EVOLUÇÃO DO
PENSAMENTO RELIGIOSO
O homem primitivo entendia
Deus como um ser antropomórfico: Incapaz, pela sua ignorância, de conceber um
ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre a matéria, conferiu-lhe o
homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma forma e um aspecto. Allan
Kardec: O livro dos espíritos, questão 667.
O politeísmo é a crença em
vários deuses e o culto a eles prestado. Chamando “deus” a tudo o que era
sobre-humano, os homens tinham por deuses os Espíritos. Daí veio que, quando um
homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou por um poder oculto que o vulgo não
lograva compreender, se distinguia dos demais, faziam dele um deus e, por sua
morte, lhe rendiam culto. Allan Kardec: O livro dos espíritos, questão 668.
Os
hebreus foram os primeiros a praticar publicamente o mono- teísmo; é a eles que
Deus transmite a sua lei, primeiramente por via de Moisés, depois por
intermédio de Jesus. Allan Kardec: O evangelho segundo o espiritismo. Cap. XVIII,
item 2.
O desenvolvimento da ideia
de Deus e do processo religioso da Humanidade acompanha a evolução, intelectual
e moral, do próprio ser humano. Uma conquista está inerente à outra.
Quando os homens,
fisicamente, pouco dessemelhavam dos antropopitecos, suas manifestações de
religiosidade eram as mais bizarras, até que, transcorridos os anos, no
labirinto dos séculos, vieram entre as populações do orbe os primeiros
organizadores do pensamento religioso que, de acordo com a mentalidade geral,
não conseguiram escapar das concepções de ferocidade que caracterizavam aqueles
seres egressos do egoísmo animalesco da irracionalidade.
As primeiras manifestações
de religiosidade estão, pois, relacionadas à realização de sacrifícios que
poderiam agradar a Deus.
Primeiramente, porque não compreendia Deus como a fonte da bondade. Nos povos primitivos a matéria sobrepuja o espírito; eles se entregam aos instintos do animal selvagem. Por isso é que, em geral, são cruéis; é que neles o senso moral ainda não se acha desenvolvido. Em segundo lugar, é natural que os homens primitivos acreditassem ter uma criatura animada muito mais valor, aos olhos de Deus, do que um corpo material. Foi isto que os levou a imolarem, primeiro, animais e, mais tarde, homens. De conformidade com a falsa crença que possuíam, pensavam que o valor do sacrifício era proporcional à importância da vítima.
A ideia primitiva de Deus é
de natureza antropomórfica. Isto é, Deus é concebido e descrito sob a forma
humana ou com atributos humanos.
Incapaz, pela sua
ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma determinada, atuando sobre
a matéria, conferiu-lhe o homem atributos da natureza corpórea, isto é, uma
forma e um aspecto e, desde então, tudo o que parecia ultrapassar os limites da
inteligência comum era, para ele, uma divindade. Tudo o que não compreendia
devia ser obra de uma potência sobrenatural. Daí a crer em tantas potências
distintas quantos os efeitos que observava, não havia mais que um passo.
A concepção de Deus único,
criador do Universo, dos seres e coisas estava muito distante, em termos
evolutivos, para ser cogitada pelos primeiros habitantes do Planeta. Tudo que
lhes causavam impacto e extrapolava o seu entendimento era venerado como um
deus.
Sem dúvida, porquanto,
chamando deus a tudo o que era sobre-humano, os homens tinham por deuses os
Espíritos. Daí veio que, quando um homem, pelas suas ações, pelo seu gênio, ou
por um poder oculto que o vulgo não lograva compreender, se distinguia dos
demais, faziam dele um deus e, por sua morte, lhe rendiam culto.
O homem primitivo
reverenciava os espíritos (“deuses”), simbolizados por animais, vegetais e
seres inanimados. Encontrava-se diante de um processo de adoração rudimentar,
anímico e antropomórfico.
O significado filosófico de
animismo indica que alma é considerada como princípio e sustentação de todas as
atividades orgânicas, especialmente das percepções, sentimentos e pensamentos. O antropólogo Tylor (1896–1980) demonstra em
sua obra “Cultura primitiva” (Primitive culture), publicada em 1934, que o
animismo é o primeiro estágio da evolução religiosa da Humanidade, no qual o
homem primitivo crê que todas as coisas ou elementos da Natureza são animados
porque possuem uma alma. De qualquer forma, o animismo caracteriza o estágio
primordial da atividade racional e cognitiva da espécie humana. O termo
animismo, na verdade, foi utilizado pelo médico e químico alemão Georg Ernst
Stahl (1660–1734) para explicar o funcionamento do corpo humano.
O período anímico da
evolução religiosa da humanidade terrestre, faz nascer diferentes tipos de
adoração: litolatria (adoração de pedras, rochas e relevos dos solos);
fitolatria (adoração dos vegetais); zoolatria (adoração de animais); idolatria
(adoração de ídolos). A consequência natural da idolatria é o nascimento da
mitologia, com a sua forma clássica de politeísmo. Mitologia é o conjunto dos
mitos de um povo. Mito, por sua vez, é o relato fantástico da tradição oral,
gerado e protagonizado por seres que encarnam, sob forma simbólica, as forças
da Natureza e os aspectos gerais da condição humana, esclarece o Dicionário
Houaiss da língua portuguesa.
As lendas e as fábulas
constituem o acervo mitológico de um povo. Os mitos refletem a experiência
vivida pelos nossos ancestrais, mas que nos alcançam na atualidade. São também
símbolos que revelam os diferentes estágios evolutivos da caminhada humana. Por
esse motivo, os mitos apresentam representações mentais diferentes na infância,
na adolescência e na vida adulta.
Politeísmo
Por definição, politeísmo é
um sistema de crença religiosa que admite mais de um deus. Em geral, as
manifestações politeístas são acompanhadas de idolatrias, refletindo a visão
fragmentária que o homem tem da vida e do mundo. A mitologia de cada povo
adquire feição própria. A mitologia grega e os ensinamentos órficos — de grande
impacto na civilização Ocidental — são desenvolvidos por mestres do saber os
quais, no entanto, mantém-se isolados das massas populares.
Importa considerar que o
desenvolvimento da ideia de Deus acompanha outra: a da imortalidade do ser.
Desde os pródromos da
civilização a ideia da imortalidade é congênita no homem. Todas as concepções
religiosas da mais remota antiguidade, se bem que embrionárias e grosseiras em
suas exteriorizações, no-la atestam. Entre as raças bárbaras abundaram ideias
terroristas de um Deus, cuja cólera destruidora se abrandaria à custa dos
sacrifícios humanos e dos holocaustos de sangue, e, por toda parte, onde os
homens primitivos deixaram os vestígios de sua passagem, vê-se o sinal de uma divindade
a cuja providência e sabedoria as criaturas entregavam confiadamente os seus
destinos.
Merece destaque o fato de
que nas religiões politeístas, do passado e do presente, exista uma hierarquia
das divindades: um deus maior e mais poderoso que governa deuses menores, em
poder, inteligência e moralidade. Indica uma forma de transição do politeísmo,
propriamente dito, para o monoteísmo.
A palavra deus tinha, entre
os antigos, acepção muito ampla. Não indicava, como presentemente, uma
personificação do Senhor da Natureza. Era uma qualificação genérica, que se
dava a todo ser existente fora das condições da Humanidade. Ora, tendo-lhes as
manifestações espíritas revelado a existência de seres incorpóreos a atuarem
como potência da Natureza, a esses seres deram eles o nome de deuses, como lhes
damos atualmente o de Espíritos. Pura questão de palavras, com a única
diferença de que, na ignorância em que se achavam, mantida intencionalmente
pelos que nisso tinham interesse, eles erigiram templos e altares muito
lucrativos a tais deuses, ao passo que hoje os consideramos simples criaturas
como nós, mais ou menos perfeitas e despidas de seus invólucros terrestres. Se
estudarmos atentamente os diversos atributos das divindades pagãs,
reconheceremos, sem esforço, todos os de que vemos dotados os Espíritos nos
diferentes graus da escala espírita, o estado físico em que se encontram nos
mundos superiores, todas as propriedades do perispírito e os papéis que
desempenham nas coisas da Terra.
Monoteísmo
O monoteísmo, consequência
natural, e oposta, do politeísmo é doutrina religiosa que defende a existência
de uma única divindade, culto ou adoração de um único Deus, Pai e Criador
supremo.
Antes da vinda do Cristo,
com exceção dos hebreus, todos os povos eram idólatras e politeístas. Se alguns
homens superiores ao vulgo conceberam a ideia da unidade de Deus, essa ideia
permaneceu no estado de sistema pessoal, em parte nenhuma foi aceita como verdade
fundamental, a não ser por alguns iniciados que ocultavam seus conhecimentos
sob um véu de mistério, impenetrável para as massas populares. Os hebreus foram
os primeiros a praticar publicamente o monoteísmo; é a eles que Deus transmite
a sua lei, primeiramente por via de Moisés, depois por intermédio de Jesus. Foi
daquele pequenino foco que partiu a luz destinada a espargir-se pelo mundo
inteiro, a triunfar do paganismo e a dar a Abraão uma posteridade espiritual
“tão numerosa quanto às estrelas do firmamento.” Entretanto, abandonando de
todo a idolatria, os judeus desprezaram a lei moral, para se aferrarem ao mais
fácil: a prática do culto exterior.
O monoteísmo representa o
ápice da escala evolutiva religiosa da humanidade terrestre. Foi uma conquista
lenta, seguida de estágios preparatórios, nascida no seio das próprias doutrinas
politeístas.
Cabe ao povo judeu o mérito
da implantação do monoteísmo na Terra.
Dos Espíritos degredados na
Terra, foram os hebreus que constituíram a raça mais forte e mais homogênea,
mantendo inalterados os seus caracteres através de todas as mutações. Examinando
esse povo notável no seu passado longínquo, reconhecemos que, se grande era a
sua certeza na existência de Deus, muito grande também era o seu orgulho,
dentro de suas concepções da verdade e da vida. Entretanto, em honra da verdade, somos obrigados
a reconhecer que Israel, num paradoxo flagrante, antecipando-se às conquistas
dos outros povos, ensinou de todos os tempos a fraternidade, a par de uma fé
soberana e imorredoura.
O monoteísmo é consolidado
com os Dez Mandamentos, ou Decálogo, recebidos por Moisés, no monte Sinai.
O protegido de Termutis
[irmã do faraó egípcio e mãe adotiva de Moisés], depois de se beneficiar com a
cultura que o Egito lhe podia prodigalizar, foi inspirado a reunir todos os
elementos úteis à sua grandiosa missão, vulgarizando o monoteísmo e
estabelecendo o Decálogo, sob a inspiração divina, cujas determinações são até
hoje a edificação basilar da Religião da Justiça e do Direito.
Moisés, com a expressão rude
da sua palavra primitiva, recebe do mundo espiritual as leis básicas do Sinai,
construindo desse modo o grande alicerce do aperfeiçoamento moral do mundo; e
Jesus, no Tabor, ensina a Humanidade a desferir, das sombras da Terra, o seu
voo divino para as luzes do Céu.
Independentemente das
práticas indicadas pela legislação mosaica, algumas até desumanas, mas
compatíveis com a mentalidade da época, Moisés teve o mérito de difundir à
multidão que o seguia na árdua peregrinação no deserto, verdades espirituais
acessíveis apenas aos indivíduos aceitos como “iniciados” nos diferentes
templos religiosos do passado.
O grande legislador dos hebreus trouxera a determinação de Jesus, com respeito à simplificação das fórmulas iniciáticas, para compreensão geral do povo; a missão de Moisés foi tornar acessíveis ao sentimento popular as grandes lições que os demais iniciados eram compelidos a ocultar. E, de fato, no seio de todas as grandes figuras da antiguidade, destaca-se o seu vulto como o primeiro a rasgar a cortina que pesa sobre os mais elevados conhecimentos, filtrando a luz da verdade religiosa para a alma simples e generosa do povo.
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