18; 4:1); os cristãos devem sofrer com paciência como
Jesus sofreu, revelando a fé que possuem (1 Pe 2:19; 3:14; 4:12-19; 5:9) e agir
com mansidão (1 Pe 3:8-17; 4:17-11).
A primeira epístola, é um
escrito de natureza prática, mas que possui apreciável riqueza da doutrina
cristã. “Nele se encontra um maravilhoso resumo da teologia em voga na época
apostólica, teologia de comovente ardor na sua simplicidade.”
Na segunda epístola, Pedro
alerta os leitores contra os falsos doutores e faz comentários sobre a demora
da parusia (segunda vinda do Cristo).
2.1 Síntese dos
principais ensinos das epístolas de Pedro
Exortação à uma vida santificada
“Portanto, cingindo os
lombos do vosso entendimento, sede só- brios e esperai inteiramente na graça
que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo, como filhos obedientes, não
vos conformando com as concupiscências que antes havia em vossa ignorância;
mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa
maneira de viver. Purificando a vossa alma na obediência à verdade, para
caridade fraternal, não fingida, amai-vos ardentemente uns aos outros, com um
coração puro. Deixando, pois, toda malícia, e todo engano, e fingimentos, e
invejas, e todas as murmurações. Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros,
que vos abstenhais das concupiscências carnais, que combatem contra a alma,
tendo o vosso viver honesto entre os gentios, para que, naquilo em que falam
mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas
boas obras que em vós observem. Honrai a todos. Amai a fraternidade. Temei a
Deus. Honrai o rei” (1 Pe 1:13-15; 22; 2:1;11-12; 17).
Exortação ao amor fraternal
“E, finalmente, sede todos
de um mesmo sentimento, com- passivos, amando os irmãos, entranhavelmente misericordiosos
e afáveis, não tornando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo
contrário, bendizendo, sabendo que para isto fostes chamados, para que, por
herança, alcanceis a bênção. Porque quem quer amar a vida e ver os dias bons,
refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem engano; aparte-se do
mal e faça o bem; busque a paz e siga-a. Porque os olhos do Senhor estão sobre
os justos, e os seus ouvidos, atentos às suas orações; mas o rosto do Senhor é
contra os que fazem males. E qual é aquele que vos fará mal, se fordes zelosos
do bem?” (1 Pe 3:8-1).
A sublime exortação
constitui poderosa síntese das teorias de fraternidade. O entendimento e a
aplicação do “amai-vos” é a meta luminosa das lutas na Terra. O amor
a que se refere o Evangelho é antes a divina disposição de servir com alegria,
na execução da Vontade do Pai, em qualquer região onde permaneçamos.
Cuidados contra os falsos mestres
“E também houve entre o povo
falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão
encobertadamente heresias de perdição e negarão o Senhor que os resgatou,
trazendo sobre si mesmos repentina perdição. E muitos seguirão as suas
dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade; e, por avareza,
farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo
não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita. Estes são fontes sem
água, nuvens levadas pela força do vento, para os quais a escuridão das trevas
eternamente se reserva; porque, falando coisas mui arrogantes de vaidades,
engodam com as concupiscências da carne e com dissoluções aqueles que se
estavam afastando dos que andam em erro, prometendo-lhes liberdade, sendo eles
mesmos servos da corrupção. Porque de quem alguém é vencido, do tal faz-se
também servo” (2 Pe 2:1-3; 17-19).
A vinda do Senhor
“Amados, escrevo-vos, agora,
esta segunda carta, em ambas as quais desperto com exortação o vosso ânimo
sincero, para que vos lembreis das palavras que primeiramente foram ditas pelos
santos profetas e do mandamento do Senhor e Salvador, mediante os vossos
apóstolos, sabendo primeiro isto: que nos últimos dias virão escarnecedores, andando
segundo as suas próprias concupiscências e dizendo: Onde está a promessa da sua
vinda? Porque desde que os pais dormiram todas as coisas permanecem como desde
o princípio da criação. Eles voluntariamente ignoram isto: que pela palavra de
Deus já desde a antiguidade existiram os céus e a Terra, que foi tirada da água
e no meio da água subsiste; pelas quais coisas pereceu o mundo de então,
coberto com as águas do dilúvio. Mas os céus e a Terra que agora existem pela
mesma palavra se reservam como tesouro e se guardam para o fogo, até o Dia do
Juízo e da perdição dos homens ímpios. Mas, amados, não ignoreis uma coisa: que
um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos, como um dia. O Senhor não
retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para
convosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a
arrepender-se. Mas o Dia do Senhor virá como o ladrão de noite, no qual os céus
passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo, se desfarão, e a Terra e
as obras que nela há se queimarão. Havendo, pois, de perecer todas estas
coisas, que pessoas vos convém ser em santo trato e piedade, aguardando e
apressando-vos para a vinda do Dia de Deus, em que os céus, em fogo, se
desfarão, e os elementos, ardendo, se fundirão? Mas nós, segundo a sua
promessa, aguardamos novos céus e nova Terra, em que habita a justiça” (2 Pe
3:1-13).
As duas epístolas de Pedro
destacam a importância suportarmos com bom ânimo as provações e a convivência
fraterna. Para o sucesso dessa empreitada é necessário que identifiquemos os
males da vida e suas origens.
O esclarecimento íntimo é
inalienável tesouro dos discípulos sinceros do Cristo. O mundo está cheio de
enganos dos homens abomináveis que invadiram os domínios da política, da
ciência, da religião e ergueram criações chocantes para os espíritos menos
avisados; contam-se por milhões as almas com eles arrebatadas às surpresas da
morte e absolutamente desequilibradas nos círculos da vida espiritual. Do cume
falso de suas noções individualistas precipitam-se em despenhadeiros
apavorantes, onde perdem a firmeza e a luz. Grande número dos imprevidentes
encontram socorro justo, porquanto desconheciam a verdadeira situação. Não se
achavam devidamente informados. Os homens abomináveis ocultavam-lhes o sentido
real da vida. Semelhante benemerência, contudo, não poderá atingir os
aprendizes que conhecem, de antemão, a verdade. O aluno do Evangelho somente se
alimentará de equívocos deploráveis, se quiser. Rodopiará, por isso mesmo, no
torvelinho das sombras se nele cair voluntariamente, no capítulo da preferência
individual.
O ignorante alcançará
justificativa. A vítima será libertada. O doente desprotegido receberá
enfermagem e remédio.
Mas o discípulo de Jesus,
bafejado pelos benefícios do Céu todos os dias, que se rodeia de
esclarecimentos e consolações, luzes e bênçãos, esse deve saber, de antemão,
quanto lhe compete realizar em serviço e vigilância e, caso aceite as ilusões
dos homens abomináveis, agirá sob a responsabilidade que lhe é própria,
entrando na partilha das aflitivas realidades que o aguardam nos planos
inferiores.
Fonte: Estudo aprofundado da doutrina espírita. FEB, 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário