A SEGUNDA VISTA
Conhecimento do
futuro – Previsões
Desde
que no estado sonambúlico as manifestações da alma se tornam, de certo modo,
ostensivas, fora absurdo supor que no estado normal ela se ache confinada, de
modo absoluto, em seu envoltório, como o caramujo em sua concha. Não é de
maneira alguma a influência magnética que a desenvolve; essa influência nada
mais faz do que a tornar patente pela ação que exerce sobre os órgãos
corporais. Ora, nem sempre o estado sonambúlico é condição indispensável a essa
manifestação. As faculdades que se revelam nesse estado desenvolvem-se algumas
vezes espontaneamente, no estado normal, em certos indivíduos. Resulta-lhes daí
a faculdade de verem as coisas distantes, por onde quer que a alma estenda sua
ação; veem, se podemos servir-nos desta expressão, através da vista ordinária;
e os quadros que descrevem, os fatos que narram se lhes apresentam como efeitos
de uma miragem. É o fenômeno a que se dá o nome de segunda vista. No
sonambulismo, a clarividência deriva da mesma causa; a diferença está em que,
nesse estado, ela é isolada, independe da vista corporal, ao passo que é
simultânea nos que dessa faculdade são dotados em estado de vigília.
Quase
nunca é permanente a segunda vista. Em geral, o fenômeno se produz
espontaneamente, em dados momentos, sem ser por efeito da vontade, e provoca
uma espécie de crise que, algumas vezes, modifica sensivelmente o estado
físico. O indivíduo parece olhar sem ver; toda a sua fisionomia reflete uma
como exaltação.
É de
notar-se que as pessoas dotadas dessa faculdade não suspeitam possuí-la. Ela se
lhes afigura natural, como a de ver com os olhos. Consideram-na um atributo de
seu ser e nunca uma coisa excepcional. Cumpre acrescentar que muito amiúde o
esquecimento se segue a essa lucidez passageira, cuja lembrança, cada vez mais
imprecisa, acaba por desvanecer-se como a de um sonho.
Há
infinitos graus na potencialidade da segunda vista, desde a sensação confusa,
até a percepção tão nítida quanto no sonambulismo. Há carência de um termo para
designar-se esse estado especial e, sobretudo, os indivíduos suscetíveis de
experimentá-lo. Tem-se empregado a palavra vidente, que, embora não exprima com
exatidão a ideia, adotaremos até nova ordem, em falta de outra melhor.
Se agora confrontarmos os fenômenos de segunda vista com os da clarividência sonambúlica, compreenderemos que o vidente possa perceber coisas que lhe estejam fora do alcance da visão ordinária, do mesmo modo que o sonâmbulo vê, a distância, acompanha o curso dos acontecimentos, aprecia-lhes a tendência e, em certos casos, lhes prevê o desenlace.
Esse
dom da segunda vista é que, em estado rudimentar, dá a certas pessoas o tato, a
perspicácia, uma espécie de segurança aos atos, o que se pode com justeza
denominar: golpe de vista moral. Mais desenvolvido, ele acorda os
pressentimentos, ainda mais desenvolvido, faz ver acontecimentos que já se
realizaram, ou que estão prestes a realizar-se; finalmente, quando chega ao
apogeu, é o êxtase vígil.
Como
já dissemos, o fenômeno da segunda vista é quase sempre natural e espontâneo;
parece, entretanto, que se produz com mais frequência sob o império de
determinadas circunstâncias. Os tempos de crise, de calamidades, de grandes
emoções, tudo, enfim, que sobre-excita o moral, que provoca o desenvolvimento.
Dir-se-ia que a Providência, diante de perigos iminentes, multiplica em torno
das criaturas a faculdade de prevê-los. Videntes sempre os houve em todos os
tempos e em todas as nações, parecendo, no entanto, que alguns povos são mais
naturalmente predispostos a tê-los. Dizem que na Escócia é muito comum o dom da
segunda vista. Não se lhe nota a existência entre a gente do campo e os que
habitam nas montanhas.
Os
videntes têm sido diversamente considerados, conforme os tempos, os costumes e
o grau de civilização. Para os céticos, eles não passam de cérebros
desarranjados, de alucinados; as seitas religiosas os arvoraram em profetas,
sibilas, oráculos; nos séculos de superstição e ignorância, eram feiticeiros e
acabavam nas fogueiras. Para o homem sensato, que acredita no poder infinito da
Natureza e na bondade inesgotável do Criador, a dupla vista é uma faculdade
inerente à espécie humana, por meio da qual Deus nos revela a existência da
nossa essência espiritual. Quem não reconheceria um dom dessa natureza em Joana
d’Arc e em toda uma multidão de outras personagens que a história qualifica de
inspiradas?
Muito
se tem falado de pessoas que, deitando as cartas, disseram coisas de
surpreendente verdade. De modo nenhum pretendemos fazer-nos apologista dos
ledores da “buena-dicha” que exploram a credulidade dos Espíritos fracos e cuja
linguagem ambígua se presta a todas as combinações de uma imaginação abalada,
mas não é de todo impossível que certas pessoas, fazendo disso um ofício,
tenham o dom da segunda vista, mesmo mau grado seu. Sendo assim, as cartas,
entre as suas mãos, não passam de um meio, de um pretexto, de uma base de
conversação. Elas falam de acordo com o que veem, e não com o que indicam as
cartas para as quais apenas olham.
O
mesmo se dá com outros meios de adivinhação, tais como as linhas da mão, a
clara de ovo e outros símbolos místicos. Os sinais das mãos talvez tenham mais
valor do que todos os outros meios, não por si mesmos, mas porque, tomando e
palpando a mão do consultante, o pretenso adivinho, se é dotado de dupla vista,
estabelece relação mais direta com aquele, como se verifica nas consultas
sonambúlicas.
Podem
incluir-se os médiuns videntes na categoria das pessoas que possuem a dupla
vista. Com efeito, do mesmo modo que estas últimas, aqueles julgam ver com os
olhos, mas, na realidade, a alma é que vê e por essa razão é que eles veem tão
bem com os olhos abertos como com os olhos fechados. Segue-se, necessariamente,
que um cego poderia ser médium vidente, tanto quanto um que tenha perfeita a
vista. Constituiria estudo interessante indagar se essa faculdade é mais
frequente nos cegos. Somos levado a crê-lo, dado que, como se pode verificar
experimentalmente, a privação de comunicar-se com o meio exterior, por falta de
certos sentidos, confere em geral poder maior à faculdade de abstração da alma e,
consequentemente, maior desenvolvimento ao sentido íntimo pelo qual ela se põe
em relação com o Mundo Espiritual.
Podem,
pois, os médiuns videntes ser identificados às pessoas que gozam da vista espiritual,
mas seria porventura demasiado considerar essas pessoas como médiuns, porquanto
a mediunidade se caracteriza unicamente pela intervenção dos Espíritos, não se
podendo ter como ato mediúnico o que alguém faz por si mesmo. Aquele que possui
a vista espiritual vê pelo seu próprio Espírito, não sendo de necessidade, para
o surto da sua faculdade, o concurso de um Espírito estranho.
Isto
posto, examinemos até que ponto a faculdade da dupla vista pode permitir se
descubram coisas ocultas e se penetre no futuro.
Desde
todos os tempos, os homens hão querido conhecer o futuro e volumes se poderiam
escrever sobre os meios que a superstição inventou para erguer o véu que
encobre o nosso destino. Muito sábia foi a Natureza no-lo ocultando. Cada um de
nós tem a sua missão providencial na grande colmeia humana e concorre para a
obra comum na sua esfera de atividade. Se soubéssemos de antemão o fim de cada
coisa, é fora de dúvida que a harmonia geral ficaria perturbada. A segurança de
um porvir ditoso tiraria ao homem toda a atividade, pois que nenhum esforço
precisaria ele empregar para alcançar o objetivo que sempre colima: o seu
bem-estar. Paralisar-se- -iam todas as forças físicas e morais. As mesmas
consequências produziria a certeza da infelicidade, em virtude do desânimo que
ganharia a criatura. Ninguém se disporia a lutar contra a sentença definitiva
do destino. O conhecimento absoluto do futuro seria, portanto, um presente
funesto, que nos conduziria ao dogma da fatalidade, o mais perigoso de todos, o
mais antipático ao desenvolvimento das ideias. A incerteza quanto ao momento do
nosso fim neste mundo é que nos faz trabalhar até o último batimento do nosso
coração. O viajante levado por um veículo se entrega ao movimento que o fará
chegar ao ponto demandado, sem pensar em lhe impor qualquer desvio, por estar
certo da sua impotência para consegui-lo. O mesmo se daria com o homem que
conhecesse o seu destino irrevogável. Se os videntes pudessem infringir essa
Lei da Providência, igualar-se-iam à Divindade. Por isso mesmo, não é essa a
missão que lhes cabe.
No
fenômeno da dupla vista, por se achar a alma parcialmente liberta do envoltório
material, que lhe limita as faculdades, não há duração, nem distância; visto
que lhe é dado abranger o espaço e o tempo, tudo se lhe confunde no presente.
Livre dos entraves da carne, ela julga dos efeitos e das causas melhor do que
nós, que não podemos fazer outro tanto; vê as consequências das coisas
presentes e pode levar-nos a pressenti-las. É neste sentido que se deve entender
o dom de presciência atribuído aos videntes. Suas previsões resultam de ter a
alma consciência mais nítida do que existe, e não de uma predição de coisas
fortuitas, sem ligação com o presente. É por dedução lógica do conhecido que
ela chega ao desconhecido, dependente muitas vezes da nossa maneira de
proceder. Quando um perigo nos ameaça, se somos avisados, ficamos em condições
de tentar tudo o que seja preciso para evitá-lo, cabendo-nos a liberdade de
fazê-lo ou não.
Em
tal caso, o vidente tem diante de si um perigo que se nos acha oculto; ele o
assinala, indica o meio de afastá-lo, pois de outro modo o acontecimento segue
o seu curso.
Suponhamos
que uma carruagem enveredou por uma estrada que vai dar num precipício que o
condutor não pode perceber. É evidente que, se nada ocorrer que a desvie, ela
ali se precipitará. Suponhamos também que um homem colocado de maneira a
divisar a estrada em toda a sua extensão, vendo o perigo que corre o viajante,
consegue avisá-lo a tempo de ele se desviar. O perigo estará conjurado. Da sua
posição, dominando o espaço, o observador vê o que o viajante, cuja visão os
acidentes do terreno circunscrevem, não logra divisar. Pode ele ver se uma
causa fortuita obstará à queda do outro; conhece então, previamente, o que se dará
e prediz o acontecimento.
Imaginemos
que esse homem, do alto de uma montanha, divise ao longe, pela estrada, uma
tropa inimiga dirigindo-se para uma aldeia a que pretende atear fogo. Fácil lhe
será, levados em conta o espaço e a velocidade, prever quando a tropa chegará.
Se, então, descendo à aldeia, disser apenas: A tal hora a aldeia será
incendiada, caso o fato ocorra, ele passará, aos olhos da multidão ignorante,
por adivinho, feiticeiro; entretanto, apenas viu o que os outros não podiam ver
e deduziu, do que vira, as consequências.
Ora,
o vidente, como esse homem, apreende e acompanha o curso dos acontecimentos;
não lhes prevê o resultado porque possua o dom de adivinhar: ele o vê e, desde
então, pode dizer-vos se estais no bom caminho, indicar-vos outro melhor e
anunciar o que se vos deparará no extremo do que seguis. É, para vós, o fio de
Ariadne, mostrando a saída do labirinto.
Como
se vê, longe está isso da predição propriamente dita, conforme a entendemos na
acepção vulgar do termo. Nada foi tirado ao livre-arbítrio do homem, que
conserva sempre a liberdade de agir ou não, de evitar ou deixar que os
acontecimentos se deem, por sua vontade, ou por sua inércia; indica-se-lhe um
meio de chegar ao fim, cabendo-lhe utilizá-lo. Supô-lo submetido a uma fatalidade
inexorável, com relação aos menores acontecimentos da vida, é despojá-lo do seu
mais belo atributo: a inteligência; é assimilá-lo ao bruto. O vidente, pois,
não é um adivinho; é um ser que percebe o que não vemos; é, para nós, o cão do
cego. Nada nisto há, portanto, que se contraponha aos desígnios da Providência
quanto ao segredo de nosso destino; é ela própria quem nos dá um guia.
Tal
o ponto de vista donde se deve considerar o conhecimento do futuro, por parte
das pessoas dotadas de dupla vista. Se fosse fortuito esse futuro, se
dependesse do a que se chama acaso, se nenhuma ligação tivesse com as
circunstâncias presentes, nenhuma clarividência poderia penetrá-lo e nenhuma
certeza, nesse caso, ofereceria qualquer previsão. O vidente (referimo-nos ao
que verdadeiramente o é), o vidente sério, e não o charlatão que simula sê-lo,
o verdadeiro vidente, não diz o que o vulgo denomina “buena-dicha”; ele apenas
prevê as consequências que decorrerão do presente; nada mais e já é muito.
Quantos
erros, quantos passos em falso, quantas tentativas inúteis não evitaríamos, se
tivéssemos sempre um guia seguro a nos esclarecer; quantos homens se acham
deslocados na vida, por não se haverem lançado no caminho que a Natureza lhes
traçara às faculdades! Quantos sofrem malogros por terem seguido os conselhos
de uma obstinação irrefletida! Uma pessoa houvera podido dizer-lhes: “Não
empreendais isso, porque as vossas faculdades intelectuais são insuficientes,
porque não convém ao vosso caráter, nem à vossa constituição física, ou, ainda,
porque não sereis secundados, como fora preciso; ou, então, porque vos enganais
sobre o alcance do que pretendeis e topareis com este embaraço que não
prevedes.” Noutras circunstâncias, ter-lhes-ia dito: “Sair-vos-eis bem de tal
empreendimento, se vos conduzirdes desta ou daquela maneira; se evitardes dar
tal passo que não pode comprometer-vos.” Sondando as disposições e os
caracteres, poderia dizer: “Desconfiai de tal armadilha que vos querem
preparar”, acrescentando, em seguida: “Estais prevenidos, fiz o que me cumpria;
mostrei-vos o perigo; se sucumbirdes, não acuseis a sorte, nem a fatalidade,
nem a Providência; acusai-vos unicamente a vós mesmos. Que pode fazer o médico,
quando o doente não lhe dá atenção aos conselhos?”.
INTRODUÇÃO AO ESTUDO
DA FOTOGRAFIA E DA TELEGRAFIA DO PENSAMENTO
É
fato incontestável a ação fisiológica de indivíduo a indivíduo, com ou sem
contato. Semelhante ação evidentemente só pode ser exercida por um agente
intermediário, do qual é reservatório o nosso corpo; os nossos olhos e os
nossos dedos, principais órgãos de emissão e de direção. Esse agente invisível
é necessariamente um fluido. Quais a sua natureza e a sua essência? Quais as
suas propriedades íntimas? Será um fluido especial, ou uma modificação da eletricidade,
ou de algum outro fluido conhecido? Não será antes o a que hoje damos o nome de
fluido cósmico, quando se acha esparso na atmosfera, e fluido perispirítico,
quando individualizado?
Esta
questão, aliás, é secundária.
O
fluido perispirítico é imponderável, como a luz, a eletricidade e o calórico.
É-nos invisível, no nosso estado normal, e somente por seus efeitos se revela. Torna-se,
porém, visível a quem se ache no estado de sonambulismo lúcido e, mesmo, no
estado de vigília, às pessoas dotadas de dupla vista. No estado de emissão, ele
se apresenta sob a forma de feixes luminosos, muito semelhante à luz elétrica
difundida no vácuo. A isso, em suma, se limita a sua analogia com este último
fluido, porquanto não produz, pelo menos ostensivamente, nenhum dos fenômenos
físicos que conhecemos. No estado ordinário, denota matizes diversos, conforme
os indivíduos que o emitem: ora vermelho fraco, ora azulado, ou acinzentado,
qual ligeira bruma. As mais das vezes, espalha sobre os corpos circunjacentes
uma coloração amarelada, mais ou menos forte.
Sobre
essa questão, são idênticos os relatos dos sonâmbulos e dos videntes. Teremos
ainda ocasião de tratar disso, quando falarmos das qualidades que ao fluido
imprimem o móvel que o põe em movimento e o adiantamento do indivíduo que o
emite.
Nenhum
corpo lhe opõe obstáculo; ele os penetra e atravessa todos. Até agora nenhum se
conhece que seja capaz de o isolar. Somente a vontade lhe pode ampliar ou
restringir a ação. A vontade, com efeito, é o seu mais poderoso princípio. Pela
vontade, dirigem-se-lhe os eflúvios através do espaço, saturam-se dele alguns
objetos, ou faz-se que ele se retire dos lugares onde superabunda. Digamos, de
passagem, que é neste princípio que se funda a força magnética. Parece, enfim,
que ele é o veículo da vista psíquica, como o fluido luminoso o é da vista
ordinária.
O
fluido cósmico, conquanto emane de uma fonte universal, se individualiza, por
assim dizer, em cada ser e adquire propriedades características, que permitem
distingui-lo de todos os outros. Nem mesmo a morte apaga esses caracteres de
individualização, que persistem por longos anos após a cessação da vida, coisa
de que já pudemos convencer-nos. Cada um de nós tem, pois, o seu fluido
próprio, que o envolve e acompanha em todos os movimentos, como a atmosfera
acompanha cada planeta. É muito variável a extensão da irradiação dessas
atmosferas individuais. Achando-se o Espírito em estado de absoluto repouso,
pode essa irradiação ficar circunscrita nos limites de alguns passos, mas, atuando
a vontade, pode alcançar distâncias infinitas. A vontade como que dilata o
fluido, do mesmo modo que o calor dilata os gases. As diferentes atmosferas
individuais se entrecruzam e misturam, sem jamais se confundirem, exatamente
como as ondas sonoras que se conservam distintas, a despeito da imensidade de
sons que simultaneamente abalam o ar. Pode-se, por conseguinte, dizer que cada
indivíduo é centro de uma onda fluídica, cuja extensão se acha em relação com a
força da vontade, do mesmo modo que cada ponto vibrante é centro de uma onda
sonora, cuja extensão está na razão direta da força de vibração. A vontade é a
causa propulsora do fluido, como o choque é a causa de vibração do ar e
propulsora das ondas sonoras.
Das
qualidades peculiares a cada fluido resulta uma espécie de harmonia ou
desacordo entre eles, uma tendência a se unirem ou evitarem, uma atração ou
repulsão, numa palavra: as simpatias ou antipatias que se experimentam, muitas
vezes sem manifestas causas determinantes. Se nos colocamos na esfera de
atividade de um indivíduo, a sua presença não raro se nos revela pela impressão
agradável ou desagradável que nos produz o seu fluido. Se estamos entre pessoas
de cujos sentimentos não partilhamos, cujos fluidos não se harmonizam com os
nossos, penosa reação entra a oprimir-nos e sentimo-nos ali como nota
dissonante num concerto! Se, ao contrário, muitos indivíduos se acham reunidos
em comunhão de vistas e de intenções, os sentimentos de cada um se exaltam na
proporção mesma da massa das forças atuantes. Quem não conhece a força de
arrastamento que domina as aglomerações onde há homogeneidade de pensamentos e de
vontades? Ninguém pode imaginar a quantas influências estamos assim submetidos,
à nossa revelia.
Não
podem essas influências ser a causa determinante de certas ideias, dessas
ideias que em dado momento se nos tornam comuns e a outras pessoas, desses
pressentimentos que nos levam a dizer: paira alguma coisa no ar, pressagiando
tal ou tal acontecimento? Enfim, certas sensações indefiníveis de bem-estar ou
de mal-estar moral, de alegria ou tristeza, não serão efeitos da reação do meio
fluídico em que nos encontramos, dos eflúvios simpáticos ou antipáticos que
recebemos e que nos envolvem como as emanações de um corpo odorífico? Não
podemos pronunciar-nos afirmativamente, de modo absoluto, sobre essas questões,
mas é forçoso convir, pelo menos, em que a teoria do fluido cósmico,
individualizado em cada ser sob o nome de fluido perispirítico, abre um campo
inteiramente novo para a solução de uma imensidade de problemas até agora
insolúveis.
Em
seu movimento de translação, cada um de nós leva consigo a sua atmosfera
fluídica, como o caracol leva a sua concha; esse fluido, porém, deixa vestígios
da sua passagem; deixa um como sulco luminoso, inacessível aos nossos sentidos,
no estado de vigília, mas que serve para que os sonâmbulos, os videntes e os
Espíritos desencarnados reconstituam os fatos ocorridos e examinem os móveis
que os ocasionaram.
Toda
ação física ou moral, patente ou oculta, de um ser sobre si mesmo, ou sobre
outro, pressupõe, de um lado, uma força atuante e, de outro, uma sensibilidade
passiva. Em todas as coisas, duas forças iguais se neutralizam e a fraqueza
cede à força. Ora, não sendo todos os homens dotados da mesma energia fluídica,
ou, por outra, não tendo o fluido perispirítico, em todos, a mesma potência
ativa, explicado fica por que, em alguns, essa potência é quase irresistível,
ao passo que, noutros, é nula; por que algumas pessoas são muito acessíveis à
sua ação, enquanto outras lhe são refratárias.
Essa
superioridade e essa inferioridade relativas dependem evidentemente do
organismo, mas fora erro acreditar-se que estão na razão direta da força ou da
fraqueza física. A experiência prova que os homens mais robustos às vezes sofrem
as influências fluídicas mais facilmente do que outros de constituição muito
mais delicada, ao passo que com frequência se descobrem entre estes últimos uma
força que a frágil aparência deles não permitiria se suspeitasse. De muitas
formas se pode explicar essa diversidade no modo de agir.
O
poder fluídico aplicado à ação recíproca dos homens uns sobre os outros, isto
é, ao Magnetismo, pode depender: 1o ) da quantidade de fluido que cada um
possua; 2o ) da natureza intrínseca do fluido de cada um, abstração feita da
quantidade; 3o ) do grau de energia da força impulsiva; porventura, até, dessas
três causas reunidas. Na primeira hipótese, aquele que tem mais fluido dá-lo-ia
ao que tem menos, recebendo-o deste em menor quantidade. Haveria nesse caso
analogia perfeita com a permuta de calórico entre dois corpos que se colocam em
equilíbrio de temperatura. Qualquer que seja a causa daquela diferença, podemos
aperceber-nos do efeito que ela produz, imaginando três pessoas cujo poder
representaremos pelos números 10, 5 e 1. O 10 agirá sobre o 5 e sobre o 1,
porém mais energicamente sobre o 1 do que sobre o 5; este atuará sobre o 1 mas
será impotente para atuar sobre o 10; o 1, finalmente, não atuará sobre nenhum
dos dois outros. Será essa talvez a razão por que certos pacientes são sensíveis
à ação de tal magnetizador e insensíveis à de tal outro.
Pode-se
também, até certo ponto, explicar esse fenômeno, apoiado nas considerações
precedentes. Dissemos, com efeito, que os fluidos individuais são simpáticos ou
antipáticos, uns com relação aos outros. Ora, não poderia dar-se que a ação
recíproca de dois indivíduos estivesse na razão da simpatia dos fluidos, isto
é, da tendência destes a se confundirem por uma espécie de harmonia, como as
ondas sonoras produzidas pelos corpos vibrantes? Indubitavelmente essa harmonia
ou simpatia dos fluidos é uma condição, ainda que não indispensável em
absoluto, pelo menos muito preponderante, e quando há desacordo ou antipatia, a
ação não pode deixar de ser fraca ou até nula. Este sistema explica bem as
condições prévias da ação, mas não diz de que lado está a força e, admitindo-o,
somos forçados a recorrer à nossa primeira suposição.
Em
suma, que o fenômeno se dê por uma ou outra dessas causas, isso não leva a
nenhuma consequência. O fato existe; é o essencial. Os da luz se explicam
igualmente pela teoria da emissão e pela das ondulações; os da eletricidade,
pelos fluidos positivo e negativo, vítreo e resinoso.
Em
próximo estudo, apoiando-nos nas considerações que temos expendido, procuraremos
definir o que entendemos por fotografia e telegrafia do pensamento.
Fotografia e
telegrafia do pensamento
A
fotografia e a telegrafia do pensamento são questões até agora pouco
explanadas. Como todas as que não apresentam ligação com as leis que, por sua
essência, devem ser universalmente difundidas, foram relegadas para segundo
plano, não obstante serem de capital importância e poderem os elementos que
elas contêm concorrer para a elucidação de muitos problemas que ainda se acham
sem solução.
Quando
um artista de talento executa um quadro, obra magistral a que consagrou todo o
gênio que progressivamente adquiriu, dá primeiramente os traços gerais, de
sorte que se compreenda, desde o esboço, todo o partido que espera tirar dali.
Só depois de haver elaborado minuciosamente o seu plano geral é que entra nas
minúcias; e, embora a este último trabalho deva, talvez, dispensar maiores
cuidados do que àquele outro, tal não lhe seria possível, se não houvera
esboçado antes o seu quadro. O mesmo sucede em Espiritismo. As leis
fundamentais, os princípios gerais, cujas raízes existem no espírito de todo
ser criado, foram elaborados desde a origem. Todas as outras questões,
quaisquer que sejam, dependem das primeiras. Por isso é que, durante certo
tempo, forçoso se torna pôr de lado o estudo dessas questões.
Com
efeito, poder-se-ia logicamente falar de fotografia e de telegrafia do
pensamento, antes de estar demonstrada a existência da alma que manobra os
elementos fluídicos e a dos fluidos que permitem se estabeleçam relações entre
duas almas distintas? Ainda hoje, talvez, mal começamos a estar suficientemente
esclarecidos para a elaboração de tão vastos problemas! Entretanto, não se
acharão deslocadas aqui algumas considerações de natureza a preparar as bases
para um estudo mais completo.
Limitado
em suas ideias e aspirações, tendo circunscritos os seus horizontes, o homem
precisa concretar todas as coisas e pôr-lhes etiquetas, a fim de guardar delas
apreciável lembrança e basear seus futuros estudos nos dados que haja reunido.
Pelo sentido da vista foi que lhe vieram as primeiras noções do conhecimento.
Foi a imagem de um objeto que lhe ensinou a existência desse objeto. Quando
conheceu muitos objetos, tirou deduções das impressões diferentes que eles lhe
produziam no íntimo do ser, fixou na inteligência a quintessência deles por
meio do fenômeno da memória. Ora, que é a memória, senão um espécie de álbum
mais ou menos volumoso, que se folheia para encontrar de novo as ideias
apagadas e reconstituir os acontecimentos que se foram? Esse álbum tem marcas
nos pontos capitais. De alguns fatos o indivíduo imediatamente se recorda; para
recordar-se de outros, é-lhe necessário folhear por longo tempo o álbum.
A
memória é como um livro! Aquele em que lemos algumas passagens facilmente
no-las apresenta aos olhos; as folhas virgens ou raramente perlustradas têm que
ser folheadas uma a uma, para que consigamos reconstituir um fato sobre o qual
pouco tenhamos demorado a atenção.
Quando
o Espírito encarnado se lembra, sua memória lhe apresenta, de certo modo, a
fotografia do fato que ele procura. Em geral, os encarnados que o cercam nada
veem; o álbum se acha em lugar inacessível ao olhar deles, mas os Espíritos o
veem e folheiam conosco. Em dadas circunstâncias, podem mesmo, deliberadamente,
ajudar a nossa pesquisa, ou perturbá-la.
O
que se produz de um encarnado para um desencarnado também se verifica do
desencarnado para o vidente. Quando se evoca a lembrança de certos fatos da
existência de um Espírito, apresenta-se-lhe a fotografia desses fatos; e o
vidente, cuja situação espiritual é análoga à do Espírito livre, vê como ele e,
até, em determinadas circunstâncias, vê o que o Espírito não vê por si mesmo,
tal como um desencarnado pode folhear a memória de um encarnado, sem que este
tenha disso consciência e lembrar-lhe fatos de há muito esquecidos. Quanto aos
pensamentos abstratos, por isso mesmo que existem, tomam corpo para
impressionar o cérebro; têm de agir naturalmente sobre este e, de certo modo,
gravar-se nele. Ainda neste caso, como no primeiro, parece perfeita a
semelhança entre os fatos da Terra e os do Espaço.
Já
tendo sido o fenômeno da fotografia do pensamento objeto de algumas reflexões
nossas na Revista, para maior clareza reproduziremos alguns trechos do artigo
em que o assunto foi tratado e que completaremos com outras observações novas.
Sendo
os fluidos o veículo do pensamento, este atua sobre aqueles como o som atua
sobre o ar; eles nos trazem o pensamento como o ar nos traz o som. Pode-se,
pois, dizer, com verdade, que há ondas nos fluidos e radiações de pensamento,
que se cruzam sem se confundirem, como há, no ar, ondas e radiações sonoras.
Ainda
mais: criando imagens fluídicas, o pensamento se reflete no envoltório
perispirítico como num espelho, ou, então, como essas imagens de objetos
terrestres que se refletem nos vapores do ar tomando aí um corpo e, de certo
modo, fotografando-se. Se um homem, por exemplo, tiver a ideia de matar alguém,
embora seu corpo material se conserve impassível, seu corpo fluídico é acionado
por essa ideia e a reproduz com todos os matizes. Ele executa fluidicamente o
gesto, o ato que o indivíduo premeditou. Seu pensamento cria a imagem da vítima
e a cena inteira se desenha, como num quadro, tal qual lhe está na mente.
É,
assim que os mais secretos movimentos da alma repercutem no invólucro fluídico.
É assim que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é
perceptível aos olhos corporais. Estes veem as impressões interiores que se
refletem nos traços fisionômicos: a cólera, a alegria, a tristeza; a alma,
porém, vê nos traços da alma os pensamentos que não se exteriorizam.
Entretanto,
se, vendo a intenção, pode a alma pressentir a execução do ato que lhe será a
consequência, não pode, contudo, determinar o momento em que ele será
executado, nem lhe precisar os pormenores, nem mesmo afirmar que ele se
realize, porque ulteriores circunstâncias podem modificar os planos concebidos
e mudar as disposições. Ela não pode ver o que ainda não está no pensamento; o
que vê é a preocupação ocasional ou habitual do indivíduo, seus desejos, seus
projetos, suas intenções boas ou más. Daí os erros nas previsões de alguns
videntes. Quando um acontecimento está subordinado ao livre-arbítrio de um homem,
eles apenas podem pressentir-lhe a probabilidade, de acordo com o pensamento
que veem, mas não podem afirmar que se dará de tal forma, ou em tal momento. A
maior ou menor exatidão nas previsões depende, além disso, da extensão e da
clareza da vista psíquica. Em alguns indivíduos, desencarnados ou encarnados,
limita-se a um ponto ou é difusa, ao passo que em outros é nítida e abrange
todo o conjunto dos pensamentos e das vontades que hajam de concorrer para a
realização de um fato. Mas, acima de tudo, há sempre a vontade superior que
pode, em sua sabedoria, permitir uma revelação ou impedi-la. Neste último caso,
um véu impenetrável é lançado sobre a mais perspicaz vista psíquica (Veja, em A
gênese, o cap. XVI, Teoria da presciência).
A
teoria das criações fluídicas e, por conseguinte, da fotografia do pensamento,
é uma conquista do moderno Espiritismo e pode, doravante, considerar-se como
firmada em princípio, ressalvadas as aplicações de minúcias, que hão de
resultar da observação. Este fenômeno é incontestavelmente a origem das visões
fantásticas e desempenha grande papel em certos sonhos.
Quem
na Terra sabe de que maneira se estabeleceram os primeiros meios de comunicação
do pensamento? Como foram inventados ou, antes, descobertos, dado que nada se
inventa, pois que tudo existe em estado latente, cabendo aos homens apenas os
meios de pôr em ação as forças que a Natureza lhes oferece? Quem sabe quanto
tempo foi necessário para que os homens usassem da palavra de modo
perfeitamente inteligível?
Aquele
que soltou o primeiro grito inarticulado tinha sem dúvida uma certa consciência
do que queria exprimir, mas os a quem ele se dirigiu nada a princípio
compreenderam. Só ao cabo de longo lapso de tempo se verificou a existência de
palavras convencionadas, depois a de frases abreviadas e, por fim, discursos
inteiros. Quantos milhares de anos não foram necessários para que a Humanidade
chegasse ao ponto em que hoje se encontra! Cada progresso nos modos de
comunicação, nas relações entre os homens, foi sempre assinalado por uma
melhora no estado social dos seres. À medida que as relações de indivíduo a
indivíduo se tornam mais estreitas, mais regulares, a necessidade se faz sentir
de uma nova e mais rápida forma de linguagem, mais apropriada a pôr os homens
em comunicação instantânea e universalmente uns com os outros. Por que não
teria cabimento no mundo moral, de encarnado a encarnado, por meio da
telegrafia humana, o que ocorre no mundo físico, por meio da telegrafia
elétrica? Por que as relações ocultas que ligam, de maneira mais ou menos
consciente, os pensamentos dos homens e dos Espíritos, por meio da telegrafia
espiritual, não se generalizariam entre os homens, de modo consciente?
A
telegrafia humana! Aí está uma coisa de molde certamente a provocar o riso dos
que se negam a admitir o que não caia sob os sentidos materiais. Mas que
importam as zombarias dos presunçosos? As suas negações, por mais que eles as
multipliquem, não obstarão a que as Leis Naturais sigam seu curso, nem a que se
encontrem novas aplicações dessas leis, à medida que a inteligência humana se
ache em estado de lhes experimentar os efeitos.
O
homem exerce ação direta sobre as coisas, assim como sobre as pessoas que o
cercam. Frequentemente, uma pessoa de quem se faz pouco caso a exerce decisiva
sobre outras de reputação muito superior. Isto decorre de que na Terra se veem
muito mais máscaras do que semblantes e de que aí o olhar tem a obscurecê-lo a
vaidade, o interesse pessoal e todas as paixões más. A experiência demonstra
que se pode atuar sobre o espírito dos homens, à revelia deles. Um pensamento
superior, fortemente pensado, permita-se-nos a expressão, pode, pois, conforme
a sua força e a sua elevação, tocar de perto ou de longe homens que nenhuma
ideia fazem da maneira por que ele lhes chega, do mesmo modo que muitas vezes
aquele que o emite não faz ideia do efeito produzido pela sua emissão. É esse
um jogo constante das inteligências humanas e da ação recíproca de umas sobre
as outras. Juntai-lhe a das inteligências dos desencarnados e imaginai, se o conseguirdes,
o poder incalculável dessa força composta de tantas forças reunidas.
Se
se pudesse suspeitar do imenso mecanismo que o pensamento aciona e dos efeitos
que ele produz de um indivíduo a outro, de um grupo de seres a outro grupo e,
afinal, da ação universal dos pensamentos das criaturas umas sobre as outras, o
homem ficaria assombrado! Sentir-se-ia aniquilado diante dessa infinidade de
pormenores, diante dessas inúmeras redes ligadas entre si por uma potente
vontade e atuando harmonicamente para alcançar um único objetivo: o progresso
universal.
Pela
telegrafia do pensamento, ele apreciará em todo o seu valor a Lei da
Solidariedade, ponderando que não há um pensamento, seja criminoso, seja
virtuoso, ou de outro gênero, que não tenha ação real sobre o conjunto dos
pensamentos humanos e sobre cada um deles. Se o egoísmo o levava a desconhecer
as consequências, para outrem, de um pensamento perverso, pessoalmente seu, por
esse mesmo egoísmo ele se verá induzido a ter bons pensamentos, para elevar o
nível moral da generalidade das criaturas, atentando nas consequências que
sobre si mesmo produziria um mau pensamento de outrem.
Que
serão, senão consequência da telegrafia do pensamento, esses choques
misteriosos que nos advertem da alegria ou do sofrimento de um ente caro, que
se acha longe de nós? Não é a um fenômeno do mesmo gênero que devemos os
sentimentos de simpatia ou de repulsão que nos arrastam para certos Espíritos e
nos afastam de outros?
Há
certamente aí um campo imenso para o estudo e a observação, mas do qual ainda
não podemos perceber senão as massas. O estudo dos pormenores resultará de um
conhecimento mais completo das leis que regem a ação dos fluidos, uns sobre os
outros.
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