SOLUÇÃO DE ALGUNS
PROBLEMAS PELA DOUTRINA ESPÍRITA
PLURALIDADE DOS
MUNDOS
105.
Os diferentes mundos que circulam no espaço terão habitantes como a Terra?
Todos
os Espíritos o afirmam e a razão diz que assim deve ser. A Terra não ocupa no
universo nenhuma posição especial, nem por sua colocação, nem pelo seu volume,
e nada justificaria o privilégio exclusivo de ser habitada. Além disso, Deus
não teria criado milhares de globos, com o fim único de recrear-nos a vista,
tanto mais que o maior número deles se acha fora de nosso alcance. (Ver O livro
dos espíritos, questão 55. Revista espírita, março de 1858, Pluralidade dos
mundos, por Flammarion.)
106.
Se os mundos são povoados, serão seus habitantes, em tudo, semelhantes aos da
Terra? Em uma palavra, poderiam eles viver entre nós, e nós entre eles?
A
forma geral poderia ser, mais ou menos, a mesma, mas o organismo deve ser
adaptado ao meio em que eles têm de viver, como os peixes são feitos para viver
na água e as aves no ar. Se o meio for
diverso, como tudo leva a crê-lo e como parece demonstrá-lo as observações
astronômicas, a organização deve ser diferente; não é, pois, provável que, em
seu estado normal, eles possam mudar de mundo com os mesmos corpos. Isto é confirmado
por todos os Espíritos.
107.
Admitindo que esses mundos sejam povoados, estarão na mesma colocação que o
nosso, sob o ponto de vista intelectual e moral?
Segundo
o ensino dos Espíritos, os mundos se acham em graus de adiantamento muito
diferentes; alguns estão no mesmo ponto que o nosso; outros são mais atrasados,
sendo sua humanidade mais bruta, mais material e mais propensa ao mal. Pelo
contrário, outros são muito mais adiantados moral, intelectual e fisicamente;
neles, o mal moral é desconhecido, as Artes e as Ciências já atingiram um grau
de perfeição que foge à nossa apreciação; a organização física, menos material,
não está sujeita aos sofrimentos, moléstias e enfermidades; aí os homens vivem
em paz, sem buscar o prejuízo uns dos outros, isentos dos desgostos, cuidados,
aflições e necessidades que os apoquentam na Terra. Há, finalmente, outros
ainda mais adiantados, onde o invólucro corporal, quase fluídico, se aproxima cada
vez mais da natureza dos anjos. Na série progressiva dos mundos, o nosso nem
ocupa o primeiro nem o último lugar, mas é um dos mais materializados e
atrasados. (Revista espírita, 1858; Idem, 1860. O evangelho segundo o
espiritismo, cap. III.)
DA ALMA
108.
Qual a sede da alma?
A
alma não está, como geralmente se crê, localizada num ponto particular do
corpo; ela forma com o perispírito um conjunto fluídico, penetrável,
assimilando-se ao corpo inteiro, com o qual ela constitui um ser complexo, do
qual a morte não é, de alguma sorte, mais que um desdobramento. Podemos
figuradamente supor dois corpos semelhantes na forma, um encaixado no outro,
confundidos durante a vida e separados depois da morte. Nessa ocasião um deles
é destruído, ao passo que o outro subsiste.
Durante
a vida a alma age mais especialmente sobre os órgãos do pensamento e do
sentimento. Ela é, ao mesmo tempo, interna e externa, isto é, irradia
exteriormente, podendo mesmo isolar-se do corpo, transportar-se ao longe e aí
manifestar sua presença, como o provam a observação e os fenômenos
sonambúlicos.
109.
Será a alma criada ao mesmo tempo que o corpo, ou anteriormente a este?
Depois
da questão da existência da alma, é esta uma das questões mais capitais, porque
de sua solução dimanam as mais importantes consequências; ela é a única capaz
de explicar uma multidão de problemas até hoje insolúveis, por não se ter nela
acreditado.
De
duas uma: ou a alma existia, ou não existia antes da formação do corpo; não
pode haver meio-termo. Com a preexistência da alma tudo se explica lógica e
naturalmente; sem ela, encontram-se tropeços a cada passo, e, mesmo, certos
dogmas da Igreja ficam sem justificação, o que tem conduzido muitos pensadores
à incredulidade.
Os
Espíritos resolveram a questão afirmativamente, e os fatos, como a lógica, não
podem deixar dúvidas a esse respeito. Admita-se, ao menos como hipótese, a
preexistência da alma, e veremos aplainar-se a maioria das dificuldades.
110.
Se a alma já existia antes da sua união com o corpo, tinha ela sua individualidade
e consciência de si?
Sem
individualidade e sem consciência de si mesma, seria como se não existisse.
111.
Antes da sua união com o corpo, já tinha a alma feito algum progresso, ou
estava estacionária?
O
progresso anterior da alma é simultaneamente demonstrado pela observação dos
fatos e pelo ensino dos Espíritos.
112.
Criou Deus as almas iguais moral e intelectualmente, ou fê-las mais perfeitas e
inteligentes umas que as outras?
Se
Deus as houvesse feito umas mais perfeitas que as outras, não conciliaria essa
preferência com a justiça. Sendo todas as criaturas obra sua, por que
dispensaria Ele do trabalho umas, quando o impõe a outras para alcançarem a
felicidade eterna? A desigualdade das almas em sua origem seria a negação da
Justiça de Deus.
113.
Se as almas são criadas iguais, como explicar a diversidade de aptidões e
predisposições naturais que notamos entre os homens na Terra?
Essa
diversidade é a consequência do progresso feito pela alma, antes da sua união
ao corpo. As almas mais adiantadas, em inteligência e moralidade, são as que têm
vivido mais e mais progredido antes de sua encarnação.
114.
Qual o estado da alma em sua origem?
As
almas são criadas simples e ignorantes, isto é, sem ciência e sem conhecimento
do bem e do mal, mas com igual aptidão para tudo. A princípio, encontram-se
numa espécie de infância, sem vontade própria e sem consciência perfeita de sua
existência. Pouco a pouco o livre-arbítrio se desenvolve, ao mesmo tempo que as
ideias. (Ver O livro dos espíritos, questão 114 e seguintes.)
115.
Fez a alma esse progresso anterior, no estado de alma propriamente dita, ou em
precedente existência corporal?
Além
do ensino dos Espíritos sobre esse ponto, o estudo dos diferentes graus de
adiantamento do homem, na Terra, prova que o progresso anterior da alma deve
fazer-se em uma série de existências corporais, mais ou menos numerosas,
segundo o grau a que ele chegou; a prova disto está na observação dos fatos que
diariamente estão sob os nossos olhos. (Ver O livro dos espíritos, questão 166
a 222. Revista espírita, abril de 1862.)
O HOMEM DURANTE A
VIDA TERRENA
116.
Como e em que momento se opera a união da alma ao corpo?
Desde
a concepção, o Espírito, ainda que errante, está, por um cordão fluídico, preso
ao corpo com o qual se deve unir. Este laço se estreita cada vez mais, à medida
que o corpo se vai desenvolvendo. Desde esse momento, o Espírito sente uma
perturbação que cresce sempre; ao aproximar- -se do nascimento, ocasião em que
ela se torna completa, o Espírito perde a consciência de si e não recobra as
ideias senão gradualmente, a partir do momento em que a criança começa a
respirar; a união então é completa e definitiva.
117.
Qual o estado intelectual da alma da criança no momento de nascer?
Seu
estado intelectual e moral é o que tinha antes da união ao corpo, isto é, a
alma possui todas as ideias anteriormente adquiridas, mas, em razão da
perturbação que acompanha a mudança de estado, suas ideias se acham
momentaneamente em estado latente. Elas se vão esclarecendo aos poucos, mas não
se podem manifestar senão proporcionalmente ao desenvolvimento dos órgãos.
118.
Qual a origem das ideias inatas, das disposições precoces, das aptidões
instintivas para uma arte ou ciência, abstração feita da instrução?
As
ideias inatas não podem ter senão duas fontes: a criação das almas mais
perfeitas umas que as outras, no caso de serem criadas ao mesmo tempo que o
corpo, ou um progresso por elas adquirido anteriormente à encarnação. Sendo a
primeira hipótese incompatível com a Justiça de Deus, só fica de pé a segunda. As
ideias inatas são o resultado dos conhecimentos adquiridos nas existências
anteriores, são ideias que se conservaram no estado de intuição, para servirem
de base à aquisição de outras novas.
119.
Como se podem revelar gênios nas classes da sociedade inteiramente privadas de
cultura intelectual?
É um
fato que prova serem as ideias inatas independentes do meio em que o homem foi
educado. O ambiente e a educação desenvolvem as ideias inatas, mas não no-las
podem dar. O homem de gênio é a encarnação de um Espírito adiantado que muito
houvera já progredido. A educação pode fornecer a instrução que falta, mas não
o gênio, quando este não exista.
120.
Por que encontramos crianças instintivamente boas em um meio perverso, apesar
dos maus exemplos que colhem, ao passo que outras são instintivamente viciosas
em um meio bom, apesar dos bons conselhos que recebem?
É o
resultado do progresso moral adquirido, como as ideias inatas são o resultado
do progresso intelectual.
121.
Por que de dois filhos do mesmo pai, educados nas mesmas condições, um é às
vezes inteligente e o outro estúpido, um bom e o outro mau? Por que o filho de
um homem de gênio é, algumas vezes, um tolo, e o de um tolo, um homem de gênio?
É um
fato esse que vem em abono da origem das ideias inatas; prova, além disso, que
a alma do filho não procede, de sorte alguma, da dos pais; se assim não fosse,
em virtude do axioma que a parte é da mesma natureza que o todo, os pais
transmitiriam aos filhos as suas qualidades e defeitos próprios, como lhes
transmitem o princípio das qualidades corporais. Na geração, somente o corpo
procede do corpo, mas as almas são independentes umas das outras.
122.
Se as almas são independentes umas das outras, donde vem o amor dos pais pelos
filhos e o destes por aqueles?
Os
Espíritos se ligam por simpatia, e o nascimento em tal ou tal família não é um
efeito do acaso, mas depende muitas vezes da escolha feita pelo Espírito, que
vem juntar-se àqueles a quem amou no mundo espiritual ou em suas precedentes
existências. Por outro lado, os pais têm por missão ajudar o progresso dos Espíritos
que encarnam como seus filhos, e, para excitá-los a isso, Deus lhes inspira uma
afeição mútua; muitos, porém, faltam a essa missão, sendo por isso punidos.
(Ver O livro dos espíritos, questão 379.)
123.
Por que há maus pais e maus filhos?
São
Espíritos que não se ligaram na mesma família por simpatia, mas com o fim de
servirem de instrumentos de provas uns aos outros e, muitas vezes, para punição
do que foram em existência anterior; a um é dado um mau filho, porque também
ele o foi; a outro, um mau pai, pelo mesmo motivo, a fim de que sofram a pena
de talião. (Ver Revista espírita, setembro de 1861, A pena de talião.)
124.
Por que encontramos em certas pessoas, nascidas em condição servil, instintos
de dignidade e grandeza, enquanto outras, nascidas nas classes superiores, só
apresentam instintos de baixeza?
É
uma reminiscência intuitiva da posição social que o Espírito já ocupou, e do
seu caráter na existência precedente.
125.
Qual a causa das simpatias e antipatias que se manifestam entre pessoas que se
veem pela primeira vez?
São
quase sempre entes que se conheceram e, algumas vezes, se amaram em uma
existência anterior, e que, encontrando-se nesta, são atraídos um para o outro.
As antipatias instintivas provêm também, muitas vezes, de relações anteriores.
Esses
dois sentimentos podem ainda ter outra causa. O perispírito irradia ao redor do
corpo, formando uma espécie de atmosfera impregnada das qualidades boas ou más
do Espírito encarnado. Duas pessoas que se encontram, experimentam, pelo
contato desses fluidos, a impressão sensitiva, impressão que pode ser agradável
ou desagradável; os fluidos tendem a confundir-se ou a repelir-se, segundo sua
natureza semelhante ou dessemelhante. É assim que se pode explicar o fenômeno
da transmissão de pensamento. Pelo contato desses fluidos, duas almas, de algum
modo, leem uma na outra; elas se adivinham e compreendem, sem se falarem.
126.
Por que não conserva o homem a lembrança de suas anteriores existências? Não
será ela necessária ao seu progresso futuro? (Vede a parte que trata do
“Esquecimento do passado”.)
127.
Qual a origem do sentimento a que chamamos consciência?
É
uma recordação intuitiva do progresso feito nas precedentes existências e das
resoluções tomadas pelo Espírito antes de encarnar, resoluções que ele, muitas
vezes, esquece como homem.
128.
Tem o homem o livre-arbítrio, ou está sujeito à fatalidade?
Se a
conduta do homem fosse sujeita à fatalidade, não haveria para ele nem
responsabilidade do mal, nem mérito do bem que pratica. Toda punição seria uma
injustiça, toda recompensa um contrassenso. O livre- -arbítrio do homem é uma
consequência da Justiça de Deus, é o atributo que a divindade imprime àquele e
o eleva acima de todas as outras criaturas. É isto tão real que a estima dos
homens, uns pelos outros, baseia-se na admissão desse livre-arbítrio; quem, por
uma enfermidade, loucura, embriaguez ou idiotismo, perde acidentalmente essa
faculdade, é lastimado ou desprezado.
O
materialista que faz todas as faculdades morais e intelectuais dependerem do
organismo, reduz o homem ao estado de máquina, sem livre- -arbítrio e, por
consequência, sem responsabilidade do mal e sem mérito do bem que pratica. (Ver
Revista espírita, março de 1861, A cabeça de Garibaldi; Idem, abril de 1862,
Frenologia espiritualista e espírita.)
129.
Será Deus o criador do mal?
Deus
não criou o mal; Ele estabeleceu leis, e estas são sempre boas, porque Ele é
soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente seria perfeitamente
feliz; porém, os Espíritos, tendo seu livre-arbítrio, nem sempre as observam, e
é dessa infração que provém o mal.
130.
O homem já nasce bom ou mau?
É
preciso fazermos uma distinção entre a alma e o homem. A alma é criada simples
e ignorante, isto é, nem boa nem má, porém suscetível, em razão do seu livre-arbítrio,
de seguir o bom ou o mau caminho, ou, por outra, de observar ou infringir as
Leis de Deus. O homem nasce bom ou mau, segundo seja ele a encarnação de um
Espírito adiantado ou atrasado.
131.
Qual a origem do bem e do mal na Terra e por que este predomina?
A
imperfeição dos Espíritos que aqui se encarnam é a origem do mal na Terra;
quanto à predominância deste, provém da inferioridade do planeta, cujos
habitantes são, na maioria, Espíritos inferiores ou que pouco têm progredido.
Em mundos mais adiantados, onde só encarnam Espíritos depurados, o mal não
existe ou está em minoria.
132.
Qual a causa dos males que afligem a humanidade?
O
nosso mundo pode ser considerado, ao mesmo tempo, como escola de Espíritos
pouco adiantados e cárcere de Espíritos criminosos. Os males da nossa
humanidade são a consequência da inferioridade moral da maioria dos Espíritos
que a formam. Pelo contato de seus vícios, eles se infelicitam reciprocamente e
punem-se uns aos outros.
133.
Por que vemos tantas vezes o mau prosperar, enquanto o homem de bem vive em
aflição?
Para
aquele cujo pensamento não transpõe as raias da vida presente, para quem a
acredita única, isto deve parecer clamorosa injustiça. Não se dá, porém, o
mesmo com quem admite a pluralidade das existências e pensa na brevidade de
cada uma delas, em relação à eternidade.
O
estudo do Espiritismo prova que a prosperidade do mau tem terríveis
consequências em suas seguintes existências; que as aflições do homem de bem
são, pelo contrário, seguidas de uma felicidade, tanto maior e duradoura,
quanto mais resignadamente ele soube suportá-las; não lhe será mais que um dia
mau em uma existência próspera.
134.
Por que nascem alguns na indigência e outros na opulência? Por que vemos tantas
pessoas nascerem cegas, surdas, mudas ou afetadas de moléstias incuráveis,
quando outras possuem todas as vantagens físicas? Será um efeito do acaso, ou
um ato da Providência?
Se
fosse do acaso, a Providência não existiria. Admitida, porém, a Providência,
perguntamos como se conciliam esses fatos com a sua bondade e justiça? É por
falta de compreensão da causa de tais males que muitos se arrojam a acusar
Deus. Compreende-se que quem se torna miserável ou enfermo, por suas imprudências
ou por excessos, seja punido por onde pecou: porém, se a alma é criada ao mesmo
tempo que o corpo, que fez ela para merecer tais aflições, desde o seu
nascimento, ou para ficar isenta delas? Se admitimos a Justiça de Deus, não
podemos deixar de admitir que esse efeito tem uma causa; e se esta causa não se
encontra na vida presente, deve achar-se antes desta, porque em todas as coisas
a causa deve preceder ao efeito; há, pois, necessidade de a alma já ter vivido,
para que possa merecer uma expiação. Os estudos espíritas nos mostram, de fato,
que mais de um homem, nascido na miséria, foi rico e considerado em uma
existência anterior, na qual fez mau uso da fortuna que Deus o encarregara de
gerir; que mais de um, nascido na abjeção, foi anteriormente orgulhoso e
prepotente, abusou do poder para oprimir os fracos. Esses estudos no-los fazem
ver, muitas vezes, sujeitos àqueles a quem trataram com dureza, entregues aos
maus- -tratos e à humilhação a que submeteram os outros.
Nem
sempre uma vida penosa é expiação; muitas vezes é prova escolhida pelo
Espírito, que vê um meio de avançar mais rapidamente, conforme a coragem com
que saiba suportá-la. A riqueza é também uma prova, mas muito mais perigosa que
a miséria, pelas tentações que dá e pelos abusos que enseja; também o exemplo dos
que viveram, demonstra ser ela uma prova em que a vitória é mais difícil. A
diferença das posições sociais seria a maior das injustiças — quando não seja o
resultado da conduta atual —, se ela não tivesse uma compensação. A convicção
que dessa verdade adquirimos, pelo Espiritismo, nos dá força para suportarmos
as vicissitudes da vida e aceitarmos a nossa sorte, sem invejar a dos outros.
135.
Por que há homens idiotas e imbecis?
A
posição dos idiotas e dos imbecis seria a menos conciliável com a Justiça de
Deus, na hipótese da unicidade da existência. Por miserável que seja a condição
em que o homem nasça, ele poderá sair dela por sua inteligência e trabalho; o
idiota e o imbecil, porém, são votados, desde o nascimento até a morte, ao
embrutecimento e ao desprezo; para eles não há compensação possível. Por que
foi, então, sua alma criada idiota?
Os
estudos espíritas, feitos acerca dos imbecis e idiotas, provam que suas almas
são tão inteligentes como as dos outros homens; que essa enfermidade é uma
expiação infligida a Espíritos que abusaram da inteligência, e sofrem
cruelmente por se sentirem presos, em laços que não podem quebrar, e pelo
desprezo de que se veem objeto, quando, talvez, tenham sido tão considerados em
encarnação precedente. (Ver Revista espírita, junho de 1860, O Espírito de um
idiota; Idem, outubro de 1861, Os cretinos.)
136.
Qual o estado da alma durante o sono?
No
sono é só o corpo que repousa, mas o Espírito não dorme. As observações
práticas provam que, nessas condições, o Espírito goza de toda a liberdade e da
plenitude das suas faculdades; aproveita-se do repouso do corpo, dos momentos
em que este lhe dispensa a presença, para agir separadamente e ir aonde quer.
Durante a vida, qualquer que seja a distância a que se transporte, o Espírito
fica sempre preso ao corpo por um cordão fluídico, que serve para chamá-lo,
quando a sua presença se torna necessária. Só a morte rompe esse laço.
137.
Qual a causa dos sonhos?
Os
sonhos são o resultado da liberdade do Espírito durante o sono; às vezes, são a
recordação dos lugares e das pessoas que o Espírito viu ou visitou nesse
estado. (Ver O livro dos espíritos, Da emancipação da alma, “sono, sonhos,
sonambulismo, vista dupla, letargia” etc., questão 400 e seguintes. O livro dos
médiuns: “Evocação das pessoas vivas”, item 284. Revista espírita, janeiro de
1860, O Espírito de um lado, o corpo do outro; Idem, março de 1860, Estudo
sobre o Espírito de pessoas vivas.)
138.
Donde vêm os pressentimentos?
São
recordações vagas e intuitivas do que o Espírito aprendeu em seus momentos de
liberdade e algumas vezes avisos ocultos dados por Espíritos benévolos.
139.
Por que há na Terra selvagens e homens civilizados?
Sem
a preexistência da alma, esta questão é insolúvel, a menos que admitamos tenha
Deus criado almas selvagens e almas civilizadas, o que seria a negação da sua
justiça. Além disso, a razão recusa admitir que, depois da morte, a alma do
selvagem fique perpetuamente em estado de inferioridade, bem como se ache na
mesma elevação que a do homem esclarecido.
Admitindo
para as almas um mesmo ponto de partida — única doutrina compatível com a
Justiça de Deus —, a presença simultânea da selvageria e da civilização, na
Terra, é um fato material que prova o progresso que uns já fizeram e que os
outros têm de fazer. A alma do selvagem atingirá, pois, com o tempo, o mesmo
grau da alma esclarecida, mas como todos os dias morrem selvagens, essa alma não
pode atingir esse grau senão em encarnações sucessivas, cada vez mais aperfeiçoadas
e apropriadas ao seu adiantamento, seguindo todos os graus intermediários a
esses dois extremos.
140.
Não será admissível, segundo pensam algumas pessoas, que a alma, não encarnando
mais que uma vez, faça o seu progresso no estado de Espírito ou em outras
esferas?
Esta
proposição seria admissível, se todos os habitantes da Terra se achassem no
mesmo nível moral e intelectual; caso em que se poderia dizer ser a Terra
destinada a determinado grau; ora, quantas vezes temos diante de nós a prova do
contrário! Com efeito, não é compreensível que o selvagem não pudesse conseguir
civilizar-se aqui na Terra, quando vemos almas mais adiantadas encarnadas ao
lado dele; do que resulta a possibilidade da pluralidade das existências
terrenas, demonstrada por exemplos que temos à vista. Se fosse de outro modo,
era preciso explicar: 1o , por que só a Terra teria o monopólio das
encarnações; 2o , por que, tendo esse monopólio, nela se apresentam almas
encarnadas de todos os graus.
141.
Por que, no meio das sociedades civilizadas, se mostram seres de ferocidade
comparável à dos mais bárbaros selvagens?
São
Espíritos muito inferiores, saídos das raças bárbaras, que experimentam
reencarnar em meio que não é o seu, e onde estão deslocados, como estaria um
rústico colocado de repente numa cidade adiantada.
Observação
– Não é possível admitir-se, sem negar a Deus os atributos de bondade e
justiça, que a alma do criminoso endurecido tenha, na vida atual, o mesmo ponto
de partida que a de um homem cheio de virtudes. Se a alma não é anterior ao
corpo, a do criminoso e a do homem de bem são tão novas uma como a outra; por
que razão, então, uma delas é boa e a outra má?
142.
Donde vem o caráter distintivo dos povos?
São
Espíritos que têm mais ou menos os mesmos gostos e inclinações, que encarnam em
um meio simpático e, muitas vezes, no mesmo meio em que podem satisfazer as
suas inclinações.
143.
Como progridem e como degeneram os povos?
Se a
alma é criada juntamente com o corpo, as dos homens de hoje são tão novas, tão
primitivas, como a dos homens da Idade Média, e, desde então, pergunta-se por
que têm elas costumes mais brandos e inteligência mais desenvolvida? Se na
morte do corpo a alma deixa definitivamente a Terra, pergunta-se, ainda, qual
seria o fruto do trabalho feito para melhoramento de um povo, se este tivesse
de ser recomeçado com as almas novas que diariamente chegam?
Os
Espíritos encarnam em um meio simpático e em relação com o grau do seu
adiantamento. Um chinês, por exemplo, que progredisse suficientemente e não
encontrasse mais na sua raça um meio correspondente ao grau que atingiu, encarnará
entre um povo mais adiantado. À medida que uma geração dá um passo para frente,
atrai por simpatia Espíritos mais avançados, os quais são, talvez, os mesmos
que já haviam vivido no mesmo país e que, por seu progresso, dele se tinham
afastado; é assim que, passo a passo, uma nação avança. Se a maioria dos seus
novos habitantes fosse de natureza inferior e os antigos emigrassem diariamente
e não mais descessem a um meio inferior, o povo acabaria por degenerar, e,
afinal, por extinguir-se.
Observação
– Essas questões provocam outras que encontram solução no mesmo princípio; por
exemplo, donde vem a diversidade de raças, na Terra? — Há raças rebeldes ao
progresso? — A raça negra é suscetível de subir ao nível das raças europeias? —
A escravidão é útil ao progresso das raças inferiores? — Como se pode operar a
transformação da humanidade? (Ver O livro dos espíritos, questão 776 e seguintes.
Revista espírita, janeiro de 1862, Ensaio de interpretação sobre a doutrina dos
anjos decaídos; Idem, abril de 1862, Perfectibilidade da raça negra.)
O HOMEM DEPOIS DA
MORTE
144.
Como se opera a separação da alma e do corpo? É brusca ou gradual?
O
desprendimento opera-se gradualmente e com lentidão variável, segundo os
indivíduos e as circunstâncias da morte. Os laços que prendem a alma ao corpo
não se rompem senão aos poucos, e tanto menos rapidamente quanto mais a vida
foi material e sensual. (Ver O livro dos espíritos, questão 155.)
145.
Qual a situação da alma imediatamente depois da morte do corpo?
Tem
ela instantaneamente a consciência de si? Em uma palavra, que vê? Que experimenta
ela? No momento da morte, tudo se apresenta confuso; é-lhe preciso algum tempo
para se reconhecer; ela conserva-se tonta, no estado do homem que sai de
profundo sono e que procura compreender a sua situação.
A
lucidez das ideias e a memória do passado lhe voltam, à medida que se destrói a
influência da matéria de que ela acaba de separar-se, e que se dissipa o
nevoeiro que lhe obscurece os pensamentos.
O
tempo da perturbação, sequente à morte, é muito variável; pode ser de algumas
horas somente, como de muitos dias, meses ou, mesmo, de muitos anos. É menos
longa, entretanto, para aqueles que, quando vivos, se identificaram com o seu
estado futuro, porque esses compreendem imediatamente a sua situação; porém, é
tanto mais longa quanto mais materialmente o indivíduo viveu.
A
sensação que a alma experimenta nesse momento é também muito variável; a
perturbação, sequente à morte, nada tem de penosa para o homem de bem; é calma
e em tudo semelhante à que acompanha um despertar plácido.
Para
aquele cuja consciência não é pura e amou mais a vida corporal que a
espiritual, esse momento é cheio de ansiedade e de angústias, que vão
aumentando à medida que ele se reconhece, porque então sente medo e certo
terror diante do que vê e sobretudo do que entrevê. A sensação, a que podemos
chamar física, é a de grande alívio e de imenso bem-estar, fica-se como que
livre de um fardo, e o Espírito sente-se feliz por não mais experimentar as
dores corporais que o atormentavam alguns instantes antes; sente-se livre,
desembaraçado, como aquele a quem tirassem as cadeias que o prendiam.
Em
sua nova situação, a alma vê e ouve ainda outras coisas que escapam à grosseria
dos órgãos corporais. Tem, então, sensações e percepções que nos são
desconhecidas. (Revista espírita, setembro de 1859, Morte de um espírita; Idem,
outubro de 1860, O despertar do Espírito; Idem, maio de 1862, Exéquias do Sr.
Sanson; Idem, junho de 1862, Sr. Sanson.)
Observação
– Estas respostas e todas as relativas à situação da alma depois da morte ou
durante a vida não são o resultado de uma teoria ou de um sistema, mas de
estudos diretos feitos sobre milhares de indivíduos, observados em todas as
fases e períodos da sua existência espiritual, desde o mais baixo ao mais alto
grau da escala, segundo seus hábitos durante a vida terrena, gênero de morte
etc. Muitas vezes diz-se, falando da vida futura, que não se sabe o que nela se
passa, porque ninguém no-lo veio contar; é um erro, pois são precisamente os
que nela já se acham, que, a respeito, nos vêm instruir, e Deus o permite hoje,
mais que em nenhuma outra época, como último aviso à incredulidade e ao
materialismo.
146.
A alma, que deixa o corpo, pode ver a Deus?
As
faculdades perceptivas da alma são proporcionais à sua purificação: só as de
escol podem gozar da presença de Deus.
147.
Se Deus está em toda parte, por que nem todos os Espíritos podem vê-lo?
Deus
está em toda parte, porque em toda parte Ele irradia, podendo dizer-se que o
universo está mergulhado na divindade, como nós o estamos na luz solar; os
Espíritos atrasados, porém, estão envolvidos numa espécie de nevoeiro que o
oculta a seus olhos, e que se não dissipa senão à medida que eles se
desmaterializam e se purificam. Os Espíritos inferiores são, pela vista, em
relação a Deus, o que os encarnados são em relação aos Espíritos: verdadeiros
cegos.
148.
Depois da morte, tem a alma consciência de sua individualidade? Como a constata
e como podemos constatá-la?
Se
as almas não tivessem sua individualidade depois da morte, isto, para elas,
como para nós, seria o mesmo que não existirem; não teriam caráter algum
distintivo; a do criminoso estaria na mesma altura que a do homem de bem, donde
resultaria não haver interesse algum em fazermos o bem.
A
individualidade da alma é mostrada de modo material, por assim dizer, nas
manifestações espíritas, pela linguagem e qualidades próprias de cada qual; uma
vez que elas pensam e agem de modo diferente, umas são boas e outras más, umas
sábias e outras ignorantes, querendo umas o que outras não querem, o que prova
evidentemente não estarem confundidas em um todo homogêneo, isso sem falar das
provas patentes que nos dão, de terem animado tal ou tal indivíduo na Terra.
Graças ao Espiritismo experimental, a individualidade da alma não é mais uma
coisa vaga, porém o resultado da observação.
A
própria alma reconhece sua individualidade, porque tem pensamento e volição
próprios, que distinguem umas das outras; verificando ainda a sua
individualidade por seu invólucro fluídico ou perispírito, espécie de corpo
limitado, que faz dela um ser distinto.
Observação
– Há quem pense poder fugir à pecha de materialista por admitir um princípio
inteligente universal, do qual uma parte absorveríamos ao nascermos, formando
dela a nossa alma e restituindo-a depois da morte à massa comum, onde com
outras se confundiria, tal como gotas de água no oceano. Este sistema, espécie
de transição, não merece mesmo o nome de Espiritualismo, pois é tão desolador
quanto o materialismo. O reservatório comum do conjunto universal equivaleria
ao aniquilamento, porquanto ali não haveria mais individualidades.
149.
O gênero de morte influi no estado da alma?
O
estado da alma varia consideravelmente segundo o gênero de morte, mas,
sobretudo, segundo a natureza dos hábitos durante a vida. Na morte natural, o
desprendimento se opera gradualmente e sem abalo, começando mesmo antes que a
vida esteja extinta. Na morte violenta, por suplício, suicídio ou acidente, os
laços são partidos bruscamente; o Espírito, surpreendido, fica como que tonto
com a mudança nele efetuada, e não acha explicação para a sua situação. Um
fenômeno, mais ou menos constante em tal caso, é a persuasão em que ele se
conserva de não estar morto, podendo essa ilusão durar muitos meses e mesmo
muitos anos. Neste estado, ele se locomove, julga ocupar-se dos seus negócios,
como se ainda estivesse no mundo, e mostra-se espantado de não lhe responderem,
quando fala. Essa ilusão também se nota, fora dos casos de morte violenta, em muitos
indivíduos, cuja vida foi absorvida pelos gozos e interesses materiais. (Ver O
livro dos espíritos, questão 165. Revista espírita, junho de 1858, O suicida da
Samaritana; Idem, dezembro de 1858, Um Espírito nos funerais de seu corpo;
Idem, julho de 1859, O zuavo de Magenta; Idem, dezembro de 1859, Um Espírito
que não se acredita morto; Idem, março de 1863, François-Simon Louvet, do
Havre.)
150.
Para onde vai a alma depois de deixar o corpo?
Ela
não vai perder-se na imensidade do infinito, como geralmente se supõe; erra no
espaço e, o mais das vezes, no meio daqueles que conheceu e, sobretudo, que
amou, podendo instantaneamente transportar-se a distâncias imensas.
151.
Conserva a alma as afeições que tinha na vida terrena?
Guarda
todas as afeições morais e só esquece as materiais, que já não são de sua
essência; por isso vem satisfeita ver os parentes e amigos e sente- -se feliz
com a lembrança deles. (Revista espírita de julho de 1861, Conversas familiares
de além-túmulo: Os amigos não nos esquecem no outro mundo.) 152. Conserva a
alma a lembrança do que fez na Terra? Tem ela ainda interesse pelos trabalhos
que não pôde completar?
Depende
da sua elevação e da natureza desses trabalhos. Os Espíritos desmaterializados
pouco se preocupam com as coisas materiais, de que se julgam felizes por estar
livres. Quanto aos trabalhos que começaram, segundo sua importância e
utilidade, inspiram a outros o desejo de terminá-los.
153.
Encontra a alma no mundo dos Espíritos os parentes que ali a precederam?
Não
só os encontra, como também a outros muitos, seus conhecidos de outras
existências. Geralmente, aqueles que mais a amam vêm recebê-la à sua chegada ao
mundo espiritual, e ajudam-na a desprender-se dos laços terrenos. Entretanto, a
privação de ver as almas mais caras é, algumas vezes, punição para os culpados.
154.
Qual, na outra vida, o estado intelectual e moral da alma da criança morta em
tenra idade? Suas faculdades conservam-se na infância, como durante a vida?
O
incompleto desenvolvimento dos órgãos da criança não dava ao Espírito a liberdade
de se manifestar completamente; livre desse invólucro, suas faculdades são o
que eram antes da sua encarnação. O Espírito, não tendo feito mais que passar
alguns instantes na vida, não sofre modificação nas faculdades.
Observação
– Nas comunicações espíritas, o Espírito de um menino pode, pois, falar como
adulto, porque pode ser Espírito adiantado. Se, algumas vezes, adota a
linguagem infantil, é para não tirar à mãe o encanto que sempre está ligado à
afeição de um ente frágil, delicado e adornado com as graças da inocência. (Ver
Revista espírita, janeiro de 1858, Mãe, estou aqui!.) Podendo a mesma questão
ser formulada acerca do estado intelectual da alma dos imbecis, idiotas e
loucos depois da morte, encontra-se a solução no que precede.
155.
Que diferença há, depois da morte, entre a alma do sábio e a do ignorante,
entre a do selvagem e a do homem civilizado?
A
mesma, pouco mais ou menos, que existia entre elas durante a vida; porque a
entrada no mundo dos Espíritos não dá à alma todos os conhecimentos que lhe
faltavam na Terra.
156.
Progridem as almas, intelectualmente, depois da morte?
Progridem
mais ou menos, segundo sua vontade, e algumas se adiantam muito; porém, têm
necessidade de pôr em prática, durante a vida corporal, o que adquiriram em ciência
e moralidade. As que ficaram estacionárias, recomeçam uma existência análoga à
que deixaram; as que progrediram, alcançam uma encarnação de ordem mais
elevada. Sendo o progresso proporcionado à vontade do Espírito, há muitos que,
por longo tempo, conservam os gostos e as inclinações que tinham durante a
vida, e prosseguem nas mesmas ideias. (Ver Revista espírita, março de 1858, A
rainha de Oude; Idem, maio de 1858, O Espírito e os herdeiros; Idem, julho de
1858, O tambor de Beresina; Idem, dezembro de 1859, Um antigo carreteiro; Idem,
outubro de 1860, Progresso dos Espíritos; Idem, abril de 1861, Progresso de um
Espírito perverso.)
157.
A sorte do homem, na vida futura, está irrevogavelmente fixada depois da morte?
A
fixação irrevogável da sorte do homem, depois da morte, seria a negação
absoluta da justiça e da bondade de Deus, porque há muitos que não puderam
esclarecer-se suficientemente na existência terrena, sem falar dos idiotas,
imbecis, selvagens e de elevado número de crianças que morrem sem ter
entrevisto a vida. Mesmo entre os homens esclarecidos, há muitos que,
julgando-se assaz perfeitos, creem-se dispensados de estudar e trabalhar mais,
e não é isto prova que Deus nos dá de sua bondade, o permitir que o homem faça amanhã
o que não pode fazer hoje? Se a sorte é irrevogavelmente fixada, por que morrem
os homens em idades diferentes, e por que, em sua justiça, não concede Deus a
todos o tempo de produzir a maior soma de bem e reparar o mal que fizeram? Quem
sabe se o criminoso que morre aos 30 anos, não se teria tornado um homem de
bem, se vivesse até os 60? Por que Deus lhe tira assim os meios que concede a
outros? Só o fato da diversidade das durações da vida e do estado moral da grande
maioria dos homens prova a impossibilidade, admitida a Justiça divina, de ser a
sorte da alma irrevogavelmente fixada depois da morte.
158.
Qual, na vida futura, a sorte das crianças que morrem em tenra idade?
Esta
questão é uma das que melhor provam a justiça e a necessidade da pluralidade
das existências. Uma alma que só tiver vivido alguns instantes, sem fazer nem
bem nem mal, não pode merecer prêmio nem castigo, pois, segundo a máxima do
Cristo — cada um é punido ou recompensado conforme suas obras — é tão ilógico
como contrário à Justiça de Deus admitir-se que, sem trabalho, essa alma seja
chamada a gozar da bem-aventurança dos anjos, ou que desta se veja privada;
entretanto, ela deve ter um destino qualquer. Um estado misto, por toda a
eternidade, seria igualmente uma injustiça. Uma existência logo em começo
interrompida, não podendo, pois, ter consequência alguma para a alma, tem por
sorte atual o que mereceu da existência anterior, e futuramente o que vier a
merecer em suas existências ulteriores.
159.
Têm as almas ocupações na outra vida? Pensam elas em outra coisa, a não ser em
suas alegrias e sofrimentos?
Se
as almas não fizessem mais que tratar de si durante a eternidade, seria
egoísmo, e Deus, que condena essa falta na vida corporal, não poderia aprová-la
na espiritual. As almas, ou Espíritos, têm ocupações em relação com o seu grau
de adiantamento, ao mesmo tempo que procuram instruir- -se e melhorar-se. (Ver
O livro dos espíritos, questão 558.)
160.
Em que consistem os sofrimentos da alma depois da morte? Irão as almas
criminosas ser torturadas em chamas materiais?
A
Igreja reconhece perfeitamente, hoje, que o fogo do inferno é todo moral, e não
material; porém, não define a natureza dos sofrimentos. As comunicações
espíritas colocam os sofrimentos sob os nossos olhos, e, por esse meio, podemos
apreciá-los e convencer-nos de que, apesar de não serem o resultado de um fogo
material, que efetivamente não poderia queimar almas imateriais, eles, nem por
isso, deixam de ser mais terríveis, em certos casos. Essas penas não são
uniformes: variam infinitamente, segundo a natureza e o grau das faltas
cometidas, sendo quase sempre essas mesmas faltas o instrumento do seu castigo;
é assim que certos assassinos são obrigados a conservarem-se no próprio lugar
do crime e a contemplar suas vítimas incessantemente; que o homem de gostos
sensuais e materiais conserva esses pendores juntamente com a impossibilidade
de satisfazê-los, o que lhe é uma tortura; que certos avarentos julgam sofrer o
frio e as privações que suportaram na vida por sua avareza; outros se conservam
junto aos tesouros que enterraram, em transes perpétuos, com medo que os
roubem; em uma palavra, não há um defeito, uma imperfeição moral, um ato mau,
que não tenha, no mundo espiritual, seu reverso e suas consequências naturais;
e, para isso, não há necessidade de um lugar determinado e circunscrito. Onde
quer que se ache o Espírito perverso, o inferno estará com ele.
Além
dos sofrimentos espirituais, há as penas e provas materiais que o Espírito, se
não está depurado, experimenta numa nova encarnação, na qual é colocado em
condições de sofrer o que fez a outrem sofrer; de ser humilhado, se foi
orgulhoso; miserável, se avarento; infeliz com seus filhos, se foi mau filho
etc. Como dissemos, a Terra é um dos lugares de exílio e de expiação, um purgatório,
para os Espíritos dessa natureza, do qual cada um se pode libertar,
melhorando-se suficientemente para merecer habitação em mundo melhor. (Ver O
livro dos espíritos, questão 237: “Percepções, sensações e sofrimentos dos
Espíritos”; Idem, Parte Quarta: Das esperanças e consolações, cap. I, Das penas
e gozos futuros; Revista espírita, março de 1858, O assassino Lemaire; Idem,
junho de 1858, O suicida da Samaritana; Idem, dezembro de 1858, Sensações dos
Espíritos; Idem, outubro de 1859, O pai Crépin; Idem, fevereiro de 1860,
Estelle Riquier; Idem, agosto de 1860, O suicida da rua Quincampoix; Idem,
outubro de 1860, O castigo; Idem, dezembro de 1860, Entrada de um culpado no
mundo dos Espíritos, Castigo do egoísta; Idem, fevereiro de 1861, O suicídio de
um ateu; Idem, setembro de 1861, A pena de talião.)
161.
A prece será útil às almas sofredoras?
Todos
os bons Espíritos a recomendam e os imperfeitos a pedem como meio de aliviar os
seus sofrimentos. A alma, por quem se pede, experimenta um consolo, porque vê
na prece um testemunho de interesse, e o infeliz é sempre consolado, quando
encontra pessoas que compartilhem de suas dores. De outro lado, pela prece o
exortamos ao arrependimento e ao desejo de fazer o necessário para ser feliz; é
neste sentido que se pode abreviar-lhe as penas, quando ele, de seu lado, o
favorece com a sua boa vontade. (Ver O livro dos espíritos, questão 664.
Revista espírita, dezembro de 1859, Efeitos da prece.)
162.
Em que consistem os gozos das almas felizes? Passam elas a eternidade em contemplação?
A
justiça quer que a recompensa seja proporcional ao mérito, como a punição à
gravidade da falta; há, pois, graus infinitos nos gozos da alma, desde o
instante em que ela entra no caminho do bem, até aquele em que atinge a
perfeição. A felicidade dos bons Espíritos consiste em conhecer todas as
coisas, não sentir ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das
paixões que desgraçam os homens. O amor que os une é, para os bons Espíritos, a
fonte de suprema felicidade, pois não experimentam as necessidades, nem os
sofrimentos, nem as angústias da vida material. O estado de contemplação
perpétua seria uma felicidade estúpida e monótona; seria a ventura do egoísta,
uma existência interminavelmente inútil. A vida espiritual é, ao contrário, de
uma atividade incessante pelas missões que os Espíritos recebem do Ser supremo,
de serem seus agentes no governo do universo — missões essas proporcionadas ao
seu adiantamento, e cujo desempenho os torna felizes, porque lhes fornece
ocasiões de serem úteis e de fazerem o bem. (Ver O livro dos espíritos, questão
558: Das ocupações e missões dos Espíritos. Revista espírita, outubro de 1860,
Os Espíritos puros, Morada dos bem-aventurados; Idem, junho de 1861, Sra. Anaïs
Gourdon.) Observação – Convidamos os adversários do Espiritismo e os que não
admitem a reencarnação a darem, dos problemas acima apresentados, uma solução
mais lógica, por outro princípio qualquer que não seja o da pluralidade das
existências.
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